Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9426/17.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
NOTIFICAÇÃO
RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP201810089426/17.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º681-A, FLS.69-80)
Área Temática: .
Sumário: I - No incidente de incumprimento das responsabilidade parentais, instruído ao abrigo do art. 41º/3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o regime de notificação do requerido(a) rege-se pelas normas próprias da notificação em Processo Civil.
II - Sendo interposto recurso da decisão final proferido no referido incidente, o recorrente continua dispensado do prévio pagamento de taxa de justiça pela interposição do recurso, nos termos do artigo 15.º n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, cabendo ulteriormente à secretaria do tribunal superior, após decisão do recurso, notificar o recorrente para realizar esse pagamento, nos termos do n.º2 do referido artigo 15º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RespParentais-Incump-9426/17.0T8VNG-A.P1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Na presente providência tutelar cível por incumprimento das responsabilidades parentais proferiu-se em 13 de janeiro de 2018 a decisão que se transcreve:
“A presente providência tutelar cível por incumprimento das responsabilidades parentais respeita à criança B…, nascida a 02 de abril de 2006, que se encontra à guarda de C…, relativamente às obrigações de alimentos à criança por parte de D….
Notificado para se pronunciar sobre o incumprimento que lhe é imputado, o devedor dos alimentos ora requerido nada veio dizer.
O tribunal é competente, inexistindo nulidades, exceções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento de mérito.
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Os factos a atender na decisão são os resultantes da regulação das responsabilidades parentais no que concerne aos alimentos devidos à criança, da falta de prova do cumprimento das obrigações invocadas e das informações juntas aos autos.
Esses factos são os seguintes:
1.Na regulação das responsabilidades parentais relativas à criança acima identificada, o requerido ficou obrigado a pagamento da prestação mensal de alimentos no montante de €100,00, atualizável anualmente de acordo com o índice da infração publicado pelo INE, a partir de Janeiro de 2018.
2. O requerido não procedeu ao pagamento das prestações alimentares desde Setembro de 2011 até Outubro de 2017, no montante global de €7.651,02.
3. O requerido trabalho por conta de outrem, auferindo o salário mensal liquido de € 712,54.
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Apreciando e decidindo.
Está assente a obrigação de pagamento de alimentos pelo requerido o os respetivos montantes.
Está igualmente assente o não cumprimento dessas prestações pelo requerido, no período temporal acima referido (sendo certo que incumbia ao devedor dos alimentos a alegação e a prova do respetivo pagamento, por força do disposto no art. 342º/2 do CC- ónus que não cumpriu).
Mostra-se, pois, verificado o alegado incumprimento da obrigação da prestação de alimentos pelo requerido, fixando-se a divida no valor correspondente ao montante acima referido.
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Pelo exposto, julgo procedente a presente providência tutelar cível de incumprimento das responsabilidades parentais quanto a alimentos e, em consequência:
- fixo a divida de alimentos relativamente às prestações vencidas até à data acima referida no montante global de €7.651,02 ( sem prejuízo das entretanto vencidas e vincendas); e
- determino que se proceda à realização das diligências doutamente promovidas.
Valor da providência: o montante das prestações invocadas no requerimento inicial – art. 306º, 297º/1, 1ª parte, 300º/1 CPC.
Custas: pelo requerido devedor – art. 527º/1 CPC.
Registe, notifique e demais DN”.
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Em 08 de fevereiro de 2018 o requerido D… juntou procuração aos autos.
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O requerido D… veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1ª O MºPº deduziu incumprimento contra o apelante, peticionando a condenação deste ao pagamento de €7.651,02 por alegadas pensões em atraso à mãe da menor.
2ª A secção de processos remeteu uma carta registada a notificar a petição inicial do MºPº. O apelante não recebeu essa carta registada nem aviso para a levantar, tendo sido a mesma devolvida aos autos em 15 de Dezembro de 2017. Em 13 de Janeiro de 2018, é proferida sentença condenando o apelante no valor peticionado e ordenando descontos no seu salário.
3ª Se o apelante tivesse sido efetivamente notificado da petição inicial, teria demonstrado ao tribunal que os pressupostos da petição estão totalmente errados e que a progenitora agiu com despudorada litigância de má fé junto do Ministério Público.
4ª O processo nos autos, em recurso, é um processo novo, tendo numeração própria após a sua distribuição, logo a primeira notificação ao requerido teria de observar os cuidados normalmente aplicáveis à citação, não podendo valer como notificação uma carta devolvida de que o apelante não foi avisado para levantar.
5ª Os demandados, num processo de incumprimento de pensões de alimentos a menores, têm de merecer as mesmas garantias que os citados numa ação declarativa para condenação ao pagamento em quantia certa, não havendo justificação para tratamento desigual.
6ª A celeridade processual não se pode fazer a qualquer preço nem a sentença em recurso poderia escrever que o “ requerido nada veio dizer “, depois de não ter recebido qualquer carta, não havendo dever de adivinhação das providências contra si metidas no tribunal.
7ª Se o apelante foi levantar a segunda carta que o notificou da sentença, sem conhecer de antemão o seu conteúdo, também teria levantado a primeira carta se houvesse sido deixado o aviso.
8ª A sentença violou o direito à defesa judicial do requerido e o seu direito ao contraditório, considerando-o notificado, para um novo processo, com uma simples carta registada devolvida pelos correios.
9ª A sentença aplicou o n.º 3 do artigo 41.º RGPTC com violação dos direitos constitucionais de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, infringindo tal norma, com a interpretação de que uma carta devolvida pelos correios é suficiente para notificar um requerido da petição inicial dum processo judicial novo contra si intentado, o art. 20º da Constituição Portuguesa.
10ª A sentença errou ao não convocar a conferência de pais e partir logo para a notificação do prazo de alegações, infringindo o nº3 do art. 41.º do RGPTC que só permite excecionalmente a dispensa de tal conferência, não havendo num processo novo quaisquer circunstâncias excecionais que justificassem a não convocação da conferência de pais.
11ª A primeira notificação do requerido num processo novo distingue-se das notificações seguintes num processo pendente, não podendo a primeira bastar-se com a simples devolução duma carta não levantada, devendo concretizar-se “de modo a assegurar que o seu conteúdo chega ao conhecimento do requerido, para o que se observará, pelo menos e com as necessárias adaptações, as regras do processo civil relativas à citação “, tal como enuncia o Acórdão da Relação de Guimarães, de 12 de Julho de 2016.
Termina por pedir a revogação da sentença, com anulação do processado.
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O Ministério Público veio responder ao recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Inconformado com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou verificado o incumprimento da obrigação de prestação de alimentos por parte do progenitor, veio este dela recorrer, invocando não ter recebido a carta registada a notificá-lo para alegar o que tivesse por conveniente quanto ao incidente deduzido pelo Ministério Público, bem como que, por estar em causa a sua primeira intervenção processual, deveria ter sido citado.
2. O artigo 41.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, é claro do ponto de vista da interpretação literal, não deixando margem para quaisquer dúvidas ao afirmar que o requerido é notificado, e não citado.
3. Idêntica redação constava da Organização Tutelar de Menores, o que demonstra que, fazendo apelo à perspetiva histórica, o legislador sempre considerou expressamente que o requerido deveria ser notificado no âmbito dos autos de incumprimento.
4. Os autos de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais são um simples incidente, ainda que processado autonomamente a nível de distribuição e autuação, e não uma nova ação.
5. De facto, tal processo encontra-se umbilicalmente ligado aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo uma vicissitude originada no seu decurso e que consiste somente no inadimplemento por parte do progenitor do regime fixado.
6. Também as disposições conjugadas dos artigos 6.º, alínea c), 7.º, alínea e), e 16.º, todos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, deixam transparecer que o incumprimento, enquanto questão respeitante à regulação do exercício das responsabilidades parentais, é um simples incidente.
7. Sendo um incidente e não estando, assim, em causa uma nova ação, o progenitor recorrente deve ser notificado por carta registada dirigida para a sua residência, conforme prevê o artigo 249.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
8. Tendo o expediente sido devolvido com a menção “objeto não reclamado”, a notificação não deixa de produzir os seus efeitos, não se tendo, pois, violado o exercício do contraditório.
9. Em consequência, a douta sentença bem andou ao considerar provados os factos alegados, com base no disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
10. Não se pode senão discordar do recorrente quando o mesmo alega que o Tribunal a quo deveria ter convocado conferência de pais, porquanto nada obsta a que, nos casos de incidente de incumprimento em que esteja exclusivamente em causa a falta de pagamento de prestações de alimentos, o regime excecional previsto no n.º 3 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível funcione como regra.
11. Pelo exposto, não merece qualquer reparo a douta sentença sob recurso, que não violou qualquer disposição legal.
Termina por pedir que se negue provimento ao recurso interposto pelo progenitor, requerido no incidente de incumprimento, mantendo a douta sentença.
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Proferiu-se despacho que ordenou o “cumprimento do art. 642º CPC (aplicável ex vi do Artigo 33º do RGPTC)”.
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O requerido veio interpor recurso deste despacho.
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Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
1 - É inconstitucional o art. 642.º do Código de Processo Civil quando interpretado que os recorrentes em processo de jurisdição de menores têm de pagar taxa de justiça prévia para ver as suas questões julgadas pelos tribunais de recurso como no regime geral do processo civil, violando o princípio constitucional da diferenciação positiva dos processos respeitantes aos menores ínsito no nº1 do artº 16.º da Constituição com remissão para o artº 15º nº1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.
2 - O Despacho em recurso é ilegal quando manda aplicar a um processo de jurisdição de menores o art. 642.º do Código de Processo Civil, que só pode ser aplicado a processos em que seja devida taxa inicial com a interposição de recurso, o que não é o caso dos autos, por força do artº 15º nº1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.
Pede a revogação do despacho recorrido.
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O Ministério Público veio responder ao recurso alegando em síntese que apesar de não concordar integralmente com a argumentação do recorrente, considera que não pode deixar de dizer que lhe assiste razão, atento o teor da alínea f) do artº 15º do RGPTC, segundo o qual estão dispensadas de pagamento prévio da taxa de Justiça as partes nos processos de jurisdição de menores, dispensa que é extensível á taxa de justiça devida pela interposição de recurso, salvaguardando-se naturalmente o cumprimento do disposto no artº 2º daquele artº 15º.
Conclui que o despacho recorrido, deverá ser substituído por outro que se pronuncie nos termos do disposto no artº 641º do CPC, concedendo-se provimento ao recurso interposto pelo requerido.
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Os recursos foram admitidos como recurso de apelação, organizando-se um único apenso com os dois recursos.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- Apelação da sentença -
- nulidade do processado por falta de notificação do requerido para deduzir oposição;
- nulidade do processo por omissão de realização da conferência de interessados;
- inconstitucionalidade da interpretação defendida na sentença, por violação do art. 20º CRP.
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- Apelação do despacho proferido em 23 de março de 2018 -
- saber se há lugar ao cumprimento do art. 642º CPC pelo facto do apelante omitir o pagamento da taxa de justiça, devida pelo recurso interposto da sentença.
- inconstitucionalidade da interpretação do art. 642º CPC quando aplicada a norma aos processos de jurisdição de menores.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes que resultam dos autos:
- O progenitor recorrente foi notificado por carta registada para alegar o que tivesse por conveniente quanto ao incidente de incumprimento deduzido pelo Ministério Público, carta essa que foi dirigida para a morada do progenitor constante dos autos de regulação das responsabilidades parentais.
- A mesma foi devolvida a 15.12.2017 com a menção “objeto não reclamado”.
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3. O direito
Nos presentes autos de recurso estão em causa a apreciação de dois recursos e por uma questão de ordem lógica cumpre conhecer em primeiro lugar do recurso interposto do despacho proferido em 23 de março de 2018, seguindo-se a apreciação do recurso da sentença, no caso daquele obter provimento.
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- Apelação do despacho proferido em 23 de março de 2018 –
O apelante insurge-se contra o despacho que determinou a aplicação do regime do art. 642º CPC ao recurso da sentença que julgou o incidente do incumprimento do acordo das responsabilidades parentais.
Defende o apelante que se aplica o regime do art. 15º/1 f) RCP e por isso, não é devido o pagamento da taxa de justiça pela interposição do recurso.
Resulta da análise dos autos de recurso que o apelante veio interpor recurso da sentença que julgou o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e não juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça. Terminou a peça processual com a seguinte declaração: ”[o] apelante protesta juntar em dez dias o comprovativo de entrada do pedido de Apoio Judiciário”.
O Ministério Público veio responder ao recurso.
Proferiu-se, em seguida, o despacho recorrido, no qual o juiz do tribunal “a quo” determinou o cumprimento do disposto no art. 642º CPC.
A questão que se coloca consiste em determinar se o apelante está dispensado do prévio pagamento de taxa de justiça no recurso interposto da sentença que julgou o incidente de incumprimento, em processo de jurisdição tutelar cível.
Conforme decorre do art. 1º do Regulamento das Custas Processuais – DL 34/2008 de 26 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 7/2012 de 13 de fevereiro - todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça – art. 3º do RCP e art. 529º/1 CPC.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte do Regulamento (art. 6º/1 do RCP e art. 529º/2 CPC).
Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do Regulamento (art. 6º/2 do RCP).
A taxa de justiça é paga pelo recorrente nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais (art. 530º/1 CPC).
Conforme determina o art. 13º do RCP, a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, sendo paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento, em conformidade com o disposto no art. 14º do RCP.
O recurso está sujeito ao pagamento de taxa de justiça e o comprovativo do pagamento deve acompanhar a peça processual ou beneficiando de apoio judiciário, o comprovativo da respetiva concessão.
Contudo, a lei prevê a dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça em certas situações.
Nos termos do art. 15º1/f) RCP ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça “as partes nos processos de jurisdição de menores”.
Nos termos do art. 15º/2 “as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias”.
Resulta deste preceito o adiamento da oportunidade de pagamento da taxa de justiça, que deverá ser paga, na sequência da prolação da decisão final, por quem operou o impulso processual[2].
Estando em causa o recurso da decisão final, os recorrentes continuam dispensados do pagamento da taxa de justiça, respetiva, cabendo à secretaria do tribunal superior, decidido o recurso, proceder à mencionada notificação.
Como observa o Exmº Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça SALVADOR DA COSTA: “ [a]o invés do que acontecia no regime de pretérito, cujo artigo 29º, nº3 do Código das Custas Judiciais excluía os recursos da dispensa de pagamento de taxa de justiça inicial e subsequente nas espécies processuais a que se reportava, este artigo não os exclui”[3].
Aplicando o regime ao caso presente verifica-se que o apelante estava dispensado do prévio pagamento da taxa de justiça devida pelo recurso, por se tratar de incidente instruído e processado em sede de jurisdição de menores – processo tutelar cível. Beneficiava do regime previsto no art. 15º/1 f) do RCP e por isso, não se justificava dar cumprimento ao art. 642º CPC, não ficando a admissão do recurso dependente do prévio pagamento da taxa de justiça.
Conclui-se que interposto recurso e junta a resposta ao recurso, apenas devia o juiz pronunciar-se sobre o requerimento de recurso, como acabou por suceder.
Procedem, desta forma, as conclusões de recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido, ficando prejudicada a apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma do art. 642º CPC ( art. 608º/2 CPC, por remissão do art. 663º/2 CPC ).
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- Apelação da sentença –
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- Da nulidade por falta de notificação do requerido -
O apelante insurge-se contra a sentença, peticionando a sua revogação e substituição por outra que determine a anulação de todo o processado, por considerar que não foi notificado para se pronunciar sobre o requerimento inicial, porque a carta que lhe foi dirigida veio devolvida. Defende que a ação de incumprimento constitui um processo novo e na notificação devem ser observadas as regras da citação.
Com efeito, na sentença, considerou-se notificado o requerido para contestar o incidente e bem assim, que nada veio dizer, proferiu-se decisão que julgou verificado o incumprimento das responsabilidades parentais, quanto à pensão de alimentos devida à criança.
A carta expedida para notificação para os termos do incidente veio devolvida.
Trata-se, assim, de apurar se ocorreu omissão de notificação do requerido-progenitor para os termos do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Contudo, desde já se adianta que não se anota tal irregularidade.
No procedimento previsto no art. 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - Lei 141/2015 de 08 de setembro (abreviadamente RGPTC) -, à semelhança do que ocorria no procedimento previsto no art. 181º OTM, o legislador pretendeu configurar um incidente de incumprimento que abarcasse todas as situações em que o desrespeito pelo estabelecido no âmbito da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais pudesse ser apreciado, razão pela qual nele se deverá inserir o incumprimento da obrigação de prestação de alimentos e onde o procedimento do art. 48º do RGPTC pode ser enxertado, como via de obter o cumprimento coercivo da prestação de alimentos.
Acresce que o incidente em causa reveste a natureza de processo de jurisdição voluntária, não estando por isso, subordinado a princípios de legalidade estrita, cumprindo ao juiz adequar a tramitação e decisão à concreta situação de facto e que melhor tutele os interesse da criança (art. 12º RGPTC e art. 986º CPC).
O procedimento visa tão só aferir do incumprimento de acordo ou decisão que fixou o regime de responsabilidades parentais. Não está em causa apreciar de uma nova e diferente questão suscitada entre as partes.
O procedimento segue os seus termos por apenso ao processo onde foi fixado o regime de responsabilidades parentais (art. 41º/2 RGPTC), constitui um incidente deste processo.
O facto de ser distribuído com um número novo, como observa o apelante, prende-se com a reformulação orgânica dos tribunais e respetivas competências, não representa só por si um aspeto a atender para caracterizar o incidente como uma nova ação.
Prevê o art. 41º/3 RGPTC que autuado o requerimento por apenso, o juiz convoca os pais para uma conferência ou excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
Optando o juiz por exercer o contraditório, o requerido(a) é notificado.
Na interpretação da norma cumpre atender desde logo ao elemento literal (art. 9º/2 CC). O legislador optou pela expressão “notificação” em vez de “citação”, sendo certo que utiliza a expressão “citação” na ação de regulação das responsabilidades parentais, alteração do regime e na ação de alimentos (art. 35º, 42º, 46º RGPTC).
Nada estabelecendo o RGPTC a respeito da distinção entre citação e notificação, por remissão do art. 33º RGPTC, cumpre atender ao regime previsto no Código de Processo Civil.
De acordo com o art. 219º CPC verifica-se que a citação e notificação têm funções distintas.
A citação, como se prevê no art. 219º/1 CPC, é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender e emprega-se para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
A notificação, como determina o art. 219º/2 CPC, serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
Somos levados a concluir que a utilização pelo legislador da expressão “notificação” é revelador que o procedimento não constitui uma nova ação, pois de outro modo seria utilizada a expressão citação. Revestindo o processo de regulação das responsabilidades parentais a natureza de um processo de jurisdição voluntária, não se pode considerar que está findo quando é suscitada a questão do incumprimento do acordo. A questão a decidir continua a ser a mesma e o exercício do contraditório visa apenas dar a possibilidade do requerido(a) se pronunciar sobre os fundamentos do alegado incumprimento.
Ponderando estes aspetos justifica-se aplicar o regime previsto no art. 249º CPC, para os processos pendentes, às notificações realizadas nos termos do art. 41º/3 LGPTC.
Com efeito, na realização da notificação cumpre observar as formalidades previstas nos art. 247º e seguintes do Código de Processo Civil, pois não se prevê um regime especial para este incidente.
O regime das notificações distingue as situações em que a parte está representada por advogado (art. 247º CPC) e quando não está (art. 249º CPC) e bem assim, se a notificação se destina à convocação para a prática de um ato (art. 247º/2 CPC) ou apenas à sua comunicação (art. 247º CPC) e quando está em causa decisões finais ou de outra natureza.
No caso concreto resulta dos factos apurados que o requerido só constituiu mandatário nos autos em 08 de fevereiro de 2018, depois de proferida a sentença de que se recorre.
Todo o incidente foi instruído em data anterior, pelo que, não estando o requerido representado por mandatário, ao regime da notificação aplica-se o disposto no art. 249º CPC, por se tratar de um incidente que corre os seus termos por apenso a processo no qual o requerido foi chamado a intervir por citação e que atenta a sua natureza se deve considerar pendente.
Determina o art. 249º CPC:
“1.Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2.A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
3.[…]”.
A omissão de tais formalidades constitui uma irregularidade, que apenas determina a nulidade do ato se interferir no mérito da causa.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[4].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[5].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão de notificação para os termos do incidente não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa“.
No sentido de interpretar o conceito ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s actos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[6].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que foi notificada a sentença.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Contudo, seguindo os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE[7], ALBERTO DOS REIS[8] e ANTUNES VARELA[9], porque existe a decisão recorrida que sancionou a omissão, na medida em que considerou que o requerido estava notificado para os termos do incidente, o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso.
Considera-se, assim, que a irregularidade foi suscitada em tempo, pelo meio próprio, mas não se verifica, porque o requerido deve considerar-se notificado.
A carta registada para notificação do requerido foi expedida para a morada onde, no processo de regulação das responsabilidades parentais, recebeu a citação e por isso, apesar de ter sido devolvida, deve considerar-se notificado para os termos do incidente por aplicação do regime previsto no art. 249º/2 CPC.
A notificação efetuada no âmbito deste incidente foi realizada na residência confirmada ou conhecida no ato de citação e por isso, a notificação não deixa de produzir efeitos apesar da devolução do expediente, como decorre do art. 249º /2 CPC.
Acresce que é nesta mesma morada que o apelante acaba por receber a notificação da sentença de que recorre, como o próprio refere nas conclusões de recurso.
Refira-se, aliás, que o apelante não põe em causa tal circunstância, pois não se suscita a questão da carta ter sido expedida para endereço distinto daquele em que recebeu a citação. Também não refere o apelante que alterou o seu endereço entre aquela data e a data em que ocorreu a notificação para os termos do incidente.
Não podemos por isso acompanhar o argumento do apelante quando afirma que no caso se aplica à notificação o regime próprio da citação, quando além do mais a situação não se enquadra na previsão do art. 250º CPC.
Determina o art. 250º CPC que para além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações, a que aludem os nº4 do art. 18º/3 do artigo 27º e 2 do artigo 28º.
A lei especial – RGPTC - não o prevê como tal, pois apenas se prevê o contato pessoal nas situações do art. 15º RGPTC e o caso em análise não se enquadra na previsão desta norma, nem do nº4 do art. 18º/3 do artigo 27º e 2 do artigo 28º.
Conclui-se, assim, que a decisão não merece censura quando reconheceu como notificado o requerido para os termos do incidente.
A posição defendida pelo apelante, com apoio no douto Ac. Rel. Guimarães 12 de julho 2016, Proc. 2061/14.6T8BRG-A.G1 (acessível em www.dgsi.pt) não é acolhida de forma unânime na jurisprudência, como disso dão nota, entre outros, os Acórdãos Relação Guimarães 07 de janeiro de 2016, Proc. 26/14.7TMBRG-A.G1 e Ac. Rel. Guimarães de 02 de maio de 2016, Proc. 674/06.9TMBRG-B.G1 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt) e Ac. Rel. Coimbra 28 de novembro de 2017, Proc. 2679/12.1 TBFIG-M.C1, com um voto de vencido (disponível em www.dgsi.pt.), o que foi salientado pelo Digno Ministério Público na resposta ao recurso.
No citado Ac. Rel Guimarães 12 de julho 2016, Proc. 2061/14.6T8BRG-A.G1 defende-se que: ”[a] notificação a que se refere o n.º 2 do artigo 181.º da Organização Tutelar de Menores, e presentemente o n.º 3 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando realizada depois de ter findado o processo a que esse incidente é apensado e sem que esteja em curso qualquer outro incidente que também corra por apenso àqueles autos, tem que concretizar-se de modo a assegurar que o seu conteúdo chega ao conhecimento do notificando. Neste cenário, para se atingir esse objetivo, não obstante o legislador utilizar a expressão "notificar", terá que se observar, pelo menos e com as necessárias adaptações, as regras do processo civil relativas à citação”.
O próprio acórdão citado deixa em aberto a possibilidade de se julgar válida a notificação, apesar da devolução da carta para notificação, bastando para o efeito que se encontre pendente outro procedimento no qual o requerido tenha sido notificado.
A posição que defendemos vai no sentido de considerar que o processo onde o requerido foi citado ainda não terminou, por se tratar de processo de jurisdição voluntária e estar em causa a apreciação de um incidente desse processo - o mero incumprimento do acordo ou decisão de regulação das responsabilidades parentais estabelecido naquele processo.
Conclui-se que não se verifica a apontada irregularidade de falta de notificação do requerido para os termos do incidente, não merecendo censura o segmento da decisão que julgou o requerido notificado apesar da devolução da carta registada para notificação no endereço onde recebeu a citação.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 8 e 11.
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Nas conclusões de recurso sob o ponto 10 suscita o apelante a nulidade do processado, porque não se convocou a conferência, a que se alude no art. 41º/3 RGPTC.
Estamos mais uma vez perante uma nulidade processual, sob a forma de omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, no prazo de 10 dias a partir da data em que o requerido-apelante foi notificado da sentença.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 9 e 11.
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- Da inconstitucionalidade -
No ponto 9 das conclusões de recurso suscita o apelante a inconstitucionalidade da interpretação defendida, porque a sentença “aplicou o n.º 3 do artigo 41.º RGPTC com violação dos direitos constitucionais de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, infringindo tal norma, com a interpretação de que uma carta devolvida pelos correios é suficiente para notificar um requerido da petição inicial dum processo judicial novo contra si intentado, o art. 20º da Constituição Portuguesa”.
Cumpre determinar se estão reunidos os pressupostos para apreciar da inconstitucionalidade suscitada e adiantando respostas somos levados a considerar que não estão reunidos os requisitos que permitam aferir da conformidade da interpretação das normas com a Lei Fundamental.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere GOMES CANOTILHO:“[o] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo ( tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação ) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[10].
A inconstitucionalidade deve ser suscitada de forma processualmente adequada junto do tribunal que proferiu a decisão, de forma a obrigar ao seu conhecimento (art. 72º LTC).
Recai sobre o recorrente o ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível e segundo os requisitos previstos na lei.
Por outro lado, pretendendo questionar certa interpretação de um preceito legal, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou preceitos que tem por violador da Constituição, enunciando com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Esta tem sido a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional, como disso dá nota, entre outros, o Ac.do Tribunal Constitucional nº 560/94 (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) quando observa:”[d]e facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver – o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão da constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimentos do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois –[…]-, uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se, sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julga-la em via de recurso, proceda ao reexame ( e não a um primeiro julgamento ) de tal questão”.
No caso presente o apelante indica os preceitos constitucionais que considera violados. Contudo, não enuncia o segmento interpretativo adotado que contraria tais preceitos constitucionais, o que impede a apreciação da constitucionalidade.
Por outro lado, a mera afirmação de que existe inconstitucionalidade na aplicação de determinadas normas, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A válida imputação de inconstitucionalidade a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspetiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional, o que também não ocorre no caso concreto.
A indevida aplicação da lei não configura só por si uma violação de preceitos constitucionais.
Nesta perspetiva, considera-se que o apelante não suscitou, validamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que, improcedem, nesta parte as conclusões de recurso sob o ponto 9.
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O apelante não se insurge contra o mérito da decisão pelo que nada mais cumpre apreciar ou decidir.
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- Responsabilidade pelas custas -
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:
- na apelação do despacho proferido em 23 de março de 2018, pela parte vencida a final, porquanto o incidente não foi suscitado por nenhuma das partes na ação;
- na apelação da sentença, pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar:
- procedente a apelação do despacho proferido em 23 de março de 2018 e revogar o despacho, prosseguindo os autos com a prolação do despacho ao abrigo do art. 641º CPC, o qual foi já proferido;
- improcedente a apelação da sentença e confirmar a decisão.
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Custas:
- na apelação do despacho proferido em 23 de março de 2018, pela parte vencida a final;
- na apelação da sentença, pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Porto, 8 de Outubro de 2018
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico.
[2] SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais- Anotado, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, pag. 273.
[3] SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais- Anotado, ob. cit., pag. 277.
[4] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156.
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486.
[7] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pág. 183.
[8] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ob. cit., pag.424.
[9] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, pág. 393.
[10] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.