Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0854187
Nº Convencional: JTRP00041510
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROCESSOS APENSOS
Nº do Documento: RP200807070854187
Data do Acordão: 07/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 345 - FLS 24.
Área Temática: .
Sumário: I - O mero facto de se encontrarem apensos ao processo de insolvência outros processos em que se reclamam créditos sobre o insolvente não é suficiente para que se afirme que o Administrador tinha conhecimento da existência de tais créditos, assim os devendo incluir na lista de créditos reconhecidos.
II - A existência de tais apensos não dispensa o credor, mesmo sendo o M.º P.º em representação da Fazenda Nacional, de reclamar os direitos de crédito que se discutiam nessas execuções perante o Administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE AGRAVO Nº 4187/2008

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, inconformado com o despacho de Fls. 57 a 59 proferido nos autos de Reclamação de Créditos, apensos ao processo principal de Insolvência, sendo Insolvente B………., SA, no qual se concluiu “Assim, impondo-se ao Estado, como a qualquer outro credor, o ónus de reclamar os seus créditos, nos termos previstos no artigo 128, tem-se por revogado o artigo 180/2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual determinava a avocação de todos os processos de execução fiscal pendentes.
Pelo exposto, indefiro a requerida notificação do Sr. Administrador da insolvência”, veio o Magistrado do Ministério Público interpor recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- A sentença que declarou a insolvência da requerida determinou a avocação dos processos de execução fiscais aos autos, conforme estipula do art. 180°, n.º 2, do C.P.P.T..
2ª- Os processos de execução fiscal relativos à insolvente foram remetidos a juízo pela Fazenda dentro do prazo fixado para a reclamação de créditos.
3ª- Tais processos foram juntos aos autos e foi disso dado conhecimento ao Exm.º Administrador, pelo que este sabia da existência dos créditos da Fazenda.
4ª- Apesar disso, o Administrador nem sequer se referiu aos créditos da Fazenda na relação de créditos por si apresentada.
5ª- No entanto, compete ao Administrador atender não só aos créditos reclamados, mas também aos que são do seu conhecimento — cfr. o art. 128°, n.º 1, do C.LR.E.
6ª- De facto, o art. 128°, n.º 1, do C.I.R.E. refere que os credores, incluindo o Ministério Público em representação da Fazenda Nacional devem reclamar os créditos junto do Administrador.
7ª- Mas tal não passa de uma regra, e cuja excepção está expressamente consagrada no art. 129°, ao prever que o Administrador reconheça créditos que não foram reclamados, mas que são do seu conhecimento por outras vias.
8ª- Compete ao Administrador atender não só aos créditos reclamados, mas também aos que são do seu conhecimento — cfr. o art. 129°, n.º 1, do C.I.R.E..
9ª- Tal entendimento é reforçado pelo disposto no n.º 4, do art. 128°.
10ª- Ao não incluir os créditos da Fazenda na relação de créditos, não foi o Ministério Público nem a Fazenda notificada dessa lista.
11ª- A Fazenda ficou assim impedida de se pronunciar sobre a relação de créditos e ficou também impedida de participar como credor nas diligências realizadas na insolvência, nomeadamente nas assembleias de credores. 12ª- Tal omissão foi relevante porque impediu que a Fazenda pudesse fazer valer os seus créditos.
13ª- Impediu a Fazenda de participar ao longo dos autos na qualidade de credor, fazendo valer a sua posição, nomeadamente reclamando da relação de créditos apresentada.
14ª- Importa assim anular todo o processado desde a apresentação da relação de créditos pelo Exm.º Administrador, determinando-se que o mesmo elabore uma de onde conste os créditos da Fazenda (como reconhecidos ou como não reconhecidos).
15ª- O despacho recorrido ao não o fazer, violou os arts. 180°, n.º 2, do C.P.P.T, 201° do C.P.C. e 128° e 129°, ambos do C.I.R.E.
Conclui pedindo que se revogue o despacho recorrido e se substitua por outro que determine a rectificação da relação de créditos apresentada pelo Administrador, de modo a dela constar os créditos da Fazenda Nacional referidos nas execuções fiscais apensas.
B) Não foram oferecidas contra-alegações.
A Sr.ª Juiz proferiu despacho a ordenar a subida dos autos.

II - FACTUALIDADE PROVADA

Encontram-se provados os seguintes factos:
1- A fls. 2 a 28 veio o Sr. Administrador de Insolvência apresentar a lista de créditos reconhecidos, nos termos do artigo 129 do CIRE, informando também que não existem créditos reconhecidos não reclamados nem existem créditos não reconhecidos e, por esse facto, não foram efectuadas as notificações a que alude o n.º 4 do artigo 129 do CIRE.
2- A fls. 29 a 34 dos autos foi proferida sentença de graduação de créditos do processo de Insolvência, no qual é Insolvente B………., SA.
3- A fls. 51 veio o Magistrado do Ministério Público requerer que se ordenasse “ao Exm.º Administrador a correcção da relação de créditos apresentada, de modo a dela constar os créditos indicados nas execuções fiscais apensas”. Fundamenta o seu pedido no facto de terem sido apensadas aos autos diversas execuções fiscais, cuja avocação havia sido ordenada na sentença que declarou a insolvência, sendo certo que o Sr. Administrador teve conhecimento dessa apensação uma vez que dela reclamou, informando existirem outros processos de execução fiscal. Apesar disso não atendeu a esses créditos nem na relação provisória nem na relação definitiva, como lhe competia.
4- Notificados a devedora, massa insolvente e comissão de credores, para, querendo, se pronunciarem, nada disseram.
5- De seguida foi proferido o despacho recorrido que indeferiu o requerido.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A questão de que cumpre conhecer e decidir é a seguinte:
1ª- Impunha-se ordenar ao Administrador da Insolvência a correcção da relação de créditos apresentada, de modo a dela constar os créditos indicados nas execuções fiscais apensas?

A) Vejamos
1- Dispõe o n.º 1 do artigo 128 do CIRE - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas -, aprovado pelo Dec. Lei n.º 53/2004 de 18 de Março, que “Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que “O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido por via postal registada, devendo o administrador, respectivamente, assinar no acto de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias, comprovativo do recebimento”.
Finalmente o n.º 3 estatui que “a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 129.º do CIRE - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - “Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
Acrescenta o n.º 2 que “da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas”.
Por último estatui o n.º 4 do mesmo preceito que “Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40.º a 42.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia que não tenham já sido citados nos termos do n.º 3 do artigo 37.º”.
Dispõe, também, o artigo 85 do CIRE - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - , sob o título “Efeitos sobre as acções pendentes”:
1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2 - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente.
3 - O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.
Acrescenta o artigo 88 do mesmo diploma legal, relativamente às “Acções executivas” que:
1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
Finalmente ter-se-á em consideração o artigo 180 n.º 2 do CPPT (Código de Processo e Procedimento Tributário).

2- Podemos ler no preâmbulo do Dec. Lei n.º 53/2004 de 18 de Março “É na fase da reclamação de créditos que avulta de forma particular um dos objectivos do presente diploma, que é o da simplificação dos procedimentos administrativos inerentes ao processo. O Código dispõe, a este respeito, que as reclamações de créditos são endereçadas ao administrador da insolvência e entregues no ou remetidas para o seu domicílio profissional. Do apenso respeitante à reclamação e verificação de créditos constam assim apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, as impugnações e as respectivas respostas”.
Da conjugação dos preceitos legais supra citados resulta que todos os credores – nos quais se inclui obviamente “o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que representa – devem reclamar os seus créditos.
Tendo em vista a simplificação e celeridade processual, essa reclamação não é dirigida ao Tribunal mas sim ao Administrador de Insolvência.
Esta obrigação, este dever de reclamar o seu crédito é de tal modo amplo e abrangente que dele não está nenhum credor desobrigado, incluindo aqueles que tenham o seu crédito reconhecido por decisão definitiva. Mesmo estes estão obrigados a reclamar o seu crédito se quiserem obter pagamento.
Trata-se de um regime claramente distinto do anterior.
Na verdade, “em relação ao regime de pretérito, deixaram de se considerar reclamados os créditos do requerente da insolvência, os exigidos nos processos em que já tivesse havido apreensão de bens do insolvente ou nos quais se debatesse interesses relativos à massa cujos processos tivessem sido apensados ao processo respectivo”, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª ed. pag. 332.
Findo o prazo de reclamação de créditos e nos 15 dias subsequentes deve o Administrador apresentar uma lista de todos os credores reconhecidos e uma outra dos não reconhecidos, sendo certo que estas devem abranger “não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”, art. 129 n.º 1, parte final, do CIRE.
“Trata-se, neste ponto, de uma excepção ao princípio de que quem quiser realizar direitos de crédito no processo de insolvência tem de nele os reclamar, no tempo normal ou ulteriormente…”, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª ed. pag. 337.
Acresce que, os credores reclamantes cujos créditos não tenham sido, total ou parcialmente considerados, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, devem ser avisados desse facto pelo Administrador.
Resulta, assim, que os credores não reclamantes e cujos créditos não tenham sido reconhecidos não têm de ser avisados.
Resulta também que, oficiosamente, serão apensados todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente, pretendendo-se deste modo salvaguardar os bens do devedor.

