Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10534/15.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
BENEFICIÁRIA DA ACTIVIDADE
DUAS ENTIDADES PATRONAIS
TEMPO COMPLETO
TEMPO PARCIAL
Nº do Documento: RP2018062510534/15.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 278, FLS 330-338)
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos da responsabilidade a que alude o artigo 7.º da LAT o beneficiário da atividade a que nesse se alude refere-se à relação laboral entre o prestador da atividade e esse beneficiário e não pois qualquer entidade para quem, no âmbito de um contrato de prestação de serviços/obra, a entidade patronal presta essa atividade.
II - Estando o trabalhador vinculado a dois contratos de trabalho como entidades patronais diversas, um deles a tempo completo e o outro a tempo parcial, não é aplicável o regime previsto nos n.ºs 4 e 5, por remissão do respetivo n.º 8, do artigo 71.º da LAT.
III - A conclusão referida em II resulta, desde logo, por apelo aos quadros interpretativos previstos no artigo 9.º do Código Civil, no sentido de ser fixada, de entre os sentidos possíveis da norma a interpretar, qual é então o respetivo sentido e alcance decisivos, sequer o seu elemento literal – o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”) – permite extrair esse sentido interpretativo, pois que, de modo expresso, a referência aí constante a “trabalhador a tempo parcial” está direta e necessariamente ligada ao que se lhe segue na frase, ou seja, “vinculado a mais de um empregador”, razão pela qual, em conformidade, num caso de vinculação do trabalhador a mais do que um empregador, a que aí se alude, esse tipo de vinculação (a tempo parcial, pois) terá de verificar-se em relação a todos os empregadores, já que se assim não for a situação cai fora da previsão da norma, afirmação esta que em termos interpretação gramatical temos por lógica.
IV - Esta é também a interpretação que melhor cobertura encontra em termos sistemático e racional, pois que, tendo presentes as demais disposições que integram o quadro legislativo, assim nomeadamente as gerais previstas nos n.ºs 1 a 3 em contraponto com os casos especiais que se integram diretamente no n.º 4, mas também na primeira parte do n.º 8, ou seja em que ocorre dificuldade em saber qual o valor da retribuição por não ser o trabalho ao longo do tempo “regular/normal” – às quais se assemelham os casos em que o trabalhador esteja afinal vinculado a mais do que uma entidade patronal em horários a tempo parcial, pois que, se o não for a tempo completo, sai fora da normalidade que está subjacente à previsão geral, assim nomeadamente a prevista nos n.ºs 1 a 3 do preceito – pelo que, a contrario, estando o trabalhador vinculado a tempo completo a um empregador, encontrará já cobertura no regime geral/normal previsto pelo legislador.
V - Deste modo, será pois de aplicar nestes casos o regime previsto no n.º 9 do mesmo normativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 10534/15.7T8PRT.P1
Autor: B...
Rés:
C..., S.A.,
D..., Ld.ª,
E..., S.A.,
Companhia de Seguros F..., S.A.,
______
Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunto: Des. Rita Romeira
2ª Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes
______________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. B... intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra C..., S.A., D..., Ld.ª, E..., S.A., e Companhia de Seguros F..., S.A., pedindo a condenação destas no pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, bem como no pagamento de indemnização por I.T.A. e por I.T.P. e das despesas suportadas, tudo acrescido de juros moratórios.
Alegou, para tanto, em suma, que no dia 23 de abril de 2014, quando se encontrava, no tempo e no seu local de trabalho, no exercício das respetivas funções profissionais, a sua roupa incendiou-se, o que lhe provocou lesões, na sequência do que foi operado e teve de se sujeitar a tratamentos e à toma de medicação, tendo ficado a padecer de uma I.P.P. de 39%.

1.1 Com exceção da E..., S.A., contestaram as Rés, considerando, em síntese, que as lesões sofridas pelo Autor foram-no ao serviço da R. C..., S.A., tendo esta a responsabilidade infortunística transferida para aquela companhia de seguros não contestante.

1.2 Foi proferido despacho saneador, procedendo-se de seguida à seleção da matéria de facto com relevo para a decisão da causa.

1.3 Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo que, após ter sido decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta nomeadamente o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:
I. Declaro que o sinistrado B..., por força do acidente sofrido, ficou afetado de I.P.P. de 20,46% (vinte vírgula quarenta e seis por cento) a partir de 12 de outubro de 2016;
II. Condeno a R., E..., S.A., a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.342,71 (mil trezentos e quarenta e dois euros e setenta e um cêntimos) a partir de 12 de outubro de 2016;
III. Mais condeno a R. E..., S.A. a pagar ao sinistrado a quantia global de € 1.530,71 (mil quinhentos e trinta euros e setenta e um cêntimos) a título de diferenças por incapacidades temporárias;
IV. Àquelas quantias deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde os respetivos vencimentos, até efetivo e integral pagamento;
V. Absolvo as RR. C..., S.A., D..., Ld.ª e Companhia de Seguros F..., S.A. da totalidade dos pedidos contra as mesmas formulados;
VI. Ainda condeno o A. e a R. E..., S.A. nas custas do processo, na proporção de dez por cento para o primeiro e de noventa por cento para a segunda.
