Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11093/17.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO
CONTRATO DE TRABALHO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
REINTEGRAÇÃO
HORÁRIO COMPLETO
DEDUÇÃO RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Nº do Documento: RP2019071011093/17.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO(SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º296, FLS.350-385)
Área Temática: .
Sumário: I - O reconhecimento judicial da existência de contrato de trabalho forma caso julgado na acção comum de impugnação de despedimento intentada pelo trabalhador.
II - Constitui despedimento ilícito o e-mail com a expressão “não vamos precisar dos teus serviços”, enviado, pela ré, ao trabalhador no decurso da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
III – A reintegração do trabalhador deve ser na modalidade de contrato de trabalho a tempo inteiro, sob pena de se frustrar o objectivo jurídico/social da Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto: o combate aos “falsos recibos verdes”, como modalidade de trabalho precário.
IV - Aliás, seria inútil que o tribunal declarasse a reintegração do autor ao abrigo de contrato de trabalho a tempo parcial, quando a lei impõe forma escrita e, na falta dela, considera que o contrato é a tempo inteiro.
V – A dedução nas retribuições intercalares, prevista no artigo 390.º, n.º 2, al. b) do CT, é aplicável ao caso dos autos, mas o prazo de 30 dias é contado, não a partir da data do despedimento, mas da data do conhecimento pelo trabalhador do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a existência do contrato de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 11.093/17.1T8PRT.P1
Origem: Comarca de Porto-Porto-Juízo Trabalho – J3
Relator - Domingos Morais – Registo 817
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - B…, com patrocínio oficioso do M. Público, intentou a presente acção declarativa com processo comum, na Comarca de Porto-Porto-Juízo Trabalho-J3, contra
Fundação C… – C1…, ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
O autor foi admitido ao serviço da ré em dezembro de 2011, mediante acordo meramente verbal.
A ré possui instalações na Av.ª … – Porto, onde desenvolve diversas actividades de índole cultural.
O autor prestou trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, apesar de o autor emitir recibos verdes quanto às remunerações recebidas da ré;
Competia ao autor, no exercício das sua funções, contabilizar e informar os visitantes do espaço supra referido, venda de bilhetes e catálogos, atendimento telefónico, abertura e fecho da caixa e emissão de recibos/factura.
Competia ainda ao autor dar apoio á produção de exposições (montagem e desmontagem), concertos e eventos realizados nas instalações da ré.
O autor, durante o período em que funcionou nas instalações da ré uma livraria de livros de arte, entre maio de 2013 e janeiro de 2015, procedeu também á venda de livros.
Toda a actividade do autor era desenvolvida nas instalações da ré, Avenida …, …, Porto.
Todos os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo autor, pertenciam â ré, como telefone fixo, computador, monitor, teclado, rato, cadeira, secretária, bloco de notas e cadeira, bem como os instrumentos utilizados na montagem e desmontagem das exposições.
O autor cumpria um horário de trabalho das 12h30m às 18h30m, de segunda a sexta e das 10h à 1h, sempre que era convocado para prestar apoio a concertos, exposições e outros eventos, sendo que o autor sempre esteve disponível para cumprir o horário normal de 40 horas.
A ré retribuía o trabalho do autor com o vencimento hora de €8,00, estando englobado a quantia de €1,50/hora, de abono para falhas.
O trabalho do autor era desenvolvido sob as ordens, direcção e fiscalização da Dr.ª D…, pessoa que se encontra integrada na organização da ré.
Em 26 de janeiro de 2016 a ré foi fiscalizada pela ACT, que compareceu nas instalações e a partir desta data a ré diminuiu o horário do autor e passou a pagar apenas a quantia média mensal de €250,00.
O autor não concordou com esta diminuição do horário de trabalho e com a consequente diminuição do vencimento.
A ré não tinha qualquer fundamento para diminuir a retribuição, sendo que o contrato a tempo parcial carece de redução a escrito, art.º 153.º do Código do Trabalho, considerando-se como contrato a tempo normal o que não for reduzido a escrito, sendo que o autor manteve disponibilidade e vontade de prestar trabalho a tempo normal.
O autor prestou trabalho até 3 de junho de 2016.
Em 3 de junho de 2016 a ré comunicou ao autor por correio electrónico que a partir dessa data deixaria de prestar trabalho.
O autor compareceu por diversas vezes nas instalações, em diversos dias, mas foi impedido de prestar trabalho.
Com a sua atitude a ré despediu o autor despedimento ilícito, nos termos do art.º 381.º al- c) do Código do Trabalho.
Reclama o autor da ré a reintegração no posto de trabalho nos termos do art.º 389.º n.º 1.º al- b) do Código do Trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, a partir de 03 de junho de 2016.
Deve ser atribuído o posto de trabalho, as funções que o autor desempenhou até 26 de janeiro de 2016, com um horário normal de trabalho de 40 horas semanais nos termos do art.º 153.º e 203.º do Código do Trabalho.
Terminou, pedindo:
“Deve a presente acção ser julgada procedente e provada, deve o despedimento ser declarado ilícito e deve a ré ser condenada a pagar ao autor:
“1 - Reintegrar o autor no seu posto de trabalho a partir de 3 de junho de 2016, com horário completo de 40 horas semanais e com as funções que vinha desempenhando e a retribuição que vinha auferindo de €8,00/hora;
2 - Os vencimentos de junho de 2016 até efectiva reintegração, sendo os vencidos até 30 de abril de 2017, no montante de €12.584,00;
3 - Diferenças salariais entre janeiro de 2016 e maio de 2016 - €32.54,00
4 - A título de danos patrimoniais e morais a quantia de €12.000,00
5 - A título de férias e subsídio de férias - €11.440,00
6 - A título de subsídio de Natal - €5.720,00
7 - A título de formação profissional - €1.137,50
8 - Juros de mora á taxa legal desde o despedimento até efectivo pagamento sendo os vencidos até á presente data no montante de €1.188,00”.
2. – Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, por excepção – do caso julgado e da prescrição dos créditos invocados - e por impugnação, negando a existência de um contrato de trabalho entre ambos, por entender que o acórdão proferido pelo TRP, de 15.5.2017, no âmbito do proc. N.º 6214/16.4T8PRT (ARECT), não produz efeitos de caso julgado nos presentes autos.
Terminou, concluindo:
“1. Devendo julgar-se que o douto Ac. proferido pelo TRP, de 15.5.2017, no âmbito do proc. nº 6214/16.4T8PRT (ARECT), não produz efeitos de caso julgado nos presentes autos, conforme alegado nos artºs 2º a 17º e nos artºs 18º a 123º da presente contestação, julgando-se a presente acção improcedente por não provada e absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.
2. Devendo decidir-se que se encontram prescritos todos os eventuais créditos invocados pelo Autor, reportados ao período anterior a 17.1.2013, conforme invocado nos artºs 105º a 116º da presente contestação, devendo a Ré ser absolvida dos mesmos.
3. Devendo decidir-se que, mesmo que se entenda que existiu um contrato de trabalho entre o Autor e a Ré – sem conceder – então, tendo a prestação terminado em 30.6.2016, todos os créditos e direitos invocados na presente acção decorrentes do invocado contrato de trabalho, sua violação ou cessação (incluindo o direito de pedir a qualificação como contrato de trabalho) estão prescritos, porquanto entre a data da cessação (30.5.2016) e a data da citação nos presentes autos (1.6.2017) decorreu mais de um ano, pelo que todos os pedidos formulados pelo Autor, prescreveram em 31.6.2017, conforme alegados nos artºs 124º a 133º da presente contestação, devendo a Ré ser absolvida de todos eles.
4. Para a hipótese de o Tribunal considerar que quanto à questão sobre a existência de contrato de trabalho entre a Autora e a Ré, a mesma já estar decidida por decisão transitada em julgado, já existindo caso julgado quanto à mesma- sem conceder -, que se impõe aos presentes autos (por ter transitado em julgado o referido Ac. do TRP, de 15.5.2017, Proc. nº 6214/16.4 T8PRT.P1 (ARECT), então, deverá a presente acção ser também julgada improcedente por não provada, conforme alegado no artsº 134º a 143º deste articulado.”.
3. - O autor respondeu, sustentando a improcedência das excepções arguidas pela ré, e ampliando o pedido formulado na petição inicial: “devendo a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de €1,50/hora, entre dezembro de 2011 e 17 de janeiro de 2013, a título de abono para falhas.”.
4. – A ré respondeu, defendendo a não admissibilidade da ampliação do pedido formulado na resposta à contestação, ou admitindo-se, deverá ser julgado improcedente por não provado.