3- No caso concreto foram apensados ao processo de insolvência alguns processos de execução fiscal não tendo o Ministério Público, ora Recorrente, reclamado, nos termos do n.º 1 do artigo 128 do CIRE, os direitos de crédito em apreço nesses processos de execução fiscal nem o Administrador da insolvência reconheceu tais direitos de crédito na lista que oportunamente apresentou, nem posteriormente notificou (avisou) o Recorrente nos termos do n.º 4 do artigo 129 do CIRE.
O Ministério Público, ora Recorrente, entende que foi cometida uma nulidade e, por via disso, se impunha ordenar ao Administrador da Insolvência a correcção da relação de créditos apresentada, de modo a dela constar os créditos indicados nas execuções fiscais apensas.
Face ao que já deixamos dito afigura-se-nos que não lhe assiste razão.
Como já se referiu supra o artigo 128 n.º 3 do CIRE obriga todos os credores a reclamar os seus direitos de crédito no processo de insolvência.
Não existe nenhuma norma legal que exclua dessa obrigação os credores cujos processos tenham sido apensados, seja por iniciativa do Administrador seja oficiosamente.
Neste ponto o actual regime é bem distinto do anterior, pois o anterior artigo 188 n.º 4 do CPEREF dispensava a reclamação de créditos exigidos em processos que se encontrassem apensos ao processo de falência.
Não existe norma equivalente no actual CIRE.
È certo que o Administrador pode (deve) considerar reconhecidos não só os créditos que tenham sido reclamados “como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”, artigo 128 n.º 1 do CIRE.
No caso em apreço não considerou como reconhecidos os direitos de crédito em apreço nas execuções fiscais apensas das quais tinha conhecimento.
Mas será que praticou uma nulidade?
A resposta terá de ser negativa.
“Embora se não trate, na espécie, de mera faculdade do administrador de insolvência, nenhum credor pode, na hipótese de não considerar algum direito de crédito não reclamado, invocar nulidade para impor a sua consideração no concurso.
Com efeito, sobre os credores da insolvência impende o ónus de reclamação dos seus direitos de crédito, não é afastado nesta sede o principio da auto-responsabilidade das partes, pelo que eles não podem extrair vantagem por via da impugnação da omissão de outrem ocasionada pela sua própria omissão.
A circunstância de os credores beneficiarem da exclusiva acção do administrador da insolvência no reconhecimento dos seus direitos de crédito, não afasta o seu ónus de formulação para o efeito da pertinente pretensão”. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª ed. pag. 337.
O mero facto de se encontrarem apensos ao processo de insolvência outros processos em que se reclamam eventuais créditos sobre o insolvente não é suficiente para que se afirme que o Administrador tinha conhecimento da existência de tais créditos e que, por isso, os devia incluir na lista de créditos reconhecidos, uma vez que é necessário que se comprove efectivamente a sua existência.
Deste modo, podemos concluir que, por um lado, o facto de se encontrarem apensos ao processo de insolvência diversas execuções fiscais não dispensava o Ministério público, ora Recorrente, de reclamar os direitos de crédito que se discutiam nessas execuções e por outro, o Administrador da Insolvência não estava obrigado a incluir na lista de créditos reconhecidos aqueles direitos de crédito (tanto mais que é necessário que se comprove efectivamente a sua existência, impondo-se, por isso, a sua reclamação).
Assim, não praticou o Administrador de Insolvência qualquer nulidade pelo que não merece qualquer censura o despacho recorrido que não ordenou ao Administrador da Insolvência a correcção da relação de créditos apresentada, de modo a dela constar os créditos indicados nas execuções fiscais apensas
Em suma e em conclusão, impõe-se a improcedência das conclusões do Recorrente e consequentemente do presente recurso de agravo.

IV – DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao presente recurso de agravo e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar o Agravante isento.

Porto, 2008/07/07
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja