Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
214/09.8TTSTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PERTERSEN SILVA
Descritores: PODER DISCIPLINAR
SOCIEDADE POR QUOTAS
USOS
Nº do Documento: 20141013214/09.8TTSTS.P2
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Numa sociedade por quotas com dois sócios com quotas iguais, cujo pacto social prevê que ambos os sócios exercem a gerência dividindo os respectivos serviços, conforme deliberação em assembleia, e não tendo havido deliberação a atribuir a qualquer deles o poder disciplinar em relação aos trabalhadores, ambos podem exercê-lo.
II - O facto de um dos sócios se ter ocupado, por norma, das questões relativas ao pessoal, não constitui um uso laboral que habilite à definição de qual dos sócios tem o poder disciplinar, nem constitui um uso atendível, nos termos do artigo 3º do Código Civil.
III - Tendo um dos sócios determinado instaurar procedimento disciplinar e no seu âmbito dado uma ordem de suspensão a um trabalhador, e tendo no mesmo dia o outro sócio dado uma ordem em sentido contrário, ambas as ordens sendo legítimas, não pode concluir-se pela ilicitude da desobediência à ordem de suspensão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:

20

Processo nº 214/09.8TTSTS.P2

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 383)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório[1]
B…, residente em …, …, Trofa, veio instaurar a presente acção de processo declarativo comum contra “C…, Lda.”, com sede em …, Trofa,”, pedindo que:
a) Seja declarada a ilicitude do despedimento do A.;
b) O A. seja reintegrado no seu posto de trabalho;
c) Seja a Ré condenada ao pagamento de todos os créditos salariais que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até à sua efectiva reintegração;
d) Seja a Ré condenada no pagamento de uma Sanção Pecuniária Compulsória, no montante de € 100,00 por cada dia que passe até à efectiva reintegração do A.;
e) Seja a Ré condenada ao pagamento das custas e ao pagamento de procuradoria condigna.

Em síntese, alegou que é trabalhador da Ré desde Outubro de 1976. Em 31 de Outubro de 2008, foi-lhe comunicado que, em consequência da instauração de procedimento disciplinar, estava suspenso preventivamente da prestação de trabalho, foi posteriormente notificado da nota de culpa, e mais tarde de uma nota de culpa adicional. Esta é ilegal, pois que os factos que alegadamente lhe são aí imputados já eram do conhecimento da Ré pelo menos desde 2005. Nega os factos da primeira nota de culpa, invocando a existência de ordens contraditórias que radica em litígio entre os dois sócios da Ré.

Contestou a Ré defendendo a verdade dos factos imputados ao Autor que, pela sua gravidade, tornaram impossível a manutenção da relação laboral, alegando ainda que o Autor, sabedor do litígio existente entre os sócios da Ré, actuou com um deles, seu sogro, numa clara estratégia de afrontamento ao outro, ao qual cabiam os poderes de representação, como o Autor sabia, e ao qual incumbia a gestão de pessoal.

Foi proferido despacho saneador, em que se decidiu remeter para sentença a apreciação da alegada ilegalidade da nota de culpa adicional e invocada prescrição, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
De tal selecção reclamou a Ré, nos termos de fls. 203 a 205, que não foram atendidos.
Realizado o julgamento, foi proferido despacho consignado os factos provados e respectiva fundamentação, sem reclamação.
Foi seguidamente proferida sentença cuja parte dispositiva é a seguinte: “Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes os motivos invocados pela Ré para sustentar o despedimento do Autor no âmbito do processo disciplinar que lhe foi movido, e, em consequência:
a) Declara-se a ilicitude do despedimento do A.;
c) Condena-se a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho;
d) Condena-se a R. no pagamento de todos os créditos salariais que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, que nesta data, e por ora, se liquida já em 64.295,00 euros: 1837,00x35 meses, e a que acrescerá o subsídio de alimentação, em montante a apurar);
e) Condena-se a R. no pagamento de uma Sanção Pecuniária Compulsória, no montante de € 100,00 por cada dia que passe até à efectiva reintegração do A. sendo a mesma devida após o trânsito em julgado da presente sentença”.

Inconformada, interpôs a Ré recurso, apresentando então, e a final, as seguintes conclusões:
“A- Do núcleo dos poderes de representação dos gerentes das sociedades fazem parte os actos ou negócios jurídicos destinados a constituir, modificar e extinguir relações com terceiros.

B- Na decisão em recurso não se distinguiram correctamente tais poderes dos poderes de administração.

C- Relativamente à sociedade Recorrente o trabalhador Recorrido é terceiro.

D- A instauração do processo disciplinar visava extinguir o contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido.

E- A suspensão do trabalhador integra-se naquele poder disciplinar.

F- Sendo o trabalhador terceiro relativamente à sociedade, no caso, tratava-se do exercício de um poder de representação.

G- Nos termos da lei (artº. 261º. do CSC), conjugada com o pacto social da Recorrente (artº.6º), apenas o sócio-gerente D… tem poderes para, só por si, instaurar o procedimento disciplinar e decidir quer a suspensão quer o despedimento, pelo que foi legítima a ordem de suspensão que deu ao Recorrido e este deveria tê-la acatado.

H- Ainda que se entenda, atento o princípio da ilimitação dos poderes dos gerentes, que o sócio-gerente E… tem poderes de representação, o mesmo só poderá exercer tais poderes conjuntamente com o sócio-gerente D…, enquanto este os pode exercer sozinho (artº. 261º. do CSC. e artº. 6º. do pacto), pelo que o trabalhador não devia obediência à “ordem” de se apresentar ao trabalho.

I- Está provado que o trabalhador desobedeceu às ordens de um sócio-gerente e de um superior hierárquico.

J- Está provado que o Recorrido conhecia o teor do pacto social.

L- A antiguidade do trabalhador na empresa, o facto de ser genro do outro sócio-gerente e o seu conhecimento do conteúdo do pacto social, sempre fariam dele um terceiro de má-fé, a quem não aproveita o princípio da ilimitação dos poderes de gerência que protege os terceiros de boa-fé.

M- Mesmo que, por hipótese, o que só como tal se concebe, se entendesse que a instauração do procedimento disciplinar e a decisão de suspensão preventiva deveriam ser precedidas de uma deliberação, nela não podia participar o sogro do Recorrido por manifesto conflito de interesses.

N- A ordem de suspensão é legítima e o Recorrido devia-lhe obediência.

O- A ordem que o Recorrido supostamente teria recebido através da carta subscrita por seu sogro é ilegítima, violando quer o pacto social quer a lei (artº. 261º. do C.S.C.).

P- Depois dessa ordem, como se encontra provado, o Recorrido recebeu em 03, 17 e 18 de Novembro de 2008, novas ordens do sócio-gerente D… para acatar a suspensão e não obedeceu.

Q- Os factos atinentes à desobediência e as suas consequências, também provadas, deveriam ter sido tomados em conta na decisão.

R- O comportamento do Recorrido é censurável e mesmo doloso.

T- No caso, nenhum argumento razoável tinha o Recorrido, à luz do critério de um “bom pai de família”, para que tivesse desobedecido a repetidas ordens legítimas e “obedecido” a uma “ordem” ilegítima.

U- Os factos que traduzem a desobediência, só por si, ou conjuntamente com a restante matéria dada como provada, impunham a improcedência da acção e a declaração de que o despedimento é lícito.

V- Para quem entendesse que o exercício do poder disciplinar, para poder ser exercido, deveria estar regulado entre os sócios-gerentes, o que só como hipótese se concebe, deveria ter sido tida em conta a alegação da Recorrente em 72 da contestação, de que sempre as questões relativas ao pessoal couberam ao sócio-gerente D…, o que impunha a ampliação da base instrutória com a matéria aí alegada e formulado quesito.

X- Independentemente dos factos da desobediência, os factos imputados pelo Recorrido ao sócio-gerente D… em 16/10/2008 integram o crime de difamação e só por si ou em conjunto com a utilização das instalações e dos equipamentos da Recorrida são susceptíveis de sustentar o despedimento.

Z- A referida utilização, como alegado em 24, 25 e 26 da contestação e como resulta da nota de culpa, foi balizada no tempo e com ela o trabalhador já havia sido confrontado antes da instauração do procedimento disciplinar.

AA- A formulação escolhida pela Mtmª. Juiz para levar tal matéria à base instrutória (nº.10 da B.I.) faz presumir que era por si entendida como suficiente segundo a solução quanto ao direito, pelo que não podia, para estribar a decisão, considerar em falta factos que, apesar de alegados, entendeu não levar à base instrutória, nomeadamente os alegados em 24, 25, 26, 91 e 92 da contestação.

AB- Pelo que sempre se imporia a ampliação da matéria da base instrutória com as alegações vertidas naqueles artigos da contestação, com a consequente repetição do julgamento.

AC- Face à matéria dada como provada, ocorre claro erro de julgamento.

Foi violado:
a) o disposto no artigo sexto do pacto social da Recorrida.
b) o disposto no artigo 261º. do C.S.C.
c) o disposto no nº. 1 e nas alíneas a), e) e i) do nº. 3 do artº. 396º. do Código do Trabalho, na redacção anterior à revisão de 2009.
d) O disposto nos artºs. 511º nº. 1 do C.P.C.”.

Contra-alegou o recorrido, pugnando pela manutenção da sentença.
O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento da apelação.

A matéria de facto então fixada pela 1ª instância foi a seguinte:
A-) O Autor é trabalhador da Ré desde Outubro de 1976, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado (doc.1).
B-) Auferia, à data do seu despedimento, um vencimento mensal de 1.837,00€, acrescido de subsídio de alimentação (doc.1).
C-) Em 31 de Outubro de 2008, foi-lhe comunicado que, em consequência da instauração de procedimento disciplinar, estava suspenso preventivamente da prestação de trabalho (doc. 2).
D-) No dia 28 de Novembro de 2008, foi notificado da nota de culpa, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Ré (doc. 3).
E-) O Autor apresentou a sua resposta à nota de culpa, juntando documentos e arrolando testemunhas (doc.4).
F-) Em 10 de Fevereiro de 2009, o Autor foi notificado de uma nota de culpa adicional, tendo, em 20 de Fevereiro, apresentado a sua resposta à referida nota de culpa adicional (doc.s 5 e 6).
G-) Em 27 de Fevereiro de 2009, o Autor é notificado da decisão final tomada pela entidade empregadora, ora Ré, tendo esta decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa (doc. 7).
H-) No 31 de Outubro de 2008, foi também comunicado ao Autor por escrito, que a carta referida em C-), suspendendo-o da prestação do trabalho, deveria ser considerada sem efeito, pelo que o mesmo deveria continuar a aparecer no seu local de trabalho até novas instruções (ver fls. 73).
I-) A aludida carta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, encontra-se assinada por “E…” que para o efeito invoca a qualidade de “sócio gerente”.
J-) E… é sogro do aqui Autor.
K-) No dia 18 de Novembro de 2008, pelas 9h, após ter sido vedada a entrada do Autor nas instalações da Ré, conforme instruções dadas por D…, foi chamada ao local a GNR da Trofa (fls. 75).
L-) De acordo com o organigrama da Ré, junto como doc. 4 da resposta à nota de culpa, datado de 12/02/2002, o Autor exerce funções no departamento de compras e responde hierarquicamente aos Srs. D… e F….
M-) Por seu lado, o Eng.º G… é o chefe do departamento de Planeamento e Produção, onde exerce funções, respondendo hierarquicamente aos referidos Srs. D… e F….
N-) Ainda de acordo com o referido organigrama, o Eng.º G… tem sob a sua tutela os seguintes trabalhadores: H…, I…, J…, K… e L….
O-) De acordo com a inscrição comercial da Ré, são sócios da mesma E… e D…, sendo ambos gerentes da empresa, que se obriga apenas pela intervenção do gerente D….
P-) Foi interposta acção judicial por E… pedindo a destituição de gerente de D…, acção essa que veio a ser julgada improcedente, por decisão proferida em 04/11/2009, que transitou em julgado em 02/02/2010.
Mais se provou que:
1º No dia 16/10/2008, entre as 10h e as 11h, junto ao cais de expedição, o Autor dirigiu-se ao Sr. I…, então trabalhador da Ré, e, referindo-se ao sócio gerente da requerida, D…, afirmou: “o seu amigo anda a fugir à polícia. Apresentou atestados médicos falsos. Mas ele vai para Custóias e você vai visita-lo e leva-lhe um maço de cigarros”, mais afirmando que “Vários produtos da C… estão a ser vendidos com prejuízos por responsabilidade dele”.
2º Na sequência do referido, foi o Autor suspenso, tal como descrito em C-), sendo que, apesar disso, apresentou-se no seu local de trabalho, no dia 03/11/2008.
3º Nesse dia, apesar de interpelado pelo seu superior hierárquico, G…, para que acatasse a ordem de suspensão, o Autor não o fez, permanecendo no local de trabalho.
4º Nesse dia, não obstante a ordem de suspensão dada, e os trabalhadores da empresa de segurança lhe terem dito que não podia entrar, o Autor aí entrou.
5º No dia 17/11/2008, pelas 9 horas, quando o Autor estava a entrar nas instalações da empresa, foi abordado pelo sócio gerente D…, que, mais uma vez, lhe deu ordens para não entrar, pois estava suspenso.
6º E, logo que o mesmo se retirou, o Autor, desobedecendo à sua ordem, entrou nas instalações e lá permaneceu nesse dia.
7º E, novamente, no dia 18/11/2008, o Autor voltou a forçar a entrada na Ré, a coberto da presença da força policial no local.
8º Toda a situação descrita foi do conhecimento de todos os trabalhadores da empresa e do conhecimento público.
9º Naquele dia 18, o Autor ainda permaneceu todo o dia no local, no parque de estacionamento, onde tinha a sua viatura.
10º O Autor utilizava as instalações da empresa e os respectivos equipamentos para fins particulares, concretamente para tratar da actividade relativa à sua carteira de seguros.
11º O Autor, no âmbito das suas funções – de conferir as facturas dos fornecedores de bens e serviços -, considerou como “boas para pagamento” facturas, relativas aos anos de 2005 a 2008.
12º Facturas essas relativas, supostamente, a reparações na viatura de marca Mercedes, Modelo …, matricula EX-..-...
13º Alguns dos materiais facturados, como tendo sido aplicados naquela viatura, não se destinam a viaturas daquele modelo.
14º Também na M…, entre os anos de 2005 a 2007, foram aplicados diversos jogos de pneus, supostamente, naquela mesma viatura, sendo o Autor quem igualmente conferiu as respectivas facturas.
15º Sendo que aquela viatura não gasta pneus 235/60 que são aqueles que constam das facturas em causa.
16º O valor das facturas pagas ascende a 2.124,32 euros.
17º O Autor tinha conhecimento do litígio que separa os dois sócios da ré, E… e D…, bem como do organigrama datado de 27/09/2007.
18º O Autor tem conhecimento do teor e exactos termos do pacto social da empresa Ré.
19º E que por força do aludido organigrama o Eng. G… era seu superior hierárquico.
20º O Autor viu-se confrontado com um litígio entre os sócios gerentes da Ré, tendo sido afastado da empresa através do processo disciplinar aqui em causa que conduziu ao seu despedimento.
21º Entre os sócios gerentes da Ré, D… e E…, sogro do aqui Autor, existe um conflito e litigio, que remonta já a Fevereiro de 2007.
23º De acordo com o pacto social da empresa, a gerência da Ré pertence a ambos os sócios, que dividirão entre si os respectivos serviços, conforme for deliberado em assembleia geral, sendo que a representação da sociedade, em juízo e fora dele, e nos documentos que envolvam responsabilidade para a sociedade, fixa afecta ao sócio D…, podendo os documentos de mero expediente ser assinados por qualquer dos sócios gerentes (ver fls. 352 a 362 dos autos).

Foi por esta Relação proferido acórdão final, em decorrência dum pedido de nulidade a que foi dado provimento, de cuja parte dispositiva consta: “Nos termos supra expostos acordam conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a repetição do julgamento, exclusivamente para ampliação da matéria de facto quanto aos artigos 24, 25, 26 e 72 da contestação, após o que deverá ser proferida nova sentença, decidindo a causa conforme se entender de direito.
Custas pelo recorrido”.

Regressados os autos ao tribunal recorrido, foi proferido despacho fixando três quesitos com a matéria a ampliar, após o que se procedeu a nova audiência de julgamento e em seguida foi proferida sentença ao abrigo do novo CPC, com consagração da factualidade provada e da respectiva fundamentação, e de cuja parte dispositiva consta:
““Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes os motivos invocados pela Ré para sustentar o despedimento do Autor no âmbito do processo disciplinar que lhe foi movido, e, em consequência:
a) Declara-se a ilicitude do despedimento do A.;
c) Condena-se a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho;
d) Condena-se a R. no pagamento de todos os créditos salariais que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, que nesta data, e por ora, se liquida já em 119.405,00 euros (1837,00x65 meses), e a que acrescerá o subsídio de alimentação, em montante a apurar);
e) Condena-se a R. no pagamento de uma Sanção Pecuniária Compulsória, no montante de € 100,00 por cada dia que passe até à efectiva reintegração do A. sendo a mesma devida após o trânsito em julgado da presente sentença.
Custas pela Ré, fixando-se à acção o valor de 119.405,00 euros”.

De novo inconformada, vem a Ré interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“A- Do núcleo dos poderes de representação dos gerentes das sociedades fazem parte os actos ou negócios jurídicos destinados a constituir, modificar e extinguir relações com terceiros.

B- Na decisão em recurso não se distinguiram correctamente tais poderes dos poderes de administração.

C- Relativamente à sociedade Recorrente o trabalhador Recorrido é terceiro.

D- A instauração do processo disciplinar visava extinguir o contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido.

E- A suspensão do trabalhador integra-se naquele poder disciplinar.

F- Sendo o trabalhador terceiro relativamente à sociedade, no caso, tratava-se do exercício de um poder de representação.

G- Nos termos da lei (artº. 261º. do CSC), conjugada com o pacto social da Recorrente (artº.6º), apenas o sócio-gerente D… tem poderes para, só por si, instaurar o procedimento disciplinar e decidir quer a suspensão quer o despedimento, pelo que foi legítima a ordem de suspensão que deu ao Recorrido e este deveria tê-la acatado.

H- Ainda que se entenda, atento o princípio da ilimitação dos poderes dos gerentes, que o sócio-gerente E… tem poderes de representação, o mesmo só poderá exercer tais poderes conjuntamente com o sócio-gerente D…, enquanto este os pode exercer sozinho (artº. 261º. do CSC. e artº. 6º. do pacto), pelo que o trabalhador não devia obediência à “ordem” de se apresentar ao trabalho.

I- Está provado que o trabalhador desobedeceu às ordens de um sócio-gerente e de um superior hierárquico.

J- Está provado que o Recorrido conhecia o teor do pacto social.

L- A antiguidade do trabalhador na empresa, o facto de ser genro do outro sócio-gerente e o seu conhecimento do conteúdo do pacto social, sempre fariam dele um terceiro de má-fé, a quem não aproveita o princípio da ilimitação dos poderes de gerência que protege os terceiros de boa-fé.

M- Mesmo que, por hipótese, o que só como tal se concebe, se entendesse que a instauração do procedimento disciplinar e a decisão de suspensão preventiva deveriam ser precedidas de uma deliberação, nela não podia participar o sogro do Recorrido por manifesto conflito de interesses.

N- A ordem de suspensão é legítima e o Recorrido devia-lhe obediência.

O- A ordem que o Recorrido supostamente teria recebido através da carta subscrita por seu sogro é ilegítima, violando quer o pacto social quer a lei (artº. 261º. do C.S.C.).

P- Depois dessa ordem, como se encontra provado, o Recorrido recebeu em 03, 17 e 18 de Novembro de 2008, novas ordens do sócio-gerente D… para acatar a suspensão e não obedeceu.

Q- Os usos da empresa também constituem fonte de direito.

R – Está provado que o sócio-gerente D… era quem tratava das questões relativas ao pessoal e está provado que o Recorrido disso tinha conhecimento, o que não foi tido em conta na decisão recorrida.

S – Atendendo a tal uso na empresa, configura clara desobediência a entrada e permanência do Recorrido nas instalações da empresa, depois de ter sido suspenso.

T – A Mmª Juiz Recorrida, ao arrepio da decisão que ordenou a repetição do julgamento, considerou que os usos laborais nunca poderiam tornar ilícita a desobediência do Recorrido/Autor.

U – Os factos atinentes à desobediência e as suas consequências, também provadas, deveriam ter sido tomados em conta na decisão.

V – O comportamento do Recorrido é censurável e mesmo doloso.

W- No caso, nenhum argumento razoável tinha o Recorrido, à luz do critério de um “bom pai de família”, para que tivesse desobedecido a repetidas ordens legítimas e “obedecido” a uma “ordem” ilegítima.

X- Os factos que traduzem a desobediência, só por si, ou conjuntamente com a restante matéria dada como provada, impunham a improcedência da acção e a declaração de que o despedimento é lícito.

Y – Independentemente dos factos da desobediência, os factos imputados pelo Recorrido ao sócio-gerente D… em 16/10/2008, não constituem mera violação do dever de urbanidade, e mesmo não tendo sido objecto de procedimento criminal, só por si ou em conjunto com a utilização das instalações e dos equipamentos da Recorrida são susceptíveis de sustentar o despedimento.

Z- Face à matéria dada como provada, ocorre claro erro de julgamento, pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente e o despedimento considerado lícito.

Foi violado:
a) o disposto no artigo sexto do pacto social da Recorrida.
b) o disposto no artigo 261º. do C.S.C.
c) o disposto no artº 1º do Código do Trabalho e no nº 1 e nas alíneas a), e) e i) do nº. 3 do artº. 396º. do mesmo diploma, na redacção anterior à revisão de 2009”.

Contra-alegou de novo o Recorrido sustentando a improcedência do recurso e formulando, a final, as seguintes conclusões:
A) Esteve bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu;
B) O A. está ao serviço da R. há mais de trinta anos, sem qualquer registo disciplinar;
C) A Ré C… é uma sociedade comercial que na sua composição social tem dois sócios com quotas de igual montante, sendo ambos gerentes;
D) Existe um manifesto litígio entre os dois sócios gerentes da sociedade quanto à gestão da sociedade;
E) O sócio D… entende que, face ao pacto social, só ele tem poderes de gestão;
F) O A. é genro do sócio E…;
G) O A. viu-se envolvido, sem nada fazer para tal, no litígio existente entre os sócios;
H) O processo disciplinar movido ao A., por ausência de deliberação da sociedade, é ilegal;
I) Os factos considerados provados pelo Tribunal a quo não são suficientes para aplicar a sanção mais grave de despedimento com justa causa;
J) O processo disciplinar movido ao A. é uma perseguição pessoal feita a um familiar do sócio E…;
K) O A. não proferiu a expressão que lhe é imputada;
L) O A. não desobedeceu a quaisquer ordens;
M) O A. nunca se serviu de equipamentos da empresa para benefício próprio;
O) Do pacto social resulta que E… e D… são gerentes;
P) Ambas as ordens, proferidas por ambos os gerentes, são legítimas.
Q) O uso da empresa, caso existisse, não podia prevalecer sobre a lei e o pacto social;
R) A matéria de facto considerada provada, neste contexto, não justifica a aplicação da sanção disciplinar mais grave, tal como foi aplicada ao A.;
S) O despedimento é ilícito.

O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, tendo a recorrente respondido, pugnando pela sua pretensão.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se assistiu justa causa à recorrente para despedir o recorrido.

III. A matéria de facto fixada pela 1ª instância e ora a considerar é a seguinte:
A-) O Autor é trabalhador da Ré desde Outubro de 1976, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado (doc.1).
B-) Auferia, à data do seu despedimento, um vencimento mensal de 1.837,00€, acrescido de subsídio de alimentação (doc.1).
C-) Em 31 de Outubro de 2008, foi-lhe comunicado que, em consequência da instauração de procedimento disciplinar, estava suspenso preventivamente da prestação de trabalho (doc. 2).
D-) No dia 28 de Novembro de 2008, foi notificado da nota de culpa, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Ré (doc. 3).
E-) O Autor apresentou a sua resposta à nota de culpa, juntando documentos e arrolando testemunhas (doc.4).
F-) Em 10 de Fevereiro de 2009, o Autor foi notificado de uma nota de culpa adicional, tendo, em 20 de Fevereiro, apresentado a sua resposta à referida nota de culpa adicional (doc.s 5 e 6).
G-) Em 27 de Fevereiro de 2009, o Autor é notificado da decisão final tomada pela entidade empregadora, ora Ré, tendo esta decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa (doc. 7).
H-) No 31 de Outubro de 2008, foi também comunicado ao Autor por escrito, que a carta referida em C-), suspendendo-o da prestação do trabalho, deveria ser considerada sem efeito, pelo que o mesmo deveria continuar a aparecer no seu local de trabalho até novas instruções (ver fls. 73).
I-) A aludida carta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, encontra-se assinada por “E…” que para o efeito invoca a qualidade de “sócio gerente”.
J-) E… é sogro do aqui Autor.
K-) No dia 18 de Novembro de 2008, pelas 9h, após ter sido vedada a entrada do Autor nas instalações da Ré, conforme instruções dadas por D…, foi chamada ao local a GNR da Trofa (fls. 75).
L-) De acordo com o organigrama da Ré, junto como doc. 4 da resposta à nota de culpa, datado de 12/02/2002, o Autor exerce funções no departamento de compras e responde hierarquicamente aos Srs. D… e F….
M-) Por seu lado, o Eng.º G… é o chefe do departamento de Planeamento e Produção, onde exerce funções, respondendo hierarquicamente aos referidos Srs. D… e E….
N-) Ainda de acordo com o referido organigrama, o Eng.º G… tem sob a sua tutela os seguintes trabalhadores: H…, I…, J…, K… e L….
O-) De acordo com a inscrição comercial da Ré, são sócios da mesma E… e D…, sendo ambos gerentes da empresa, que se obriga apenas pela intervenção do gerente D….
P-) Foi interposta acção judicial por E… pedindo a destituição de gerente de D…, acção essa que veio a ser julgada improcedente, por decisão proferida em 04/11/2009, que transitou em julgado em 02/02/2010.
Mais se provou que:
1º No dia 16/10/2008, entre as 10h e as 11h, junto ao cais de expedição, o Autor dirigiu-se ao Sr. I…, então trabalhador da Ré, e, referindo-se ao sócio gerente da requerida, D…, afirmou: “o seu amigo anda a fugir à polícia. Apresentou atestados médicos falsos. Mas ele vai para Custóias e você vai visita-lo e leva-lhe um maço de cigarros”, mais afirmando que “Vários produtos da C… estão a ser vendidos com prejuízos por responsabilidade dele”.
2º Na sequência do referido, foi o Autor suspenso, tal como descrito em C-), sendo que, apesar disso, apresentou-se no seu local de trabalho, no dia 03/11/2008.
3º Nesse dia, apesar de interpelado pelo seu superior hierárquico, G…, para que acatasse a ordem de suspensão, o Autor não o fez, permanecendo no local de trabalho.
4º Nesse dia, não obstante a ordem de suspensão dada, e os trabalhadores da empresa de segurança lhe terem dito que não podia entrar, o Autor aí entrou.
5º No dia 17/11/2008, pelas 9 horas, quando o Autor estava a entrar nas instalações da empresa, foi abordado pelo sócio gerente G…, que, mais uma vez, lhe deu ordens para não entrar, pois estava suspenso.
6º E, logo que o mesmo se retirou, o Autor, desobedecendo à sua ordem, entrou nas instalações e lá permaneceu nesse dia.
7º E, novamente, no dia 18/11/2008, o Autor voltou a forçar a entrada na Ré, a coberto da presença da força policial no local.
8º Toda a situação descrita foi do conhecimento de todos os trabalhadores da empresa e do conhecimento público.
9º Naquele dia 18, o Autor ainda permaneceu todo o dia no local, no parque de estacionamento, onde tinha a sua viatura.
10º O Autor utilizava as instalações da empresa e os respectivos equipamentos para fins particulares, concretamente para tratar da actividade relativa à sua carteira de seguros.
11º O Autor, no âmbito das suas funções – de conferir as facturas dos fornecedores de bens e serviços -, considerou como “boas para pagamento” facturas, relativas aos anos de 2005 a 2008.
12º Facturas essas relativas, supostamente, a reparações na viatura de marca Mercedes, Modelo …, matricula EX-..-...
13º Alguns dos materiais facturados, como tendo sido aplicados naquela viatura, não se destinam a viaturas daquele modelo.
14º Também na M…, entre os anos de 2005 a 2007, foram aplicados diversos jogos de pneus, supostamente, naquela mesma viatura, sendo o Autor quem igualmente conferiu as respectivas facturas.
15º Sendo que aquela viatura não gasta pneus 235/60 que são aqueles que constam das facturas em causa.
16º O valor das facturas pagas ascende a 2.124,32 euros.
17º O Autor tinha conhecimento do litígio que separa os dois sócios da ré, E… e D…, bem como do organigrama datado de 27/09/2007.
18º O Autor tem conhecimento do teor e exactos termos do pacto social da empresa Ré.
19º E que por força do aludido organigrama o Eng. G… era seu superior hierárquico.
20º O Autor viu-se confrontado com um litígio entre os sócios gerentes da Ré, tendo sido afastado da empresa através do processo disciplinar aqui em causa que conduziu ao seu despedimento.
21º Entre os sócios gerentes da Ré, D… e E…, sogro do aqui Autor, existe um conflito e litigio, que remonta já a Fevereiro de 2007.
23º De acordo com o pacto social da empresa, a gerência da Ré pertence a ambos os sócios, que dividirão entre si os respectivos serviços, conforme for deliberado em assembleia geral, sendo que a representação da sociedade, em juízo e fora dele, e nos documentos que envolvam responsabilidade para a sociedade, fixa afecta ao sócio D…, podendo os documentos de mero expediente ser assinados por qualquer dos sócios gerentes (ver fls. 352 a 362 dos autos).
E em resultado do novo julgamento, provou-se ainda que:
24º - Não obstante terem sido dadas ordens ao autor para não utilizar as instalações da empresa e seus equipamentos, para fins particulares, o autor fê-lo, usando, para tanto, o telefone da ré, e enviando, pelo menos, um fax, datado de 17/10/2008, junto a fls. 55c do processo disciplinar.
25º - Dentro da organização da empresa ré, as questões referentes ao pessoal, eram, normalmente, tratadas pelo sócio-gerente D…, o que o autor sabia.

Apreciando:
Tal como vem perspectivada no recurso, a justa causa de despedimento e a discordância da recorrente quanto à solução contrária decidida pelo tribunal recorrido assenta:
1 - na errada interpretação quanto à qualificação do exercício do poder disciplinar como um poder de gestão e não de representação, e assim se devendo ter considerado que o único sócio com poder de suspender o recorrido era o sócio-gerente D… porque era aquele em quem estava exclusivamente atribuído o poder de representar a sociedade; que o sócio E…, mesmo atendendo ao princípio da ilimitação dos poderes de gerência e se se lhe reconhecesse poder de representação (conclusão H) não o podia exercer sozinho, ao invés de D…;
2 - o conhecimento pelo recorrido do teor do pacto social e a sua condição familiar fazem dele um terceiro de má-fé, a quem não aproveita o princípio da ilimitação dos poderes de gerência;
3 - mesmo que se entendesse que o exercício do poder disciplinar devesse ser precedido de deliberação, nela não podia participar E… por conflito de interesses;
4 - a ordem de suspensão dada por D… é legítima, ao passo que a ordem contrária dada por E… não o é, e portanto o recorrido devia obediência à primeira, estando provado que lhe desobedeceu, assim como às ordens posteriormente dadas pelos seus superiores hierárquicos;
5 - os usos da empresa constituem fonte de direito, ficou provado que era D… o sócio que tratava das questões relativas ao pessoal, o que o recorrido sabia, e por isso devia ter obedecido, sendo que a Mmª Juiz a quo considerou que os usos nunca podiam tornar ilícita a desobediência, ao arrepio do que tinha decidido este tribunal de recurso.
6 - os factos atinentes à desobediência e às suas consequências deviam ter sido tomados em conta;
7 - o comportamento do recorrido é censurável e doloso, nenhum argumento lhe assistindo para desobedecer a uma ordem legítima e obedecer a uma ordem ilegítima;
8 - os factos que traduzem a desobediência, só por si ou conjuntamente com a restante matéria impunham a declaração de licitude do despedimento;
9 - a restante matéria, por si só, conduzia ao despedimento, independentemente da valoração criminal.

Posto que a sentença recorrida reafirmou o que já tinha decidido anteriormente, acrescentando que os novos factos apurados, designadamente quanto às questões de pessoal serem, por norma, tratadas por um sócio, não podia ir contra o pacto social no sentido de retirar o poder de gerência ao sócio E… e que sempre haveria um conflito de deveres por parte do trabalhador que nunca se podia resolver numa desobediência ilícita, cumpre desde logo esclarecer que este tribunal de recurso não decidiu, na parte dispositiva do acórdão, que o facto de D… tratar das questões de pessoal era um uso laboral e que assim sendo constituía fonte de direito e era o direito aplicável, devendo o trabalhador obedecer, apenas considerou que: “a alegação de que quem efectivamente geria as questões de pessoal era o sócio D…, é um facto relevante para o apuramento da questão da justa causa. Relevante no sentido de que as fontes do direito laboral são não apenas as legais ou convencionais mas também os usos laborais – artº 1º do Código do Trabalho – e por isso, se numa determinada estrutura instituída pelo empregador, alguém habitual e exclusivamente gere o pessoal, às ordens deste alguém estará o trabalhador submetido. Este alguém é, do ponto de vista da estrutura, um superior hierárquico do trabalhador, independentemente de ser ou não sócio do empregador. Haverá portanto ilicitude na desobediência. A questão da superveniência de uma ordem contrária, que provém de alguém que também tem, do ponto de vista jurídico, tal competência - isto é, mesmo que não a exercesse antes, poderia passar a exercê-la - resolve-se, no conhecimento do trabalhador desta última competência, numa ponderação da sua culpa. À ponderação da culpa interessará este comportamento e todos os outros apurados nos autos”.
Ora, a Mmª Juiz a quo só estava vinculada à parte dispositiva do acórdão, mas era inteiramente livre de considerar, no que toca aos usos laborais, de outro modo. E nós mesmos, visto que não decidimos de modo definitivo, e visto aliás que a composição do colectivo se alterou, podemos considerar em contrário do que se afirmou no anterior acórdão.
A argumentação da recorrente, no que concerne à qualificação do poder disciplinar como um poder de representação perante terceiro, nas várias perspectivas constantes supra 1 e 2, e retomadas em 4, 6 e 7 sob a afirmação da legitimidade da ordem dada por D… e a ilegitimidade da ordem dada por E…, já tinham sido consideradas no acórdão anterior, e não vemos, neste particular, razão para mudar de opinião.
Renovamos pois que:
“A Mmª Juiz a quo escreveu, e a nosso ver, bem: “A competência disciplinar é um poder do empregador, a este competindo o seu exercício, a menos que o delegue em algum superior hierárquico do trabalhador e nos termos por aquele estabelecidos, como decorre do disposto nos arts. 365º, nºs 1 e 2 do CT/2003.
O art. 252º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, estabelece que as sociedades são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato uma outra forma de deliberação.
Ora, o pacto de constituição da sociedade aqui Ré prevê que a representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficou afecta ao sócio D….
Mas é omisso quanto à questão da instauração de procedimento disciplinar aos trabalhadores e restantes decisões que se prendam com o pessoal, pois que, diz-se naquele pacto, a gerência da Ré pertence a ambos os sócios, que dividirão entre si os respectivos serviços, conforme for deliberado em assembleia geral, não tendo sido junto aos autos qualquer deliberação da assembleia geral a distribuir entre os sócios os respectivos serviços.
E, a ser assim, na falta de convenção em contrário, ambos os sócios têm poderes de administração da sociedade, tendo apenas o gerente D… poderes de representação da mesma.
Quer, pois, isto dizer, que qualquer sócio gerente pode praticar actos de mera administração, sem necessidade de intervenção dos restantes. Ora, a instauração de um processo disciplinar, através da comunicação da nota de culpa, constitui um acto de mera administração, pois através dela não se pretende obrigar a sociedade requerida, mas apenas exercitar um poder disciplinar, que é um acto de gestão corrente ou normal, para o qual qualquer gerente tem poderes. Daí que, nestes autos, seria lícito a qualquer dos sócios gerente ordenar a instauração de um processo disciplinar a um trabalhador, sem intervenção do outro gerente.
Veja-se, nesse sentido, o Acórdão do STJ de 23/09/2008, processo 08A2239, www.dgsi.pt, onde expressamente se diz que “Da primeira parte do nº1, do citado art. 252º, pode retirar-se a conclusão de que a gerência abrange duas funções: a de gestão ou administração (actuação interna da sociedade, ou seja, a que se reflecte directamente na ordem interna desta) e a de representação (actuação externa, ou seja, a que tem reflexos directos no exterior da sociedade). Ora, se os actos de administração a praticar pelos gerentes estão sujeitos a deliberações dos sócios, vigorando para as sociedades por quotas um princípio de dependência de ordens ou instruções, a que corresponde um princípio de obediência por parte dos gerentes (art. 259), já quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação dos poderes representativos dos gerentes, perante o qual são irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios (art. 260, nº1)”.
A questão do dever de obediência à ordem de suspensão coloca-se porque o recorrido recebeu duas ordens contraditórias: - uma primeira, do sócio-gerente D…, em 31.10.2008, e outra, no mesmo dia, do sócio também gerente, seu sogro. Antes de mais, cumpre analisar que a ressalva de “novas instruções” contida na segunda comunicação ou ordem, não pode ler-se, no contexto conflitual entre os sócios – e este não pode ler-se significa, nunca poderia ser lida e entendida pelo recorrido enquanto declaratário normal, nos termos do artº 236º do Código Civil – como “até novas ordens em sentido contrário a esta, emanadas doutrem que não eu”. Sendo notório que o próprio recorrido conhecia o contexto do litígio entre sócios, quando um deles vem dizer o contrário do que o outro disse, ele vem garantir ao recorrido que, o que vier a acontecer, será com intervenção e aceitação dele. Por isso, mesmo que as novas instruções viessem a ser no sentido da suspensão, elas teriam de ser avalizadas pelo sogro do recorrido. Com essa garantia, implícita na comunicação já recebida, o recorrido entenderia então que nada mais teria a fazer senão obedecer.
A questão da legitimidade das ordens coloca-se no plano do apuramento do requisito ilicitude, inerente à concepção de justa causa. Qual das ordens era legítima?
Repare-se que apenas abordamos as duas primeiras ordens emanadas dos sócios-gerentes, e isto porque apesar de apurado que o recorrido recebeu uma terceira ordem do seu superior hierárquico, G…, e que recebeu novamente mais ordens de D…, que não cumpriu, o dever de obedecer à terceira e subsequentes ordens só se resolve se se apurar que a segunda ordem, do sogro do recorrido, não era válida. Caso contrário, subsiste a contradição.
Alega a recorrente que o exercício do poder disciplinar constitui um acto de representação praticado pelo sócio-gerente e que constava do pacto social que a representação pertencia ao sócio D….
Distingamos: o exercício do poder disciplinar, como de qualquer outro poder que a lei laboral concede ao empregador, é, passe a tautologia, um poder do empregador. Este pode ser uma pessoa singular ou colectiva, nas várias formas e naturezas jurídicas que assumem as pessoas colectivas. Portanto, em primeiro lugar, o exercício do poder disciplinar não é exercício do poder de representação. Em segundo lugar, o exercício do poder disciplinar não é diverso, na sua natureza jurídica, do exercício de qualquer outro poder do empregador. Esta menção vem aqui a propósito da consideração de que através de tal poder se pretende extinguir uma relação com terceiro, o que também não é verdade, em face do leque de sanções disciplinares previstas no artº 366º do Código do Trabalho e em face da discricionariedade que o empregador mantém até à decisão do processo disciplinar, incluída a de inversão da comunicação da intenção de despedimento. Em terceiro lugar, só podemos falar de exercício de poder de representação quando do lado do empregador existe uma pessoa colectiva. Aí sim, mas já visto doutra perspectiva, a questão que se coloca é a da classificação do poder exercido pelo órgão da pessoa colectiva, neste caso, quando pretende perseguir e punir disciplinarmente um trabalhador.
A Mmª Juiz a quo classificou tal poder de administração, de simples administração, e não de representação. A recorrente põe a tónica na questão do trabalhador ser um terceiro perante a sociedade.
Ora, como consideração prévia genérica, das considerações já acima feitas – a saber, do poder disciplinar como poder do empregador e do poder disciplinar enquanto par dos demais poderes do empregador – resulta manifestamente que, em sede de apreciação judicial laboral, concretamente da justa causa de despedimento, a perspectiva a considerar é necessariamente a da relação jurídica de emprego, porque é nessa relação que se definem os direitos e deveres das partes. É assim indiferente para a apreciação da justa causa saber se o empregador é uma pessoa singular ou colectiva, e em concreto se é uma sociedade ou outro tipo de pessoa, e se a ordem desobedecida emanou enquanto expressão do poder de representação dum sócio.
É verdade que o recorrido conhecia o litígio entre sócios, é verdade que sabia o teor do pacto social. Não é verdade que tivesse ele de se decidir, na sua actuação, em função duma decisão do litígio que lhe não competia, nem que lhe resultasse do pacto o conhecimento da (duvidosa, adiante negada) bondade da afirmação (única) do exercício do poder disciplinar enquanto poder de representação.
Mas prossigamos na questão com que a recorrente se não conforma: - visto na perspectiva da actuação do órgão da pessoa colectiva, o trabalhador é um terceiro? Todos os actos do órgão da pessoa colectiva, simultânea e necessariamente, exercício de poderes de empregador, são actos de representação? Dar ordem para concluir uma tarefa até às duas da tarde é um acto de representação?
Definamos o que é a representação: visto que a pessoa colectiva é uma realidade virtual, como se usa agora dizer, as suas decisões têm de ser tomadas pelas pessoas singulares que integram os seus órgãos. Isto é representação?
Estabelece o artigo 163º nº 1 Código Civil: “A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado”. Com mais clareza, depois do artº 259º do Código das Sociedades Comerciais determinar que “Os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios”, o artº 252º nº 1 do mesmo Código estatui que “A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena”.
Podemos concluir que as pessoas colectivas, neste caso a sociedade Ré, existem para a prossecução do seu fim social, que esta prossecução implica a prática, pelos gerentes, dos actos de administração e de representação, ou seja, distingue-se claramente o que é a administração e a representação. Se apelarmos à noção de representação constante do artº 258º do Código Civil, aí verificamos que “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”. “A representação traduz-se na realização de negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera se produzem directamente os respectivos efeitos”[2]. Ora, dificilmente se pode dizer se os actos praticados na vigência da relação laboral, após a sua constituição mediante contrato, são negócios jurídicos. Negócio jurídico é o contrato de trabalho, enquanto perfeição das vontades das partes na constituição de direitos e deveres, neste caso recíprocos. No exercício de cada um dos muitos direitos e deveres laborais, não se constituem novos negócios jurídicos.
Os trabalhadores, e a conformação do seu trabalho, são indispensáveis à prossecução do fim social da recorrente. A partir do momento em que os trabalhadores são contratados, o exercício dos poderes de empregador corresponde apenas, face a esses trabalhadores e na perspectiva do empregador, num exercício de administração, numa gestão da adequação dos meios de produção à prossecução da actividade comercial elegida.
Pelo exposto, o exercício de quaisquer poderes do empregador não se traduz num acto de representação da sociedade para com o terceiro trabalhador, mas sim num acto de administração dos elementos com que a própria sociedade conta para a prossecução do seu fim. E ainda que se pudesse pensar que a decisão de despedimento é um negócio jurídico unilateral, do que se tratou no presente caso foi duma decisão de suspensão, no quadro dum processo disciplinar, o que não põe termo à relação, tornando o que é interno em externo.
Por isso, no silêncio do pacto social e na ausência de deliberação, os poderes de administração cabiam a ambos os sócios e o recorrido foi mesmo destinatário de duas ordens contraditórias, ou melhor dizendo, duma segunda ordem que dava a primeira sem efeito. Não vemos por isso que tenha andado mal a Mmª Juiz a quo ao considerar que o recorrido não devia obediência às ordens de suspensão.
Mesmo que se entenda que em termos estritamente jurídicos qualquer exercício de poder laboral do empregador, pelo órgão da sociedade dele incumbido é, simultaneamente, um exercício do poder de administração e um acto de representação, a solução, no silêncio do pacto, é igual, pois ao sogro do recorrido cabiam inequivocamente poderes de administração. O recorrido podia pois considerar válida e eficaz a comunicação do sogro. E mesmo que assim não fosse, ao menos no plano da culpa, quando a acção judicial travada entre os sócios não estava decidida ao tempo da suposta desobediência, a culpa do recorrido seria inexistente, precisamente porque o mesmo tem de ser considerado, por inexigência de especiais conhecimentos jurídicos, como terceiro de boa-fé.
Pelo que se acaba de dizer, os factos atinentes à desobediência e às suas consequências não tinham de ser tomados em conta para a apreciação da justa causa de despedimento, não sendo eles pois suficientes para a declaração de licitude do despedimento”.

Em que medida a ampliação da matéria de facto vem alterar este raciocínio?
Em primeiro lugar, considerámos anteriormente a possibilidade de relevar um uso laboral a partir do facto da exclusividade do exercício de supervisão de pessoal competir ao sócio-gerente D…. Ora, não foi isso que se provou, antes apenas que esta supervisão era, por norma, dele.
Considerou além disso a Mmª Juiz a quo, e assim pensa também o recorrido nas suas contra-alegações, que, atribuindo o pacto social poderes de gestão a ambos os sócios, e posto que não houve deliberação societária em sentido diverso, o facto de ao longo dos anos ter sido D… quem tratava das questões de pessoal, por norma, mesmo que fosse entendido como um uso laboral, não podia contrariar os poderes de gestão que o sogro do recorrido efectivamente tinha, e que mesmo que não usasse podia voltar a usar, sendo que a exclusão destes, por via do uso, iria contra a lei.
Ora bem, os “usos” referidos no art. 3.º do Código Civil são as práticas ou usos de facto, como ensina Mota Pinto[3], não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte do chamado direito consuetudinário. Correspondem, sim, a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da obrigatoriedade[4].
O Direito do Trabalho é um dos sectores da ordem jurídica em que é tradicionalmente reconhecido um relevo particular aos usos, não só pela importância que as práticas associadas a determinadas profissões têm na organização do vínculo do trabalho, como ainda porque os usos da empresa são frequentemente tomados em consideração para integrar aspectos do conteúdo do contrato individual de trabalho que não tenham sido expressamente definidos pelas partes[5].
Já o art. 12.º da LCT, relativo às normas aplicáveis aos contratos de trabalho, admitia no seu n.º 2 que se atenda aos “usos da profissão do trabalhador e das empresas” desde que não contrariem a lei, os instrumentos de regulamentação colectiva, os princípios da boa fé e a convenção das partes. Segundo Monteiro Fernandes, a norma reporta-se às “práticas usuais ou tradicionais” deste ou daquele sector do mundo laboral que não se revestem de características de norma jurídica, antes se apresentam como “mero elemento de integração das estipulações individuais (ou seja, destinado a preencher condições a que as partes não se referiram, de harmonia com aquilo que elas presumivelmente estariam dispostas a aceitar)”. E, de acordo com o mesmo autor, havendo estipulações expressas os usos poderão também ter uma função interpretativa das mesmas: “o sentido a dar às cláusulas pouco claras pode ser procurado, também, com recurso às práticas habituais da empresa, sem que isso importe a dispensa dos restantes critérios de interpretação dos negócios jurídicos”[6].
Os Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 incluem também nas fontes específicas do direito do trabalho os “usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé” (art. 1.º), também eles afastando o princípio decorrente do artigo 3.º do Código Civil, no sentido de que a eficácia dos usos depende da existência de um dispositivo legal que em concreto lhes atribua relevo.
No que diz respeito ao critério de atendibilidade dos usos, a legislação codicística exige simplesmente que os usos “não contrariem o princípio da boa fé”, o que pode suscitar o problema da sua inserção na hierarquia das fontes do direito, problema que a LCT resolvia expressamente, colocando-os no sopé da hierarquia normativa.
Como defende Maria do Rosário Palma Ramalho, já a propósito do Código do Trabalho de 2003, “dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário; na mesma linha não prevalecem, também os usos sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la afastado; e, por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa.”[7]
Falamos destes usos na sua potencialidade de regularem o contrato de trabalho, e portanto na sua relação com outras fontes de direito laboral. Mas, relativamente ao poder disciplinar enquanto poder do empregador, não precisamos destes usos, porque temos norma legal expressa que nos diz que o poder disciplinar pertence ao empregador podendo este delegá-lo. Foi o que disse a Mmª Juiz a quo na sua primeira sentença: “A competência disciplinar é um poder do empregador, a este competindo o seu exercício, a menos que o delegue em algum superior hierárquico do trabalhador e nos termos por aquele estabelecidos, como decorre do disposto nos arts. 365º, nºs 1 e 2 do CT/2003”.
O facto de, por norma, ser D… quem tratava das questões de pessoal corresponde a uma delegação de poder nele, enquanto superior hierárquico, a uma delegação do poder de instaurar procedimento disciplinar e nesse âmbito suspender um trabalhador? Esta delegação não tem necessariamente de ser expressa, pois “os termos estabelecidos” pelo empregador podem claramente reportar-se a uma orgânica de base em que determinadas questões da gestão de uma empresa são divididas, digamos, pelos diversos órgãos.
Porém, esta delegação tácita, consolidada pelo uso, sempre tem como limite a avocação do poder originário pelo seu detentor, e assim, quando E… dá uma ordem em sentido contrário, se delegação havia em D… enquanto superior hierárquico, a mesma foi retirada.
Por outro lado, e porque há norma expressa a consagrar que o empregador é o detentor do poder disciplinar, isto – a prática da empresa, o uso – não nos resolve a questão de saber qual dos sócios é o empregador com legitimidade, porque neste particular não estamos a falar dum uso laboral, mas dum uso civil enquanto fonte de direito ao abrigo do artigo 3º do Código Civil, que teria o efeito de estabelecer qual dos sócios gerentes duma sociedade comercial era o detentor do poder de administração em que se integra o poder disciplinar laboral. Ora, nos termos do artigo 3º do Código Civil, os usos que não sejam contrários à boa-fé são atendíveis quando a lei o determinar. Não temos nenhuma lei que determine, na distribuição de poderes dos sócios duma sociedade, a atendibilidade do uso, pelo contrário, o que temos é a regra do artigo 252º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, a estabelecer que as sociedades são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato uma outra forma de deliberação” como já advertia a Mmª Juiz recorrida na sua primitiva sentença. E como também ali se referiu: “Ora, o pacto de constituição da sociedade aqui Ré prevê que a representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficou afecta ao sócio D….
Mas é omisso quanto à questão da instauração de procedimento disciplinar aos trabalhadores e restantes decisões que se prendam com o pessoal, pois que, diz-se naquele pacto, a gerência da Ré pertence a ambos os sócios, que dividirão entre si os respectivos serviços, conforme for deliberado em assembleia geral, não tendo sido junto aos autos qualquer deliberação da assembleia geral a distribuir entre os sócios os respectivos serviços”.
Pelo exposto, o uso consistente no facto de D… ser, por norma, quem tratava das questões de pessoal, não é atendível, até porque, ao contrário, representaria uma exclusão não consentida por lei do poder de administração de E….
Estando claro que o poder disciplinar é um poder de administração e não de representação, que os trabalhadores não são terceiros para com a sociedade, a conclusão é a de que o sócio E… tinha legalmente o poder de dar uma ordem contrária à que tinha dado D…, e que perante duas ordens contraditórias, a desobediência do recorrido à ordem de D… não é ilícita, tanto como, como bem nota a Mmª Juiz, o não seria se ele tivesse desobedecido à ordem do sogro.
Não tem por outro lado a recorrente razão quando refere que seria preciso uma deliberação da sociedade e que E… não teria legitimidade para participar nela por conflito de interesses, porque sendo o poder disciplinar um poder de administração, do ponto de vista da sociedade, ele pertence a qualquer um dos sócios gerentes, independentemente de se porem de acordo e deliberarem no sentido da prossecução de tal poder.
Entendemos assim que o facto apurado na ampliação não leva à consideração da ilicitude da desobediência do recorrido a D… nem às ordens que depois lhe foram dadas pelos superiores hierárquicos, e entendemos por isso que a matéria da desobediência e das suas consequências, não é susceptível de fundamentar a justa causa de despedimento, não havendo sequer que considerá-la em conjugação com outros factos com relevância disciplinar.

Quanto à restante matéria factual com relevo disciplinar, a ampliação da matéria de facto só veio esclarecer que quanto ao facto nº 10º “O Autor utilizava as instalações da empresa e os respectivos equipamentos para fins particulares, concretamente para tratar da actividade relativa à sua carteira de seguros”, que foram dadas ordens ao Autor para não o fazer e que ele, perante tais ordens, ainda assim, para fins particulares, o autor usou o telefone da ré, e enviou, pelo menos, um fax, datado de 17/10/2008 – facto nº 24.
Renovando o que a este propósito considerámos no anterior acórdão:
“Resta analisar se os restantes factos apurados quanto ao comportamento do trabalhador recorrido são suficientes, só por si, para fundamentar o despedimento. Desde logo, a competência do tribunal, em sede de apreciação judicial da ilicitude do despedimento, é a de sindicar o juízo efectivamente produzido pelo empregador. Compulsada a nota de culpa e a decisão disciplinar, não vemos que a recorrente haja mencionado a suficiência de cada um dos factos imputados para a constituição de justa causa, isto é, a recorrente não mencionou ao trabalhador que, independentemente de não se provarem todos os factos, ela sempre consideraria – isto é, ajuizaria – que cada um deles determinava a impossibilidade de suportar a relação laboral. Ainda assim, vejamos.
Nos termos do artº 396º nº 1 do Código do Trabalho de 2003, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. No nº 3 do mesmo preceito enumera-se um elenco exemplificativo de comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa, desde que recondutíveis ao conceito consagrado no nº 1.
Entende-se generalizadamente[8] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjectivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objectivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[9].
Não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador para fundamentar a justa causa, antes se exigindo que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, impossibilidade esta que deverá ser avaliada segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal, impondo o artº 396º, nº 2 que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Verificar-se-á impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando, em resultado do comportamento, deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Citando Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, verifica-se a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 119º do CT 2003 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento.
Por último, importa ter em conta que, de entre as sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo usar-se apenas nos casos em que se mostre adequada e proporcional à gravidade da infracção, princípio de proporcionalidade de resto aplicável a qualquer sanção.
Temos pois que o recorrido:
1 - No dia 16/10/2008, entre as 10h e as 11h, junto ao cais de expedição, o Autor dirigiu-se ao Sr. I…, então trabalhador da Ré, e, referindo-se ao sócio gerente da requerida, D…, afirmou: “o seu amigo anda a fugir à polícia. Apresentou atestados médicos falsos. Mas ele vai para Custóias e você vai visita-lo e leva-lhe um maço de cigarros”, mais afirmando que “Vários produtos da C… estão a ser vendidos com prejuízos por responsabilidade dele”.
2 – O A. utilizava as instalações e equipamentos da Ré para desenvolver a sua actividade seguradora.
3 – O Autor, no âmbito das suas funções – de conferir as facturas dos fornecedores de bens e serviços - considerou como “boas para pagamento” facturas, relativas aos anos de 2005 a 2008, facturas essas relativas, supostamente, a reparações na viatura de marca Mercedes, Modelo …, matricula EX-..-..; alguns do materiais facturados, como tendo sido aplicados naquela viatura, não se destinam a viaturas daquele modelo; Também na M…, entre os anos de 2005 a 2007, foram aplicados diversos jogos de pneus, supostamente, naquela mesma viatura, sendo o Autor quem igualmente conferiu as respectivas facturas, sendo que aquela viatura não gasta pneus 235/60 que são aqueles que constam das facturas em causa.
O valor das facturas pagas ascende a 2.124,32 euros.
Considerou a Mmª Juiz a quo que:
“(i) Já no que alude às expressões por si proferidas no dia 16/10, a situação difere. Aqui, parece-nos que, em boa verdade, e não estando nós a apurar as razões que levaram o Autor a proferir as expressões em causa, as palavras que o mesmo proferiu no dia 16/10/2008, e que levaram à sua suspensão, denotam um comportamento pouco próprio (pois que, não pode o trabalhador permitir-se tomar partido e nas instalações da empresa, junto a outros trabalhadores, proferir expressões que envolvem situações pouco esclarecedoras e constrangedoras para um dos legais representantes da empresa, em última análise um seu superior, seu verdadeiro empregador).
As palavras proferidas neste contexto fazem com que o trabalhador viole o dever de urbanidade e respeito para com o empregador, tal como previsto nos arts. 121º nº 1 al. da e 396º nº 3 al. i) do CT.
Se foram ou não ditas no contexto daquele litígio, o que tudo indica, certo é que, ainda assim, não pode o trabalhador permitir-se proferir tais palavras naqueles moldes, sendo ofensivas para quem acima de si está. Ao dizer: “o seu amigo anda a fugir à polícia. Apresentou atestados médicos falsos. Mas ele vai para Custóias…”, e que “Vários produtos dos C… estão a ser vendidos com prejuízos por responsabilidade dele” o trabalhador ofende claramente o seu patrão, podendo, por isso, ser alvo de processo e sanção disciplinar”.
Sobre a questão das facturas, entendeu a Mmª Juiz a quo, e sem que a recorrente o tenha questionado expressamente nas conclusões das alegações de recurso: “Já o dissemos em sede de motivação da matéria de facto – não tinha o Autor, cujas funções eram de apenas “conferir” as facturas endereçadas à firma, forma de saber se os materiais aplicados na viatura EX o teriam sido ou não, nem qualquer outro funcionário o teria. Aliás, ao que tudo indica, o procedimento adoptado foi por determinação do sócio gerente E… (a “solicitação” deste, leia-se a fls. 175) condutor da viatura OT, onde terão sido aplicados os ditos materiais, depois facturados à Ré na viatura EX. Independentemente da possível e visível ilegalidade da situação, não nos parece que o trabalhador tenha, de alguma forma, capacidade para poder controlar o sucedido, não podendo a Ré apenas afirmar, que ele deu pagamento a facturas para reparações feitas em “veículos de seus familiares” – indiciando uma situação pouco transparente e suspeita para este trabalhador – quando, em boa verdade, tais reparações foram feitas a pedido e por ordem do sócio gerente E… (a própria N… veio informar que as peças teriam sido aplicadas, não no veículo de um qualquer familiar, como defende a Ré ao longo do processo, mas sim no veículo de que E… se intitulava proprietário, o que não foi questionado pela Ré – ver fls. 147, 159 e 175 – sendo este também sócio gerente daquela e, como tal, superior do aqui Autor)”.
Prosseguiu a Mmª Juiz a quo:
“(iii) Quanto à alegada utilização de equipamentos da empresa para fins pessoais, também é manifesto que o Autor incorreu em infracção disciplinar. Ao utilizar as instalações da empresa e os respectivos equipamentos para fins particulares, concretamente para tratar da actividade relativa à sua carteira de seguros, o Autor lesa os interesses patrimoniais da empresa, adoptando comportamento previsto no art. 396º nº 3 al. e) do CT.
Verifica-se pois que o Autor praticou infracção disciplinar susceptível de ser sancionada.
No entanto, não podemos esquecer que estamos perante um trabalhador com mais de trinta anos de casa, não tendo sido dito nos autos que alguma vez tivesse sido advertido ou sequer confrontado com o comportamento adoptado, quer no que alude às expressões proferidas, comportamento esse que aparece como algo isolado na vida do trabalhador, e que surge neste contexto de manifesto litigio dos donos da empresa, em que um deles é seu sogro, quer no que respeita à utilização indevida das instalações e equipamentos da empresa, que não sabemos desde quando acontece e em que termos era feita, nunca tendo sido o trabalhador, até ao recebimento da nota de culpa, confrontando com tal factualidade.
Ora, como vimos, a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpa do infractor – art. 367º do CT – sendo que o comportamento do trabalhador deve pela sua gravidade e consequências, tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Estando nós perante um trabalhador com a antiguidade do aqui Autor, e não resultando que o mesmo foi previamente advertido ou chamado à atenção, não obstante a forma como agiu, parece-nos algo excessiva a sanção aplicada.
Com efeito, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª Edição, pág. 557 e seguintes, fala em “inexigibilidade” dizendo que a mesma determina-se mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo –, havendo “impossibilidade prática de subsistência da relação laboral” sempre que a continuidade do contrato represente (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, sempre que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe sejam “… de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador”. Torna-se necessário, em suma, que nenhum outro procedimento se revele adequado a sanar a crise contratual.
Perante determinado comportamento, ilícito e culposo, só é pensável a sanção máxima do despedimento, quando a relação laboral, por força daquele comportamento, não possa ser mantida por tal não poder ser exigível ao empregador.
Em busca de uma justiça individualizante, o legislador transfere para o julgador a tarefa de, em cada momento, concretizar a aplicação dessa “cláusula geral” a que a “justa causa” se reconduz.
E, no caso dos autos, atento todo o circunstancialismo envolvente, parece-nos manifestamente excessivo despedir este trabalhador, que teve um percurso nesta empresa durante mais de trinta anos, sem passado disciplinar, sendo, quanto a nós evidente, que, ainda que não tenha agido no cumprimento dos seus deveres, o fez claramente com o apoio, na retaguarda, de um dos sócios gerentes da empresa, seu sogro.
Como tal, não sendo suficiente a factualidade que logrou demonstrar em julgamento para consubstanciar aquele mesmo despedimento, forçoso se torna então concluir que o despedimento de que o trabalhador foi alvo é assim ilícito, tal como decorre da al. c) do art. 429º do CT, pois que, necessariamente, têm de ser declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o mesmo”.

Ora, neste novo acórdão oferece-se-nos dizer, tal como no anterior que “Não vemos razão para não subscrever o entendimento da sentença recorrida quanto à questão das facturas, isto é, quanto à sua consideração como ilícito autónomo. Quanto à questão da utilização de equipamentos e instalações (…)”, a ampliação da matéria de facto veio consagrar que foram dadas ordens em contrário à utilização das instalações e equipamentos, mas em boa verdade, tirando o uso de telefone, não circunstanciado, e o envio de um fax, não temos realmente provada a amplitude, duração e valor da utilização indevida, nem sequer temos como certa em que data foram dadas ordens em contrário.
Continuamos pois a defender que a utilização não está circunstanciada em termos de se poder aquilatar da sua gravidade, tanto que, na verdade, o que o artº 396º nº 3 al. e) do CT considera como fundamento constituinte de justa causa não é a lesão de interesses patrimoniais do empregador, mas a lesão de interesses patrimoniais sérios. Com o facto apurado a este respeito, é impossível concluir que se trata da lesão de interesses patrimoniais sérios – o uso de telefone não circunstanciado e o envio de um fax não permitem, na mesma, concluir pela seriedade da lesão dos interesses.
Finalmente, quanto à questão das expressões proferidas pelo recorrido. Neste novo recurso a recorrente invoca que independentemente de não ter qualificado a conduta do recorrido como um crime, ainda assim o facto é suficientemente grave para ser considerado. Renovamos que: “Em cumprimento do dever de circunstanciar a nota de culpa – que é condição do pleno exercício do direito de defesa – o empregador deve nela fazer constar não só o facto mas também o juízo que dele faz, ou melhor, a importância que lhe dá. Temos decidido frequentemente, num caso paralelo – que é o da apreciação do prazo prescricional – que a menos que o empregador faça menção de que o facto constitui crime, não lhe aproveita o prazo de prescrição criminal. Ora, a importância que se associa à declaração ou denúncia, perante o suspeito, da prática de crime, é bem maior, bem mais clara, do que a que resulta da simples enunciação do facto respectivo – sobretudo quando o crime em causa depende de acusação particular – artºs 180º e 188º do Código Penal.
Afastada a relevância criminal das expressões proferidas, sem dúvida que elas integram o ilícito disciplinar de violação do dever de respeito e urbanidade, tal como se escreveu na sentença recorrida. Porém, é manifesto, no confronto entre o juízo global produzido pela recorrente na nota de culpa, no contexto do litígio entre sócios, no apuramento do “afastamento” do genro de um dos sócios em conflito “mediante o processo disciplinar”, que os factos são insuficientes para determinarem a aplicação da sanção disciplinar mais grave, que assim subscrevemos como desproporcionada. É claro que o comportamento do recorrido não pode ser desligado da sua condição familiar, do “apoio do sogro na retaguarda” de que fala a Mmª Juiz, e temos dúvidas que fosse exigível ao bom trabalhador comum, colocado na situação concreta, que não tomasse partido, ou melhor dizendo, parece que sempre haveria de considerar-se diminuída a culpa pelo contexto litigioso e familiar. Acrescendo a ausência de antecedentes disciplinares e a antiguidade do recorrido, e não vendo como ultrapassar o próprio juízo emitido pelo empregador sobre a globalidade dos factos imputados, teríamos de confirmar a sentença quanto à questão da inexistência de justa causa”.
Continuamos pois a entender que as violações praticadas não justificam a aplicação da sanção de despedimento, nem cada uma delas por si, nem conjugadas (todas as que não dizem respeito à violação da ordem de suspensão, ordens subsequentes de superiores hierárquicos, e consequências da violação das ordens). Na verdade, não é possível dissociar a condição de trabalhador da condição de genro de um dos sócios da empresa, nem ignorar o contexto de litígio entre os sócios, a tornar a situação do trabalhador particularmente ingrata, e não é possível ignorar a sua antiguidade e ausência de antecedentes disciplinares, nem sequer o actual contexto do despedimento contra o pano de fundo da crise económica generalizada e do desemprego, tornando a sanção bem mais grave do que o já foi.
Concluímos pois, tal como a sentença recorrida, pela ilicitude do despedimento, improcedendo integralmente o recurso e havendo que confirmar a sentença.
Tendo decaído no recurso é a recorrente responsável pelas custas – artigo 517º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar inteiramente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 13.10.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Isabel São Pedro Soeiro
__________________
[1] Com aproveitamento parcial do relatório constante do anterior acórdão proferido pelo ora relator.
[2] Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1982, pg. 240.
[3] In “Teoria Geral do Direito Civil”, p.33.
[4] Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, parte I, Almedina 2005, p. 220.
[5] Vide M. R. Palma Ramalho, ob. cit., p. 221.
[6] Vide Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 11.ª edição, pp. 108 e ss.
[7] In ob. cit., p. 223. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, II vol, 2.ª edição revista e actualizada, p. 579, em anotação ao art. 1128.º, que atribui relevância aos usos, “Os usos não podem contrariar as disposições imperativas da lei e só se aplicam subsidiariamente na falta de convenção”.
[8] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[9] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).
______________
Sumário:
I. O trabalhador a quem é movido um procedimento disciplinar com intenção de despedimento não é um terceiro perante a sociedade empregadora.
II. O exercício do poder disciplinar não se qualifica como exercício do poder de representação, antes como exercício do poder de administração do gerente da sociedade.
III. Numa sociedade por quotas com dois sócios com quotas iguais, cujo pacto social prevê que ambos os sócios exercem a gerência dividindo os respectivos serviços, conforme deliberação em assembleia, e não tendo havido deliberação a atribuir a qualquer deles o poder disciplinar em relação aos trabalhadores, ambos podem exercê-lo.
IV. O facto dum dos sócios se ter ocupado, por norma, das questões relativas ao pessoal, não constitui um uso laboral que habilite à definição de qual dos sócios tem o poder disciplinar, nem constitui um uso atendível, nos termos do artigo 3º do Código Civil.
V. Tendo um dos sócios determinado instaurar procedimento disciplinar e no seu âmbito dado uma ordem de suspensão a um trabalhador, e tendo no mesmo dia o outro sócio dado uma ordem em sentido contrário, ambas as ordens sendo legítimas, não pode concluir-se pela ilicitude da desobediência à ordem de suspensão.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).