5. – Na acta de audiência prévia, de 2 de outubro de 2017, foi proferido despacho saneador, no qual o Mmo Juiz fixou à acção o valor de € 46 135,50; julgou improcedente a excepção da prescrição dos créditos invocados e considerou que o acórdão proferido pelo TRP, de 15.5.2017, no âmbito do proc. n.º 6214/16.4T8PRT (ARECT), produz efeitos de caso julgado nos presentes autos.
6. - Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Mmo Juiz decidiu:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, pelo que declaro a ilicitude do despedimento do A. B… e, em consequência:
i) Condeno a R., Fundação C… – C1…, a readmitir o A., com um horário de quarenta horas semanais e uma retribuição mensal base de €929,63 (novecentos e vinte e nove euros e sessenta e três cêntimos);
ii) Condeno a R. no pagamento ao A. das retribuições que este deixou de auferir desde 3 de junho de 2016 até ao trânsito em julgado da presente decisão;
iii) Mais condeno a R. a pagar ao A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia global de €5.000 (cinco mil euros);
iv) Ainda condeno a R. a pagar ao A., a título de créditos laborais, a quantia total de €13.393,51 (treze mil trezentos e noventa e três euros e cinquenta e um cêntimos);
v) Sobre as quantias referidas em iii) e iv) deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquelas, até efetivo e integral pagamento.
Custas pela R. e pelo A., na proporção de setenta e cinco por cento para a primeira e de vinte e cinco por cento para o segundo.”.
7. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação,
……………………………………………………………..
……………………………………………………………..
……………………………………………………………..
8. – O autor também apresentou recurso de apelação, relativo à “parte da sentença que não deu provimento aos pedidos formulados na PI”,
………………………………………………………………..
………………………………………………………………..
………………………………………………………………..
10. – A ré respondeu às alegações de recurso do autor,
………………………………………………………………...
………………………………………………………………...
………………………………………………………………...
11. - O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer por patrocínio do autor.
12. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Os factos provados:
Atenta a prova produzida, considero assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
1) No dia 26 de janeiro de 2016, pelas 16h30min, a R. tinha ao seu serviço, nas instalações sitas na Avenida …, …, … - … Porto, B…, residente no Porto, a prestar a sua atividade de apoio à exposição que ali decorria, da artista E… “E1…”;
2) Tal atividade consistia, nomeadamente, em exercer tarefas de contabilização e de informação dos visitantes daquele espaço, na venda de catálogos e bilhetes, na abertura e fecho da caixa e na emissão de recibos/faturas;
3) B… exercia ainda funções no apoio à produção – montagem e desmontagem - das exposições e dos concertos e eventos realizados nas instalações da “C1… – Porto”, bem como à sua divulgação;
4) No período compreendido entre maio de 2013 e janeiro de 2015, durante o qual funcionou nas instalações da R., no Porto (Galeria da C1.2…), uma livraria de livros de arte, B… procedeu também à venda de tais artigos;
5) C1… exercia a atividade acima descrita nas instalações determinadas pela R. e situadas na Avenida …, n.º …, no Porto;
6) Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à R., e por esta disponibilizados, nomeadamente: telefone fixo, computador, monitor, teclado, rato, cadeira, secretária, bloco de notas e caneta, bem como, para as montagens das exposições, as tintas, o papel, o serrote, os pincéis e outro material de carpintaria;
7) Assim, estava obrigado a cumprir os seguintes horários de trabalho: a) no apoio às exposições: às segundas e terças-feiras, entre as 12h30m e as 18h30m; b) no apoio aos concertos: em dias de semana variáveis, consoante as determinações da Ré, decorrendo a sua atividade entre as 18h30m e as 24h00m; e c) no apoio às montagens e desmontagens dos espetáculos/concertos e exposições: em dias de semana variáveis, decorrendo a atividade entre as 10h00m e as 13h00m e entre as 14h00m e as 18h00m, para além de vários outros períodos de trabalho;
8) Em caso de indisponibilidade para cumprir os turnos e os horários determinados pela R., B… tinha de avisar a aludida Dr.ª D…, por telefone ou pessoalmente, com a maior antecedência possível, para que esta procedesse à sua substituição por outro dos seus dois colegas ali em funções, de forma a permitir a abertura diária da galeria de exposições;
9) Como contrapartida da atividade desenvolvida, B… recebia da R. uma remuneração calculada com base no valor de €8,00/hora, estando aí englobado um complemento remuneratório designado de “abono para falhas de caixa”, no montante de €1,50/hora;
10) Tal remuneração era paga com periodicidade mensal, habitualmente até ao dia 26 de cada mês, por transferência bancária, mediante a emissão de “recibos verdes” por parte de B…;
11) B… recebeu formação da R., quer inicial, quer contínua, em contexto de trabalho, sempre de acordo com as exigências de cada exposição ou evento, e proporcionada quer pela Dr.ª D…, quer por outros funcionários da R.;
12) B… cumpria instruções, concretamente, quanto à forma de atuação durante o período em que decorria cada exposição ou evento, em particular, quanto à ligação do computador, à contagem dos visitantes, à venda de catálogos e bilhetes;
13) Na sua atividade diária podia ser chamado à atenção pela Dr.ª D…, quando os seus procedimentos não observassem as instruções referidas em 17);
14) B… iniciou as referidas funções para a R. em 1 de dezembro de 2011;
15) No período compreendido entre 18 de junho de 2012 e 17 de janeiro de 2013, B… celebrou com a R. um contrato de trabalho a ter incerto, com vista à substituição temporária da Dr.ª D…, ausente do serviço por motivo de baixa temporária (licença de maternidade);
16) Segundo tal contrato de trabalho, B… exercia as funções de assistente de produção, cabendo-lhe assegurar o funcionamento diário dos espaços culturais da R., na Avenida …, no Porto, sendo de destacar as seguintes funções: planifica, organiza e supervisiona o funcionamento do posto de receção; coordena a produção, montagem, conservação de desmontagem das exposições a realizar nos espaços; coordena a produção e realização de outros eventos a desenrolar nos espaços, como ciclos de conferências ou de vídeo; controla as vendas de catálogos e outras publicações ou produtos; mantém relatórios atualizados sobre a atividade da delegação (estatística de visitas, relatos de ocorrências, vendas efetuadas, etc.) junto da C1… Sede; assegura juntos dos serviços respetivos a manutenção técnica da galeria;
17) Enquanto exerceu funções para a R., B… não exerceu qualquer outra atividade profissional, no âmbito laboral, encontrando-se em situação de dependência económica da Ré para a sua subsistência;
18) A R. celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a F…, S. A., mediante a apólice AT …….., estando transferida a responsabilidade relativamente a B…;
19) Por carta registada com aviso de receção, de 24 de fevereiro de 2016, a Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto – notificou a R. para, no prazo de 10 dias, proceder à regularização da situação de B…, ou para se pronunciar e, pretendendo regularizar a situação do trabalhador, para fazer prova desse facto, mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral;
20) A R. respondeu à referida notificação, considerando não existir relação de trabalho subordinado entre a Fundação C… – C1… e B…, referindo existir uma situação de prestação de serviços;
21) Até à data em que respondeu à notificação da A.C.T. de 26 de janeiro de 2016, nas instalações da R., no Porto, não existia mapa de horário de trabalho nem registo do número de horas de trabalho prestadas pelos trabalhadores, apenas existiam umas folhas em Excel em que se apunha a indicação das horas que cada um prestava, unicamente para efeitos de pagamento, que era à hora;
22) Os serviços administrativos da R., com receio de aplicação de eventual sanção, para cumprir a notificação datada de 26 de janeiro de 2016 elaboraram um documento que juntaram com a resposta àquela notificação, que denominaram de “Mapa de Horário de Trabalho - 2016”, junto aos autos a fls. 403, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que afixaram no local – Porto;
23) Nunca tal documento, mesmo depois daquela visita inspetiva - passou a ser utilizado para quaisquer fins de controlo, de presenças ou de ausências, controlo de hora de chegada ou de partida, ou de assiduidade, de B…;
24) O registo do número de horas prestadas pelos trabalhadores em causa é o documento utilizado pela R., no qual consta o somatório das horas prestadas por cada um dos três identificados colaboradores, para efeitos de pagamento dos serviços, uma vez que os três prestadores eram pagos por cada hora de serviço prestado (€8/hora);
25) Em 26 de janeiro de 2016, nas instalações da R. sitas no Porto, inexistia livro de ponto;
26) De forma a dar cumprimento à notificação de 26 de janeiro, a 2 de fevereiro de 2016 os serviços administrativos da R. compraram um “Livro de Ponto” (da Porto Editora, e cujo custo importou €13,90);
27) A 11 de fevereiro de 2016 a Inspetora G… tomou em declarações D…, que respondeu nos termos constantes de fls. 139, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
28) Após a compra daquele “Livro de Ponto”, as horas passaram a ser escritas no mesmo, mas apenas (tal como o eram, nas folhas em Excel) a fim de serem somadas, e pagas pelo Departamento Financeiro, a cada um dos prestadores;
29) A Fundação C… - C1… desenvolve atividades culturais, artísticas e científicas;
30) Tais atividades - exercidas em Lisboa e no Porto - incluem designadamente a realização de exposições e espetáculos;
31) No âmbito dessa atividade, a desenvolver na Galeria C1.2… (cuja responsável é a Dr.ª D…), a R. contratou H…, B… e I…;
32) A galeria da R. (C1…), no Porto, é um espaço com cerca de 200 m2, abrangendo um escritório;
33) O espaço do Porto tem sido ocupado, em grande parte, para a realização de exposições de arte contemporânea, conforme a respetiva programação, e está aberto ao público, quando há exposições, das 12h30min à 18h30min (exceto domingos e feriados);
34) A entrada nas exposições é gratuita, não se vendendo bilhetes;
35) As exposições são muito diversas entre si, como são diferentes as datas de inauguração e encerramento ao público, bem como o intervalo de tempo entre elas;
36) Desde 2011 até março de 2016 decorreram na Galeria C1.2… as seguintes exposições: C.1.2.1… (com início em Novembro/2010) até 22.1.2011; C1.2.2…. – de 5.2.2011 a 23.4.2011; C1.2.3…. – de 13.5.2011 a 13.8.2011; C1.2.4…. – de 2.9.2011 a 12.11.2011; C1.2.5 … – de 19.11.2011 a 4.2.2012; C1.2.6…. 2.3.2012 a 19.5.2012; C1.2.7 … – de 2.6.2012 a 2.9.2012; Pausa! – de 14.9.2012 a 15.1.2013 (livraria); C1.2.8… – de 18.1.2013 a 13.4.2013; Pausa – de maio a julho de 2013 (livraria); C1.2.6… – de 20.7.2013 a 21.9.2013; Coleção C… – de 22.10.2013 a 12.1.2014; E… – de 12.4.2014 a 31.5.2014; C1.2.9… – de 13.6.2014 a 13.9.2014; C1.2.10 … – de 4.10.2014 a 27.12.2014; C1.2.11… – de 6.2.2015 a 24.4.2015; C1.2.12… – de 23.5.2015 a 29.8.2015; C1.2.13 … – de 25.9.2015 a 19.12.2015; E… – de 15.1.2016 a 19.3.2016;
37) A Dr.ª D…, que está vinculada à R. por contrato de trabalho, é a responsável por aquela galeria C1.2… e pela realização das exposições que nela ocorrem, exercendo designadamente as seguintes funções: coordena a produção, montagem, conservação e desmontagem das exposições a realizar nos espaços; coordena a produção e realização de outros eventos a desenrolar nos espaços como ciclos de conferências ou de vídeo; controla as vendas de catálogos e outras publicações ou produtos; assegura a interlocução com os serviços da C…. no Porto sempre que necessário, nomeadamente serviços de limpeza e de vigilância, e também com a J…; planifica, organiza e supervisiona junto de Escolas da Região Norte visitas à Galeria; mantém relatórios atualizados sobre a atividade da delegação (estatística de visitas, relatos de ocorrências, vendas efetuadas, etc.) junto da C1… Sede; assegura junto dos serviços respetivos a manutenção técnica da Galeria; assegura o aprovisionamento de economato e de outros materiais indispensáveis para o funcionamento diário da Delegação; planifica a receção de visitantes;
38) Entre outros, incumbia a B…: acolher os visitantes; tomar nota do número de pessoas que entram para ver as exposições durante as várias horas do dia; prestar esclarecimentos que lhe sejam pedidos pelo público e, proceder à venda de publicações da C1…; velar para que as obras não sejam danificadas; vender catálogos de exposições; prestar serviços de apoio à equipa de montagem/desmontagem da exposição (por estes serviços o pagamento era de €10/hora);
39) Os trabalhadores integrados no quadro da R. auferem uma retribuição mensal base e fixa;
40) B… era pago à hora, pelo que a sua remuneração variava consoante o número de horas que prestasse por mês;
41) O número de horas prestado por B… era registado por si ou no computador ou em folha manual, e sendo depois passado para uma folha em Excel, pela Dr.ª D…, para efeitos de somatório de horas e respetivo pagamento de horas;
42) Os trabalhadores do quadro marcam os registos de tempo de trabalho em impresso próprio, que funciona como registo de ponto informático;
43) B… não preenchia aquele documento informático;
44) Para os trabalhadores do quadro, tal impresso é utilizado como “registo de tempos de trabalho”;
45) Os trabalhadores integrados no quadro estão sujeitos a um horário de trabalho previamente fixado pela R.;
46) Os trabalhadores integrados no quadro estão sujeitos ao normativo constante do “Manual da C1…”;
47) B… não preenchia o impresso junto aos autos a fls. 162, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nem tinha que apresentar qualquer documento, quando não ia à galeria C1.2…;
48) Os trabalhadores integrados no quadro, aquando do momento da sua admissão, realizaram entrevista, realizaram exames médicos, bem como realizam exames médicos periódicos;
49) O B… não fez exames médicos;
50) Os trabalhadores integrados no quadro são avaliados anualmente, designadamente o seu desempenho, nomeadamente: quanto ao perfil de competência: autoconfiança e autonomia, comunicação, orientação para o cliente, orientação para a qualidade, orientação para resultados, capacidade de análise e sentido crítico, formação e desenvolvimento pessoal, iniciativa e inovação, trabalho em equipa e relacionamento interpessoal; Quanto a parâmetros de atitude pessoal: disponibilidade, empenhamento, comportamento profissional;
51) Sendo atribuído ao trabalhador do quadro avaliado uma pontuação numa escala de 1. (Não adequado) a 5. (Excelente);
52) O B… não estava sujeito àquela avaliação;
53) O B… não tem número de empregado;
54) Os trabalhadores integrados no quadro têm número de empregado;
55) Aos trabalhadores do quadro a R. sempre pagou retribuição devida por férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, subsídio de almoço e diuturnidades;
56) Quantias que a R. nunca pagou a B…;
57) Desde 1 de dezembro de 2011 que B…: nunca reclamou o gozo de 22 dias úteis de férias, nem o gozo de qualquer número de dias de férias previsto legalmente para os trabalhadores; nunca recebeu nem reclamou o pagamento de subsídio de férias; nunca recebeu nem reclamou o pagamento de subsídio de Natal; nunca recebeu nem reclamou o pagamento de diuturnidades; nunca recebeu nem reclamou o pagamento de subsídio de almoço;
58) B… nunca constou no mapa de pessoal da R.;
59) B… nunca constou no mapa de férias da R.;
60) Os trabalhadores “do quadro” marcam as férias no mapa de férias;
61) Aos trabalhadores integrados no quadro a R. paga o seguro de acidentes de trabalho;
62) Não existe obrigação de B… trabalhar em “exclusividade” para a R.;
63) O controlo da atividade prestada por B… é efetuado pelos próprios serviços do Porto (Dr.ª D…).
64) A B… nunca foi instaurado qualquer processo disciplinar;
65) Os pagamentos eram feitos no próprio mês ou no mês seguinte ao mês em que os serviços fossem prestados;
66) A B… nunca foi paga quantia a título de férias, nem o mesmo a reclamou;
67) Aquele sempre emitiu recibos verdes, estando coletado nas Finanças como profissional liberal;
68) É na Avenida …, …, Porto, que estão expostas as obras de arte que compõem a exposição e é a esse local que acorrem os visitantes a receber;
69) A venda de bilhetes ocorre quando há concertos;
70) Os bilhetes dos concertos são emitidos em Lisboa, funcionando como recibo, cabendo a B… fazer o recebimento;
71) Entre setembro e dezembro de 2012 a C1… decidiu fazer uma extensão da livraria de arte que tem em Lisboa;
72) Neste período a atividade da C1… Porto era a venda de livros;
73) Tendo o B… procedido à venda de livros, por utilização do programa informático de faturação instalado na livraria;
74) Ente maio de 2013 e até dezembro de 2014 a R. instalou no Porto uma livraria de arte a funcionar em simultâneo com pequenas exposições;
75) O espaço estava dividido, tendo o B… prestado apoio à livraria e à exposição patente ao público;
76) Os trabalhadores do quadro são pagos mensalmente em dia certo;
77) Em Lisboa a atividade da C1… é permanente, a estrutura do edifício onde está integrada é mais complexa;
78) As duas bilheteiras de Lisboa estão sempre abertas e as galerias, quando em funcionamento, são apoiadas pelos funcionários da bilheteira e pelo segurança do Edifício da C...;
79) Os trabalhadores do quadro recebem formação contínua sobre diversos temas;
80) Pese embora o documento designado “Plano de Formação”, enviado pela R. à A.C.T. em 2.2.2016, não existisse em momento anterior àquela notificação;
81) O B…, em caso de indisponibilidade para cumprir o turno – sem prejuízo do referido em 8) – não tinha que apresentar à R. o motivo justificativo da ausência e, por sua iniciativa, podia trocar o turno com uma das outras “colaboradoras”; nesses casos, como não trabalhava, não ganhava;
82) O Manual da C1… referido em 46) não se aplica a B… nem aos outros colaboradores, I… e G…;
83) I…, B… e G… não estão inseridos no gráfico do organigrama da C1…;
84) A Dr.ª D… remeteu ao A. o email de fls. 35 dos autos, datado de 3 de junho de 2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
85) O A., nos dias 5 e 9 de agosto de 2016 e 26 de abril de 2017, procurou regressar ao trabalho na R., tendo sido impedido pela Dr.ª D… de o fazer;
86) O despedimento deixou o A. sem auferir qualquer remuneração, não tendo direito ao subsídio de desemprego; - A redacção deste ponto foi alterada, nos termos infra consignados, para: “86) “O referido nos pontos 84) e 85), deixou o A. sem auferir qualquer remuneração, nem o subsídio de desemprego”.
87) Por tal motivo, o A. deixou de pagar a renda do apartamento, no valor mensal de €130, tendo passado a residir em casa de amigos, por mero favor;
88) O A. estava a pagar um empréstimo em prestações mensais, que deixou de poder satisfazer;
89) A falta de cumprimento das obrigações implicou não só que o empréstimo está a vencer juros, como a comunicação da situação ao Banco de Portugal, o que vai prejudicar o A. sempre que necessite de qualquer relação comercial com a banca, nomeadamente se necessitar de recorrer ao crédito bancário;
90) O A. estava a pagar um computador em prestações, não conseguiu satisfazer a última prestação, que está a vencer juros;
91) O A. era titular de um cartão de crédito, que lhe permitiu pagar despesas, encontrando-se em dívida uma quantia não concretamente apurada;
92) O A., para fazer face às despesas do dia-a-dia, socorreu-se de empréstimos junto de familiares;
93) O A. foi obrigado a vender objetos pessoais, como móveis, peças de decoração, antiguidades, que tinha recebido de familiares;
94) O facto de ter de entregar o apartamento, passando a residir por favor em casa de amigos, de ter o seu nome na lista de devedores no Banco de Portugal, de ter de se socorrer de familiares para fazer face às despesas do dia-a-dia, de ter de vender objectos pessoais de valor sentimental, causou sofrimento ao A.;
95) Entre 1 de dezembro de 2011 e 17 de junho de 2012 e entre 18 de janeiro de 2013 e junho de 2016 o A. nunca gozou férias;
96) O A., em 18 de junho de 2012, firmou com a R. um contrato de trabalho a termo incerto, cuja cópia consta de fls. 183 a 184 v.º, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
97) Por comunicação escrita efetuada pela R. e dirigida ao A., datada de 14 de janeiro de 2013 e cuja cópia consta de fls. 185, a primeira comunicou ao segundo que aquele contrato de trabalho a termo incerto caducaria em 17 de janeiro de 2013;
98) O A. não impugnou a cessação do dito contrato de trabalho a termo incerto, tendo feito sua, sem que a tivesse até ao momento devolvido, a compensação que recebeu da R. por força da caducidade operada;
99) A R., em dezembro de 2011, pagou ao A. o valor remuneratório de €208;
100) A R., no ano de 2012, desde de 1 de janeiro até 17 de junho, tudo inclusive, pagou mensalmente ao A. um valor remuneratório médio de €542,50;
101) A R., no ano de 2013, a partir de 18 de janeiro, inclusive, pagou mensalmente ao A. um valor médio remuneratório de €748,67;
102) A R., no ano de 2014, pagou mensalmente ao A. um valor médio remuneratório de €729,18;
103) A R., no ano de 2015, pagou mensalmente ao A. um valor médio remuneratório de €929,63;
104) A R., no ano de 2016, pagou mensalmente ao A. um valor médio remuneratório de €635,20;
105) Mediante Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, já transitado em julgado, datado de 15 de maio de 2017 e proferido no âmbito de ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho que correu termos, com o n.º 6214/16.4T8PRT, pelo Juiz 2 deste Juízo, foi declarada como contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no art.º 12.º do Código do Trabalho a relação existente entre o aqui A. e a ora R.
……………………………………………………….
……………………………………………………….
……………………………………………………….
2.Objecto dos recursos:
2.1. – Recurso da ré:
- Da autoridade do caso julgado
……………………………………………………….
……………………………………………………….
……………………………………………………….
- Da declaração de despedimento ilícito
- Do horário de trabalho de 40 horas
- Da remuneração mensal de €929,63
- Das retribuições intercalares e outros créditos salariais
…………………………………………………………….
…………………………………………………………….
……………………………………………………………..
2.2. – Recurso do autor:
……………………………………………………………..
……………………………………………………………..
……………………………………………………………..
- Do valor da remuneração mensal
- Do valor das retribuições intercalares e outros créditos salariais
- Do montante dos danos não patrimoniais
……………………………………………………….
……………………………………………………….
……………………………………………………….
4. - Da autoridade do caso julgado
4.1. - No artigo 17.º da sua contestação, a ré concluiu: “Não havendo assim identidade de partes entre o referido proc. nº 6214/16.4T8PRT.P1 (ARECT) e os presentes autos, como acima se alegou, o trânsito em julgado do douto Acórdão proferido naqueles autos de ARECT (Proc. nº 6214/16.4T8PRT.P1), não constitui caso julgado relativamente ao objecto dos presentes autos (não estando preenchidos os requisito previstos nos artºs 580º e 581º, nºs 1 e 2 do CPC), pelo que a decisão sobre a existência de contrato de trabalhado (decidida naquele Proc. nº 6214/16.4T8PRT.P1 – Doc.s 1 e Doc. 2) não produz efeitos de caso julgado, nos presentes autos, devendo a mesma questão sobre a eventual existência, ou não, da relação laboral entre o Autor e a Ré ser discutida e decidida nos presentes autos.”.
E nos artigos 14.º e 15.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente aborda de novo a questão, fazendo referência à “autoridade do caso julgado” por reporte ao acórdão do TRP, de 15.05.2017, proferido no processo n.º 6214/16.4T8PRT.P1, que acordou confirmar “a sentença recorrida”, a qual declarara “como contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho, a relação existente entre B… e Ré Fundação C… – C1…”, para logo a seguir, nos artigos 16.º a 37.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente impugnar o ponto 86) dos factos provados, por referência aos pontos 1) a 85) e 87) a 105) da sentença recorrida.
No entanto, nos artigos 14.º e 15.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente aborda de novo a questão, fazendo referência à “autoridade do caso julgado” por reporte ao acórdão do TRP, de 15.05.2017, proferido no processo n.º 6214/16.4T8PRT.P1, que acordou confirmar “a sentença recorrida”, a qual declarara “como contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho, a relação existente entre B…e Ré Fundação C… – C1…”, para logo a seguir, nos artigos 16.º a 37.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente impugnar o ponto 86) dos factos provados, por referência aos pontos 1) a 85) e 87) a 105) da sentença recorrida.
4.2. - Para que dúvidas não restem sobre a questão da “autoridade do caso julgado”, apreciemos, em síntese:
Sobre esta temática, escrevemos no acórdão de 03.06.2019, proc. n.º 2388/2017.5T8VLG.P1, in www.dgsi.pt:
“O caso julgado – regulado, actualmente, nos artigos 619.º a 625.º do CPC - visa, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, isto é, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados.
Trata-se de um corolário, do conhecido princípio dos praxistas, enunciado na fórmula latina tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, taxativamente, consagrado no artigo 621.º do CPC, nos termos do qual a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga: e os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Quanto ao seu fundamento, ele reside em imperativos de certeza e segurança jurídica e na necessidade de salvaguardar o prestígio dos tribunais, os quais se desenvolvem numa dupla vertente: uma vertente negativa (excepção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
A função negativa do caso julgado é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o artigo 581.º, n.º 1 do CPC, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Por via dela, o caso julgado material pode mesmo produzir efeitos num processo distinto daquele em que foi proferida a sentença transitada, aí valendo como excepção de caso julgado.
a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a sua função positiva, pode funcionar, independentemente, da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 2014.06.18, «A autoridade de caso julgado é um conceito que tem sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
Ainda assim, Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é, os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312).
Noutros casos, a afirmação da “autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado.
Tal pode ocorrer, segundo Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Ainda assim, acrescenta o mesmo autor, “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581). Acresce que todos os exemplos apresentados acerca dos efeitos da sentença relativamente a terceiros (efeitos directos ou efeitos reflexos) não encontram qualquer paralelo com a concreta situação dos autos.
O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção».
(cf. processo 209/09.1PTPTL.G1.S1, Abrantes Geraldes (relator), disponível in www.igjef.pt.).
Mais recentemente, no acórdão de 2018.11.08, Tomé Gomes (relator), disponível in www.dgsi.pt, após citação de doutrina vária, o STJ concluiu:
Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” (No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.).
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada”. (negrito nosso).
Um dos autores citados, no referido acórdão do STJ, foi Teixeira de Sousa, nos seguintes termos: “no respeitante aos limites objetivos do caso julgado, Teixeira de Sousa escreve o seguinte: «O caso julgado abrange a parte decisória …, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (…).
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. (…)
O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
E quanto à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, o mesmo Autor esclarece que:
«Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art.º 91.º, n.º 2, do CPC], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…)
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta. (…)
A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, analisam-se em seguida as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações (…)
Importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos.
(…)
A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior».
(cf. M. Teixeira de Sousa, In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579). – fim de citação.
4.3. - No caso sub judice, apesar de, formalmente, os sujeitos processuais serem diferentes, os interessados – autor e ré - são os mesmos e os objectos das duas acções estão directamente conexionados.
Senão vejamos:
Na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho n.º 6214/16.4T8PRT.P1, os sujeitos eram o Ministério Público e a Fundação C… – C1…, cujo pedido era: seja “reconhecido que a relação existente entre a Ré e o trabalhador B… que teve início em 01 de Dezembro de 2011, é um verdadeiro contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artigo 12, do Código do Trabalho”.
Na presente acção comum, emergente de contrato de trabalho, n.º 11093/17.1T8PRT.P1, os sujeitos são o autor, B…, patrocinado pelo M. Público – o interessado na anterior acção -, e a ré Fundação C… – C1…, cujo pedido é: seja “declarado ilícito o despedimento”, relativo ao contrato de trabalho reconhecido judicialmente na acção n.º 6214/16.4T8PRT.P1, e a ré condenada nas legais consequências.
No seu artigo 1.º, a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, “institui mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”.
Nos seus artigos 3.º e 5.º, altera (artigo 26.º) e adita (artigos 186.º-K a 186.º-R) normativos do CPT.
No artigo 4.º, alterou o artigo 2.º e aditou o artigo 15.º-A, à Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Ou seja, para intensificar o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, introduziu dois mecanismos:
a) O reforço da competência inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT);
b) A criação de uma acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
No que respeita ao primeiro mecanismo, sempre que a ACT, no âmbito das suas competências, detectar uma situação de prestação de actividade, aparentemente autónoma - de prestação de serviço -, mas que indicie características de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, deve lavrar um auto e notificar o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportado à data do início da relação laboral, ou, então, pronunciar-se, dizendo o que tiver por conveniente.
Caso o empregador faça prova, no prazo dos 10 dias, da regularização da situação do trabalhador - apresentando o contrato de trabalho ou documento comprovativo da existência do mesmo, reportado à data do início da relação laboral -, o procedimento é imediatamente arquivado.
Se assim não suceder, e decorrido o referido prazo de dez dias, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público da área de residência do trabalhador, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, com a finalidade de ser instaurada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
No que reporta ao segundo mecanismo, a Lei n.º 63/2014 criou a nova acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho - acção declarativa de simples apreciação positiva -, cujos trâmites estão previstos nos artigos 186.º-K a 186.º-R, todos do CPT.
Foi, precisamente, o que aconteceu com a entrada em juízo, em 18 de março de 2016, da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com o n.º 6214/16.4T8PRT.P1, e cuja sentença declarativa da existência de contrato de trabalho foi proferida em 18 de julho de 2016 e confirmada pelo acórdão de 15 de maio de 2017 desde Tribunal da Relação, transitado em julgado.
Em conclusão: por força do regime da autoridade do caso julgado, impõe-se aos sujeitos processuais dos presentes autos o declarado pela sentença de 18 de julho de 2016, proferida no processo n.º 6214/16.4T8PRT.P1 e confirmada pelo acórdão de 15 de maio de 2017 desde Tribunal da Relação, ou seja, o reconhecimento como contrato de trabalho da relação contratual que existia entre as partes.
………………………………………………………
………………………………………………………
……………………………………………………….
6. – Do recurso da ré/recorrente:
6.1. - Da declaração de despedimento ilícito
6.1.1. - Nos pontos 34.º a 37.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente defende a revogação da sentença na parte relativa à “declaração de despedimento ilícito”.
Sobre esta questão, o Mmo Juiz pronunciou-se nos seguintes termos:
Prima facie, cumpre relembrar que, por força da autoridade de caso julgado de que, com repercussão nos presentes autos, se revestiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto a que se aludiu no ponto 105) da matéria de facto assente, não está aqui mais em discussão a qualificação jurídica da relação havida entre o aqui A. e a ora R., sendo a mesma de cariz laboral.
O Código do Trabalho enumera taxativamente as situações em que o despedimento de um trabalhador é possível. De entre essas situações encontra-se o despedimento por facto imputável ao trabalhador ou com justa causa (art.º 351.º).
No nosso sistema jurídico, contrariamente ao que acontece em outros ordenamentos, consagra-se o princípio basilar segundo o qual nenhum trabalhador pode ser despedido sem a existência de causa legítima.
Diz-nos o art.º 381º do C. do Trabalho que sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) (…)
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respetivo procedimento.”.
Ora, no caso dos autos não há notícia da existência de qualquer processo disciplinar que aplicasse ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento.
O despedimento do trabalhador foi feito de uma forma sumária, conforme resulta do teor do email datado de 3 de junho de 2016, de fls. 35 dos presentes autos, que foi remetido ao A., do qual se retira, entre o mais, a posição da R. quanto à não manutenção daquele nos seus quadros: “Entretanto já fiz a escala para junho, mas não vamos precisar dos teus serviços.”.
Realmente, o despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de carácter recetício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade, a revelem (declaração negocial tácita).
De qualquer forma e se dúvidas restassem (que, salvo o devido respeito, não restam) quanto à vontade da R. em prescindir do A., as mesmas sempre ficariam dissipadas com as tentativas, levadas a cabo por este, de voltar ao trabalho (ocorridas nos dias 5 e 9 de agosto de 2016 e 26 de abril de 2017), tentativas essas que saíram goradas por oposição expressa da entidade empregadora.
Sendo as coisas assim, provou-se claramente que o A. foi despedido, sem para tal haver qualquer motivo.
Face ao exposto, dúvidas não existem de que assiste razão ao A. quando defende que o despedimento que lhe foi aplicado carece de qualquer causa justa e, como tal, é ilícito.”.
6.1.2. – Quid iuris?
Como supra referido, em 18 de março de 2016, o Ministério Público deu entrada em juízo da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com o n.º 6214/16.4T8PRT.P1, cuja sentença declarativa da existência de contrato de trabalho, proferida em 18 de julho de 2016, foi confirmada pelo acórdão de 15 de maio de 2017 do Tribunal da Relação do Porto.
Assim, por força da autoridade do caso julgado, supra reconhecida, a relação contratual inerente aos presentes autos é a de contrato de trabalho.
Na presente acção, entrada em juízo em 23 de maio de 2017, o autor alegou, além do mais, que, “em 03 de junho de 2016, a ré comunicou ao autor por correio electrónico que a partir dessa data deixaria de prestar trabalho”, que “O autor compareceu por diversas vezes nas instalações, em diversos dias, mas foi impedido de prestar trabalho” e que “Com a sua atitude a ré despediu o autor despedimento ilícito, nos termos do art.º 381.º al- c) do Código do Trabalho”.
A ré alega que não ficou provada a existência de qualquer despedimento.
Ora, basta atentar na cronologia dos acontecimentos, desde a visita da ACT, em janeiro de 2016; da propositura da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, em 18 de março de 2016, sob o n.º 6214/16.4T8PRT.P1; do teor do e-mail de 3 de junho de 2016; e do impedimento de regresso do autor ao trabalho nos dias 5 e 9 de agosto de 2016 e 26 de abril de 2017, após a notificação da sentença proferida na acção n.º 6214/16.4T8PRT.P1, para concluir que a ré não teve outro propósito senão fazer cessar uma relação contratual, reconhecida, judicialmente, em 18 de julho de 2016, como sendo de contrato de trabalho.
Diga-se, o que se disser, alegue-se o que se alegar, o e-mail de 3 de junho de 2016 foi o meio “silencioso” que a ré usou para pôr fim a uma relação contratual, no decurso da acção especial em que se discutia a sua natureza jurídica, que o tribunal viria a declarar como sendo de contrato de trabalho.
A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador é uma das modalidades de cessação que o Código do Trabalho classifica como “despedimento por facto imputável ao trabalhador” – cf. artigo 340.º, alínea c) do CT.
Essa modalidade de despedimento está regulada nos artigos 351.º e segs, do CT, dispondo o artigo 381.º - “Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento -:
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”. (negrito nosso)
O procedimento disciplinar referido na alínea c), é o que está regulado nos artigos 352.º a 358.º do CT.
Ora, estando provado que o contrato de trabalho, reconhecido judicialmente nos autos, cessou em 03 de junho de 2016, por iniciativa da ré, e não tendo esta demonstrado que tenha instaurado qualquer procedimento disciplinar contra o autor, tal cessação constituiu um despedimento ilícito, nos termos do citado artigo 381.º, alínea c) do CT.
Os efeitos da ilicitude de despedimento são os previstos nos artigos 389.º a 391.º do CT, nomeadamente, a reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – cf. artigo 389.º, n.º 1, alínea b) – e o pagamento pelo empregador das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – cf. artigo 390.º, n.º 1 -.
Em conclusão: tendo a ré feito cessar o contrato de trabalho, sem a precedência de procedimento disciplinar, incorreu no despedimento ilícito do autor, pelo que improcede, nesta parte, a sua pretensão recursiva.
6.2. - Do horário de trabalho de 40 horas.
6.2.1. - Nos pontos 39.º a 49.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente alega, em resumo, que “Não decorre dos factos provados que o Autor tivesse um horário de trabalho de 40 horas: Os Factos Provados nºs 2), 3), 7), 9), 24), 28), 33), 35), 40) e 41), não permitem a decisão de condenar a Ré a readmitir o Autor, com um horário de trabalho de 40 h. semanais”.
Sobre esta questão, o Mmo Juiz pronunciou-se nos seguintes termos:
A propósito da reintegração que se impõe, cumpre tecer o seguinte considerando: ainda que não tenha sido possível apurar, por um lado, o concreto horário de trabalho levado a cabo pelo A. durante a pendência da relação laboral, e, por outro lado e por consequência, o montante exato por aquele auferido em termos retributivos – uma vez que a retribuição mensal variava de acordo com o número de horas efetivamente trabalhadas, estas igualmente variáveis –, tal não é de molde a obstaculizar à pretendida reintegração no posto de trabalho.
(…). No que tange ao horário de trabalho, a sua fixação compete à entidade empregadora (art.º 212.º n.º 1 do C. do Trabalho), dentro dos limites impostos pelo n.º 1 do art.º 203.º do citado diploma legal.
6.2.2. – Apreciemos.
6.2.2.1. - Uma vez reconhecida, judicialmente, como contrato de trabalho, a relação contratual que existia entre as partes, é-lhes aplicável o Código do Trabalho em vigor.
O Código do Trabalho dispõe, no seu artigo 110.º - Regra geral sobre a forma de contrato de trabalho -, que O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário.”. E no Título II, Capítulo I, Secção IX, prevê várias “Modalidades de Contrato de Trabalho”, incluindo o contrato de trabalho a termo [está provado que as partes celebraram, em 18 de junho de 2012, um contrato de trabalho a termo incerto, o qual veio a cessar, por caducidade, em 17 de janeiro de 2013] – cf. artigos 139.º a 149.º - e o contrato de trabalho a tempo parcial – cf. artigos 150.º e segs. -, cujo artigo 153.º, sob a epígrafe “Forma e conteúdo de contrato de trabalho a tempo parcial” – dispõe:
1 - O contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.
2 - Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo.
3 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo.”. (negritos nossos)
Ora, ao juiz cabe aplicar a lei, nos termos definidos no artigo 8.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, e interpretá-la de acordo com os ditames dos artigos 9.º a 11.º do mesmo diploma.
O artigo 9.º, n.º 1, dispõe: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol. I, pág. 58, “O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legis­lativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).”.
No contexto dos autos, importa interpretar a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.
Para isso, remetemos para a breve resenha sobre o iter processual da nova acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho por ela introduzida, consignado no supra ponto III.4.3., onde consignamos na parte final:
No que reporta ao segundo mecanismo, a Lei n.º 63/2014 criou a nova acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho - acção declarativa de simples apreciação positiva -, cujos trâmites estão previstos nos artigos 186.º-K a 186.º-R, todos do CPT.
Foi, precisamente, o que aconteceu com a entrada em juízo, em 18 de março de 2016, da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com o n.º 6214/16.4T8PRT.P1, e cuja sentença declarativa da existência de contrato de trabalho foi proferida em 18 de julho de 2016 e confirmada pelo acórdão de 15 de maio de 2017 desde Tribunal da Relação, transitado em julgado.”.
Na sequência dessa decisão, o autor, em 23 de maio de 2017, intentou a presente acção com processo comum, alegando que a ré o despediu, em 03 de junho de 2016, através de e-mail.
6.2.2.2. - Ora, tendo nós concluído que a ré incorreu no despedimento ilícito do autor, a sua consequente reintegração suscita a questão de saber com que modalidade de contrato de trabalho: contrato de trabalho a tempo inteiro ou contrato de trabalho a tempo parcial?
Considerando a breve resenha sobre o iter processual da nova acção especial, introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, somos de opinião, atenta a mens legis de tal diploma, que a declaração judicial da existência de contrato de trabalho, no âmbito da acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho, se reporta ao contrato-regra consagrado no Código do Trabalho, isto é, ao contrato de trabalho a tempo inteiro, consubstanciado nas “oito horas por dia e quarenta horas por semana”, como prevê o artigo 203.º do CT/2009, e não a qualquer outra modalidade de contrato de trabalho, incluindo a de tempo parcial, pela simples razão de que se existisse documento subscrito pelas partes, com a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo – cf. o citado artigo 153.º do CT -, seria inútil o segundo mecanismo da Lei n.º 63/2014: a propositura da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Além disso, a falta de forma escrita de um contrato a tempo parcial, transformá-lo-ia sempre num contrato a tempo completo, por força do citado n.º 3 do artigo 153.º do CT.
Aliás, não é por acaso, que a Lei n.º 63/2014, regula o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços, em relações de trabalho subordinado, precisamente aquele que não está sujeito a forma escrita.
Por outro lado, a admitir-se, por mera hipótese, a reintegração ao abrigo de contrato de trabalho a tempo parcial, estar-se-ia, por ventura, a neutralizar a declaração judicial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, bastando, para tanto, que um qualquer empregador, ao reintegrar o trabalhador na sequência dessa declaração, lhe atribuísse um número mínimo de horas de trabalho semanal que não lhe permitisse a sua subsistência pessoal ou familiar, forçando-o a procurar emprego alternativo. Seria uma forma indirecta de afastar o trabalhador em causa. Em bom rigor, estar-se-ia a frustrar o objectivo jurídico/social da Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto: o combate aos “falsos recibos verdes”, como modalidade de trabalho precário.
No âmbito da reintegração de trabalhador, na sequência da declaração judicial da existência de contrato de trabalho, na acção especial própria, com base, além do mais, na prestação de determinado número de horas de trabalho por dia ou semana, que não complete as 40 horas semanais, não é permitido ao interprete concluir que essa reintegração o seja ao abrigo de um contrato a tempo parcial, não só porque contraria o espírito da Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto - reconhecimento do contrato de trabalho-regra, a tempo inteiro -, como se estaria a substituir à vontade negocial das partes, violando, eventualmente, o princípio da liberdade contratual, isto é, estaria a considerar uma modalidade de contrato de trabalho que as partes não quiseram celebrar – cf. o citado artigo 153.º do CT e o artigo 405.º do C. Civil.
Na verdade, impondo a lei a forma escrita para a vigência de contrato de trabalho a tempo parcial, seria inútil, por inexistência dessa forma escrita, qualquer declaração judicial em sentido contrário, isto é, no sentido de ser reintegrado trabalhador com um contrato a tempo parcial não formalizado.
Assim, no caso em apreço, seria inútil que o tribunal declarasse a reintegração do autor ao abrigo de contrato de trabalho a tempo parcial, quando a lei impõe forma escrita e, na falta dela, considera que o contrato é a tempo inteiro.
Assim sendo, para este efeito, irreleva a argumentação da ré/recorrente nos pontos 39.º a 49.º das conclusões de recurso.
Em síntese: a reintegração do autor, no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, deve ser ao abrigo de um contrato de trabalho a tempo inteiro.
Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da ré/recorrente.
7. – Recursos da ré e do autor.
7.1. - Da remuneração mensal de €929,63.
7.1.1. - Nos pontos 50.º a 52.º das conclusões de recurso, a ré/recorrente alega, em resumo, que “não decorre dos factos provados nºs 7), 9), 24), 28), 33), 35), 40), 41) e 99) a 104) que o Autor tivesse uma remuneração mensal base de 929,63€”.
Sobre esta questão, o Mmo Juiz pronunciou-se nos seguintes termos:
Na verdade, quanto à retribuição e descurando, por ora, a alegada redução da mesma, temos que o seu quantitativo mensal deve ser achado em termos médios, dividindo os montantes que a R. foi pagando ao A. ao longo da relação laboral pelo período de tempo realmente trabalhado. (…). Volvendo ao caso em presença, temos que, de acordo com a matéria de facto tida por assente, o A., no ano de 2015, auferiu em termos retributivos um valor médio mensal de €929,63, sendo certo que, sem qualquer razão aparente que tenha sido alegada e provada, viu a sua retribuição, nos meses que trabalhou no ano de 2016 (até ao seu promovido despedimento), reduzida para o montante médio mensal de €635,20. Dito de outro modo, o aqui trabalhador, no ano de 2016, passou a auferir uma retribuição mensal inferior em €294,43 em comparação com a que auferiu no ano de 2015, sem suporte legal.”.
Neste particular, o autor, em sede de recurso, alegou:
“De acordo com o número 9) dos factos provados: “9)Como contrapartida da actividade desenvolvida, B… recebia da R. uma remuneração calculada com base no valor de €8,00/hora, estando aí englobado um complemento remuneratório designado de “abono para falhas de caixa”, no montante de €1,50/hora;”
Tendo em conta este facto dado como assente, o valor da remuneração mensal será o equivalente ao número de horas de um horário a tempo inteiro, ou seja 8 horas diárias e 40 semanais: €6,5 x 8horas = €52 * €52 x 22 (dias úteis do mês) = €1.144,00”.
7.1.2. – Quid iuris?
A retribuição é a prestação a que o trabalhador tem direito como contrapartida pelo trabalho prestado – cf. artigo 258.º, n.º 1 do CT.
Nos termos do artigo 261.º - Modalidades de retribuição - a retribuição pode ser certa, variável ou mista. É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho.
Está provado no ponto 9) que “Como contrapartida da atividade desenvolvida, B… recebia da R. uma remuneração calculada com base no valor de €8,00/hora, estando aí englobado um complemento remuneratório designado de “abono para falhas de caixa”, no montante de € 1,50/hora”, paga mensalmente.
Assim, a retribuição que o autor auferia ao serviço da ré era certa e paga mensalmente, calculada em função do tempo de trabalho – cf. artigo 261.º, n.º 1 e 2 do CT -, ou seja, em função do número de horas trabalhadas.
Mas se é verdade que o número de horas de trabalho era variável, atendendo aos diferentes valores mensais pagos ao autor, não é menos verdade que o valor hora era certo, valor hora base esse que o autor aceita ser de €6.50, independentemente, de se discutir a natureza retributiva do complemento remuneratório “abono para falhas de caixa”, no montante de €1,50.
Assim sendo, adaptando a regra de cálculo, prevista no artigo 271.º do CT, obtém-se, como retribuição mensal, o valor de €1.126,67 [6,50 x 40 horas = 260h/semana - 260 x 52 semanas : 12 meses].
Assim, nesta parte, procedendo o recurso do autor, a sua reintegração comporta a retribuição mensal de €1.126,67 para o contrato de trabalho a tempo inteiro, sem prejuízo de a ré lhe continuar a pagar o complemento remuneratório “abono para falhas de caixa”, caso lhe sejam atribuídas as mesmas funções que suportaram o pagamento tal complemento.
7.2. - Das retribuições intercalares e outros créditos salariais.
7.2.1. - Neste particular, a sentença recorrida considerou:
“Encerrado que foi aquele parêntesis, temos que o A., durante o tempo em que trabalhou para a R. e descontado o hiato temporal em que o fez com base num contrato de trabalho a termo incerto – hiato esse cujo eventual inadimplemento em termos creditórios laborais aqui se não discute – auferiu uma retribuição média mensal de €545,50 no ano de 2012, €748,67 no ano de 2013, €729,18 no ano de 2014 e €929,63 nos de 2015 e de 2016 (tendo-se considerado, para efeitos deste último cálculo relativo ao ano de 2016, que o trabalhador deveria ter auferido, pela razão já anteriormente exposta, a retribuição média mensal de €929,63, à semelhança do que sucedeu no ano de 2015).
Assim, quanto ao ano de 2012 e visto o preceituado nos art.ºs 245.º n.º 3, 263.º n.º 2 b) e 264.º n.ºs 1 e 2, todos do C. do Trabalho, o trabalhador tem direito a receber da entidade empregadora um total de €896,70 (€545,50:365x200x3). Já pelo trabalho prestado no ano de 2013 compete-lhe receber, por força do preceituado no art.º 239.º n.º 1 do citado diploma legal, € 1 361,22 a título de retribuição de férias e de subsídio de férias (€748,67:22x20x2), e €713,80 (€748,67:365x348) a título de subsídio de Natal (art.º 263.º n.º 2 a) do C. do Trabalho). No que respeita às férias vencidas em 1 de janeiro de 2014 e aos correspetivos subsídios de férias e de Natal, o A. tem a receber da R. o valor global de €2.187,54 (€729,18x3). O montante a auferir será já de €2.788,89 no que concerne às férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2015 e respetivos subsídios de férias e de Natal (€929,63x3). Relativamente às férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2016 e aos subsídios de férias e de Natal, a R. tem de liquidar ao aqui trabalhador o quantitativo de €2.788,89 (€929,63x3). Finalmente e no que respeita aos proporcionais do ano da cessação do contrato, o A. deve receber €1.184,32 (€929,63:365x155x3). O que tudo totaliza €11.921,36.
A ré entende que deve ser absolvida do pagamento ao autor das retribuições intercalares, com base no argumentário de que não despediu o autor.
O autor defende que devem ser calculadas com base na retribuição mensal de €1.144,00.
Ora, comportando a reintegração do autor a retribuição mensal de €1.126,67, como consideramos no ponto anterior, as retribuições intercalares, devidas desde 3 de junho de 2016 até ao trânsito em julgado da decisão recorrida, devem ser calculadas com base nesse valor mensal.
E os peticionados créditos salariais relativos a férias não gozadas e aos subsídios de férias de natal, não pagos?
Atendendo a que o autor não alegou, nem provou, qual o número de horas que trabalhou nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, nomeadamente, se completou as 40 horas semanais, o Tribunal não tem elementos de facto que permitam um cálculo diferente daquele que consta na decisão recorrida, excepto no que reporta aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, do ano de 2016, que, por uniformidade de critério e de coerência jurídica, se calculam em €1.435,35 (€1.126,67:365x155x3).
Assim, a título de créditos salariais relativos a férias não gozadas e aos subsídios de férias de natal, não pagos, o autor tem direito a receber da ré a importância de €12.172,39.
7.2.2. - Tendo em conta o seu pedido inicial, no que se refere às diferenças salariais relativas ao ano de 2016, o autor alegou, em sede de recurso, que “também estes créditos devem ser calculados de acordo com o vencimento mensal de €1.144,00, devendo a ré ser condenada a pagar a quantia de €3.254,00”.
A ré entende que deve ser absolvida do pagamento ao autor da quantia de €1.472,15 de diferenças salariais.
No que reporta ao ano de 2016, a sentença recorrida reconheceu ter o autor “direito a receber da R., a título de diferenças salariais, o valor global de €1.472,15 (€294,43 x 5 meses)”, com a seguinte fundamentação:
“Volvendo ao caso em presença, temos que, de acordo com a matéria de facto tida por assente, o A., no ano de 2015, auferiu em termos retributivos um valor médio mensal de €929,63, sendo certo que, sem qualquer razão aparente que tenha sido alegada e provada, viu a sua retribuição, nos meses que trabalhou no ano de 2016 (até ao seu promovido despedimento), reduzida para o montante médio mensal de €635,20. Dito de outro modo, o aqui trabalhador, no ano de 2016, passou a auferir uma retribuição mensal inferior em €294,43 em comparação com a que auferiu no ano de 2015, sem suporte legal. Assim sendo, tem aquele direito a receber da R., a título de diferenças salariais, o valor global de €1.472,15 (€294,43 x 5 meses).”.
Ora, também por uma questão de coerência jurídica, as diferenças salariais relativas ao ano de 2016 – as únicas peticionadas pelo autor -, deverão ser calculadas tendo por referência a retribuição mensal de €1.126,67 reconhecida no ponto 7.1., o que perfaz o valor total de €2.457,35 - (€1.126,67,00 - €635,20 x 5 meses).
7.2.3.Do cálculo das retribuições intercalares.
No que reporta ao cálculo das retribuições intercalares que o autor deixou de auferir, desde 3 de Junho de 2016 até ao trânsito em julgado da sentença recorrida, a ré, invocando o disposto no artigo 390.º, n.º 2, alínea b) do CT, entende que deve ser “deduzida a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, uma vez que esta não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.”.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão, pelas razões que seguem.
O Tribunal da Relação do Porto já se pronunciou sobre a questão em causa, no acórdão de 11.09.2017, proferido no processo n.º 2124/15.0T8VLG.P1 e subscrito pelo ora relator e pela 1.ª Adjunta destes autos.
Transcrevemos um excerto desse acórdão:
“O artigo 186º-R do CPT – sob a epígrafe “Prazos” – determina “Os prazos previstos no nº1 do artigo 337º e no nº2 do artigo 387º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº7/2009, de 12 de Fevereiro, contam-se a partir da decisão final transitada em julgado”. O artigo 337º, nº1 do CT/2009 refere-se ao prazo de prescrição dos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação e o nº2 do artigo 387º do mesmo Código refere-se ao prazo de caducidade de 60 dias para instaurar acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
O artigo 186º-R do CPT constitui uma excepção no que concerne ao início da contagem dos prazos de prescrição e de caducidade estabelecidos no CT/2009. Neste diploma o prazo de prescrição inicia-se no dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho e o prazo de caducidade a partir da data da comunicação do despedimento ou da data da cessação do contrato de trabalho.
Existindo acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho tais prazos só se iniciam após o trânsito em julgado da decisão que reconhece a existência de um contrato de trabalho.
Com efeito, o legislador entendeu que enquanto não fosse definida definitivamente a natureza da relação jurídica, e tendo ocorrido a cessação da mesma, não deveria o trabalhador ser «forçado» a instaurar a acção de impugnação de despedimento com vista a obstar à prescrição dos eventuais créditos laborais quando a mesma até poderia constituir uma inutilidade se acaso viesse a ser decidido, na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, por sentença transitada em julgado, a inexistência de uma relação laboral.
Na verdade, não podemos esquecer que a acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho é uma acção declarativa na qual, para além do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, nenhum outro pedido é admissível [o artigo 10º, nº3, al. a) do CPC define a acção de simples apreciação a que tem por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto] a significar que o trabalhador não pode nessa acção – mesmo apresentando articulado próprio – formular pedido de condenação do empregador nos créditos emergentes da violação e da cessação do contrato de trabalho [o artigo 10º, nº3, al. b) do CPC define a acção de condenação a que tem por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito]. Daí a cautela que o legislador tomou relativamente ao início da contagem dos prazos de prescrição e de caducidade para reclamar, em acção condenatória, os referidos créditos laborais.
Ora, o artigo 390º, nº2, al. b) do CT/2009, bem como os correspondentes artigos 13º, nº2, al. a) da LCCT e 437º, nº4 do CT/2003, não acautelaram a situação em apreço na medida em que a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho só surgiu com a Lei nº 63/2013 de 27.08. O artigo 390º, nº2, al. b) do CT/2009 tem como pressuposto de avaliação da inércia do trabalhador, a data do despedimento [é também a partir desta data que se contam os prazos de prescrição e de caducidade dos artigos 337º, nº1 e 387º, nº2 do CT/2009].
Tal significa que o legislador do CT/2009, mesmo após a publicação da Lei nº63/2013 de 27.08, não curou de regular, em conformidade com a existência da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, as deduções previstas na al. b) do nº2 do artigo 390º do CT/2009.
Estar-se-á perante um «caso omisso» - artigo 10º, nº1 do C. Civil – ou seja, perante uma situação que a Lei nº63/2013 não previu mas relativamente ao qual procedem as mesmas razões subjacentes ao determinado no artigo 186º-R do CPT. Expliquemos.
A inércia do trabalhador «punida» pelo artigo 390º, nº2, al. b) do CT/2009 não deixa de estar relacionada com a matéria dos prazos de prescrição e de caducidade. Se se pretende punir o trabalhador pela sua inércia ou demora em instaurar a acção de impugnação de despedimento então essa inércia deve ser avaliada a partir do momento em que ele é conhecedor da sentença que reconheceu, definitivamente, a existência de um contrato de trabalho, pois é nesse momento que se encontra habilitado, no caso de a relação jurídica ter cessado por iniciativa do empregador, a exercer os seus direitos.
Ora, se perante a existência de uma acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, os prazos de prescrição e de caducidade se iniciam em data que não a do despedimento, então, e por razões de coerência do sistema jurídico, igualmente a inércia do trabalhador deverá ser avaliada tendo por pressuposto o mesmo momento temporal previsto no artigo 186º-R do CPT: o conhecimento pelo trabalhador da data do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a existência de um contrato de trabalho.
Entendimento diverso conduziria a uma situação injusta por penalizar a aqui Autora do mesmo modo que um qualquer trabalhador despedido em que não ocorreu a intervenção do MP na instauração da acção de reconhecimento e que, por isso, não teve que aguardar pelo desfecho da mesma.
Assim sendo, o artigo 390º, nº2, al. b) do CT/2009 é aplicável ao caso mas tendo como avaliação da inércia do trabalhador o prazo de 30 dias aí referido mas contado não a partir da data do despedimento mas da data do conhecimento pelo trabalhador do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a existência de um contrato de trabalho.” – fim de citação.
No caso dos autos, o Ministério Público deu entrada em juízo da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com o n.º 6214/16.4T8PRT.P1, em 18 de março de 2016, antes do despedimento do autor, e cuja sentença declarativa da existência de contrato de trabalho, foi proferida em 18 de julho de 2016, e confirmada pelo acórdão, de 15 de maio de 2017, do Tribunal da Relação do Porto.
A presente acção com processo comum deu entrada em juízo, no dia 23.05.2017, ou seja, 8 dias após a publicação do referido acórdão.
Deste modo, também nesta parte, improcede a pretensão da ré.
………………………………………………………………
………………………………………………………………
………………………………………………………………
IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em:
1. - Julgar procedente o recurso apresentado pela ré sobre matéria de facto e totalmente improcedente no que concerne às suscitadas questões de direito.
2. - Julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pelo autor sobre matéria de facto e parcialmente procedente no que concerne às suscitadas questões de direito.
3. - Em consequência, revogar a sentença recorrida, no que reporta, ao valor mensal da retribuição do autor e consequente montante das retribuições intercalares e restantes créditos salarias reconhecidos na sentença recorrida.
4. - A qual é substituída pelo presente acórdão que:
a) - Condena a ré a reconhecer ao autor o direito à retribuição mensal de €1.126,67, sem prejuízo de lhe continuar a pagar o complemento remuneratório de €1,50 de “abono para falhas de caixa”, no desempenho de funções idênticas às que suportaram o pagamento de tal complemento antes do despedimento.
b) – Condena a ré a pagar ao autor as retribuições intercalares que este deixou de auferir desde 3 de junho de 2016 até ao trânsito em julgado da decisão recorrida, com base na retribuição mensal de €1.126,67, a liquidar oportunamente.
c) - Condena a ré a pagar ao autor, a título de créditos laborais, a quantia total de €14.629,74.
5. – No mais, manter a sentença recorrida.
Custas do recurso da ré a cargo desta e do recurso do autor, a cargo do autor e da ré, na proporção de 90% para a ré e 10% para o autor, sem prejuízo da dispensa deste.

Porto, 2019.07.10
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha