Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
472/17.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
TRIBUNAL ARBITRAL DESPORTIVO
VAZIO LEGISLATIVO
Nº do Documento: RP20171106472/17.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL),(LIVRO DE REGISTOS N.º263, FLS.294-299)
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso à arbitragem voluntária, em sede de resolução de conflitos no âmbito do contrato de trabalho desportivo, é admissível desde que essa possibilidade seja prevista em convenção colectiva.
II - É o que estabelecia o nº1 do artigo 30º da Lei nº28/98 de 26.06 e que a Convenção Colectiva celebrada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato D… – publicada no BTE 1ª série, nº33, de 08.09.1999 – acabou por consagrar nos seus artigos 54º e 55º e Anexo II e o que actualmente se prevê nos artigos 6º e 7º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto e no novo regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo estabelecido pela Lei nº54/2017 de 14.07.
III - Se a sujeição de litígio laboral em sede de contrato de trabalho desportivo a um Tribunal Arbitral depende da vontade expressa e inequívoca das partes – artigo 150º, nº1 da LOSJ – e se a possibilidade de recurso ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) deve constar da respectiva convenção colectiva, então, a partir de 31.07.2016, existe um vazio «legislativo» em termos de previsão de regulamentação colectiva no que concerne ao recurso ao TAD em sede de arbitragem voluntária.
IV - Por isso, o determinado no artigo 3º, nº3 [Norma transitória] da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto não pode ser imposto às partes que convencionaram «outro órgão de competência» para dirimir o litígio, não obstante a extinção deste órgão e a sua substituição por outro [o TAD].
V - Perante a supressão do órgão constante da cláusula compromissória, e atento o princípio consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa – acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – compete ao Tribunal do Trabalho conhecer do litígio, ou seja, da presente acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº472/17.4T8VNG.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1500
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 17.01.2017, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, acção emergente de contrato de trabalho, contra C… – LDA., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €15.914,76, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega o Autor ser jogador profissional de futebol tendo celebrado com a Ré, em 01.07.2014, um contrato de trabalho desportivo para as épocas de 2014/2015 e 2015/2016, mediante remuneração que indica. Acontece que a Ré não pagou ao Autor, como devia, a remuneração relativa ao mês de Maio de 2016, no valor de €14.705,35, bem como o montante acordado para despesas de alojamento, respeitante ao mês de Maio de 2016, no valor de €818,13, tendo o Sindicato D…, em 01.09.2016, e representando o Autor, remetido à Ré carta registada com aviso de recepção afim de esta proceder ao pagamento das quantias indicadas.
A Ré veio contestar excepcionando a incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria, face ao convencionado pelas partes na clª15ª do contrato de trabalho e o disposto nos artigos 1º, nº1, 3º, nº3, 4º, nº1 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto aprovada pela Lei nº74/2013 de 06.09.
O Tribunal a quo julgou procedente a excepção de incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria e absolveu a Ré da instância.
O Autor veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por acórdão que julgue o Tribunal do Trabalho competente, concluindo nos seguintes termos:
1. A transferência da competência atribuída à Comissão Arbitral Paritária (CAP) para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) operada através do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013, de 06.09, é inconstitucional por violar os princípios constitucionais da segurança jurídica, tutela da confiança, do Estado de Direito Democrático e do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva.
2. E atento o teor da clª15ª do Contrato de Trabalho Desportivo é evidente que as partes atribuíram expressa e exclusivamente competência à CAP, emergente do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato D… e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º do referido Contrato Colectivo de Trabalho, e não ao TAD.
3. Em momento algum ocorreu ao recorrente a possibilidade de, no caso de surgir algum litígio no âmbito do contrato de trabalho desportivo celebrado com a Ré, ser obrigado a recorrer ao TAD, em vez de submeter os seus litígios à apreciação da CAP e, consequentemente ver-se obrigado a pagar honorários manifestamente mais elevados do que os previstos para a CAP e/ou para os Tribunas do Trabalho, sujeitando-se às suas regras, também elas menos favoráveis do que as regras aplicáveis à CAP.
