Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1266/21.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ACTO DE SECRETARIA
RECUSA DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP202109201266/21.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não tendo a secretaria recusado a petição inicial à qual falta a comprovação do pagamento de taxa de justiça, não prevê a lei a solução a adotar, tratando-se de lacuna legal a regulamentar judicialmente com recurso às normas relativamente às quais procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
II – É, por isso, de recorrer ao previsto para a ausência de pagamento de taxa de justiça com a contestação, notificando o A. para o pagamento omitido, com multa, antes de decidir pelo desentranhamento da petição inicial, pela suspensão da instância ou por outra solução equivalente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1266/21.8T8PNF.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
B…, residente na Rua …, …, …, Penafiel, propôs a presente ação contra Companhia de Seguros, a 3.5.2021, tendo a ação sido contestada.
O A. não juntou DUC, tendo vindo a ser proferido decisão a 12.5.2021, extinguindo a instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que ordenou o desentranhamento da petição inicial.
Desta decisão recorre o A., visando a sua revogação e culminando o recurso concluindo não ter junto aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, como lhe impunha o art. 552.º, n.º 3, CPC, sendo que a secretaria não recusou tal peça, como lhe competia, ao abrigo do disposto no art. 558.º f) CPC, cabendo ao tribunal posteriormente ordenar a notificação do A., nos termos do art. 560.º CPC.
A Ré opõe-se a tal pretensão, tendo apresentado contra-alegações.

Os autos correram vistos.

Objeto do recurso: das consequências da não apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça com a pi.

Fundamentação
De facto
Os factos que interessam à decisão respeitam ao iter processual acima descrito e que aqui se dá por reproduzido.

De direito
De acordo com o disposto no art. 552.º, n.ºs 7 a 8:
7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.”
A falta de apresentação desse documento é fundamento de recusa da pi pela secretaria (art. 558.º, n.º 1 al. f) CPC).
Quid iuris se a secretaria não recusar o recebimento da peça que não traz consigo o comprovativo do pagamento?
A lei não refere expressamente a solução a operar nestes casos.
Por isso, conforme se refere no ac. RG, de 22.10.2020 (Proc. 1115/18.4T8BGC-C.G1), várias soluções são possíveis:
Ou, como preconiza Salvador da Costa[1], o juiz ordena a suspensão da instância até à demonstração daquele pagamento, caso em que os autos aguardam sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º1 CPC.
Ou se aplica, por analogia, o disposto no art. 570.º, CPC, para o caso da falta de DUC com a contestação, caso em que se comina a omissão com multa e de multa agravada, com a suspensão em seguida, se o pagamento não ocorrer. Assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, ps. 497 e 556) e alguma jurisprudência (v.g. ac. RL, de 21.6.2011, Proc. 2281/09.5TVLSB.L1-7).
Ou, finalmente, se opta pela solução da decisão recorrida, com absolvição da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ou por ocorrer exceção dilatória atípica.
Sendo certo que a nova redação, decorrente do disposto no DL 97/2019, de 26.07, conferida ao art. 560.º CPC, torna o mesmo imprestável para a situação dos autos posto que ali se refere poder ser apresentada nova petição inicial – em caso de recusa da primeira - nas situações aí previstas: causa em que não seja obrigatória a constituição de mandatário (o que não é o presente caso), a verdade é que se nos afigura que a dinâmica subjacente ao processo civil atual privilegia soluções materialmente justas, sem desequilíbrio entre as partes e com benefício para aquelas decisões que levam a bom porto o intento do processo que é o da composição judicial dos litígios.
Por esse motivo, a proposta adotada pela primeira instância parece-nos não ser de aceitar.
Não resolve a situação porque apenas obriga o A. a propor nova ação e, além disso, estimula a prática de novos atos processuais, novos articulados, novos atos de citação, etc.., com evidente desperdício de meios e de tempo, o que também é proibido pelo art. 130.º CPC.
É, pois, de afastar.
Sendo assim, são de aplaudir soluções que, centrando-se nas respostas que a lei dá a situações concretas semelhantes, num esforço de integração da lacuna legal para o caso, regulamentam a omissão com recurso às normas relativamente às quais “procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei” (art. 10.º, n.º 2 CC).
Recorde-se que o conceito de lacuna da lei aponta para uma ideia de um sistema de normas concebido pelo legislador com um sistema completo num dado momento e num dado espaço, de modo que o sistema associa um certo efeito jurídico (constituição, modificação ou extinção de direitos e obrigações) à verificação de um certo conflito de interesses.
Uma ausência de resposta do sistema normativo a uma questão juridicamente relevante é uma lacuna que o julgador deve referir ao espírito do sistema, procurando uma solução coerente com o conjunto dos princípios que constituem o fundamento do sistema normativo, lhe conferem sentido e união.
Assim, se o art. 570.º CPC, na ausência de pagamento da taxa de justiça prevista para a contestação, não impõe desde logo a sua rejeição, mas sim o pagamento de multas, pela mesma ordem de razões agiria o sistema caso tivesse previsto o mesmo problema para a petição inicial.
De modo que, na ausência daquele pagamento, deverá proceder-se à notificação do demandante, nos termos do art. 570.º, n.ºs 3 e 4: a secretaria notifica o A. para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. Caso o não faça, ocorre a solução da segunda parte do n. 5: o juiz profere despacho convidando o A. a proceder ao pagamento, em 10 dias, da taxa de justiça omitida e da multa aplicada, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
Se o A. nada fizer, então é que é de ponderar se o efeito será o de aguardarem os autos que o faça, sem prejuízo do prazo de deserção da instância, ou eventualmente, o desentranhamento da pi, com absolvição do R. da instância.
Esta integração da lacuna parece-nos, de facto, a mais consentânea com a omissão legal de regulamentação e a que tem recolhido a maioria da orientação jurisprudencial (cfr., desta Relação, ac. de 4.11.2019, Proc. 1366/16.6T8AGD-D.P1: I -Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC). III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da ação, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta).

Dispositivo
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, acordando os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e revogando a decisão recorrida, determinando que o tribunal recorrido ordene a notificação do A. para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5UC.
Custas pela Ré.
ds

Porto, 20.09.2021
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
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[1] As custas processuais, 7.ª E., p. 66-67.