Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3958/15.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTRADITÓRIO PRÉVIO
INÉRCIA DA PARTE
Nº do Documento: RP201911073958/15.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho de deserção da instância tem efeitos constitutivos.
II - A necessidade de contraditório prévio depende, em concreto, de saber se a parte teve conhecimento claro das consequências da sua inércia.
III - Para aferir se existe inércia da parte e o seu grau deve-se atender, além do mais, à fase processual da acção, aos interesses que nela se visam proteger, à duração desta, e ao número de actos já praticados.
IV - A junção aos autos de um ofício da OA é suficiente para demonstrar que algumas diligências foram efectuadas pelos AA a fim de impulsionar a causa e assim implicar o accionamento do contraditório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3958/15.1T8VNG.P1
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Sumário:
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1. Relatório
Em maio de 2015 B… e marido C… intentaram a presente acção declarativa de condenação, em processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS D… – SUCURSAL EM PORTUGAL, a qual deriva de um acidente de viação, na qual pedem a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 30.300 euros a título de danos.
Foi apresentada contestação, saneado o processo e procedeu-se a instrução com realização de prova pericial.
Designada data para julgamento foi este, pela segunda vez dado sem efeito, devido ao falecimento do autor.
Foi proferido despacho a determinar que os autos aguardem sem prejuízo do art. 281 do CPC.
Em 22.5.2019 foi proferido despacho declarando/julgando a instância deserta.
Inconformado os AA recorreram.
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O recurso foi admitido é próprio e tempestivo.
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Foram formuladas as seguintes conclusões
1ª – Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 22 de Maio passado, no qual o Exmo. Juiz a quo decidiu: “Julgo a instância deserta (n.º 1 do artigo 281º, do Código de Processo Civil)”. Decisão com a qual os recorrentes não se conformam!
2ª – O art. 281º do Código Processo Civil, com interesse para a causa, determina no seu n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses” e no seu n.º 4 diz que “A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator”. Assim, a deserção da instância cominada no n.º 1 depende do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus, e ainda que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.
3ª – O que não se verifica no caso em apreço, quer porque houve impulso processual no decurso do prazo fixado de seis meses, quer, obviamente, porque não houve qualquer comportamento negligente dos AA. Aliás, da simples consulta dos autos, constata-se que no dia 16 de Abril de 2019, deu entrada nos mesmos um ofício da Delegação da Ordem dos Advogados da Póvoa de Varzim, com a nomeação da aqui signatária para patrocinar o recorrente, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do Autor decesso, logo com interesse na demanda. E, nesta data, obviamente, não tinham decorrido seis meses desde o despacho que decretou a suspensão da instância, datado de 06 de Novembro de 2018.
4ª – In casu, também não existe, claramente, negligência das partes, tendo sido realizadas diligências com vista à habilitação dos herdeiros nos autos. A saber: o recorrente promoveu pela escritura de habilitação de herdeiros, a qual foi lavrada em 08 de Novembro de 2018; em 28 de Novembro de 2018, apresentou nos Serviços da Segurança Social requerimento para concessão do benefício de apoio judiciário a fim de intervir nos presentes autos; em 15 de Abril de 2019 foi nomeada a aqui signatária como Patrona Oficiosa, ofício que a Delegação da Ordem dos Advogados fez juntar aos autos no dia imediato; entretanto, foram feitas diligências para apurar a residência do irmão no Brasil. Pelo menos, naquele período de seis meses, o tribunal recorrido teve conhecimento do ofício com a nomeação de patrono. No demais, bastaria ter questionado as partes
5ª – Como propugnado nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 09/09/2014 (Processo nº 211/09.3TBLNH-J.L1-7) e da Relação de Guimarães de 02/02/2015 (Processo nº 4178/12.1TBGDM.P1), o tribunal, antes de proferir despacho julgando a instância extinta por deserção, deverá, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas. Querendo dizer que, se impõe um alerta às partes para as consequências da inércia, bem como uma verificação segura dos motivos da negligência. Desta forma, impõe-se ao Tribunal concretizar o dever de cooperação e o respeito ao contraditório, dando às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a matéria (art. 3º, nº 3, e art. 7º, nº 1, do CPC).
6ª - A deserção da instância, enquanto causa de extinção da mesma, não é automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz (ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial). Daqui resulta que, qualquer decisão terá de ser precedida por uma apreciação e valoração do comportamento das partes por forma a concluir se houve ou não negligência que justifique que a instância seja extinta por deserção, o que só é possível aferir depois de ouvidas as partes. As quais devem, ainda, ser alertadas para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo legal de apenas seis meses (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/01/2018 (Processo n.º 1703/14.8TLRA.C1) e de 07/01/2015 (Processo n.º 368/12.6TBVIS.C1), ambos em www.dgsi.pt.)
7ª - Salvo melhor opinião, à data do despacho ora recorrido, apenas se poderia considerar que a instância aguardava um impulso processual por parte do recorrente desde 16 de Abril de 2019, data em que foi efectuada nomeação de patrono oficioso. Contudo, passado aproximadamente um mês, o juiz do tribunal a quo determinou a deserção da instância. o que fez, novamente salvo melhor opinião, com base em errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do CPC, designadamente dos seus números 1 e 4, pois a correcta interpretação deste artigo e a subsunção dos factos alegados pelo recorrente ao direito aplicável, só deveria ter-se concluído pelo prosseguimento do presente processo e não pela deserção da instância, que comina na sua extinção.
8ª - O despacho recorrido nem sequer está devidamente fundamentado: não menciona o facto de ter havido negligência dos AA. em promover os termos do processo, que não avalia e, por outro lado, nem refere que decorreram seis meses, sem que as partes tenham impulsionado o processo (o que nem sequer é verdade como decorre da simples consulta dos autos), pelo que, deve aquele despacho que julgou deserta a instância ser revogado.
9ª - A decisão recorrida violou ou fez errada aplicação e ou interpretação do princípio da cooperação e do princípio do contraditório plasmados na lei processual civil, bem como dos artigos 3º, nº 3, 7º, nº 1 e 281º, todos do Código de Processo Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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III. Com interesse para a decisão da questão decorre da tramitação processual os seguintes factos:
1. Em 6.11.2018 foi proferido o seguinte despacho: “ Do antecedente expediente resulta que o autor faleceu no dia 16.12.2017. Nos termos do n.º 1 do artigo 277º, do Código de Processo Civil, junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença. Na data de 28.09.2018 foi designada a audiência de julgamento nestes autos que não teve ainda o seu início. Assim e por isso, julgo a instância suspensa. Fica a audiência de julgamento sem efeito. Desconvoque pela via mais expedita, tendo em conta a proximidade da audiência agendada. Aguardem os autos o decurso do prazo a que alude o artigo 285º do Código de Processo Civil.”
2. Esse despacho foi notificado no mesmo dia aos mandatários das partes.
3. Em 16.4.2019 foi junto aos autos um ofício pela delegação da AO no qual foi informado que “Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a) E… C.P. nº ……P
4. Em 22.5.2019 foi proferido o seguinte despacho Julgo a instância deserta (n.º 1 do artigo 281º, do Código de Processo Civil). VNG, d.s
5. Esse despacho foi notificado em 23.5.2019.
6. Em 24.5.2019 veio a apelante apresentar um requerimento de HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS do Autor C…,
7. Foi lavrada uma escritura de habilitação de herdeiros, em oito de Novembro de 2018, no Cartório Notarial a cargo da Notária F…, sito na Rua …, n. ... – …, em Vila Nova de Gaia, foram habilitados os únicos herdeiros do falecido autor.
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IV. Questões a decidir
A única questão a decidir é a de saber se o despacho proferido em Maio de 2019 aplicou devidamente o art. 281º, do CPC à situação dos autos.
V. Discussão
O regime da deserção da instância sofreu profundas alterações com a última revisão do CPC, das quais as mais relevantes são: a eliminação da interrupção da instância e o encurtamento do prazo anterior de 5 anos para 6 meses.
Em qualquer das versões da lei a razão de ser deste mecanismo era (e é) a sanção da parte pela sua inércia negligente, visando assim obstar à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.[1]
Parece, pois evidente que existe hoje um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, cominando a falta de impulso processual logo com a deserção` e consequente extinção da instância - art.º 277º, c).
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5.1.da omissão de notificação prévia
A primeira sub questão que importa decidir é a de saber se a recorrente deveria ter sido notificada previamente à prolação do despacho em causa.
Alguma jurisprudência (supra citada) defende, de facto, que face à natureza constitutiva do despacho deverá ser ouvida a parte previamente ao mesmo a fim de determinar ou não se a mesma agiu negligentemente. Confessamos que essa prática é prudente e evitaria problemas processuais como os presentes.
Mas, neste caso a mesma não pode ser qualificada como obrigatória.
Com efeito, o accionamento do contraditório está regulado no art. 3º, n.º 3, do C. P. Civil, “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Procura-se fundamentalmente evitar “decisões surpresa” (art. 3º-3), conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões – suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso – que o tribunal vier a decidir (cfr. entre outros o Ac do TC n.º 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000).
Ou seja não é necessário nova notificação desde que a parte tenha sido claramente advertida pelo tribunal do início do prazo e das suas consequências[2].
Nestes termos não existe um dever geral de operar essa notificação, mas sim um dever concreto de advertir a parte claramente da cominação e do inicio do prazo. Ora foi isso precisamente o que aconteceu neste caso, já que o despacho de 2018 cita a cominação de forma clara pelo que incumbia à parte conformar a sua conduta com esse risco do qual foi avisada.
Diga-se aliás que conforme salienta o Ac do STJ de 22.2.2018 nº 473/14.4T8SCR.L1.S2 (Abrantes Geraldes), num caso exactamente semelhante: “ Com a notificação ao mandatário constituído pelo A. de que, por motivo do óbito do A., ficaria suspensa a instância, passou a recair sobre os respetivos sucessores o ónus de requererem a sua habilitação (art. 351º, nº 1, do CPC). O decurso do prazo de 6 meses a partir daquela notificação sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus tem como efeito a extinção da instância, por deserção, nos termos do art. 281º, nº 1, do CPC. Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além do mais, recai sobre os sucessores (art. 351º, nº 1, do CPC), em face da clareza quer do início do prazo de 6 meses, quer das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção em tais circunstâncias não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação”.
Por seu turno o Ac do STJ de 8.3.2018 nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1[3] considera que no contexto da deserção da instância, não existe fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.
Deste modo terá de improceder este fundamento da apelante.
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5.2. Do prazo aplicável
Pretende a apelante que o prazo em causa se interrompeu com a junção aos autos do oficio da AO que consta dos factos provados.
Esse ofício diz respeito à nomeação da patrona dos AA como patrona do habilitando que, na data ainda não era parte na acção.
Ora, como é evidente essa nomeação não diz respeito aos autores, o prazo processual desse habilitando nem sequer se iniciou, já que não era o mesmo quem tinha o ónus de impulsionar a acção.
Diga-se também que é, pelos menos maioritário entre nós que sempre incumbiria ao requerente de apoio judiciário comprovar nos autos o seu pedido, pois, conforme Ac da RP de 06.12.2016, n.º 1488/12.2TBFLG-A.P1: «Não se mostra gravoso para o requerente do Apoio Judiciário, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de Apoio nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa, pois que se trata de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessado, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.»
Concluímos, pois que essa nomeação de patrono não interrompeu o prazo de extinção cominado aos AA.
No que respeita ao prazo importa ter presente que a sua contagem é efectuada nos termos do art. 138º, do CPC (ou seja neste caso sem interrupção das férias), mas que o seu inicio só corre com a notificação desse despacho (in casu 9.11.2018); e que, por fim, são ainda aplicáveis todas as possibilidades legais para a dilação do mesmo (multas e prorrogações). Neste caso, o prazo terminaria em 9.5.2019 (domingo), logo com o eventual pagamento de multa terminaria em 14.5.2019 sendo que a parte praticou o acto no dia 24.5.2019.
Pelo que o primeiro fundamento do art. 281º, nº1, do CPC está preenchido.
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5.3. Da negligência dos AA.
Resulta do preceito do artº 281º, nº 1 do CPC, que a deserção da instância depende, além do decurso do prazo de 6 meses, que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.
Nesta parte o despacho a proferir tem natureza constitutiva, pois, cria um efeito jurídico através de um juízo autónomo fundado na previsão legal.[4]
No que respeita à suposta negligência das partes, podemos fazer nossas as palavras do Ac da RC de 6.3.2018 nº 349/14.5T8LRA.C1: “pressupõe uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação”.
Salienta o Ac do STJ de 8.3.2018 nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 A : que “a negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.
E, adverte o Ac. do TRL de 26- 02-2015 nº 2254/10.5TBABF.L1-2: “No despacho que julga deserta a instância, o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efetuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efetivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial”.
Neste juízo teremos assim de concluir pela existência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu mandatário, nos termos do qual o decurso do prazo se ficou a dever à conduta do mesmo num quadro de diligência normal, tendo em conta os elementos processualizados nos autos.
E quais são esses elementos?
Desde logo o valor, natureza e fase processual da acção. Ou seja, o dever de acção da parte deve ser proporcional a esses elementos de tal modo que será mais desculpável uma omissão na fase final de uma acção do que numa acção sem qualquer actividade processual. Ora, recorde-se que nesta acção já estamos na fase de julgamento, após realização de demorados exames periciais. Ou seja, a deserção desta acção não é útil ou desejável seja para as partes, seja para o aparelho jurisdicional que corre o risco de repetir noutra acção todos os vários actos já praticados.
Depois, não podemos deixar de atender ao interesse em causa (lesões corporais de um acidente de viação), bem como ao facto de os autores terem patronos que os representam.
Em terceiro lugar, atendendo apenas aos elementos que constavam dos autos quando foi proferido o despacho parece claro simples e evidente que os ofícios da OA demonstram claramente actividade por parte dos AA no decurso do prazo de 6 meses. O ofício constante dos factos demonstra que um terceiro (habilitando) iria intervir nos autos. Ou seja esse elemento, por si só, demonstra que afinal foram realizadas diligências pelas partes (veja-se o outro ofício com nomeação de nova patrona à autora), e se estas foram realizadas não existe negligência da parte violadora do seu dever de diligência[5]. É certo que, teria sido também prudente, comunicar as diligências realizadas aos autos ou praticar o acto no dia 22 e não no dia 24. Mas, o certo é que num novo paradigma do processo civil em que deve ser dada primazia ao dever de colaboração entre o tribunal e as partes (art. 6º, nº1 e 7º, do CPC), a junção aos autos de um ofício da AO permitiria descortinar[6] que alguma actividade tendente à habilitação de herdeiros tinha sido realizada.
Deste modo teremos de concluir que o despacho em causa ignorou elementos que constavam dos autos e que por si só demonstram ou pelo menos indiciavam [7] que a parte efectuou diligências tendentes à prática do acto (habilitação de herdeiros).
Elementos esses que conjugados com o interesse do aparelho judicial em aproveitar os longos actos já praticados nesta acção emergente de acidente de viação iniciada em 2015, com a defesa do efectivo acesso dos AA à justiça, bem como do dever de colaboração e gestão processual que impende sobre o tribunal, implicam a conclusão que os AA não violaram o seu dever de impulsionar tempestivamente a acção.
Pelo exposto a apelação merece provimento.
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VI Deliberação
Nos termos supra expostos, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, com as consequências legais (prosseguimento da causa).
Custas da apelação a cargo do vencido a final por inexistir oposição e decaimento.

Notifique.

Porto, 7 de Novembro de 2019.
Os Juízes Desembargadores
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
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[1] Ac. do TRP de 20-10-2014 (189/13.9TJPRT.P1): Da leitura do artigo 281.º, n.º 1, do NCPC resulta que a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses.
[2] Cfr. por todos Código Processo Civil Anotado, I; pág. 328 e segs., Abrantes Geraldes et all..
[3] Nos mesmos termos, entre outros, o Ac da RG de 1.3.2018 nº 1218/14.4T8VCT.G1
[4] Note-se que nesta matéria o único autor recente que defendeu a posição oposta (natureza declarativa) do despacho parece ter abandonado essa posição ou “esclarecido a sua posição”(defendendo agora que a natureza do despacho é inicialmente declarativa e depois terá efeitos constitutivos). Ou seja esta construção, abandona a natureza declarativa e mais não é do que um mero preciosismo em tudo análogo àqueles que, como nós defendem a natureza constitutiva do despacho. Cfr. Paulo Faria in O JULGAMENTO DA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DECLARATIVA — BREVE ROTEIRO JURISPRUDENCIAL, revista julgar online 2015.
[5] Diga-se aliás que esta a existir terá sido na fase anterior em que durante mais de um ano não comunicaram o óbito do autor.
[6] ou se assim não fosse notificar a parte para o esclarecer.
[7] Cfr. o Ac do TRP de 02-02-2015 nº 4178/12.2TBGDM.P1, que decidiu uma situação em que a parte foi notificada para praticar o acto após o termo final do prazo.