4. As regras aplicáveis à CAP são totalmente distintas das regras aplicáveis ao TAD, sendo estas consideravelmente mais onerosas e desfavoráveis a qualquer trabalhador que pretenda reclamar créditos devidos pelo seu empregador, como é o caso do Autor.
5. É pois evidente que o Autor nunca teria concordado com uma cláusula compromissória que o obrigasse a despender o montante mínimo de €3.325,00 para fazer valer os seus direitos junto do TAD.
6. Trata-se de garantir e tutelar a segurança e legítima expectativas jurídicas do recorrente que, caso seja obrigado a sujeitar o presente litígio à apreciação do TAD, serão manifestamente violadas, pois o Autor não previu, nem poderia tão pouco legitimamente prever, que seria afinal obrigado a submeter qualquer litígio decorrente do contrato em questão à apreciação do TAD.
7. Existindo uma expressa e real intenção de ambas as partes em submeter qualquer disputa decorrente do contrato de trabalho desportivo à CAP, não é admissível que agora se encontrem, inesperadamente, obrigadas a recorrer a uma diferente jurisdição, que não os tribunais judiciais, por força de uma imposição legal que, por mero lapso, não cuidou de salvaguardar situações como a dos autos.
8. Com excepção das matérias que estão sujeitas a arbitragem necessária do TAD, nos termos do disposto nos artigos 52º e seguintes da Lei do TAD, e nas quais se inclui a matéria dos autos, a escolha das partes em submeter ou não algum litígio a determinado tribunal arbitral, regido por determinadas regras, é, precisamente, uma escolha livre e esclarecida das partes, feita no âmbito do exercício da sua autonomia.
9. Instâncias internacionais como sejam a FIFA e o COURT OF ARBITRATION FOR SPORT, têm defendido que é exigido às partes uma clara referência no contrato de trabalho desportivo ao Tribunal Arbitral nacional a que pretendem submeter quaisquer futuros litígios que surjam no decorrer da sua relação.
10. A extinção de tal Tribunal não pode, porém, legitimar o legislador a transferir, sem mais, a competência que antes cabia a esse tribunal a um novo tribunal arbitral, com procedimentos, regras de funcionamento e custos associados, totalmente distintos dos do anterior, sem cuidar, ao menos, de salvaguardar os casos como o dos autos, nos quais as partes, ao abrigo da autonomia privada que lhes é garantida, decidiram, de forma livre, esclarecida e, mais importante, de comum acordo, atribuir a competência para eventuais litígios a um dado tribunal arbitral.
11. À luz do que antecede, a transferência de competência da CAP para o TAD, no que respeita às cláusulas compromissórias que remetem expressamente para a CAP, constantes dos contratos de trabalho desportivos celebrados em momento anterior à sua extinção, constitui uma grave e manifesta violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, conforme o artigo 2º da CRP decorrente da inconstitucionalidade do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09, que aprova o TAD (norma transitória), bem como da sua aplicação nos presentes autos, no sentido de se determinar a existência da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral – o TAD – nos termos do artigo 477º, al. a) do CPC.
12. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o avultado montante das custas processuais praticadas pelo TAD – neste caso de €3.325,00 acrescido de IVA à taxa de 23% – implica uma desproporcionalidade flagrante face ao valor das custas processuais no âmbito de um processo que corra termos perante um tribunal judicial e que, em caso de vencimento, poderá ser recuperado, ainda que em parte, em sede de custas de parte.
13. Esta solução atenta contra o princípio basilar segundo o qual deve haver proporcionalidade adequada e justa entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º, ambos da CRP.
14. Assim, ao julgar procedente a excepção dilatória de incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria, prevista na al. a) do artigo 577º do CPC, e absolver a Ré da instância, com base no preceituado no nº1 do artigo 99º do mesmo Código, o Tribunal a quo incorreu em violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, conforme o artigo 20º da CRP, decorrente da interpretação inconstitucional por este feita do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09 e do artigo 577º, al. a) do CPC, no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível a parte que, no caso concreto, não contava e nem podia contar que, em vez de pagar o montante de €199,52, a título de preparos, se veria obrigado a pagar o montante de €3.325,00, a título de despesas processuais, no TAD, no âmbito de um litígio que aceitou prévia e expressamente submeter à CAP, posteriormente extinta, e não ao TAD.
O Autor veio, na parte final das suas conclusões, arguir as seguintes inconstitucionalidades: 1. É inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, conforme o artigo 2º da CRP, o artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09, bem como a sua aplicação nos presentes autos, que determina a transferência de competência da CAP para o TAD, no que respeita às cláusulas compromissórias que remetem expressamente para a CAP, e implicando a existência da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral – o TAD – nos termos do artigo 477º, al. a) do CPC. 2. É inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, conforme o artigo 20º da CRP, a interpretação do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09 e artigo 577º, al. a) do CPC, no sentido de a excepção dilatória de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte com insuficiência económica que, no caso concreto, não contava e nem podia contar que, em vez de pagar o montante de €199,52, a título de preparos, se veria obrigado a pagar o montante de €3.325,00, a título de custas processuais, no TAD, no âmbito de um litígio que aceitou prévia e expressamente submeter à CAP, posteriormente extinta, e não ao TAD.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal, citando o acórdão desta Secção Social, de 03.11.2014, e os acórdãos da Relação de Lisboa de 01.06.2011 e de 12.10.2016 emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. O Autor veio responder reafirmando e reforçando os argumentos expostos no seu recurso.
Admitido o recurso cumpre decidir.
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II
Para além do que consta do § anterior nenhuma outra factualidade cumpre referir.
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III
Objecto do recurso.
1. Da competência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria.
2. Da inconstitucionalidade do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09.
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IV
Da competência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria.
Consta da decisão recorrida o seguinte: (…) “de acordo com o disposto no nº3 do artigo 3º e no nº1 do artigo 1º, ambos da Lei nº74/2013, de 06.09, o Tribunal Arbitral do Desporto tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto, tendo substituído a Comissão Arbitral Paritária para dirimir os conflitos decorrentes dos contratos de trabalho desportivos desde 31.07.2016” (…) “No caso dos autos está em causa a interpretação/aplicação do contrato de trabalho celebrado entre uma entidade desportiva” (…) “e um jogador de futebol” (…) “ou seja, matéria que se insere no âmbito do referido órgão arbitral. E, como tal, a ele deveria ter sido solicitada a resolução do litígio em causa, com vista a determinar se a Ré, deve ou não, por via do contrato, a quantia peticionada pelo Autor. Não o tendo feito, o Autor preteriu um Tribunal arbitral a que estava vinculado, sendo que essa preterição determina incompetência absoluta deste Tribunal” (…).
O apelante discorda referindo: atento o teor da clª15ª do Contrato de Trabalho Desportivo é evidente que as partes atribuíram expressa e exclusivamente competência à CAP, emergente do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato D… e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º do referido Contrato Colectivo de Trabalho, e não ao TAD. Em momento algum ocorreu ao recorrente a possibilidade de, no caso de surgir algum litígio no âmbito do contrato de trabalho desportivo celebrado com a Ré, ser obrigado a recorrer ao TAD, em vez de submeter os seus litígios à apreciação da CAP e ver-se obrigado a pagar honorários manifestamente mais elevados do que os previstos para a CAP e/ou para os Tribunas do Trabalho, sujeitando-se às suas regras, também elas menos favoráveis do que as regras aplicáveis à CAP. As regras aplicáveis à CAP são totalmente distintas das regras aplicáveis ao TAD, sendo estas consideravelmente mais onerosas e desfavoráveis a qualquer trabalhador que pretenda reclamar créditos devidos pelo seu empregador, como é o caso do Autor. É pois evidente que o Autor nunca teria concordado com uma cláusula compromissória que o obrigasse a despender o montante mínimo de €3.325,00 para fazer valer os seus direitos juntos do TAD. Trata-se de garantir e tutelar a segurança e legítima expectativas jurídicas do recorrente que, caso seja obrigado a sujeitar o presente litígio