Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1728/12.8JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: ADN
ZARAGATOA BOCAL
REQUISITOS
Nº do Documento: RP201307101728/12.8JAPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - As intervenções corporais como modo de obtenção de prova, como seja a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, podem ser obtidas por via compulsiva, para determinação do perfil de ADN e posterior comparação com vestígios recolhidos no local do crime.
II – Mostram-se aceitáveis e legitimadas se estiverem legalmente previstas (i), perseguirem uma finalidade legítima (ii), mostrarem-se proporcionais entre a restrição dos direito fundamentais em causa (integridade pessoal; intimidade, autodeterminação informativa) e os fins perseguidos (iii), revelando-se idóneas (a), necessárias (b) e na justa medida (c).
III - Para o efeito essas intervenções corporais devem ser judicialmente determinadas (iv) e estar devidamente motivadas (v),. não sendo admissíveis quando corresponderem, na sua execução, a tratamentos desumanos ou degradantes (vi), optando-se, neste casos e em sua substituição, por qualquer outra mostra de fluído orgânico que possa ser devidamente recolhida para determinação do ADN (vii).
Reclamações:
Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 1728/12.8JAPRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No Inquérito n.º 1728/12.8JAPRT do 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, em que são:

Recorrente/Arguido: B……

Recorrido: Ministério Público

foi proferida decisão em 2013/Fev./12, a fls. 10 que atendendo estarem aqui em causa crimes de associação criminosa, detenção arma proibida, na modalidade de detenção de explosivo improvisado, dano qualificado, furto qualificado e por ter interesse para a descoberta da verdade determinou, ao abrigo do disposto no artigo 172.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a recolha de saliva de vários arguidos, entre eles o arguido B….., através de zaragatoa bucal para determinação do perfil de ADN e realização de exame comparativo com os vestígios biológicos (hemáticos) recolhidos, a efectuar por via compulsiva, caso os mesmos se oponham.
2. O arguido interpôs recurso por fax expedido em 2013/Mar./11 a fls. 11-13, pedindo a revogação daquela decisão, porquanto:
1.º) Os fundamentos invocados na decisão recorrida não devem colher por serem desconformes com os respectivos pressupostos para o intuito determinado, a que acresce a circunstância do dito despacho não concretizar quais os indícios existentes nos autos nem o material de prova recolhido;
2.º) O dito despacho ao autorizar a realização da dita diligência compulsivamente ofende o disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal;
3.º) O artigo 172.º, n.º 1 do Código de Processo Penal viola o artigo 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 1 e 8 da Constituição, quando aplicado de modo a autorizar a sua realização compulsiva sem que se preencham os respectivos pressupostos, sem que se elenquem as razões suficientes para esse efeito bem como sem elencar em concreto qual a efectiva necessidade/interesse para os autos da realização do dito exame.
3. O Ministério Público respondeu em 2013/Abr./02 a fls. 14-15, pugnando pela rejeição do recurso, considerando previamente que a decisão recorrida surgiu na sequência de promoção anterior de fls. 2375-2394 (fls. 2-10 deste apenso).
4. Remetidos os autos a esta Relação, que os registou em 2013/Abr./04, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que em 2012/Abr./23, a fls. 20/21 emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo-se colhido os vistos legais.
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O objecto do recurso passa pela admissibilidade da determinação do presente exame pericial através da recolha de saliva bucal mediante o método de zaragatoa, ainda que por via compulsiva.
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II. FUNDAMENTOS

O regime normativo da prova em processo penal começa por ter as suas fontes primaciais na Constituição, destacando-se para o caso em apreço o estabelecido no seu artigo 25.º, segundo o qual “A integridade moral e física das pessoas é inviolável” (n.º 1), acrescentando-se que “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” (n.º 2), bem como o direito à reserva da intimidade da vida privada (26.º, n.º 1). Por sua vez, no subsequente artigo 32.º n.º 1, consagra-se que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Precisando esta cláusula geral de garantias de defesa e no que concerne ao regime da prova proibida, exprime-se no seu n.º 8, que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Mas mais adiante, mais precisamente no artigo 35.º, estabelece-se um autêntico direito à autodeterminação informativa em relação aos dados pessoais, ao estatuir-se que “A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis” (n.º 3), sendo certo que “Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei” (n.º 7).