Fixo o valor da ação em € 22.834,15 (art.º 120.º do C. P. Trabalho).”

2. Interpôs o Ministério Público, em representação do Sinistrado, recurso de apelação, formulando a final as conclusões que se seguem:
“1- Na data do acidente o autor tinha um contrato com a patronal D..., Ld.ª, contrato de 40 horas semanais e outro contrato para a patronal C..., SA, contrato de 10 horas semanais, contratos celebrados de acordo com a vontade de ambas as patronais, sendo que todo o trabalho era recebido pela G....
2- O trabalho do autor era remunerado com o vencimento de €650,00 x 14 mais €5,12 por cada dia de trabalho pela D... e €140,75 x 14 mais €29,26 x 11 pela C..., SA
3- O M.º juiz na douta sentença, ora recorrida, ficcionou que o autor era trabalhador, a tempo parcial apenas para a patronal C..., SA, pois deu como provado que na hora em que ocorreu o acidente, por volta das 17h, se encontrava ao serviço da patronal C..., SA.
4- Tendo em conta a prova produzida em julgamento, depoimentos da testemunha H... e declarações do autor e documentos apresentados, contratos de trabalho, deve a matéria de facto ser alterada:
5- O número 10) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: “10) O evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014.”
6- Na data do acidente, apesar de o autor ter celebrado dois contratos de trabalho, sendo um a tempo completo e de 40 horas semanais e outro de 10 horas semanais, havia um único beneficiário do trabalho do autor, que era a G....
7- Todo o trabalho do autor era prestado nas instalações da G...., conforme resulta do número 8) dos factos provados.
8- Os contratos de trabalho foram organizados pelas entidades patronais;
9- Pelo trabalho prestado, na data do acidente, o autor era remunerado com o vencimento de €650,00 x 14 mais subsídio de refeição de €5,12 por cada dia de trabalho, pelo contrato a tempo completo e €140,75 x14 mais €29,26 x 11 de subsídio de refeição pelo contrato a tempo parcial.
10- De acordo com o art.º 71.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, no cálculo das indemnizações por incapacidade temporária e da pensão por incapacidade permanente, deve atender-se a toda a retribuição do sinistrado, auferida na data do acidente.
11- Mesmo que se entenda que o acidente ocorreu quando o autor cumpria um contrato a tempo parcial, deve aplicar-se o disposto no n.º 8 do art.º 71 da Lei n.º 98/2009, sinistrado com contrato a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
12- Deverá o cálculo da indemnização e da pensão ser efectuado com base no prudente arbítrio do juiz de acordo com os n.ºs 4.º e 5.º do art.º 71 da LAT.
13- Não poderá deixar de se ter em conta, que todo o trabalho era recebido por um único beneficiário, que o autor cumpria um contrato a tempo inteiro e um contrato a tempo parcial.
14- O valor da retribuição do contrato a tempo parcial deve ser considerado como trabalho suplementar, de acordo com o acréscimo previsto no art.º 268.º n.º 1 al- a) do Código do Trabalho;
15- Mesmo que assim se não entenda, deve ser tida em conta toda a retribuição auferida, ou seja, €650,00x14, mais €5,12 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho, mais €140,75 x 15 mais €29,26x11;
16- Deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada e, em seu lugar, deve ser lavrada sentença que determine que o cálculo das indemnizações por incapacidade temporária, cujos períodos se encontram fixados e da pensão por incapacidade permanente, IPP fixada conforme exame por junta médica, deve atender a toda a remuneração auferida pelo sinistrado na data do acidente.
Assim V.as Ex.as farão JUSTIÇA.”

2.1 Apresentou a Ré D..., Lda. contra-alegações, concluindo do modo seguinte:
“A. A douta sentença sub judice, proferida a fls. dos autos de acção de acidente de trabalho (Fase Contenciosa/Petição) que correram os seus termos sob o n.º 10534/15T8PRT pela Unidade Central de Trabalho do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente tem, necessariamente, que manter-se, pois consubstancia a solução que consagra a mais justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice" das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.
B. Entende o ora recorrente que a douta sentença recorrida encontra-se viciado, verificando-se erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
C. Afigura-se a ora recorrente errónea a matéria de facto constante do ponto 10. de II Fundamentação nos qual se estipulou que: “10) O evento ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014, numa altura em que o A. trabalhava para a R. C..., SA”.
D. Tal matéria resulta da resposta dada pelo este Douto Tribunal ao ponto 12 da base instrutória no qual se respondeu:” Art.º 12.º - Provado apenas que “o evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014, numa altura em que o A. trabalhava para a R. C..., S.A.”,
E. Nos termos da douta sentença recorrida, tal factualidade foi motivada, com o que concorda, pelo facto de tal ter sido afirmado para elaboração da participação policial, do relatório da ACT e da participação do acidente de trabalho, tudo sem que o autor o tivesse, a data, infirmado…
F. Contudo, no entender do recorrente tal não se revela suficiente, pois intentou a acção contra as duas entidades patronais, indicando que o beneficiário do trabalho era a G..., reforçando o seu entendimento nos documentos juntos aos autos – contratos de trabalho -, no depoimento da testemunha H... e nas declarações de parte do autor.
G. Entende, assim, a ora recorrente que a resposta ao Art.º 12.º da matéria para julgamento, deve ter a seguinte resposta: “Art.º 12.º- Provado apenas que “o evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014.”, e, assim, o numero 10) dos factos provados deve ter a seguinte redacção:“10) O evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014.”,
H. Pois, no seu entender da prova” Não resultou provado qualquer critério indicativo da prática de trabalho para uma ou para outra das rés patronais, nem o contrato que mantinham com a G.... Não há indicação de o trabalho do autor ser dirigido por um representante de uma ou de outra das rés patronais. O único elemento em que o tribunal se baseou para dar como provado que, quando o acidente ocorreu, o autor se encontrava ao serviço da ré C..., SA foi a informação prestada por pessoas ligadas a esta empresa.”.
I. Ora, a ausência da prova ora pretendida pela recorrente não pode relevar, tendo-se que aternos a prova produzida e, desta, resulta claro a prestação de trabalho para duas entidades distintas, e que no momento do acidente era prestado para a G..., sendo noutras alturas prestado para outras entidades.
J. Entende a ora recorrida que tal entendimento não pode ser tirado dos factos invocados, entendendo correcto o julgamento efectuado na resposta dada ao ponto 12 do probatório e a matéria fixada no ponto 10 da matéria de facto provada plasmado na douta sentença.
K. Entende mesmo a recorrente que o entendimento pretendido pelo recorrente e contrariado pela prova documental constante dos autos – que indicam a “C...” como entidade patronal no momento do acidente – e as declarações do autor não se referem a essa questão.
L. Por outro lado, o entendimento pretendido pela recorrente do depoimento da testemunha H... e contrariado pela sua resposta aos costumes e pelo esclarecimento que a mesma prestou no próprio julgamento a instâncias do Mandatário da 2. Ré, aos 8 minutos, 9 segundos, e seguintes, da gravação áudio da audiência,
M. Ao declarar que trabalhava em outras obras e não em exclusivo para a G....
N. Assim, entende a ora recorrida que não assiste razão ao ora recorrente na censura que efectua da douta sentença, pois a mesma não só julgou justa e rigorosamente a matéria de facto como efectuou a interpretação e aplicação ao caso "sub judice" das normas legais e dos princípios jurídicos competentes
O. Entende, ainda, a recorrente que a douta sentença recorrida erra de direito ao determinar o vencimento atendível para cálculo da pensão e entidades responsáveis, nos termos do disposto no art.º 71.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
P. Relativamente e esta matéria a douta sentença entendeu que:
Q. A questão que cumpre aqui discutir prende-se com a circunstância de saber, desde logo, qual é a entidade ou entidades que devem ser responsabilizadas pelo ressarcimento dos danos ocasionados ao A. A este propósito, resultou assente que o aqui sujeito processual ativo, aquando da ocorrência do evento que por via desta lide se discute, encontrava-se a trabalhar, ainda que a tempo parcial, para a R. C..., S.A., não obstante também ter um contrato de trabalho, desta feita a tempo completo, com a R. D..., Ld.ª. Assim sendo, não vemos em que medida é que se possa assacar qualquer responsabilidade àquela segunda R. quando esta em nada beneficiou da atividade laboral desenvolvida pelo sinistrado e na execução da qual este foi vitimado. Note-se que o A., à data do aludido evento, não estava a trabalhar, em simultâneo, para ambas as RR. patronais, mas tão-somente para uma delas, a C..., S.A. Sequentemente, deve ser, em primeira linha, a E..., S.A. a responder, até ao limite do capital seguro, pelos prejuízos sofridos pelo A. e, para além desse limite, cumprirá chamar à responsabilidade a R. C..., S.A. No entanto e face ao que preceitua o art.º 71.º n.º 9 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – segundo o qual o cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro –, o A. deve ser indemnizado, não com base na retribuição efetivamente auferida no desempenho de trabalho a tempo parcial (in casu, € 140,75), mas antes com base na retribuição que auferiria se estivesse a trabalhar por conta dessa mesma entidade empregadora a tempo inteiro, seja, e na situação em presença, € 563 x 14 meses + € 135,74 x 11 meses, precisamente o que foi transferido da R. C..., S.A. para a R. E..., S.A. E compreende-se que assim seja. Realmente, nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2015 (consultável em www.dgsi.pt), “o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho”. Do exposto desde já se pode concluir que a R. C..., S.A., por força do contrato de seguro que outorgou com a R. E..., S.A., não deve ser aqui condenada. Do mesmo passo as RR. D..., Ld.ª e Companhia de Seguros F..., S.A. devem igualmente ser absolvidas dos pedidos contra as mesmas formulados, porquanto a primeira, apesar de conhecer a existência do contrato de trabalho firmado entre o A. e a R. C..., S.A. e tê-lo aceite, em nada beneficiou da prestação laboral deste no exercício da qual se deu o acidente R. Entende a ora recorrente, contrariamente a douta sentença recorrida, que o autor não efectuava a sua prestação laboral para duas entidades distintas, mas para uma única cujo beneficiário era a G..., baseando-se nos pontos 4., 7 e 8 dos factos provados.
S. Contudo, não concorda a ora recorrida de tal interpretação dos mesmos, entendendo, como na douta sentença, que prestava a sua prestação laboral para duas entidades distintas e para diversas entidades, com resulta dos autos, nomeadamente da passagem do depoimento da testemunha H... invocada.
T. Assim, afiguram-se-lhe desprovidas de procedência as sucessivas teses ensaiadas pelo recorrente quanto a determinação da retribuição determinante do calculo da indemnização e pensão.
U. Afigura-se a ora recorrida que a douta sentença proferida nos presentes autos tem, necessariamente, que manter-se, pois consubstancia a solução que consagra a mais justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice" das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, e em consequência, ser mantida a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Assim, se fazendo, inteira Justiça.”

2.2 O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, com sobida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, o Ministério Público não emitiu parecer, por representar o Sinistrado/recorrente.

Cumpridas as formalidades legais – com remessa do projeto, acompanhado do histórico do processo e registo da gravação (artigo 657.º n.º 2 do CPC) –, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC – aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas questões que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso sobre a matéria de facto; (2) dizendo o direito, saber qual a remuneração a atender para efeitos de cálculo das prestações devidas pelo acidente de trabalho.

III - Fundamentação
A) Da sentença resulta ter sido considerada provada a factualidade seguinte (transcrição):
“1) O A. vem exercendo, há vários anos, a profissão de eletricista;
2) Em 31 de janeiro de 2014 o A. celebrou um contrato de trabalho sob a forma escrita, por tempo indeterminado, com a R. D..., Ld.ª, conforme resulta de fls. 237 a 239 dos autos;
3) Em 10 de fevereiro de 2014 o A. celebrou com a R. C..., S.A. um contrato de trabalho, sob a forma escrita, a termo certo e tempo parcial, conforme se infere de fls. 240 a 244 destes autos;
4) A celebração dos aludidos contratos foi do conhecimento e de acordo com ambas as RR. patronais;
5) De acordo com o contrato celebrado com a R. D..., o A. deveria auferir o vencimento mensal de € 650, acrescido de subsídio de férias e de Natal, e € 5,12 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho;
6) De acordo com o contrato celebrado com a R. C..., S.A., o A. deveria auferir o vencimento mensal de € 140,75, acrescido de subsídio de férias e de Natal, e a quantia mensal de € 29,26 de subsídio de alimentação;
7) O A. prestou trabalho sob as ordens, direção e fiscalização das RR. patronais, com a categoria de eletricista;
8) O trabalho do A. era prestado para a G..., sendo desenvolvido nas instalações desta empresa, que se encontram no espaço público, na área do Grande Porto;
9) No dia 23 de abril de 2014, quando cumpria o seu horário de trabalho, cerca das 17h e no local de trabalho, o A. estava abaixo do solo, nas instalações de fornecimento de energia elétrica pertencentes à G..., em cima de um escadote a trabalhar no posto de transformação 552, sito na ..., Porto, na instalação de um D.T.C., quando a sua roupa se incendiou;
10) O evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014, numa altura em que o A. trabalhava para a R. C..., S.A.
11) Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas em 9) o A. sentiu a sua roupa em chamas, saiu para o exterior e tentou apagá-las com o auxílio de colega de trabalho;
12) Foi chamado o INEM, que compareceu no local e transportou o A. para o Hospital ..., no Porto;
13) O A. recebeu tratamento no Hospital ... e foi internado na unidade de queimados;
14) O A. esteve em coma induzido durante vários dias, foi submetido a cirurgias de desbridamento e de plastia das queimaduras e teve alta do internamento em 14 de maio de 2014, com transferência para o Centro Hospitalar ...;
15) O A., após internamento no Hospital ..., recebeu tratamento na Seguradora F... até finais de julho e, em seguida, na seguradora I...;
16) Os serviços clínicos da seguradora I... deram alta ao A. em 11 de outubro de 2016;
17) O A., como consequência do evento em apreço, apresenta dor nas cicatrizes e limitação na mobilidade do ombro esquerdo;
18) Como consequência do evento em questão o A. sofreu queimaduras de 2.º e 3.º graus (20% ASCQ) do tórax, abdómen, MSE e face, com atingimento da via aérea;
19) O sinistrado apresenta as sequelas descritas a fls. 19 do apenso A, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
20) O A., por força do referenciado evento, esteve de I.T.A. desde 24 de abril de 2014 a 1 de fevereiro de 2015 e desde 16 de abril de 2015 a 18 de setembro de 2016, de I.T.P. de 40% desde 2 de fevereiro de 2015 a 15 de abril de 2015, de I.T.P. de 45% desde 19 de setembro de 2015 a 11 de outubro de 2016, e de I.P.P. de 20,46% a partir de 12 de outubro de 2016;
21) A R. E..., S.A. aceita o acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e a transferência da responsabilidade pelo vencimento de € 563 x 14, mais € 135,74 x 11, no entanto não aceita o resultado do exame médico;
22) A R. Seguradora F..., S.A. aceita a caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, entende que o acidente ocorreu ao serviço da R. C..., S.A.;
23) As indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária foram pagas pela E..., S.A., de acordo com o vencimento mensal de € 563 x 14 + € 135,74 x 11, no total de € 14.939,40;
24) A R. C..., S.A. transferiu para a R. E..., S.A. o vencimento mensal de € 563 x 14, acrescido de € 135,74 x 11;
25) A R. D..., Ld.ª transferiu para a R. Companhia de Seguros F..., S.A. o vencimento mensal de € 650 x 14, acrescido de € 112,64 a título de subsídio de refeição.”

B) - Discussão
1. Recurso sobre a matéria de facto
Impugna o Recorrente (conclusões 1.ª a 5.ª) a decisão proferida sobre a matéria de facto quanto ao ponto 10 da factualidade provada, sustentando que esse deverá passar a ter a redação seguinte: “10) O evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014.”
Não se colocando questões referentes ao cumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, passamos de seguida ao conhecimento.
Tal ponto – que resulta da resposta dada ao quesito 12.º da base instrutória – tem a redação seguinte: “10) O evento em apreço ocorreu por volta das 17h do dia 23 de abril de 2014, numa altura em que o A. trabalhava para a R. C..., S.A.”
Indica o Recorrente, para sustentar a alteração pretendida, como meios de prova o depoimento da testemunha H... e as declarações do autor, bem como os documentos apresentados e contratos de trabalho.
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, sustentando que da prova “resulta claro a prestação de trabalho para duas entidades distintas, e que no momento do acidente era prestado para a G..., sendo noutras alturas prestado para outras entidades”.
Da motivação constante da resposta à matéria de facto o Tribunal a quo fez constar, no que aqui importa, o seguinte:
“(…) Por outro lado, o tribunal concluiu que o sinistrado, aquando da produção do aludido evento, encontrava-se a laborar para a R. C..., S.A., alicerçado nos seguintes factos: o A. não pôs em causa que assim tenha sido; foi aquele sujeito processual passivo que participou a ocorrência do evento em presença (cfr. fls. 4 dos autos); a testemunha J..., o agente da P.S.P. que tomou conta da ocorrência, fez constar no auto de participação de fls. 274 e 275 que o sinistrado trabalhava, na altura, para a R. C..., S.A.; a A.C.T. concluiu, conforme resulta do seu relatório de fls. 338 a 357 dos presentes autos, que era aquela sociedade a empregadora do A. quando ocorreu o referenciado evento. (…) Uma última nota para deixar consignado que, não obstante a questão ter sido abordada em sede de audiência final, não se provou que o sinistrado prestasse, à data, trabalho para empresas que laboravam em exclusivo para a G.... De facto, a testemunha H... afirmou, com conhecimento de causa, que as RR. patronais prestavam serviços para outras empresas, que não a G...”
Ora, cumprindo apreciar, e desde logo, importa ter presente que o Autor, na sua petição inicial, sequer alegou expressamente que, aquando do acidente, a sua atividade fosse então desenvolvida para as duas entidades patronais que aí indica, pois que, fazendo é certo os cálculos no pressuposto de que fossem consideradas ambas as remunerações, limitou-se porém a referir, assim no artigo 9.º, que sofreu o acidente “no local de trabalho”, sendo que apesar de a Ré Companhia de Seguros F..., S.A., na sua contestação, assim no artigo 12.º, ter alegado que o acidente ocorreu “em momento em que o Autor se encontrava no cumprimento do seu horário de trabalho para a Ré C..., S.A”, para sustentar não ser responsável pela reparação do acidente, não resultando essa versão também contrariada nas demais contestações apresentadas, sequer o Autor também a contrariou, o que apenas veio agora fazer em sede de recurso.
Seja como for, independentemente dessa circunstância, sequer a prova produzida dá sustentação ao que pretende, aí se incluindo a indicada pelo Recorrente, bem como ainda a que foi considerada pelo Tribunal recorrido para formar a sua convicção, pois que, ouvidos que foram os depoimentos por aquele e nesta referenciados (integralmente, diga-se), não encontramos fundamento bastante para substituirmos tal convicção por qualquer outra, em particular a defendida pelo Recorrente, na consideração, que se impõe, dos princípios que vigoram no âmbito da apreciação da prova, plasmados nos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, assim de que o juiz, sem descurar é certo a análise crítica das provas, essas aprecia livremente “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Aliás, dos depoimentos indicados pelo Recorrente (testemunhal e por declarações) resulta mesmo reforçada a convicção do Tribunal recorrido pois que a testemunha H... referiu que, tendo contrato com a D... a 100%, por esta não poder desenvolver trabalhos elétricos para a G..., se encontrava cedido então à C... (minutos 3.28 a 4.00), sendo que nas declarações que prestou, o Autor disse ter consciência de que trabalhava um tempo para uma e outro para a outra empresa (minutos 7.55).
Deste modo, por falta de demonstração, improcedem as conclusões do Recorrente dirigidas à matéria de facto, que assim se mantém inalterada.

2. O Direito
Das conclusões apresentadas pelo Apelante ressalta que o mesmo, baseando-se também na alteração que sustentou em sede de matéria de facto, num primeiro entendimento, considera que, sendo ele remunerado com o vencimento de €650,00 x 14 mais subsídio de refeição de €5,12 por cada dia de trabalho, pelo contrato a tempo completo, e €140,75 x14 mais €29,26 x 11 de subsídio de refeição pelo contrato a tempo parcial, se deve atender, de acordo com o artigo 71.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, no cálculo das indemnizações por incapacidade temporária e da pensão por incapacidade permanente, a toda essa retribuição. Depois, num segundo argumento, para a eventualidade de se entender que o acidente ocorreu quando cumpria um contrato a tempo parcial, que “deve aplicar-se o disposto no n.º 8 do art.º 71 da Lei n.º 98/2009, devendo o cálculo da indemnização e da pensão ser efetuado com base no prudente arbítrio do juiz, de acordo com os n.ºs 4.º e 5.º do art.º 71 da LAT, considerando ainda que, não podendo deixar de se ter em conta que todo o trabalho era recebido por um único beneficiário, que o valor da retribuição do contrato a tempo parcial deve ser considerado como trabalho suplementar, de acordo com o acréscimo previsto no art.º 268.º n.º 1 al- a) do Código do Trabalho. Por último, num derradeiro argumento, refere que, mesmo que assim se não entenda, deve ser tida em conta toda a retribuição auferida, ou seja, €650,00x14, mais €5,12 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho, mais €140,75 x 15 mais €29,26x11.
Em sentido contrário se pronuncia, nas contra-alegações que apresentou, a Ré/apelada D..., Lda., defendendo o acerto do julgado.
Cumprindo decidir, limitada a apreciação à questão que nos ocupa e é objeto de recurso sobre a definição da responsabilidade pela reparação, fez-se constar da sentença, a esse propósito, o seguinte:
“(…) A questão que cumpre aqui discutir prende-se com a circunstância de saber, desde logo, qual é a entidade ou entidades que devem ser responsabilizadas pelo ressarcimento dos danos ocasionados ao A. A este propósito, resultou assente que o aqui sujeito processual ativo, aquando da ocorrência do evento que por via desta lide se discute, encontrava-se a trabalhar, ainda que a tempo parcial, para a R. C..., S.A., não obstante também ter um contrato de trabalho, desta feita a tempo completo, com a R. D..., Ld.ª. Assim sendo, não vemos em que medida é que se possa assacar qualquer responsabilidade àquela segunda R. quando esta em nada beneficiou da atividade laboral desenvolvida pelo sinistrado e na execução da qual este foi vitimado. Note-se que o A., à data do aludido evento, não estava a trabalhar, em simultâneo, para ambas as RR. patronais, mas tão-somente para uma delas, a C..., S.A. Sequentemente, deve ser, em primeira linha, a E..., S.A. a responder, até ao limite do capital seguro, pelos prejuízos sofridos pelo A. e, para além desse limite, cumprirá chamar à responsabilidade a R. C..., S.A. No entanto e face ao que preceitua o art.º 71.º n.º 9 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – segundo o qual o cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro –, o A. deve ser indemnizado, não com base na retribuição efetivamente auferida no desempenho de trabalho a tempo parcial (in casu, € 140,75), mas antes com base na retribuição que auferiria se estivesse a trabalhar por conta dessa mesma entidade empregadora a tempo inteiro, seja, e na situação em presença, € 563 x 14 meses + € 135,74 x 11 meses, precisamente o que foi transferido da R. C..., S.A. para a R. E..., S.A. E compreende-se que assim seja.
Realmente, nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2015 (consultável em www.dgsi.pt), “o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho”.
Do exposto desde já se pode concluir que a R. C..., S.A., por força do contrato de seguro que outorgou com a R. E..., S.A., não deve ser aqui condenada. Do mesmo passo as RR. D..., Ld.ª e Companhia de Seguros F..., S.A. devem igualmente ser absolvidas dos pedidos contra as mesmas formulados, porquanto a primeira, apesar de conhecer a existência do contrato de trabalho firmado entre o A. e a R. C..., S.A. e tê-lo aceite, em nada beneficiou da prestação laboral deste no exercício da qual se deu o acidente.(…)”

Vista tal fundamentação, e desde já, consideramos que falecem, salvo o devido respeito, os argumentos apresentados pelo Apelante, não se vendo razões para não se concordar com entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.
De facto, e em primeiro lugar, quanto ao argumento baseado na alteração da matéria de facto por que pugnou mas não conseguiu alcançar, porque assim foi, aquele cai necessariamente pela base, não podendo pois partir-se do pressuposto de que a atividade do Autor era desenvolvida no momento do acidente para ambas as Rés empregadoras.
Por outro lado, e em segundo lugar, entrando já no segundo argumento que apresenta, o mesmo também não encontra, na nossa ótica, cobertura no regime legal aplicável, assim as normas indicadas pelo Apelante.
É que, e desde logo, importa esclarecer, quanto ao argumente referente ao beneficiário da atividade prestada pelo Sinistrado que esse é, em primeira linha e de modo direto, para os efeitos que se analisam, a sua entidade patronal e não pois a G..., pois que, ainda que esta pudesse beneficiar do resultado da atividade de ambas as empresas a que aquele estava vinculado por contrato de trabalho, estamos aqui perante o desenvolvimento da relação contratada entre empresas para a realização de uma obra/serviço, não pois laboral, sendo que esta, única que no caso importa, apenas se verifica entre o Sinistrado e aquelas empresas prestadoras desses serviços/obra. Ou seja, dentro e no âmbito de uma relação de trabalho/laboral, o Sinistrado presta diretamente a sua atividade apenas para estas últimas, sendo essas pois as únicas que assumem a qualidade de beneficiárias diretas, enquanto entidades patronais, dessa sua atividade – em particular, no que aqui importa, desde logo quanto à obrigação de responderem por acidente qualificado como de trabalho, como resulta desde logo do artigo 7.º da LAT, já que a responsabilidade nesse afirmada tem como pressuposto que a atividade dos trabalhadores seja desenvolvida ao seu serviço[1] –, tratando-se assim, no que se refere à G..., de um beneficiário como que indireto, por estar fora dessa relação. Daí que se entenda o conteúdo do ponto 8.º da factualidade, quando aí se refere “o trabalho do A. era prestado para a G...”, com esta configuração, ou seja de benificiária apenas indireta, fora do âmbito de aplicação do regime que nos ocupa.
Por outro lado, agora diretamente por referência ao regime estabelecido no artigo 71.º da LAT, a que apela o Recorrente, a verdade é que, diversamente do que esse o sustenta, não temos por integrada a situação que se analisa, face ao que se provou, na previsão dos seus n.ºs 4 e 5[2], por remissão do n.º 8 do mesmo normativo, pois que, e desde logo, sendo o argumento invocado o da vinculação a tempo parcial do Sinistrado a uma das entidades patronais, assim a Ré C..., S.A., esse argumento não é porém já aplicável, o que se imporia, à outra entidade patronal, ou seja à Ré D..., Lda., já que quanto a essa está vinculado por contrato a tempo completo.
Assim o dizemos por recurso a uma tarefe interpretativa, nos quadros do artigo 9.º do Código Civil (CC)[3], no sentido de ser fixada, de entre os sentidos possíveis da norma a interpretar, qual é então o respetivo sentido e alcance decisivos, como aponta Manuel de Andrade[4], para o que importará ter presente, desde logo, o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”) – com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto –, mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico – pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica –, integrado pelos elemento sistemático – que compreende a consideração das demais disposições integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas (unidade do sistema jurídico) –, racional ou teleológico – a ratio legis, ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser – e histórico – o contexto em que a norma foi elaborada, incluindo a sua evolução histórica e as suas fontes, ou seja, as circunstâncias em que a norma foi elaborada[5].
É que, chamando pois à colação tais regras da interpretação, face à redação do aludido n.º 8 – “O disposto nos n.ºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador” –, sequer o seu elemento literal – o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”) – permite extrair o sentido interpretativo preconizado pelo Recorrente pois que, de modo expresso, no que aqui importa, a referência aí constante a “trabalhador a tempo parcial” está direta e necessariamente ligada ao que se lhe segue na frase, ou seja, “vinculado a mais de um empregador”, razão pela qual, em conformidade, num caso de vinculação do trabalhador a mais do que um empregador, a que aí se alude, esse tipo de vinculação (a tempo parcial, pois) terá de verificar-se em relação a todos os empregadores, já que se assim não for a situação cai fora da previsão da norma, afirmação esta que em termos interpretação gramatical temos por lógica – por ter de ser aquela, como se disse, também lógica. Esta é também a interpretação que melhor cobertura encontra em termos sistemático, racional e mesmo histórico, pois que, tendo presentes as demais disposições que integram o quadro legislativo, assim nomeadamente as gerais previstas nos n.ºs 1 a 3 em contraponto com os casos especiais que se integram diretamente no n.º 4, mas também na primeira parte do n.º 8, ou seja em que ocorre dificuldade em saber qual o valor da retribuição por não ser o trabalho ao longo do tempo “regular/normal” – às quais se assemelham os casos em que o trabalhador esteja afinal vinculado a mais do que uma entidade patronal em horários a tempo parcial, pois que, se o não for a tempo completo, sai fora da normalidade que está subjacente à previsão geral, assim nomeadamente a prevista nos n.ºs 1 a 3 do preceito – pelo que, a contrario, estando o trabalhador vinculado a tempo completo a um empregador, encontrará já cobertura no regime geral/normal previsto pelo legislador[6].
Deste modo, será pois de aplicar, num caso como o que se analisa, o regime que se encontra previsto no n.º 9 do mesmo normativo, ou seja “O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro” – pois que a exclusão da previsão do n.º 8 e por decorrência dos n.ºs 4 e 5 leva necessariamente à aplicação do regime geral previsto na norma para os casos de acidente ocorrido durante a prestação de trabalho a tempo parcial para um empregador –, afinal aquele que o foi pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida, razão pela qual tal entendimento não nos merece censura.
E não nos merece, esclareça-se por último, por não vislumbrarmos, salvo o devido respeito, qual o fundamento para ser chamado à discussão o regime do trabalho suplementar – de acordo com o acréscimo previsto no art.º 268.º n.º 1 al- a) do Código do Trabalho – pois que, afinal, não se tratando sequer, face à factualidade provada, de um caso de pluralidade de empregadores a que alude o artigo 101.º do Código do Trabalho, devendo pois os dois empregadores ser vistos com autonomia, a atividade desenvolvida para um não o é será o outro, sendo que, como é por demais evidente, face ao que resulta do mesmo Código, o trabalho suplementar, pela sua própria natureza, é aferido por referência ao horário de trabalho a que está vinculado o trabalhador para a entidade patronal, no caso de mais do que uma, tendo por referência cada uma delas e não pois através de uma mera adição dos tempos de trabalho para cada prestado.
Carecendo, pelo exposto, as conclusões do Recorrente de sustentação legal e factual, improcede o recurso na sua totalidade.
Sem prejuízo de isenção ou benefício que lhe tenha sido concedido, a responsabilidade por custas impende sobre o Sinistrado (artigo 527.º do CPC)
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IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Sinistrado/recorrente.

Porto, 25 de junho de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] A ser assim, não se exigindo pois a ligação mencionada e também afirmada na sentença, por argumento de absurdo, então a responsabilidade poderia porventura recair, ainda, para a G... ou porventura para uma qualquer outra empresa que nesse momento desenvolvesse também para essa a sua atividade.
[2] Assim:
“4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.”
[3] Dispõe-se no artigo 9.º do CC, o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
[4] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 21
[5] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2016 (fixação de jurisprudência), que nesta parte se segue de perto, por apelo aos ensinamentos de Baptista Machado, frisando ainda que a interpretação tem também que ser atualista (“tendo… as condições específicas do tempo em que é aplicada”)
[6] Assim o dizemos não obstante poderem ser colocadas algumas dúvidas nos casos de trabalhador vinculado a tempo parcial a mais do que um empregador, resultantes da conjugação do n.º 8 com o que se dispõe no n.º 9, assim quanto a saber se valerá ou não nesses casos o que se dispõe neste último. Porém, como se viu, o caso em análise não se enquadra nessa situação.