à apreciação do TAD, serão manifestamente violadas, pois o Autor não previu, nem poderia tão pouco legitimamente prever, que seria afinal obrigado a submeter qualquer litígio decorrente do contrato em questão à apreciação do TAD. Existindo uma expressa e real intenção de ambas as partes em submeter qualquer disputa decorrente do contrato de trabalho desportivo à CAP, não é admissível que agora se encontrem, inesperadamente, obrigadas a recorrer a uma diferente jurisdição, que não os tribunais judiciais, por força de uma imposição legal que, por mero lapso, não cuidou de salvaguardar situações como a dos autos. Com excepção das matérias que estão sujeitas a arbitragem necessária do TAD, nos termos do disposto nos artigos 52º e seguintes da Lei do TAD, e nas quais se inclui a matéria dos autos, a escolha das partes em submeter ou não algum litígio a determinado tribunal arbitral, regido por determinadas regras, é, precisamente, uma escolha livre e esclarecida das partes, feita no âmbito do exercício da sua autonomia. A extinção de tal Tribunal não pode, porém, legitimar o legislador a transferir, sem mais, a competência que antes cabia a esse tribunal a um novo tribunal arbitral, com procedimentos, regras de funcionamento e custos associados, totalmente distintos dos do anterior, sem cuidar, ao menos, de salvaguardar os casos como o dos autos, nos quais as partes, ao abrigo da autonomia privada que lhes é garantida, decidiram, de forma livre, esclarecida e, mais importante, de comum acordo, atribuir a competência para eventuais litígios a um dado tribunal arbitral. Analisemos então.
Aquando da celebração do contrato de trabalho – 01.07.2014 – estava em vigor a Lei nº28/98 – regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva [actualmente revogada pela Lei nº54/2017 de 14.07] – que previa no seu artigo 30º, sob a epígrafe “Convenção de arbitragem”, o seguinte: “1. Para a solução de quaisquer conflitos de natureza laboral emergentes da celebração de contrato de trabalho desportivo poderão as associações representativas de entidades empregadoras e de praticantes desportivos, por meio de convenção colectiva, estabelecer o recurso à arbitragem, nos termos da Lei nº31/86, de 29.08, através da atribuição, para tal efeito, de competência exclusiva ou prévia a comissões arbitrais paritárias, institucionalizadas, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº425/86 de 27.12”.
E na data da celebração do contrato de trabalho – 01.07.2014 – encontrava-se em vigor a Lei nº63/2011 de 14.12 – Lei de Arbitragem Voluntária – a qual, determina, sob a epígrafe “Disposição transitória” o seguinte: “A submissão a arbitragem de litígios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho é regulada por lei especial, sendo aplicável, até à entrada em vigor desta o novo regime aprovado pela presente lei e, com as devidas adaptações, o nº1 do artigo 1º da Lei nº31/86, de 29.08, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº38/2003 de 08.03” – artigo 4º, nº4 da Lei nº63/2011.
Nos termos do artigo 54º do CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato D… – publicado no BTE, 1ª série, nº 33, de 08.09.1999 – “Em caso de conflito decorrente do contrato de trabalho desportivo, será o mesmo submetido à apreciação da Comissão Arbitral Paritária constituída nos termos previstos no artigo seguinte, a qual decidirá segundo o direito aplicável e o presente CCT e de acordo com o regulamento previsto no anexo II, que faz parte integrante deste CCT, não havendo lugar a recurso judicial das suas decisões”. Por sua vez o artigo 55º do mesmo CCT dispõe: “Durante a vigência deste CCT é constituída uma Comissão Arbitral, que será composta por seis membros, sendo três nomeados pela LPFP, três pelo D…, cujo funcionamento está previsto no anexo II do presente CCT, tendo fundamentalmente as seguintes atribuições: a) Dirimir os litígios de natureza laboral existentes entre os jogadores de futebol e os clubes ou sociedades desportivas” (…).
No anexo II do CCT, mais concretamente no artigo 3º, al. c), determina-se as competências da Comissão Arbitral Paritária entre elas “Dirimir litígios resultantes de contratos de trabalho desportivo que não estejam excluídos por lei do âmbito da arbitragem voluntária”, sendo que “A competência da Comissão Arbitral Paritária para os efeitos previstos na alínea c) do artigo 3º depende de cláusula compromissória” [artigo 9º do anexo II].
Do contrato de trabalho do Autor ficou a constar a clª 15ª, com a seguinte redacção “Para dirimir os conflitos entre si emergentes, a C… e o Jogador acordam em submeter a respectiva resolução à Comissão Arbitral constituída nos termos do disposto no artigo 55º do CCT referido na cláusula anterior”.
Na data de 01.07.2014 ainda não estava em vigor a Lei nº74/2013 de 06.09, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) [segundo o artigo 5º da mesma Lei ela entrou em vigor 90 dias após a instalação do TAD, ou seja, em 01.10.2015, já que este Tribunal – o TAD – foi instalado em 02.07.2015].
No entanto, quando o Autor se propõe dirimir o presente litigio – que considerámos ser a data da propositura da presente acção, 17.01.2017 – já as comissões arbitrais a que alude o artigo 30º da Lei nº28/98 de 26.06 [contrato de trabalho do praticante desportivo] tinham sido substituídas pelo TAD [e o referido artigo 30º da Lei nº28/98 tinha sido revogado pela Lei nº74/2013 de 06.09 – artigo 4º].
Com efeito, a Lei nº33/2014 de 16.06 veio alterar a Lei nº74/2013 de 06.09 ao determinar, e no que aqui importa, no seu artigo 3º [sob a epígrafe «Norma transitória»], nº3, o seguinte: “As comissões arbitrais às quais tenha sido atribuída competência exclusiva ou prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 30º da Lei nº28/98 de 26 de Junho, alterada pela Lei nº114/99 de 3 de Agosto, mantêm-se em vigor até 31 de Julho de 2016, data a partir da qual a respectiva competência arbitral é atribuída ao TAD”.
Ou seja, apesar da extinção da competência das comissões arbitrais em sede de arbitragem voluntária em matéria laboral emergente da celebração de contrato de trabalho desportivo – por força da revogação do artigo 30º da Lei nº28/98 de 26.06 ocorrida com a entrada em vigor da Lei nº74/2013 de 06.09 [01.10.2015] – essa competência manteve-se até 31.07.2016.
Tal norma transitória visa assegurar a resolução dos eventuais litígios relativamente a cláusulas compromissórias em vigor que atribuíram a competência às comissões arbitrais nos termos então definidos pelo artigo 30º da Lei nº28/98 de 26.06, as quais, como já indicado, foram suprimidas, cabendo a competência, desde 31.07.2016, ao TAD.
No caso, como já atrás referimos, a cláusula compromissória estabelecida no contrato de trabalho do Autor não foi «accionada» até 31.07.2016. Então, qual será o Tribunal competente para dirimir o litígio entre Autor e Ré?
Nos termos do artigo 150º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – Lei nº62/2013 de 26.08 – “ 1. Salvo nos casos expressamente previsto na lei, a submissão de qualquer litígio à apreciação de um tribunal arbitral depende da vontade expressa e inequívoca das partes. 2. A competência, a organização e o funcionamento dos tribunais arbitrais são definidos em diploma próprio”.
Decorre de tudo o que já expomos o seguinte: o legislador permitiu o recurso à arbitragem voluntária, em sede de resolução de conflitos no âmbito do contrato de trabalho desportivo, desde que essa possibilidade fosse prevista em convenção colectiva.
É o que estabelecia o nº1 do artigo 30º da Lei nº28/98 de 26.06 e que a Convenção Colectiva acabou por consagrar nos seus artigos 54º e 55º e Anexo II [no Anexo II regulou-se a Constituição, competência e funcionamento da Comissão Arbitral Paritária] e o que actualmente se prevê nos artigos 6º e 7º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto e no novo regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo estabelecido pela Lei nº54/2017 de 14.07.