No balanceamento entre a afirmação e a restrição dos direitos fundamentais, temos como sua referência o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, onde se estatui que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, aditando-se no seu n.º 3 que “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. Daqui resultam três princípios estruturantes na contrição dos direitos fundamentais e das liberdades públicas: o primeiro é o princípio da legalidade (i), que tem um carácter simultaneamente legitimador e delimitador; o segundo é o princípio da intervenção mínima (ii), que tem um carácter vector; o terceiro é princípio da proporcionalidade, o qual tem um carácter operativo ou funcional (iii). Aliás, neste último podemos ainda encontrar três outros sub-princípios: da idoneidade ou adequação (a), da necessidade ou exigibilidade (b), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (c), o qual se reporta à optimização normativa (Ac. TC 11/83, 285/92, 17/84, 634/93, 86/94, 99/99, 187/2001, 302/2006, 158/2008, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, assim como os demais a que se fizerem referência deste tribunal). Nesta conformidade, tem sido entendido que qualquer restrição dos direitos, liberdades e garantias só é admissível e legítima se: i) estiver constitucionalmente prevista (18.º, n.º 2, I parte); ii) for legalmente suportada (18.º, n.º 2, I parte; e 165.º, n.º 1, al. b)); iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (18.º, n.º 2, in fine); iv) sendo a mesma necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e na justa medida desse objectivo (artigo 18.º, n.º 2, II parte); v) revestindo-se a lei de carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não diminua a extensão, bem como o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (18.º, n.º 3). Daí que o Tribunal Constitucional tenha afirmado que “a Constituição não proíbe em absoluto, a recolha coactiva de material biológico de um arguido (designadamente de saliva, através da utilização da técnica da zaragatoa bucal) e a sua posterior análise não consentida para fins de investigação criminal, no caso concreto para subsequente comparação com vestígios biológicos colhidos no local do crime”, impondo, no entanto, que essa determinação seja judicial e não apenas por decisão do Ministério Público (Ac. TC 155/2007; 228/2007). Nem essa recolha corresponde a qualquer violação do privilégio contra a auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare), o qual se encontra consagrado nos artigos 2.º, 26.º, 32.º, n.º 2 e 4 da Constituição (Ac TC 155/2007; 228/2007), no seguimento do entendimento já anteriormente seguido, quer sobre o direito do acusado não prestar declarações, quer do seu posterior depoimento como testemunha, após separação de processos, quando anteriormente era co-arguido (Ac. TC 695/95, 542/97, 304/2004, 181/2005).

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), e com relevância para a situação in casu, começa por consagrar no seu artigo 3.º que “Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. Mais à frente estabelece no seu artigo 8.º, n.º 1 que “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do domicílio e da sua correspondência”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”. Daqui podemos retirar os seguintes requisitos para a restringibilidade dos direitos consagrados no n.º 1 deste artigo 8.º, onde se inclui o direito ao respeito pela integridade pessoal e a não divulgação de dados pessoais: i) previsão legal do objecto e do âmbito da restrição, que deve ser clara e precisa; ii) necessária numa sociedade democrática, de modo a responder a um motivo social imperioso e tendo uma finalidade legítima (segurança social; segurança pública; bem estar económico país; a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais; protecção da saúde ou da moral; protecção dos direitos e das liberdades de terceiros); iii) proporcional em relação aos fins visados, revelando um justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados (TEDH caso S. and Marper vs UK 2008/Dez./04, acessível em www.echr.coe.int/, assim como os demais deste tribunal, que neste caso se manifestou contrário à manutenção indefinida dos perfis de ADN, mormente quando o registo diz respeito a um acusado que foi absolvido).

O TEDH também considerou que o privilégio do acusado em não auto-incriminar-se, enquanto vertente do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.º, n.º 1 da CEDH, encontra-se ligado, por um lado, à inadmissibilidade da prova obtida mediante tortura ou métodos opressivos (3.º CEDH), e por outro lado, à vontade do acusado em não prestar declarações, decorrente do seu direito ao silêncio. No entanto, tal não se estende à recolha de prova obtida independente da sua vontade, mesmo que através de métodos de coerção (“compulsory powers”) desde que legais, como seja a apreensão de documentos ou através de testes ao ar expirado, ao sangue, à urina ou do ADN, (TEDH casos Saunders v. UK, de 1996/Dez./17; § 69; P.H. e J.H. v. U.K., 2001/Set./25, § 80; Jalloh v. Alemanha 2006/Jul./11, § 102). Para o efeito da admissibilidade dessa ingerência coerciva, deve-se atentar, entre outras coisas, à natureza e ao grau de constrangimento que é causado (TEDH caso Heaney e McGuiness v. Irlanda, 2000/Dez./21, §§ 51-55; Allan v. UK, 2002/Nov./05). A propósito a Comissão Europeia dos Direitos Humanos (Com. EDH), começou por considerar que qualquer interferência na integridade física de uma pessoa, por mínima que seja, pode ser considerada como uma violação do artigo 8.º da CEDH, podendo, no entanto, essa ingerência considerar-se como legítima se a mesma estiver prevista na lei e seja considerada necessária numa sociedade democrática (ComEDH, casos X v. Holanda de 1978/Dez./04, n.º 8239/78 - teste sanguíneo na circulação rodoviária; X v. Áustria, de 1979/Dez./13, n.º 8278/78 - recolha de sangue para determinação da paternidade; X v. RFA, de 1980/Mar./14, n.º 8518/79 - administração de substâncias psico-farmacêuticas e neurológicas; Peters v. Holanda, 1994/Abr./04, n.º 21131/93 - teste de urina). Assim, acaba por se aceitar a interferência na integridade física, podendo-se esta ir mesmo para além de actuações inofensivas, se, mediante um critério de proporcionalidade, essa ingerência for minimamente suportável e não ponha em risco a saúde do visado.

No entanto e mais recentemente considerou-se não ser aceitável, por se tratar de um tratamento desumano ou degradante não permitido pelo artigo 3.º da CEDH, a provocação forçada de vómitos, mediante a ingestão coerciva, através de um tubo, de substâncias farmacológicas que foram introduzidas para obtenção do produto estupefaciente (0,2182 gr. cocaína) que o arguido tinha, entretanto, ingerido (TEDH caso Jalloh v. Alemanha, 2006/Jul./11). Daí que não se possa ignorar que o uso de técnicas de ADN, para além de poderem colocar em causas os referidos direitos fundamentais à integridade corporal e à autodeterminação informativa, podem ainda gerar riscos em relação à obtenção e aplicação das respectivas técnicas (The use of analysis of deoxyribonucleic acid (DNA) within the framework of the criminal justice system: recommendation no. R (92) 1 and explanatory memorandum, Council of Europe Press, Estrasburgo, 1993, pp. 11-13). Por isso e em caso de recusa obstinada em ceder esse fluidos bocais, é muitas vezes aconselhável, designadamente quando o uso da força coactiva possa redundar num tratamento desumano ou degradante, que no período de detenção para a recolha de saliva bucal, se espere que o visado “liberte” qualquer outra mostra de fluído orgânico que possa ser devidamente recolhido para determinação do ADN.

O Código de Processo Penal[1] depois de definir o objecto de prova, começando por dizer que são “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime” (124.º, n.º 1), estabelece o princípio da legalidade da prova, ao consagrar no seu artigo 125.º que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. Não existe, no entanto, um regime de tipicidade dos meios de prova nem de obtenção de prova – os primeiros são os elementos que servem para formar a convicção do tribunal relativamente aos factos sujeitos a julgamento (título ii), os segundos dizem respeito aos instrumentos de que se servem as autoridades policiais e judiciárias para investigar e recolher a prova (título iii). No que concerne à prova proibida estabelece-se um catálogo de métodos proibidos de prova no subsequente artigo 126.º, preceituando-se que “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (n.º 1).

Relativamente à disciplina dos exames periciais, podemos desde logo atentar que se trata de um meio de prova especializado, porquanto a mesma tem lugar “quando a percepção ou a apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” (151.º), sendo realizada em organismos apropriados (152.º, n.º 1), podendo até ter carácter interdisciplinar (152.º, n.º 2). Por sua vez, em relação aos exames, que são meios de obtenção de prova, os quais tanto podem incidir em pessoas, como em lugares e coisas, os mesmos visam a inspecção dos vestígios relativos ao modo e ao local do crime, bem como à determinação das pessoas que o cometeram ou relativamente às quais o mesmo foi cometido (171.º, n.º 1). A propósito da obrigatoriedade de sujeição a exame, determina-se no artigo 172.º, n.º 1 que “Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido …, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”. E essa obrigatoriedade de sujeitar-se a exame estende-se igualmente ao arguido, porquanto e segundo o artigo 61.º, n.º 3, alínea d), recai sobre este o dever especial de “sujeitar-se a diligências de prova […] especificadas na lei e ordenada e efectuadas por entidades competentes”. Tal injunção legal é renovada pela Lei n.º 45/2004, de 19/Ago., que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais, ao estatuir que “Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução e desde que seja ordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei”. E actualmente com a Lei n.º 5/2008, de 12/Fev., que cria uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, consagra-se no seu artigo 8.º, n.º 1 que “A recolha de amostras em processo crime é realizada a pedido do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal”.

Naturalmente que esta decisão terá que ser motivada (205.º, n.º 1 Constituição; 97.º, n.º 5 Código de Processo Penal) permitindo a transparência do processo decisório. Essa fundamentação deverá realizar-se de modo completo, objectivo e claro (i), mediante uma valoração crítica e racional das questões suscitadas e que importa resolver (ii), sendo necessário que se promova a sua compreensão e aceitação (iii) (Ac. TC n.º 322/93, 401/02, 546/98, 503/2010). Muitas vezes confunde-se a motivação com a prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a sua compreensibilidade, que deve ser uma das suas características. Aliás, a fundamentação deverá ser dirigida ao cerne das questões a resolver e não a todos os argumentos apresentados, como é jurisprudência do TEDH (Ac Van Hurk de 1994/Abr./19; Ruiz Torija de 1994/Dez./09 e Higgins de 1998/Fev./19). Por outro lado, para além da admissão legal de certas decisões judiciais por remissão, como sucede com o despacho de pronúncia por adesão à acusação pública (307.º, n.º 1) ou dos acórdãos absolutórios proferidos em sede de recurso, quando os mesmos são confirmatórios da decisão recorrida (425.º, n.º 5), o Tribunal Constitucional vem aceitando, ainda que não de forma irrestrita, que sejam proferidas as decisões judiciais mediante remissão para a promoção do Ministério Público. Para o efeito é necessário que aquelas se evidenciem autonomamente em relação a estas últimas, sendo, no entanto, de as excluir quando as mesmas surgirem como um mero seguidismo concordante (Ac. TC n.º 189/99; 147/2000, 396/2003). Em suma, podemos dizer que o dever de fundamentação é um acto de legitimação democrática, possibilitando a compreensão e exteriorização da decisão judicial, devendo a mesma ser concisa e objectiva, restringindo-se às questões de facto e de direito que são pertinentes conhecer e resolver. Daí que não cumpram esses requisitos as decisões do JIC que não tenham fundamento algum ou se revelem insuficientemente fundamentadas, sendo nulas, quando tal esteja previsto na lei (118.º, n.º 1) ou, caso tal não ocorra, meramente irregulares (118.º, n.º 2).

Recapitulando, podemos considerar que as intervenções corporais como modo de obtenção de prova, como seja a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, podem ser obtidas por via compulsiva, para determinação do perfil de ADN e posterior comparação com vestígios recolhidos no local do crime, mostrando-se aceitáveis e legitimadas se estiverem legalmente previstas (i), perseguirem uma finalidade legítima (ii), mostrarem-se proporcionais entre a restrição dos direito fundamentais em causa (integridade pessoal; intimidade, autodeterminação informativa) e os fins perseguidos (iii), revelando-se idóneas (a), necessárias (b) e na justa medida (c). Para o efeito essas intervenções corporais devem ser judicialmente determinadas (iv) e estar devidamente motivadas (v), não sendo admissíveis quando corresponderem, na sua execução, a tratamentos desumanos ou degradantes (vi), optando-se, neste casos e em sua substituição, por qualquer outra mostra de fluído orgânico que possa ser devidamente recolhida para determinação do ADN (vii).

No caso em apreço, podemos constatar que existe fundamento legal específico, seja através do Código de Processo Penal e da outra legislação avulsa a que fizemos anteriormente referência, para a recolha de saliva ao arguido aqui recorrente, através de zaragatoa bucal, ainda que se efectue por via compulsiva, para determinação do seu perfil de ADN e posterior realização de exame comparativo com os vestígios biológicos (hemáticos) recolhidos. Acresce que a decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada, ainda que mediante remissão para a promoção do Ministério Público, estando em causa a investigação de crimes de associação criminosa, detenção arma proibida, na modalidade de detenção de explosivo improvisado, de dano qualificado, furto qualificado, havendo ainda manifesto interesse e necessidade da sua realização para determinação dos autores desses crimes, havendo suspeitas de que o arguido foi um dos seus autores.

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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido B….. e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.

Condena-se o recorrente na taxa de justiça de 5 UC e nas correspondentes custas (513.º, 514.º, do C. P. Penal). Notifique.

Porto, 10 de Julho de 2013
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
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[1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.