Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
214/20.7T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RP20211028214/20.7T8VCD.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta ou o deficiente cumprimento dos ónus previstos nos nºs 1 e 2, do artigo 640º do Código de Processo Civil apenas se projeta na reapreciação da decisão da matéria de facto requerida e nos concretos segmentos em que se verificam essas inobservâncias e nunca sobre a tempestividade do recurso in totum.
II - Não existe qualquer exigência legal de o recorrente que pretende impugnar a decisão da matéria de facto ter de anunciar esta intenção no prazo regra do recurso de apelação (quinze ou trinta dias, conforme os casos) a fim de poder beneficiar do suplemento de dez dias previsto no nº 7, do artigo 638º do Código de Processo Civil.
III - No regime jurídico das associações civis apenas se prevê a anulação de deliberações da assembleia geral (artigos 174º, nº 3, 176º, nº 2 e 177º todos do Código Civil), não estando previsto o regime jurídico da invalidade das deliberações tomadas pelo órgão de administração da associação, no caso a direção.
IV - No entanto, seja por aplicação analógica ou extensiva dos preceitos acima citados, seja recorrendo à aplicação analógica do disposto no artigo 411º do Código das Sociedades Comerciais, afigura-se-nos que pelo menos a deliberação da direção de uma associação civil que tem por objeto matéria da sua exclusiva competência, como se verifica no caso dos autos, é passível de padecer dos mesmos vícios de que podem enfermar as deliberações da assembleia geral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 214/20.7T8VCD.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 214/20.7T8VCD.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 03 de fevereiro de 2020, no Juízo Local Cível de Vila do Conde, Comarca do Porto, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, B… instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra o C... pedindo a condenação do réu a anular a sanção disciplinar aplicada ao autor e bem assim a pagar-lhe a quantia de € 120,00, a título da quota que pagou no ano de 2019 e ainda a quantia de € 5.000,00, a título de reparação dos danos morais que sofreu.
Para fundamentar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese, que é sócio fundador do réu, tendo pago sempre a quota anual fixada em assembleia geral, nomeadamente em 2019, no valor de € 120,00; em reunião da direção do réu realizada em 03 de agosto de 2019 foi aplicada ao autor a sanção disciplinar de suspensão por um ano de toda a sua atividade como associado do réu, sanção comunicada ao autor em carta datada de 06 de agosto de 2019 e recebida pelo mesmo em 12 de agosto de 2019; os fundamentos invocados para a aplicação daquela sanção foram a não sujeição do relatório anual de contas à aprovação em assembleia geral quanto aos anos de 2013 e 2017, a não transcrição dos relatórios de contas em livro, a não instrução dos cheques para pagamentos com as faturas respetivas e a retenção e recusa de entrega dos “chipes” e dos “walkie talkies” do réu; porém, durante o seu mandato foram apresentadas e aprovadas as contas dos vários anos de exercício, sendo sempre justificadas as movimentações da conta bancária e os cheques emitidos com as respectivas faturas, incumbindo ao tesoureiro da direção a transcrição do relatório de contas no livro de contas; negou que que tivesse em seu poder os “chipes” e os “walkie talkies” do réu; o autor pagou a quota no ano de 2019 e, não obstante, ficou impedido de exercer a prática do ato venatório da caça na área geográfica do réu, sentindo vergonha e desgosto por não ter podido praticar a caça durante aquela época de caça.
Citado, o réu contestou invocando a caducidade do direito do autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, impugnou a maior parte da factualidade alegada pelo autor na petição inicial, pugnando pela verificação de fundamentos para a aplicação da sanção cuja anulação é pedida, referindo ainda que a sanção que lhe foi aplicada não lhe retira a qualidade de sócio e, consequentemente, o dever de pagar a quota e, de todo o modo, expirando o prazo para pagamento da quota no final do primeiro trimestre e tendo a sanção de suspensão sido aplicada em agosto de 2019, é infundada a pretensão de devolução da totalidade da quota paga, sendo também infundada a pretensão de compensação por danos não patrimoniais e, em todo o caso, o valor peticionado é manifestamente desproporcional e abusivo, concluindo pela total improcedência da ação com a sua absolvição do pedido, seja por via da procedência da exceção invocada, seja pela não demonstração dos fundamentos da ação.
O réu comprovou ter-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Notificado para, querendo, responder à exceção perentória deduzida pelo réu, o autor ofereceu articulado pugnando pela sua improcedência, atenta a data em que chegou ao seu conhecimento a sanção disciplinar cuja anulação é pedida nestes autos e a data da propositura da ação.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre o valor da causa, nenhuma delas tomou posição, sendo o valor da causa fixado no montante de € 35.120,01.
Dispensou-se a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção perentória de caducidade, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas de prova, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes e designou-se data para realização da audiência final.
A audiência final realizou-se na data programada, numa sessão e em 12 de fevereiro de 2021 foi proferida a sentença[1] que julgou a ação totalmente improcedente.
Em 26 de março de 2021, inconformado com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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O réu contra-alegou pugnando pela intempestividade do recurso interposto pelo autor em virtude de não ter observado o ónus previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil e também por não ter manifestado durante o decurso do prazo “ordinário” do recurso a intenção de impugnar a decisão da matéria de facto e, em todo o caso, pugnou pela total improcedência do recurso, sustentando a insindicabilidade da decisão da matéria de facto por ter sido proferido no exercício legal do poder de livre apreciação das provas e por não ter havido qualquer violação de regras legais probatórias.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação dos pontos 9 e 15 dos factos provados e das alíneas c), d) e e) dos factos não provados;
2.2 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação dos pontos 9 e 15 dos factos provados e das alíneas c), d) e e) dos factos não provados
O recorrente impugna a decisão da matéria de facto contida nos pontos 9 e 15 dos factos provados e nas alíneas c), d) e e) dos factos não provados, pretensão que sustenta nos depoimentos das testemunhas F… e E…, nos segmentos que localiza temporalmente e transcreve no corpo das alegações.
Os pontos de facto impugnados têm o seguinte conteúdo:
- Após a tomada de posse, verificou o novo Presidente da Assembleia da ré que, nos últimos quatro (4) anos, especificamente de 2013 a 2017, não existia relatório anual de contas, transcrição das contas em livro, justificação para a movimentação de contas bancárias e leitor de chipes dos cães (ponto 9 dos factos provados);
- Mais foi referido que “o B… levantou cheques em caixa um no valor de 4.450.00 Euros e outro foi levantado por uma D… no valor de 2.400.00 Euros e não se encontram faturas nem recibos desses valores e para dificultar as pesquisas bancarias fechou as contas do C… como ele tivesse sido extinto” (ponto 15 dos factos provados);
- Durante o mandato da direção de que o autor foi membro foram apresentadas e aprovadas as contas dos vários anos de exercício (alínea c) dos factos não provados);
- Foram sempre justificadas as movimentações da conta e cheques emitidos, fundamentados com as respetivas faturas (alínea d) dos factos não provados);
- A transcrição do relatório de contas em livro de contas era incumbência do tesoureiro da direção e não do autor (alínea e) dos factos não provados).
Na motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido aduziu o seguinte para justificar as respostas dadas aos pontos cuja reapreciação é requerida pelo recorrente:
Em termos documentais, foi valorada positivamente a cópia da escritura de constituição da associação junta com a PI, para prova da factualidade vertida em 1. e 2. e a cópia da acta de 28-06-2019 junta como documento n.º 4 com a contestação para prova dos factos constantes dos pontos 12. a 15.
(…)
Relativamente aos demais factos provados e não provados vejamos como se formou a convicção do Tribunal.
Quanto aos factos provados, além da documentação aludida, foi fundamental o depoimento de E…, sócio do C…, tesoureiro desde 2019 e que não está zangado com o Autor. A testemunha prestou um depoimento circunstanciado, sereno e pormenorizado sobre os factos.
Efectivamente, a testemunha referiu que, quando passou a exercer as funções de tesoureiro, constatou que do ano de 2013 a 2017 não havia documentação nenhuma, era como se o C… não tivesse existido, não existiam facturas mas alguns documentos feitos à mão, alguns em nome do Autor, documentos relativos a compras que não faziam qualquer sentido face ao número de sócios e à dimensão do C….
Confirmou também que não havia actas nenhumas da Direção respeitantes a esse período, e que tanto isto como a responsabilidade pelas contas cabe ao Presidente do C… e mais ninguém. No que se refere às contas bancárias, E… explicou que tentaram verificar as mesmas, mas não conseguiram porque tinham sido encerradas sem a necessária assinatura do tesoureiro. Sobre os cheques referidos em 14., a testemunha disse que apenas foi possível apurar que um deles, no valor de €4500,00, foi levantado em mão pelo Autor e o outro tinha um número de conta, não tendo sido possível aferir para que pagamentos se destinou esse dinheiro.
Finalmente, o que a testemunha ainda adiantou foi que F…, Presidente do C… entre 2018 e 2019, só lhe entregou os documentos respeitantes a este período e não ao período em que o Autor foi presidente, tendo referido que existiam €3000,00, o que veio apurar não se verificar.
O depoimento de F…, genro do Autor, não foi suficiente para afastar a credibilidade da testemunha anterior, nem é suportado por qualquer outra prova (designadamente documental) que demonstre a versão do Autor.
A circunstância de F… ter sido Vice-Presidente entre 2013 e 2017 e Presidente do C… entre Setembro de 2019 e Fevereiro de 2019 e também ser genro do Autor, condicionou, no entendimento do Tribunal, a credibilidade do seu depoimento, até porque exerceu funções no C… no período em que são apontadas as irregularidades que basearam a aplicação da sanção disciplinar.
Sublinhe-se, aliás, que F… acabou por admitir que não foram transcritas as contas do exercício entre 2013 a 2017, que muitos documentos respeitantes a compras eram manuscritos e sem data, e que o dinheiro dos dois cheques terá sido pagar facturas de caça.
Contudo, o seu depoimento não é de todo suportado por documentos que provem a matéria alegada na petição inicial, nomeadamente que no mandato da direcção de que o Autor foi membro foram apresentadas e aprovadas as contas dos vários anos de exercício, que estejam justificadas as movimentações da conta e cheques emitidos, fundamentados com as respectivas facturas, porque nenhum elemento probatório foi junto a este respeito.
De resto, é revelador da falta de prova da versão do Autor, o facto de a própria testemunha F… admitir que o mesmo recebeu a carta referida em 10. e nada explicou em assembleia porque existiriam papeis para provar o que contra si era alegado.
(…)
Quantos aos factos dados como não provados, além do já exposto fez-se prova de realidade distinta, além de não ter sido produzida prova testemunha e/ou documental capaz de sustentar a sua demonstração.
Cumpre apreciar e decidir, começando por apreciar as objeções que o recorrido suscita relativamente à tempestividade do recurso e bem assim no que respeita à observância do ónus previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.
A nosso ver, as objeções invocadas pelo recorrido para sustentar a intempestividade do recurso não se verificam.
De facto, o recorrente indica de forma discriminada os depoimentos testemunhais que, na sua perspetiva, suportam a pretensão recursória, transcrevendo os segmentos dos referidos depoimentos que confortam a sua posição.
Ainda que porventura se verificasse uma falta ou um deficiente cumprimento dos ónus previstos nos nºs 1 e 2, do artigo 640º do Código de Processo Civil, isso apenas se projetava na reapreciação da decisão da matéria de facto requerida e nunca sobre a tempestividade do recurso[2].
Por outro lado, não existe qualquer exigência legal de o recorrente que pretende impugnar a decisão da matéria de facto ter de anunciar esta intenção no prazo regra do recurso de apelação (quinze ou trintas dias, conforme os casos) a fim de poder beneficiar do suplemento de dez dias previsto no nº 7, do artigo 638º do Código de Processo Civil.
Assim, pelo exposto, improcedem as objeções do recorrido quer à admissão do recurso in totum quer na vertente da reapreciação da decisão da matéria de facto, achando-se suficientemente observados os ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto.
Procedeu-se ao exame da prova documental junta aos autos pertinente para o conhecimento do objeto do recurso[3] e à audição da prova testemunhal produzida na audiência final.
Na audiência final foram ouvidas três testemunhas, sendo o depoimento de G…, associado do C… réu, de nulo préstimo para a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, já que baseia o seu conhecimento essencialmente no que ouviu dizer.
F…, genro do autor, associado do C… réu, vice-presidente da direção do C… nos anos de 2013 a 2017 e presidente da mesma direção de setembro de 2018 a fevereiro ou março de 2019, inquirido pela Sra. Advogada do autora declarou que nunca constatou qualquer irregularidade e quanto a faturas em nome do autor não foi só no exercício deste, pois que, sendo o autor sócio de uma cooperativa e a fim de conseguir para o C… sementes a um preço mais acessível, adquiria esses bens como se fosse para si, quando na realidade se destinavam ao C… e daí a emissão de faturas em nome do autor que em todo o caso eram sempre rubricadas pelo tesoureiro e por outro membro da direção, sendo que o tesoureiro nos anos de 2013 a 2017 é o atual presidente da direção; os cheques tinham que ter três assinaturas de membros da direção, uma delas do tesoureiro, tendo o último cheque sido emitido para pagamento de várias faturas; há já vários anos era o H… que tinha em seu poder o leitor de “chipes” dos cães; referiu que é complicado um caçador não poder caçar e todos souberam da sanção aplicada ao autor. Instado pela Sra. Advogada do réu, declarou que as contas de 2013 a 2017 não estavam transcritas porque o tesoureiro não se dispôs a isso; a conta bancária do réu foi por si encerrada com mais dois elementos da direção; a documentação justificadora de todos os fluxos financeiros do réu estava toda no C… e apenas não estava transcrita; pensa que o cheque de dois mil e tal euros foi para pagamento de coelhos; declarou que as contas batiam certo e que fez entrega das mesmas à atual direção, no que demorou cerca de duas horas; referiu que as contas que não foram transcritas em livro foram aprovadas em assembleia geral, havendo atas em que consta essa aprovação; declarou que não houve reuniões da direção no mandato do autor porque o tesoureiro a isso não se prestou; viu o leitor de “chipes” a ser entregue ao Sr. H…; a última vez que viu os “walkie-talkies” do réu, estes estavam no campo de tiro num contentor, contentor que foi assaltado várias vezes; novamente inquirido pela Sra. Advogada do autor declarou que a transcrição das contas em livro normalmente competia ao tesoureiro e que os coelhos para uso nas atividades do réu eram comprados a sócios e a outras pessoas, nunca sendo nestas compras emitidas faturas, o que era do conhecimento de todos os associados.
E…, sobrinho do atual presidente da direção do réu, a desempenhar desde 2019 as funções de tesoureiro; inquirido pela Sra. Advogada do réu referiu ter estado presente aquando da entrega pela anterior testemunha de uma pasta com a documentação da anterior direção do C… e que sucedeu à do autor; esclareceu que nessa pasta não havia qualquer documentação relativa aos anos de 2013 a 2017 e que essa documentação estava nas instalações do C…; na documentação relativa aos anos de 2013 a 2017 havia documentos manuscritos relativos a compras de perdizes, coelhos e faisões, alguns em nome do autor; havia um cheque de mais de quatro mil euros levantado pelo autor e um outro de mais de dois mil euros em benefício de um número de conta que no mesmo figura, ambos os cheques sem qualquer justificativo; tentaram verificar as contas bancárias do C… mas não conseguiram porque haviam sido encerradas; opinou que não é normal um cheque de mais de dois mil euros para pagamento de caça; não havia atas das reuniões da direção; atualmente têm um livro de faturas-recibo exclusivamente destinado às compras de coelhos; a documentação entregue pela testemunha F… é coerente com as contas apresentadas, mas não sabe se as despesas apresentadas foram efetivamente em benefício do C…; esclareceu que os papéis manuscritos que titulam despesas não têm data nem o nome do alegado vendedor; desconhece se o autor caçou no período de suspensão; instado pela Sra. Advogada do autor indicou o laço familiar que tem com o presidente da atual direção do réu; esclareceu que na qualidade de tesoureiro paga as faturas que lhe são apresentadas e que ninguém passa faturas nas vendas de coelhos; declarou que o responsável pela contabilidade é o presidente da direção e que o tesoureiro trata das contas e que as contas não foram feitas porque o autor, então presidente da direção do réu e o então tesoureiro, atual presidente da direção do réu se zangaram um com o outro.
Nenhuma outra prova documental foi oferecida pelas partes, além da já referenciada, nomeadamente livros de atas, cheques, faturas e documentação manuscrita.
Que dizer?
No que respeita ao ponto 9 dos factos provados, atendendo à razão de ciência de ambas as testemunhas que depuseram na audiência final e à relação familiar próxima que cada uma delas tem com o autor, de um lado e com o atual presidente da direção do réu, de outro lado e face à ausência de prova documental corroboradora de qualquer um dos depoimentos, afigura-se-nos que apenas se pode com segurança dar como provada a matéria em que houve convergência dos depoentes.
Assim, há convergência nos dois depoimentos testemunhais na falta de transcrição das contas em ata e na falta de justificativo legal para a movimentação da conta bancária do réu.
Assim, o ponto 9º dos factos provados deve passar a ter o seguinte conteúdo:
- Após a tomada de posse, o novo presidente da assembleia geral do réu verificou que, nos anos de 2013 a 2017, não existia transcrição das contas em livro, nem justificação para a movimentação da conta bancária do réu.
Em função da resposta que antecede deve passar para os factos não provados que após a tomada de posse, o novo presidente da assembleia geral do réu verificou a falta de relatório anual de contas nos anos de 2013 a 2017 e bem assim do leitor de “chipes” dos cães.
Debrucemo-nos agora sobre o ponto 15 dos factos provados que constitui transcrição de parte da ata da assembleia geral do C… réu com nº 53 referente à reunião ocorrida em 28 de junho de 2019.
Esta ata não foi impugnada pelo autor e dado que se trata de transcrição de algo exarado em ata junta aos autos e que não foi impugnada, deve manter-se intocado este ponto de facto.
Vejamos agora a alínea c) dos factos não provados.
Na falta de oferecimento das atas da assembleia geral do réu em que consta deliberação dos associados a aprovar as contas dos anos de 2013 a 2017, não pode julgar-se provada esta matéria, que por isso deve manter-se, como está, não provada.
De facto, relativamente a este ponto de facto, se o recorrente pretendia que o mesmo se provasse, o mínimo que se exigia em termos probatórios era ou a exibição das atas da assembleia geral do réu em que ocorrera essa alegada aprovação das contas ou, pelo menos, o requerimento para notificação do réu para exibir em juízo os livros de atas referentes a esse período.
Relativamente à alínea d) dos factos não provados foi feita prova do contrário, como resulta da resposta ao ponto 9 dos factos provados, tendo a própria testemunha oferecida pelo autor declarado que os justificativos para algumas movimentações eram documentos manuscritos, por não serem em tais casos emitidas faturas e, noutros casos, documentos emitidos em nome do autor.
Por isso, deve manter-se a alínea d) dos factos não provados.
Finalmente, debrucemo-nos sobre a alínea e) dos factos não provados.
Não foi produzida qualquer prova documental de que resulte que é incumbência do tesoureiro a transcrição em ata das contas, embora tenha havido uma certa convergência nos dois depoimentos testemunhais relevantes produzidos na audiência final de que esse trabalho material era executado pelo tesoureiro, adiantando a testemunha oferecida pelo réu que essa execução não se fez porque o autor e o tesoureiro se zangaram um com o outro, não havendo qualquer localização temporal de tal zanga.
Assim, neste circunstancialismo probatório, na falta de prova de qualquer intimação do presidente da direção ao tesoureiro no sentido de observar a alegada incumbência, deve manter-se como não provada a alínea e) dos factos não provados.
Pelo exposto, a reapreciação da decisão da matéria de facto apenas procede parcialmente quanto ao ponto 9 dos factos provados nos termos antes expostos, improcedendo no mais.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com a alteração decorrente da reapreciação que precede
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
O réu é uma associação constituída em 13-06-2001 e que tem por finalidade desenvolver, praticar e difundir a prática de pesca, caça e tiro desportivo.
3.2.1.2
Por seu turno, o autor é o sócio nº . daquela associação.
3.2.1.3
Qualidade de sócio que adquiriu logo na data da constituição do réu, sendo, por isso, também seu sócio fundador.
3.2.1.4
O autor sempre cumpriu com o pagamento anual da quota fixada em Assembleia Geral.
3.2.1.5
O autor pagou em 30 de março de 2019 a quantia de € 120,00 relativa à quota anual de 2019.
3.2.1.6
Em reunião da direção do réu realizada no dia 3 de agosto de 2019, foi aplicada ao autor uma sanção disciplinar pelo período de 1 ano de suspensão de toda a atividade como associado no réu.
3.2.1.7
A sanção referida em 6. [3.2.1.6] foi comunicada ao autor através de carta registada no dia 6 de agosto de 2019.
3.2.1.8
No ano de 2019, ocorreu ato eleitoral, tendo a lista à qual pertencia o autor perdido as eleições.
3.2.1.9
Após a tomada de posse, o novo presidente da assembleia geral do réu verificou que, nos anos de 2013 a 2017, não existia transcrição das contas em livro, nem justificação para a movimentação da conta bancária do réu.
3.2.1.10
Face a tal constatação, foi dirigida uma carta ao autor, a solicitar que este esclarecesse a situação, por forma a que tal explicação fosse fornecida aos sócios na Assembleia agendada para 28/06/2019.
3.2.1.11
Por carta datada de 26/06/2019, veio o autor dizer que as movimentações bancárias estavam tituladas pelas respetivas faturas, que a transcrição em livros não era da sua responsabilidade e que o leitor de “chipes” estava na casa do Sr. Presidente da Direção.
3.2.1.12
Em 28/06/2019 ocorreu uma Assembleia Geral do réu, na qual o autor não esteve presente nem se fez representar.
3.2.1.13
Na mencionada Assembleia foram lidas e transcritas em ata as correspondências trocadas entre o autor e o Presidente da Assembleia Geral do réu.
3.2.1.14
Mais foi esclarecido que “os cheques não estavam titulados com as respetivas faturas, mas sim levantados em caixa e nem todas as faturas tinham como destino o C…, mas sim o nome do B… e outras eram saídas de caixa. Como todos os movimentos bancários e todos os recibos e faturas que o C… tinha eram passados pelo presidente e assinadas por ele.”
3.2.1.15
Mais foi referido que “o B… levantou cheques em caixa um no valor de 4.450.00 Euros e outro foi levantado por uma D… no valor de 2.400.00 Euros e não se encontram faturas nem recibos desses valores e para dificultar as pesquisas bancarias fechou as contas do C… como ele tivesse sido extinto”.
3.2.1.16
Face à constatação dos factos referidos em 9., 14. e 15. [3.2.1.9, 3.2.1.14 e 3.2.1.15], a Direção decidiu aplicar a sanção de suspensão.
3.2.1.17
A quota é paga anualmente até ao final do 1.º trimestre e até à notificação da decisão que aplicou a sanção o autor exerceu em pleno os seus direitos de associado.
3.2.1.18
O autor sofreu desgosto por não ter podido praticar a caça durante a suspensão.
3.2.1.19
O tesoureiro da direção cessante, H…, é o atual presidente da direção do réu.
3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
O autor sempre cumpriu com as obrigações decorrentes dos estatutos sociais.
3.2.2.2
O autor recebeu a carta referida em 7. [3.2.1.7] no dia 12 de agosto.
3.2.2.3
Durante o mandato da direção de que o autor foi membro foram apresentadas e aprovadas as contas dos vários anos de exercício.
3.2.2.4
Foram sempre justificadas as movimentações da conta e cheques emitidos, fundamentados com as respetivas faturas.
3.2.2.5
A transcrição do relatório de contas em livro de contas era incumbência do tesoureiro da direção e não do autor.
3.2.2.6
Os “Chipes”[4] e “walkie Talkies” não se encontravam na posse do autor.
3.2.2.7
O autor sofreu vergonha por causa do facto vertido na segunda parte do ponto 18 [3.2.1.18].
3.2.2.8
A carta referida em 10. [3.2.1.10] era datada de 23/06/2019.
3.2.2.9
Após a tomada de posse, o novo presidente da assembleia geral do réu verificou a falta de relatório anual de contas nos anos de 2013 a 2017 e bem assim do leitor de “chipes” dos cães.
4. Fundamentos de direito
Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso
O recorrente pugna pela condenação do réu à anulação da sanção de suspensão por um ano de toda a atividade como associado do réu que lhe foi aplicada no ano de 2019, argumentando, para tanto, em síntese, que a maior parte dos factos que lhe foram imputados eram falsos e, que um deles, a não transcrição das contas, não constituía infração da sua parte, pois que era uma incumbência do tesoureiro.
Cumpre apreciar e decidir.
Não obstante a pretensão recursória do recorrente em matéria de direito assente exclusivamente na pretendida procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto que requereu, afigura-se-nos útil um breve enquadramento do caso e algumas questões que o mesmo suscita.
O recorrente pediu a anulação, aliás a condenação do réu à anulação da sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela direção do réu, fundamentando essa pretensão na alegação de que a maior parte dos factos que lhe foram imputados eram falsos e, que um deles, a não transcrição das contas, não constituía infração da sua parte, pois que era uma incumbência do tesoureiro.
Ora, em primeiro lugar, positivamente, no regime jurídico das associações civis apenas se prevê a anulação de deliberações da assembleia geral (artigos 174º, nº 3, 176º, nº 2 e 177º todos do Código Civil), não estando previsto o regime jurídico da invalidade das deliberações tomadas pelo órgão de administração da associação, no caso a direção.
No entanto, seja por aplicação analógica ou extensiva dos preceitos acima citados, seja recorrendo à aplicação analógica do disposto no artigo 411º do Código das Sociedades Comerciais[5], afigura-se-nos que pelo menos a deliberação da direção de uma associação civil que tem por objeto matéria da sua exclusiva competência, como se verifica no caso dos autos, é passível de padecer dos mesmos vícios de que podem enfermar as deliberações da assembleia geral.
Quer na petição inicial, quer agora no recurso, não vêm indicadas quais as normas legais em que se funda a pretensão de anulação da sanção disciplinar aplicada[6], omissão que, cremos, não é casual, pois que o que recorrente pretende é a demonstração dos que os factos que serviram de base à aplicação da sanção ou não se verificaram ou não o podem responsabilizar por não serem da sua competência. O que se pretende é que fique sem efeito a sanção disciplinar em virtude de alguns dos factos relevados para a sua aplicação não se terem verificado e por quanto a um deles não competir ao associado sancionado a competência para a sua prática.
Neste contexto, tendo em atenção, por um lado, a natureza sancionatória do poder disciplinar usado pela direção do réu e a concreta pretensão de demonstração da inexistência de alguns dos factos em que a punição disciplinar assentou, de outro lado, afigura-se-nos que pelo menos relativamente a estes factos a ação se deveria ter estruturado como de mera apreciação negativa (artigo 10º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Civil).
Postas estas considerações iniciais para enquadramento jurídico do caso, debrucemo-nos sobre os concretos fundamentos da pretensão do recorrente.
O recorrente, como já se referiu, estribou o sucesso da sua pretensão recursória exclusivamente na integral procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto que requereu já que, nessa eventualidade, inexistiriam quaisquer factos passíveis de responsabilizar disciplinarmente o autor face ao C… de que é associado.
Porém, concluída a reapreciação da decisão da matéria de facto e não obstante a sua parcial procedência, constata-se que o núcleo essencial das infrações imputadas ao recorrente se mantém.
Na verdade, ainda que, por hipótese, fosse incumbência do tesoureiro a transcrição em livros das contas, mal se percebe que na qualidade de presidente da direção o autor, ao longo de quatro anos não tenha interpelado o referido tesoureiro para suprir essa omissão. Esta inércia do presidente da direção é em si mesma violadora do dever de zelo a que está adstrito.
Também a falta de justificativos para a movimentação da conta bancária do réu integra uma infração disciplinar porque além de violar as regras contabilísticas, prejudica a transparência que deve existir na ação da direção e particularmente no que respeita à utilização dos capitais próprios do C….
Não vem suscitada no recurso a questão da proporcionalidade da sanção aplicada, questão que só se colocaria se acaso o recorrente tivesse admitido, ainda que parcialmente, a prática das infrações que lhe foram imputadas.
Assim, no circunstancialismo que se acaba de enunciar, forçosa é a conclusão de que a sanção disciplinar de suspensão por um ano do recorrente se deve manter, improcedendo o recurso de apelação, não obstante a parcial procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto.
As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente, pois que decaiu, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em não obstante a parcial procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto, nos termos antes fundamentados, julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 12 de fevereiro de 2021.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o recorrente.
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O presente acórdão compõe-se de vinte páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 28 de outubro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificada às partes mediante expediente electrónico elaborado em 12 de fevereiro de 2021.
[2] Neste sentido veja-se Recursos em Processo Civil, 6ª edição Atualizada, Almedina 2020, António Santos Abrantes Geraldes, página 207, segundo parágrafo. No sentido da irrelevância da rejeição do recurso sobre a matéria de facto, na questão da determinação do prazo do recurso e ressalvados os casos de abusiva impugnação da matéria de facto com o fito exclusivo de beneficiar do alongamento do prazo de recurso, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de março de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias, no processo nº 09A0293, de 22 de outubro de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 2394/11.3TBVCT.G1.S1 e de 26 de novembro de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Leones Dantas, no processo nº 291/12.4TTLRA.C1.S1, todos acessíveis no site da DGSI e ainda o acórdão do mesmo tribunal de 28 de abril de 2016, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXIV, tomo I, página 213. Veja-se ainda a este mesmo propósito a nota 3, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 14 de janeiro de 2016, no processo nº 326/14.6TTCBR.C1.S1, também acessível no site da DGSI. Veja-se também sobre esta problemática, a nota crítica ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de abril de 2019 publicada no dia 15 de maio de 2019, no blogue do IPPC, pelo Sr. Juiz Conselheiro Urbano Aquiles Lopes Dias.
[3] Documento nº 1, oferecido com a petição inicial e que é cópia da escritura pública de constituição da associação ré nestes autos e documento complementar, escritura celebrada em 13 de junho de 2001, destacando-se do documento complementar o corpo do artigo quarto cujo teor é “A Assembleia Geral é o órgão supremo do C… e as suas deliberações, tomadas nos termos legais são obrigatórias para os restantes órgãos sociais, e para todos os associados do C…” e o artigo sétimo, que dispõe que “A Direcção é composta por um presidente, um vice-presidente, um secretário, um tesoureiro, um vogal, e dois suplentes, e tem por fim a gerência social, financeira e disciplinar do C….”. Documento nº 2 oferecido com a petição inicial, carta datada de 03 de agosto de 2019, endereçada pelo C… réu e subscrita pela direção do C…”, sendo legível aposto sobre um carimbo com o nome do réu o apelido “I…”, com o seguinte teor: “Ex: Sr: Em reunião de direcção do dia 3 de Agosto de 2019 pelas 21 horas, realizada na cede do C…, foi aplicada ao socio Nº . B… uma sanção disciplinar pelo período de um ano de suspensão de toda a actividade Artigo 6 alinha b). Os motivos foram: - Compete à direcção efectuar relatório anual de contas e apresentar ao conselho fiscal e sujeitá-lo à aprovação em assembleia geral. Artigo 15. Esses relatórios eram transcritos no livro de contas que posteriormente era assinado e tudo isso não foi executado para os anos 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. Por os cheques não estar titulados com as respectivas faturas é que nos pedimos esclarecimento. E qual foi o motivo de fechar as contas bancarias do C…. – No que toca ao património do C… quando perguntemos pelo leitor dos chipes é por que sabíamos que estava com sigo, e os walkies talkies do C…? Compete á direcção guardar e zelar pelo património do C…. Com estes atos, transformou o C… num C… dividido onde o convívio entre os sócios não é de salutar, o que vai ser difícil de repor.” Documento nº 1 oferecido com a contestação, regulamento interno do C… réu e de que se destacam os seguintes artigos: artigo 6º, alínea b) “Compete à direcção aplicar menores sanções disciplinares aos associados (admoestações, suspensões e multas) assim como atribuir louvores, homenagens e prémios, devidamente fundamentados.”; alínea a) do artigo 11º “Constitui obrigação do associado, cumprir e vigiar o cumprimento deste regulamento, zelar o património do C… e desempenhar com zelo os cargos que lhe foram atribuídos nos órgãos sociais e outros no C…. Informar a direcção de todas as infracções presenciadas na zona de caça associativa, constituindo-se testemunha em processo a instaurar pela direcção do C….”; corpo do artigo 13º “São competências da assembleia geral cumprir os estatutos e este regulamento interno, eleger e demitir elementos dos órgãos sociais, aprovar o orçamento previsional para o ano seguinte, discutir e votar o relatório de contas da direcção, deliberar sobre o desenvolvimento das actividades do C…, podendo criar comissões para efeitos diversos. Reunir ordinariamente até 30 de Dezembro e 31 de Março para aprovar o plano de actividades do ano seguinte e relatório de contas do ano anterior, aprovar as propostas de admissão e demissão de sócios apresentadas pela direcção.”; alínea a) do artigo 13º “Das sessões da assembleia geral lavrar-se-ão actas em livro especial que serão assinadas pela mesa.”; corpo do artigo 14º “A direcção é constituída por um presidente, um vice-presidente, um secretário, um tesoureiro e um vogal, reunirá trimestralmente e extraordinariamente sempre que as circunstâncias os exijam, mas sempre convocada pelo presidente, sendo em cada reunião lavrada a respectiva acta. Serão consideradas válidas todas as reuniões que tenham presentes a maioria dos elementos que a compõem.”; alínea a) do artigo 14º “Em qualquer movimento bancário através de cheque, escritura ou actos relevantes, é obrigatória a assinatura de três directores.”; artigo 15º “É da competência da direcção gerir o património do C… assim como executar as determinações provenientes da assembleia geral, compete ainda á direcção elaborar o orçamento previsional, o plano de actividades e o relatório anual de contas a apresentar ao conselho fiscal e sujeitá-lo à aprovação em assembleia geral.” Documento nº 2 oferecido com a contestação e que é uma carta datada de 23 de junho de 2019, subscrita por alguém que se afirma presidente da assembleia, sendo legível numa assinatura “J…”, carta que tem o seguinte teor: “B…, Venho por este meio comunicar a vossa Ex. que na próxima Assembleia Geral do dia 28 de Junho de 2019, no segundo ponto da ordem do dia vão ser esclarecidos os sócios sobre a situação do C…, e ao que consegui apurar existem dois pontos em falta: Um deles tem a ver com a falta das contas e sua transcrição no respectivo livro referente aos anos 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. O outro é a falta de leitor de chipes dos cães. Para esclarecimento de ambas as situações tanto pode contatar um membro da direcção, como será lhe dada a oportunidade de esclarecer na assembleia.”; documento nº 3 oferecido com a contestação e que é uma carta datada de 26 de junho de 2019, subscrita pelo autor e endereçada ao Presidente da Assembleia-Geral do C… réu, com o seguinte teor: “Recebi a sua carta, cujo teor muito me surpreendeu, pois em relação às contas, elas foram sendo aprovadas, ano e ano, como é do s/conhecimento. Em relação a justificação das movimentações das contas, elas encontram-se todas tituladas com as respectivas facturas que se encontram na sede do C…, como será o seu conhecimento e do conhecimento da actual Direção. No que diz respeito à transcrição das contas no respectivo livro, trata-se uma função do tesoureiro, que é, como o Senhor sabe, o atual Presidente da Direção do C…. Já no tocante ao leitor de chips dos cães, ele encontra-se na casa do Sr. Presidente da Direção do C…, há, pelo menos 2 anos.”; documento nº 4 e que é cópia da ata da assembleia geral do C… réu com nº 53 referente à reunião ocorrida em 28 de junho de 2019 e na qual, além do mais, após a transcrição dos documentos nºs 2 e 3 que precedem, consta o seguinte: “Com o sócio não estava presente par prestar qualquer tipo de esclarecimento em relação ao ocorrido, o presidente da Assembleia disse que os cheques não estavam titulados com as respetivas faturas, mas sim levantados em caixa e nem todas as faturas tinham com destino o C…, mas sim o nome de B… e outras eram saídas de caixa. Como todos os movimentos bancários e todos os recibos e Faturas que o C… tinha eram passados pelo presidente e assinados por ele. No C… tudo passava pelas mãos dele, ele o que geria tudo, tanto o dinheiro como a papelada ele geria o C… como fosse dono de tudo e quando são pedidas responsabilidades, diz que é dos outros. (…) No terceiro ponto da ordem de trabalho o presidente da direcção disse que o B… levantou cheques em caixa um no valor de 4.450,00 Euros e outro foi levantado por uma D… no valor de 2.400,00 Euros e não se encontram faturas nem recibos desses valores e para dificultar as pesquisas bancárias fechou as contas do C… como ele tivesse sido extinto.” Documento oferecido com o requerimento de 19 de novembro de 2020, do C… réu e que constitui cópia da ata da reunião da direcção do C… réu realizada em 03 de agosto de 2019, subscrita por H…, K…, E… e L… e de que se destaca o seguinte: “Iniciada a sessão, foi pedida a palavra pelo Presidente da direção, o qual, no uso da mesma, comunicou que, como era já do conhecimento de todos os elementos da direcção e dos demais órgãos do C…, foram detetadas irregularidades quer nas contas relativas aos anos de 2013 a 2017, inexistindo faturas/recibos para pagamentos efetuados, e, consequentemente, na transcrição das ditas contas para o respetivo livro. Mais foi dito pelo Presidente da Direção que estava igualmente em falta o leitor de chip dos cães, o qual havia sido entregue ao anterior presidente da direção, B…, que nunca o devolveu. Pelos factos atrás referidos, foi enviada uma carta ao dito sócio, datada de 23/06/2019, por parte do Sr. Presidente da Assembleia, a solicitar esclarecimentos acerca das situações descritas, a qual mereceu resposta por parte do sócio que negou as irregularidades apontadas. Face ao exposto, a direção terá de analisar o comportamento indicado, decidir se ao sócio deve ser aplicada alguma sanção disciplinar e, em caso afirmativo, qual. De seguida pediu a palavra o tesoureiro, o qual comunicou que esteve a analisar toda a documentação relativa aos anos de 2013 a 2017, inclusive, e detetou a existência de faturas pagas pelo C… em nome de B…, papeis manuscritos com valores pagos pelo C…, sem qualquer documento contabilístico de suporte, cheques emitidos e sacados da conta do C… sem qualquer documento de suporte. Mais referiu que não existe qualquer relatório anual de contas dos anos de 2013 a 2017, ambos inclusive. O vice-presidente da direção também pediu a palavra e no uso da mesma, referiu que após a tomada de posse, verificou que o C… não tinha qualquer conta bancária aberta, uma vez que o sócio B…, enquanto presidente da direção, encerrou todas as contas do C…, sem qualquer justificação ou ata de suporte à sua decisão. Uma vez que mais ninguém quis usar da palavra, e em face de tudo quanto foi dito, o presidente da direção colocou à votação dos membros da direção a aplicação ao sócio B… de uma sanção disciplinar de suspensão de toda a atividade pelo período de um ano, nos termos do art. 6º, al. b), nos termos do art. 6.º, al. b) do regulamento, devido à violação dos deveres que lhe são impostos pelo mesmo regulamento, a qual foi aprovada por unanimidade.”
[4] Rectius o leitor de “chipes”.
[5] Na interpretação de que tais deliberações são passíveis de impugnação judicial direta (sobre esta problemática, por todos veja-se a anotação do Professor J.M. Coutinho de Abreu, no Volume VI do Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina 2013, páginas 509 a 513, anotação 3).
[6] Também aqui, salvo melhor opinião, o pedido está mal deduzido na medida em que havendo fundamento para que concluir que a deliberação atacada padece de anulabilidade, compete ao tribunal proferir a decisão de anulação e nunca a condenação da entidade em que se integra o órgão que tomou a deliberação anulável a anular a referida deliberação.