Com efeito, o artigo 6º do TAD – sob a epígrafe “Arbitragem Voluntária” prescreve o seguinte: “1. Podem ser submetidos à arbitragem do TAD todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4 e 5, relacionados directa ou indirectamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV) sejam susceptíveis de decisão arbitral. 2. A submissão ao TAD dos litígios referidos no número anterior pode operar-se mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo”. E o artigo 7º do TAD – sob a epígrafe “Arbitragem voluntária em matéria laboral” refere “O disposto no artigo anterior é designadamente aplicável a quaisquer litígios emergentes de contrato de trabalho desportivo celebrado entre atletas ou técnicos e agentes ou organismo desportivos, podendo ser apreciada a regularidade e licitude do despedimento. 2. De acordo com o definido no número anterior é atribuída ao TAD a competência arbitral das comissões arbitrais paritárias, prevista na Lei nº28/98 de 26 de Junho”. Por fim o artigo 4º do novo regime do contrato de trabalho desportivo – Lei nº54/2017 de 14.07, sob a epígrafe “Arbitragem voluntária” determina “Para a solução de quaisquer conflitos emergentes de contrato de trabalho desportivo e de contrato de formação desportiva, as associações representativas de entidades empregadoras e de praticantes desportivos podem, por meio de convenção colectiva, prever o recurso ao TAD, criado pela Lei nº74/2013 de 06.09”.
Ora, se a sujeição de litígio laboral em sede de contrato de trabalho desportivo a um Tribunal arbitral depende da vontade expressa e inequívoca das partes – artigo 150º, nº1 da LOSJ – e se a possibilidade de recurso ao TAD deve constar da respectiva convenção colectiva, então, a partir de 31.07.2016, existe um vazio «legislativo» em termos de previsão de regulamentação colectiva no que concerne ao recurso ao TAD em sede de arbitragem voluntária.
Acresce dizer que esse vazio «legislativo» é evidenciado pelo facto de o legislador da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto não ter acautelado, em face do determinado no artigo 150º da LOSJ, a possibilidade de as partes – que acordaram na competência das Comissões Arbitrais – tomarem posição, expressa e inequívoca, no sentido de acordarem na intervenção do TAD, em vez das Comissões, em face da extinção destas últimas.
Por isso, o determinado no artigo 3º, nº3 [Norma transitória] da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto não pode ser imposto às partes que convencionaram «outro órgão de competência» para dirimir o litígio, até porque bem pode acontecer que a convenção colectiva, numa futura revisão, não venha a consagrar qualquer recurso ao TAD em sede de arbitragem voluntária. E se a convenção colectiva nada consagrar a tal respeito, só podemos concluir que a resolução dos litígios respeitantes a contrato de trabalho desportivo compete aos Tribunais do Trabalho – artigo 40º, nº1 da LOSJ.
Para sustentar a nossa posição é relevante aqui referir que quer o artigo 30º, nº1 da Lei nº28/98 quer o artigo 4º da Lei nº54/2017 apenas consagram uma possibilidade (e não uma obrigatoriedade) de recurso, via convencional, à Comissão Arbitral e actualmente ao TAD.
Assim sendo, considerámos que quando o Autor se propôs dirimir o presente litígio a cláusula compromissória constante do seu contrato de trabalho não tinha exequibilidade, tudo se passando como se tivesse deixado de vigorar, sendo certo que as partes – Autor e Ré – não procederam, tão pouco, à alteração da referida cláusula, no sentido de aceitarem, expressa e inequivocamente, que o TAD passasse a ser o Tribunal com competência para dirimir os futuros conflitos laborais.
E perante a supressão do órgão constante da cláusula compromissória, e atento o princípio consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa – acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – compete ao Tribunal do Trabalho conhecer do litígio, ou seja, da presente acção.
Deste modo, e ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, procede a apelação.
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V
Da inconstitucionalidade do artigo 3º, nº3 da Lei nº74/2013 de 06.09.
A referida questão mostra-se prejudicada atendendo ao facto de no acórdão não se ter aplicado o disposto no citado artigo.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a decisão recorrida e se substitui pelo presente acórdão julgando-se improcedente a excepção de incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria, devendo os autos prosseguir os seus termos normais.
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Custas a final a cargo da parte vencida.
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Porto, 06.11.2017
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho