Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4800/16.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR DESTACADO NOUTRO ESTADO
REMUNERAÇÃO MÍNIMA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PENSÕES DEVIDAS AO SINISTRADO
TRATADO DE ROMA
DIRECTIVA
PRIMAZIA DO DIREITO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RP201905224800/16.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 294, FLS 215-230)
Área Temática: .
Legislação Comunitária: DIRECTIVA 96/71/CE
Sumário: I - O Tratado de Roma, no que tange à determinação da lei aplicável, muito embora consagre no artigo 3.º o princípio da “autonomia privada” – podendo pois as partes optar pela lei que irá regular o contrato –, consagra também, como forma de proteção do trabalhador (a parte “mais fraca” na relação contratual/laboral), regras específicas, assim no seu artigo 6.º, n.º 2, que se traduzem no afastamento da aplicação daquela lei escolhida quando dessa resulte para o trabalhador a privação da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que lhe seria aplicável, na falta de escolha, indicando-se no artigo 4.º critérios para a determinação dessa lei, assim em primeira linha os do país onde o trabalhador desenvolve habitualmente a sua atividade, retornando-se à cláusula geral da “conexão mais estreita”, no caso de o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país.
II - Do artigo 3.º da Diretiva 96/71/CE resulta uma clara intenção de salvaguardar, sem prejuízo de regime mais favorável, o direito de o trabalhador destacado ser remunerado com respeito pelo valor salarial mínimo que estiver estabelecido por lei no país em que desenvolve a sua atividade, não podendo pois aquele receber menos que o equivalente ao salário mínimo praticado nesse país.
III - A interpretação por parte do intérprete da lei nacional deve ser feita à luz do texto e da finalidade da diretiva, de tal forma que seja alcançado o resultado por esta pretendido, excluindo ainda, por força do princípio da primazia do Direito Comunitário, a aplicação das normas internas contrárias ao disposto naquela.
IV - Por aplicação de tais critérios, prestando o sinistrado a sua atividade noutro Estado, no que à remuneração mínima garantida diz respeito, importará verificar se naquele essa se encontra legalmente estabelecida e nesse caso qual é o seu valor, em comparação com o que se encontra estabelecida em Portugal, sendo que, caso se conclua que aquela é superior a esta, a escolha das partes pela lei portuguesa não pode afastar a aplicação daquela lei.
V - Deste modo, estando o trabalhador deslocado na Alemanha quando sofreu o acidente de trabalho, sendo a remuneração mínima aí estabelecida superior quer à estabelecida em Portugal quer à que era efetivamente paga, àquela se impõe atender para efeitos de cálculo das indemnizações/pensões dividas ao sinistrado
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação: 4800/16.1T8MTS.P1

Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos

Autor/sinistrado: B…
Rés: C… - Companhia de Seguros, S.A.
D…, Lda.
______

Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes
_____________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra “C… - Companhia de Seguros, S.A.” e “D…, L.da”, peticionando o pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão de €1.243,08, das diferenças devidas a título de indemnização por ITA (€2.408,96) e das despesas suportadas com transportes (€487,40), tudo acrescido dos legais juros de mora.
Alegou, para o efeito, em síntese, que, trabalhando como servente – tendo direito a uma retribuição anual ilíquida de €28.679,40, sendo que a responsabilidade infortunística laboral da 2ª ré encontrava-se transferida para a seguradora pela retribuição anual ilíquida de €16.100 –, sofreu, na Alemanha, um acidente de trabalho, que descreve, que lhe acarretou lesões, períodos de incapacidade temporária e sequelas correspondentes a uma IPP para o trabalho de 6,192%.

1.1 Citadas as Rés, apenas a Seguradora contestou, defendendo que responde apenas pelo montante transferido e impugnando as sequelas que do acidente terão resultado pera o Autor.

1.2 Saneados os autos, indicaram-se de seguida os factos assentes e organizou-se a base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

1.3 Instruiu-se e decidiu-se o competente apenso para fixação do grau de IPP de que padece o autor - apenso A.

1.4 Veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, nessa sequência, condenam-se as rés a pagarem ao autor:
a) o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 561,24€, a qual é devida desde 29/09/2016, sendo a da seguradora de 507,15€ e a da empregadora de 54,09€;
b) 977,3€ a título de diferenças na indemnização por ITA, sendo a seguradora responsável por 720,41€ e a empregadora por 256,89€;
c) 487,40€ a título de despesas suportadas com deslocações obrigatórias, da responsabilidade da ré seguradora;
d) os legais juros de mora vencidos e vincendos sendo os referentes ao capital de remição contados desde 29/09/2016 e os referentes às indemnizações por it´s contados dos termos previstos pelo art. 72º n.º 3 da Lei n.º 98/2009, até integral pagamento.
Custas pelo autor e pelas rés, na proporção dos respectivos decaimentos e responsabilidades, sem prejuízo da isenção de que o primeiro beneficia.
Valor da acção: 9.585,84€.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Ministério Público em representação do Autor, apresentando, no final, as seguintes conclusões:
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2.2 O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

3. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, apresentados que foram ao Ministério Público foi então exarada posição no sentido de lhe estar vedada no caso a possibilidade de emitir parecer.
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo do Trabalho (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) ……………; (2) O Direito do caso: (2.1) Do conceito de retribuição; (2.2) Salário mínimo/da lei aplicável; (2.3) Responsabilidade/apuramento do devido (IPP e ITA)
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III - Fundamentação
a) Da sentença constam como sendo os factos provados o seguinte:
1. O autor nasceu no dia 01/08/1970 (cfr. fls. 36/37) – al. A) da FA.
2. No dia 13/07/2016, pelas 12h50m, na Baviera, Alemanha, quando se encontrava a cortar madeira, a mão escorregou e o sinistrado cortou a ponta do polegar (1º dedo) da mão esquerda – al. B) da FA.
3. Como consequência directa e imediata de tal acidente, o autor sofreu traumatismo com amputação distal do referido polegar da mão esquerda – al. C) da FA.
4. Também em consequência do acidente, o autor sofreu 78 dias de ITA, contados desde 14/07 até 28/09/2016, data na qual a lesão se consolidou clinicamente – al. D) da FA, rectificada como supra referido.
5. Ainda como consequência directa e imediata do acidente, o autor apresenta como sequelas no membro superior esquerdo: a) perda parcial do polegar distal do dedo polegar esquerdo e coto doloroso; e b) complexo cicatricial no bordo lateral e face palmar da metade distal do 1º dedo, medindo com 4x3 cm associado a perda de substância e deformação acentuada dos tecidos moles e da unha – resposta ao facto 4º da BI.
6. Ficou igualmente a padecer de uma IPP para o trabalho de 4,5% - facto aditado oficiosamente.
7. À data, o autor exercia funções inerentes à categoria profissional de servente sob as ordens, direcção e fiscalização da segunda ré, mediante uma retribuição anual ilíquida de, pelo menos, 16.100€ (600€x14 a título de salário base + 700€x11 imputados sob a rubrica “ajudas de custo”) – al. E) da FA.
8. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ….-..-……, válida e eficaz à data do acidente, a ré empregadora tinha a sua responsabilidade infortunística laboral (decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo autor) transferida para a ré seguradora pela referida retribuição referida na alínea anterior – al. F) da FA.
9. A ré seguradora pagou ao autor o montante global de 1.944,86€ a título de indemnização por ITA – al. G) da FA.
10. Com deslocações obrigatórias ao INML do Porto e a este tribunal, o autor despendeu 487,40€ – al. H) da FA.
11. Entre o autor e a ré empregadora foi celebrado o acordo denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo, datado de 12/11/2014, cuja cópia consta de fls. 188 a 190, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – facto aditado oficiosamente.
12. Na Baviera, à data do acidente, um servente de construção civil auferia um salário de 11,25€/hora (cfr. fls. 69) - resposta ao facto 3º da BI.
13. Correu termos por este Juízo do Trabalho o Proc. n.º 1112/05.0TTMTS, referente a anterior acidente de trabalho sofrido pelo autor a 12/11/2004, em consequência do qual ficou a padecer de uma IPP de 10% (cfr. docs. de fls. 106 a 116) – facto aditado oficiosamente.
14. Nas verbas pagas ao autor a título de “ajudas de custo” está incluído o subsídio de alimentação de 5,65€ por cada dia efectivo de trabalho – resposta ao facto 1º da BI.
15. Os montantes pagos ao autor sob a denominação ajudas de custo correspondem a uma média mensal de 700€ - facto aditado oficiosamente.”

Fez-se ainda constar que “Não resultou provado que:
- como consequência do acidente, o autor apresente como sequelas no membro superior esquerdo: a) mobilidade passiva possível mas muito dolorosa; b) limitação da oponência do 1º dedo (Kapandji 5); e c) perda de força a nível do primeiro dedo (grau 3/5) – facto 4º da BI; e
- aquando da deslocação do autor para trabalhar na Alemanha, entre o mesmo e a ré empregadora tenha ficado acordado que as despesas referentes a alojamento e deslocações do primeiro ficariam a cargo da segunda – facto 2º da BI.”
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b) - Discussão
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2. O Direito do caso
Sustenta o Recorrente que, encontrando-se destacado à data do acidente a trabalhar por conta da Ré patronal na Baviera, Alemanha, por aplicação do regime estabelecido nos artigos 7.º e 8.º, do Código do Trabalho (CT), e 8.º e 9.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008, de 17 de Junho de 2008, prevalece a competência da lei do locus executionis, que não pode ser afastada, sendo pois aplicável o direito alemão referente aos salários mínimos, que estabelece que na Baviera, á data do acidente de trabalho participado, um servente de construção civil auferia um salário de 11,25€ /hora, razão pela qual, no caso, a retribuição base média mensal é a de € 1.950,00 (SH 11,25 x 173,333 Horas ou 40 horas x 52 semanas: 12 meses), daí decorrendo que, para efeitos do cálculo do capital de remição da pensão devida com base na IPP de 4,5%, o valor a atender deverá ser, no mínimo, o de 24.767,30 €, sendo 1950,00 x 12 (com a retribuição de férias) de retribuição base e 124,30 x 11 de subsídio de alimentação.
Em conformidade, conclui que a sentença recorrida violou o disposto nos indicados normativos, devendo por essa razão, na procedência do recurso, ser revogada, condenando-se “as Rés a pagarem ao Autor /Recorrente:
a) o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 780,17 €, calculada com base no salário anual de 24.767,30 €, a qual é devida desde 29/09/2016, sendo a da seguradora de 507,15 € e a da empregadora de 273,02 €;
b) 1.760,14 € a título de diferenças na indemnização por ITA, sendo a seguradora responsável por 720,41 € e a empregadora por 1.039,73 €;
c) 487,40 € a título de despesas suportadas com deslocações obrigatórias, da responsabilidade da ré seguradora;
d) os legais juros de mora vencidos e vincendos sendo os referentes ao capital de remição contados desde 29/09/2016 e os referentes às indemnizações por it´s contados dos termos previstos pelo art. 72º n.º 3 da Lei n.º 98/2009, até integral pagamento.”.
Não constando dos autos contra-alegações, cumprindo decidir, o Tribunal a quo, apreciando a questão, fez constar da sentença recorrida o seguinte (transcrição):
“(...) Termos em que a retribuição a considerar para efeitos da presente decisão será de 17.817,30€, sendo 1.175,7€ (600€+575,7€)x14 de remuneração base e 124,30€x11 de subsídio de alimentação.
Aqui chegados, outra questão importa analisar.
Como resulta da factualidade provada, na Baviera, Alemanha, onde o autor trabalhava, a remuneração horária é de 11,25€, pelo que o mesmo defende que nunca poderia auferir menos que o estipulado em tal país.
Entende, pois, dever ser considerada uma remuneração base mensal de 1.950€ (11,25€x173,33horas).
Porém, salvo melhor entendimento, não lhe assiste razão.
Como está assente, entre o trabalhador e a empregadora foi celebrado o contrato de trabalho que se mostra junto aos autos a fls. 188 e ss., contrato este que não foi pelo primeiro impugnado.
Neste contrato, para além da previsão da cláus. 2ª referente à retribuição, estipulou-se, igualmente, que “as relações emergentes do presente contrato ficam sujeitas ao disposto no Código do Trabalho, bem como no CCT celebrado entre a AECOPS (…)” – cfr. cláus. 11ª.
Ora, o contrato em apreço está sujeito ao previsto no art. 3º da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura em Roma, no dia 19/06/1980, e a que Portugal aderiu pela convenção assinada no Funchal, em 18/05/1992, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/94, diplomas publicados no DR, I Série-A, nº 28, de 03/02/1994, vigente na ordem jurídica portuguesa desde 01/09/1994 (Aviso n.º 240/94 de 30/08/1994, no DR, I Série-A, n.º 217, de 19/09/1994), bem como nos arts. 3º e 8º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/06/2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).
Do regime jurídico decorrente da conjugação destes normativos resulta que o contrato de trabalho se rege, em primeira linha, pela lei escolhida pelas partes.
E, como já mencionado supra, no contrato de trabalho que o autor e a ré empregadora subscreveram, consignou-se expressamente que as relações do mesmo emergentes ficariam sujeitas à lei portuguesa, mais concretamente ao Código do Trabalho e ao IRCT aplicável.
Rege o n.º 1 do art. 8º do CT que “O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste actividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato”.
Por seu turno, a al. e) n.º 1 do art. 7º estatui que “Sem prejuízo de regime mais favorável constante de lei ou contrato de trabalho, o trabalhador destacado tem direito às condições de trabalho de eficácia geral aplicável que respeitem a: (…) Retribuição mínima (…)”. Tal significa que, apesar do destacamento do autor para a Alemanha, sempre o mesmo terá garantida a aplicação do regime jurídico nacional português em matéria de retribuição mínima, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.
Na situação em apreço, o salário vigente na Baviera, Alemanha, é, na realidade, mais elevado do que o português, pelo que, nessa medida, será mais favorável para o autor.
Mas, se tal conclusão é verdadeira, não se poderá ignorar que a aplicação de regime mais favorável previsto em lei distinta da portuguesa depende, nos termos literais do já citado art. 8º n.º 1, da aplicabilidade ao contrato de trabalho dessa lei, o que já vimos não suceder no que concerne ao contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré empregadora (sujeito à lei portuguesa).
Acresce que o valor referido no ponto 12 da factualidade provada traduz uma remuneração horária, sendo que nada se apurou quanto à carga horária do autor, desconhecendo-se, também, se o valor em causa abrange ou não os devidos a título de subsídios de férias e de natal.
Consequentemente, não poderá a pretensão do autor proceder, sendo que a retribuição anual ilíquida a atender para cálculo das prestações que lhe são devidas corresponde a 17.817,30€. (...)”

Apreciando, face à fundamentação anteriormente citada, mas também necessariamente o regime legal aplicável, desde já avançamos que, salvaguardando naturalmente o respeito que nos merece entendimento diverso, a solução alcançada pelo Tribunal a quo não obtém a nossa concordância.
Assim o dizemos deixando já vincado que o caso em reanálise, para além das fontes normativas a que se alude na sentença, impõe ainda que se tenha presente o que resulta da Diretiva 96/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, como tentaremos demonstrar de seguida.

2.1 Do conceito de retribuição
Tendo em vista a apreciação da questão que nos é colocada no recurso, uma primeira nota avançamos sobre o que, no âmbito do regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, estabelecido na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT) – aplicável ao caso –, assim o seu artigo 71.º, deve integrar a retribuição atendível para o cálculo das indemnizações e pensões, preceito esse em que se estabelece, nomeadamente, o seguinte:
“Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”
Em resposta à questão colocada, tendo por base o normativo citado, como aliás tem sido reconhecido pela jurisprudência, aí se adota um conceito de retribuição que, ao abarcar todas as prestações que assumam caráter de regularidade, se assume assim como mais abrangente em relação ao que se encontra estabelecido no nosso Código do Trabalho (CT/2009), pois que apenas alude, para efeitos de exclusão retributiva, ao destino aleatório das prestações. De facto o legislador conferiu, nesse preceito, particular atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento ao dispor que por “retribuição mensal” se entende "todas as prestações recebidas com caráter de regularidade", apenas excluindo, expressamente, as prestações regulares que “se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Ou seja, a LAT deixou de remeter para os critérios estabelecidos na lei geral[1], excetuando agora apenas do conceito de retribuição, de modo expresso, as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tenha que suportar por causa do trabalho[2], o que se traduz, afinal, no reconhecimento de um critério que tem presente a justa medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo assim por essa via relevância ao nexo existente entre a retribuição e as suas necessidades pessoais e familiares. Percebe-se aliás esse desiderato pois que, visando as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho compensar o sinistrado da falta ou diminuição da sua capacidade laboral e consequente falta ou diminuição dos rendimentos que lhe derivavam da prestação do trabalho, com facilidade se aceitará que no cálculo daquelas indemnizações ou pensões se devam atender a todas as prestações que, não sendo desde logo absorvidas em custos aleatórios, o mesmo recebia e de acordo com as quais programava regularmente o seu dia-a-dia. Deste modo, apenas deverão ter-se por excluídas as prestações que, como se refere o n.º 3 do artigo 71.º da LAT, se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, ou dito de outro modo, precisamente por terem essa natureza, as que tenham uma causa específica e individualizável diversa pois da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.

Dentro pois do citado regime, há então que saber-se, em cada caso, qual é afinal a remuneração devida ao trabalhador/sinistrado, sendo que, como aliás resulta da referência constante do n.º 3 do citado preceito à remuneração a que o mesmo tenha direito, pode acontecer que essa seja afinal diversa daquela que lhe está efetivamente a ser paga, desde logo, no que ao caso importa, se esta for inferior àquela que lhe é devida por lei, desde logo por referência ao valor mínimo estabelecido legalmente, caso em que será esta a atendível.
Porque assim é assume afinal real relevância, no caso, a questão levantada neste recurso, ou seja, a de saber se, estando o trabalhador a trabalhar na Alemanha, aí sendo vítima de um acidente de trabalho, lhe é aplicável a lei portuguesa, como o entendeu o Tribunal a quo, ou diversamente, como o sustenta o Recorrente, a lei alemã, no que se refere, pois que apenas essa questão aqui importa, à remuneração mínima nessa estabelecida, se superior à remuneração que lhe está a ser paga, ainda que esta seja porventura superior ao valor do salário mínimo estabelecido em Portugal.
A essa questão procuraremos pois dar resposta de seguida.

2.2 Da remuneração mínima legalmente estabelecida/lei aplicável
O Tribunal a quo, em resposta à questão colocada, entendeu, como se disse já, que não é aplicável a lei alemã, no pressuposto, que teve por aplicável, de que, constando do contrato de trabalho celebrado que “as relações emergentes do presente contrato ficam sujeitas ao disposto no Código do Trabalho, bem como no CCT celebrado entre a AECOPS (…)”, estando esse contrato sujeito ao regime previsto no artigo 3.º da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura em Roma, no dia 19/06/1980 – e a que Portugal aderiu pela convenção assinada no Funchal, em 18/05/1992, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/94, diplomas publicados no DR, I Série-A, nº 28, de 03/02/1994, vigente na ordem jurídica portuguesa desde 01/09/1994 (Aviso n.º 240/94 de 30/08/1994, no DR, I Série-A, n.º 217, de 19/09/1994) –, bem como nos artigos 3.º e 8.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/06/2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), desse regime resulta que o contrato de trabalho se rege, em primeira linha, pela lei escolhida pelas partes, assim no caso a lei portuguesa, razão pela qual, por aplicação do que se dispõe nos artigos 8.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, resulta que, apesar do destacamento do autor para a Alemanha, sempre o mesmo terá garantida a aplicação do regime jurídico nacional português em matéria de retribuição mínima, sendo que, acrescenta, a referência constante do último normativo “sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato” não poderá deixar de ter presente/ignorar “que a aplicação de regime mais favorável previsto em lei distinta da portuguesa depende, nos termos literais do já citado art. 8º n.º 1, da aplicabilidade ao contrato de trabalho dessa lei, o que já vimos não suceder no que concerne ao contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré empregadora (sujeito à lei portuguesa) ”.

Ora, salvo o devido respeito, cingindo-nos à questão que nos é colocada no presente recurso, não acolhemos o afirmado entendimento do Tribunal recorrido na parte em que sustenta que, “apesar do destacamento do autor para a Alemanha, sempre o mesmo terá garantida a aplicação do regime jurídico nacional português em matéria de retribuição mínima”, para daí retirar como consequência o afastamento da lei alemã quanto ao valor/retribuição mínimo nessa estabelecido, no pressuposto, que afirma, de que a referência “sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato”, constante do artigo 7.º do CT/2009, “não poderá deixar de ter presente/ignorar “que a aplicação de regime mais favorável previsto em lei distinta da portuguesa depende, nos termos literais do já citado art. 8º n.º 1, da aplicabilidade ao contrato de trabalho dessa lei, o que já vimos não suceder no que concerne ao contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré empregadora (sujeito à lei portuguesa) ”.
É que, salvo o devido respeito, não podendo deixar de ter-se presente que a redação da norma decorreu precisamente da necessidade de transposição para Portugal de diretiva comunitária, assim a Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 1996 – relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços –, o estabelecido nesta Diretiva – mas não só, como veremos – afasta a solução afirmada pelo Tribunal a quo. Mas a essa questão apenas voltaremos mais tarde, pois que, antes, procuraremos verificar qual será o regime que resulta também da aplicação da Convenção e Regulamento a que o mesmo Tribunal faz alusão, o que faremos pois desde já, tendo como pressuposto, por não se apresentar afinal contestado, de que o Autor/sinistrado se encontrava deslocado na Baviera, Alemanha, em que, há data do acidente, para um servente de construção civil a remuneração mínima estabelecida era a de €11,25/hora.
Na análise da questão a que nos propusemos recorreremos, por merecer a nossa concordância, ao Acórdão desta Relação e Secção de 5 de Maio de 2014[3], na parte em que se fez constar (citação):
“(...) O Tratado de Roma no que tange à determinação da lei aplicável consagra no art.º 3.º o princípio da “autonomia privada”, por via do qual podem as partes optar pela lei que irá regular o contrato; ou seja, o contrato rege-se “pela lei escolhida pelas partes”; devendo a escolha ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias em causa, podendo através dela designar-se a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato (n.º 1).
Porém, como forma de protecção da parte mais fraca na relação contratual/laboral e para que o aludido princípio da autonomia da vontade não leve a abusos, nem a eventuais manipulações pela parte mais forte dessa relação, consagrou-se naquela convenção um estatuto protector para o contraente mais débil, assim se compensando «a desigualdade de facto com uma desigualdade de direito, com vista ao equilíbrio»[5].
“Nesse sentido se compreende existência de regras especiais para o contrato de trabalho (que pressupõe essa desigualdade), como são as decorrentes do art.º 6.º da Convenção de Roma, onde se determina o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no art.º 3.º, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que lhe seria aplicável, na falta de escolha, por força do n.º 2, do presente artigo.
2. Não obstante o disposto no art.º 4.º e na falta de escolha feita nos termos do art.º 3.º, o contrato de trabalho é regulado:
a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país; ou
b) Se o trabalhador não presta habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país”.
Do referido normativo legal resulta, pois, que a escolha que as partes tenham feito no que toca à lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que, na falta de escolha, seria objectivamente competente, fornecendo o legislador os critérios para a sua determinação, que são em primeira linha, os do país onde o trabalhador desenvolve habitualmente a sua actividade; retornando-se à cláusula geral da “conexão mais estreita”, se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país. Luís Lima Pinheiro, “Direito Internacional Privado”, Vol. II, 2.ª Edição pág. 203.
Como é sabido, «a regra básica de todo o direito dos conflitos é a de que: a quaisquer factos aplicam-se leis - e só se aplicam leis que com eles se achem em contacto». Baptista Machado, “Lições de Direito Internacional Privado”, 2.ª Edição Almedina, pág. 34.”[6]
Como salienta Pedro Romano Martinez[7], «[m]as, tal como dispõe o art. 6.°, n.º 1, da Convenção de Roma, não é válida a escolha de uma lei aplicável se a opção feita pelas partes vier a afastar normas imperativas do ordenamento jurídico determinado pelas regras de conflitos, que têm em vista tutelar o trabalhador. Neste caso, encontram-se, designadamente, as disposições que, quanto à ordem jurídica portuguesa, regulam a cessação do contrato de trabalho, e as que prescrevem a responsabilidade do empregador em caso de acidente de trabalho. Mas nem todas as normas de Direito do Trabalho são imperativas e, ainda que injuntivas, pode o regime laboral português ser preterido mediante opção das partes por um outro ordenamento, excepto com respeito a princípios fundamentais, onde existirão normas de aplicação imediata, a que também alude o art. 7.° da Convenção de Roma.”
Também o artigo 22º, nº 1 do Código Civil estatui que “não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português”.
As normas referentes à cessação laboral são normas de aplicação necessária e imediata, tendo em conta a protecção constitucional atribuída pelo artigo 53º da Constituição da Republica Portuguesa. (...) Assim sendo, não se pode dizer que a aplicação da lei francesa, neste ponto, envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português, nomeadamente o artigo 53º da Constituição. (...)
Face à citada fundamentação, como súmula conclusiva, poderemos assim dizer que o Tratado de Roma, no que tange à determinação da lei aplicável, muito embora consagre no artigo 3.º o princípio da “autonomia privada” – podendo pois as partes, como de resto se verifica no caso que se aprecia, optar pela lei que irá regular o contrato –, consagra também, como forma de proteção do trabalhador (a parte “mais fraca” na relação contratual/laboral), regras específicas, assim no seu artigo 6.º, n.º 2, que se traduzem no afastamento da aplicação daquela lei escolhida pelas partes quando dessa resulte a privação para o trabalhador da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que lhe seria aplicável, na falta de escolha, indicando-se no artigo 4.º critérios para a determinação dessa lei, assim em primeira linha os do país onde o trabalhador desenvolve habitualmente a sua atividade, retornando-se à cláusula geral da “conexão mais estreita”, no caso de o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país.
Precisamente a propósito do regime que resulta da Convenção de Roma, com interesse para a nossa pronúncia, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2014[4] (citação):
“(...) O regime que resulta da Convenção de Roma, concretamente do seu artigo 6.º, articulado com os artigos 3.º e 4.º do mesmo diploma, assenta no princípio da definição do direito aplicável na base do acordo das partes, acordo este que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, «não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do n.º 2 do presente artigo».
Na falta de acordo das partes, a lei aplicável ao contrato, nos termos do n.º 2 deste artigo, apesar do disposto no artigo 4.º, ou seja independentemente dos princípios que emergem deste artigo, é a do «país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado para outro», ou se «o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador».
Este critério só não funciona quando «resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país».
Em princípio, à luz deste regime, na falta de acordo das partes, a lei do país onde se situa a prestação do trabalho assume-se como lei aplicável ao contrato e só será afastada quando resulte do conjunto das circunstâncias que o «contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país», mais estreita, diga-se do que aquela que deriva da respectiva execução.
Referindo-se aos critérios determinativos da lei aplicável ao contrato de trabalho que resultam do referido artigo 6.º da Convenção, afirma RUI MOURA RAMOS que «a primeira das referidas disposições, contida na alínea a), reporta-se à lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho (lex loci laboris), referindo-se que ela vale mesmo nos casos em que ele haja sido temporariamente destacado para outro país. A lei do lugar da execução do contrato de trabalho surge assim como o centro de gravidade normal desta relação, mesmo em casos de destacamento temporário do trabalhador, e a sua competência apenas cederá face a uma maior intensidade dos vínculos que liguem o contrato a outra ordem jurídica», afirmando ainda este autor que «pode assim dizer-se que a conexão subjectiva fixada na Convenção para o contrato individual de trabalho se não afasta da linha que em geral preside à sua definição neste instrumento. Sujeita ao jogo da cláusula de excepção, ela procura fixar o ordenamento ao qual a relação se encontra mais estreitamente ligada. Em lugar de optar pela versão do critério da prestação característica consagrada no artigo 4.º (lugar do estabelecimento ou da residência habitual da parte a quem cabe a execução), o legislador optou compreensivelmente por se ater ao lugar da execução do trabalho, indubitavelmente aquele no qual a concreta relação em análise se afigura mais fortemente enraizada»[12]. (...)”

O mesmo regime resulta também, acrescente-se, do Regulamento (CE) n.º 593/2008, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), assim no seu artigo 8.º, referente aos contratos individuais de trabalho, em que se estabelece o seguinte:
“1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.
3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.ºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país.”
Face à previsão do citado preceito, tendo presentes os elementos do caso, com relativa facilidade se poderá concluir pela aplicação do seu n.º 1, ou seja, que ocorreu a escolha das partes da lei aplicável (lei portuguesa) para regular o contrato individual de trabalho. Porém, como do mesmo número resulta, essa escolha não pode ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis previstas na lei do país em que presta a sua atividade, na previsão do n.º 2[5], entre as quais se contará, assim o entendemos, a referente à remuneração mínima nesse garantida[6].
Daí que, face ao que resulta do Regulamento, prestando o Autor/sinistrado a sua atividade na Alemanha, importando apurar se lhe é aplicável a lei desse país em matéria de remuneração mínima por essa lei garantida, da constatação que resulta da comparação daquela com a que vigora em Portugal, concluindo-se que a mesma seja superior a esta última, seja então caso para perguntar se a escolha das partes da lei portuguesa pode, sem mais, afastar a aplicação daquela lei, quanto a esse aspeto, como o concluiu o Tribunal recorrido, sob pena de violação dos afirmados critérios – sem esquecermos, ainda, que dessa aplicação também não resulta prejudicada o fim visado com as normas imperativas do ordenamento jurídico português, assim nomeadamente as que regulam a reparação em caso de acidente de trabalho e em particular a remuneração a atender para efeitos de cálculo.

Mas mais, acrescente-se, como veremos de seguida.
É que, entrando agora na análise do que resulta da Diretiva 96/71/CE (a que anteriormente já fizemos referência), a mesma aponta, na nossa ótica, também claramente o mesmo critério.
Vejamos o porquê do nosso entendimento:
A referida Diretiva indica, precisamente, de entre as razões que estiveram na sua base, como se refere nos seus motivos, para além do mais, a consideração de que a “promoção da prestação transnacional de serviços impõe uma concorrência leal e medidas que garantam o respeito pelos direitos dos trabalhadores” e que “a transnacionalização da relação de trabalho levanta problemas quanto à legislação que lhe é aplicável e que convém, no interesse das partes, prever as condições de trabalho aplicáveis à relação de trabalho em causa” (pontos 5.º e 6.º).
Não deixou ainda, naturalmente, pela sua natureza, de ter em conta, no que aqui importa, o regime que havia sido estabelecido na Convenção de Roma, de 19 de Junho de 1980, que considerou, assim nomeadamente:
- O estabelecido no seu artigo 3.º, ou seja a regra geral da liberdade de escolha da lei aplicável pelas partes, como ainda o regime que seria aplicável na falta dessa escolha, previsto no nº 2 do artigo 6º, salvaguardando, porém, o que resulta do seu n.º 1, assim que “a escolha pelas partes da lei aplicável não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe é garantida pelas disposições imperativas da lei que lhe seria aplicável na falta dessa escolha, por força do nº 2 do referido artigo” (ponto 9.º da Diretiva);
- A consideração de que “o artigo 7º da mesma convenção prevê que, em certas condições, sejam aplicadas, concomitantemente com a lei declarada aplicável, as disposições imperativas de outra lei, em especial a do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontre temporariamente destacado” (ponto 10.º);
- A consideração de que”, segundo o princípio do primado do direito comunitário referido no seu artigo 20º, a referida convenção não prejudica a aplicação das disposições que, em matérias especiais, regulam os conflitos de leis em matéria de obrigações contratuais e que estão ou venham a ser estabelecidas em actos das instituições das Comunidades Europeias ou nas legislações nacionais harmonizadas em execução desses actos” (11).
Ainda nos seus motivos, mais se salientou:
- Que “o direito comunitário não impede que os Estados-membros tornem o âmbito de aplicação da sua legislação ou das convenções colectivas de trabalho celebradas pelos parceiros sociais extensivo a qualquer pessoa que efectue um trabalho assalariado, mesmo temporário, no seu território, ainda que o empregador esteja estabelecido noutro Estado-membro; que o direito comunitário não impede os Estados-membros de imporem a observância dessas disposições pelos meios adequados” (12);
- Que “as legislações dos Estados-membros devem ser coordenadas de modo a prever um núcleo de regras imperativas relativas à protecção mínima a observar no país de acolhimento pelas entidades patronais que destaquem trabalhadores para trabalharem temporariamente no território do Estado-membro onde os serviços são prestados; que essa coordenação só pode ser assegurada pelo direito comunitário” (13);
- Que “as regras imperativas de protecção mínima em vigor no país de acolhimento não devem impedir a aplicação de condições de trabalho e emprego mais favoráveis aos trabalhadores” (17).
De tudo o que antes se mencionou resulta, pois, no que ao caso importa, sem dúvidas, uma clara intenção de ser criado um conjunto de normas que regulem o destacamento de trabalhadores, aplicável, como resulta do seu artigo 1.º, n.º 1, “às empresas estabelecidas num Estado-membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do nº 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado-membro”.
E, podendo concluir-se que a analisada Diretiva não teve em vista, propriamente, alterar a lei aplicável ao contrato de trabalho – prisma esse em que foi a questão da aplicação da lei analisada na sentença recorrida –, definiu porém, independentemente pois de qual fosse aquela lei, algumas disposições imperativas a respeitar durante o período de destacamento do trabalhador no Estado-Membro de acolhimento. Isso mesmo foi expressamente reconhecido na “Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité económico e Social e ao Comité das Regiões, sobre a aplicação da Diretiva 96/71/CE nos Estados Membros”[7].
De resto, ainda de acordo com a mesma Comunicação, assim designadamente no seu ponto 2.2. (“Conteúdo essencial”), aí se refere expressamente que, “independentemente do direito aplicável à relação de trabalho, a directiva pretende garantir aos trabalhadores destacados a aplicação de certas disposições protectoras mínimas em vigor no Estado-Membro no qual os referidos trabalhadores são destacados. Para esse efeito, o artigo 3º, nº 1, da directiva fixa algumas regras imperativas que os empregadores devem respeitar durante o período de destacamento nas matérias seguintes: os períodos máximos de trabalho e os períodos mínimos de descanso”. E, mais à frente, a propósito da Convenção de Roma, ao referir por um lado que essa “define critérios gerais para determinar a lei aplicável às obrigações contratuais”, permitindo, além disso, “ao juiz - excepcionalmente - postergar a lei que em princípio seria aplicável ao contrato para aplicar as de regras vinculativas na acepção do direito internacional privado, também designadas por disposições de aplicação imediata ou "disposições imperativas", a que foi dada prevalência no lugar de execução do trabalho (artigo 7º)”, esclarecendo ainda, não sendo aquelas regras de aplicação imediata ou disposições imperativas precisadas pela convenção de Roma, “a Directiva 96/71/CE define, ao nível comunitário, as disposições imperativas na acepção do artigo 7º da Convenção de Roma para as situações de destacamento transnacional”, constituindo assim estas disposições “um núcleo duro de protecção mínima para os trabalhadores destacados, respeitando simultaneamente o princípio da igualdade de tratamento entre prestadores de serviços nacionais e não nacionais (artigo 49º do Tratado CE) e entre trabalhadores nacionais e não nacionais.”[8]
Ora, dando afinal cumprimento ao afirmado objetivo, a redação do artigo 3.º («Condições de trabalho e emprego») é, nesse sentido, sem dúvidas expressa quanto ao que se referiu anteriormente, quando dispõe, precisamente, citando-se:
“1. Os Estados-membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no nº 1 do artigo 1º garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:
- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e/ou
- por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do nº 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:
(...)
c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;
(...)
Para efeitos da presente directiva, a noção de «remunerações salariais mínimas» referida na alínea c) do nº 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.
(...)
7. O disposto nos nºs 1 a 6 não obsta à aplicação de condições de emprego e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
Considera-se que fazem parte do salário mínimo os subsídios e abonos inerentes ao destacamento que não tenham sido pagos a título de reembolso das despesas efectivamente efectuadas por força do destacamento, como as despesas de viagem, de alojamento ou de alimentação. (...)”
Do citado preceito, em conjugação aliás com o demais quadro normativo aplicável a que também aludimos anteriormente, resulta pois, sem dúvidas, uma clara intenção de salvaguardar (sem prejuízo de regime mais favorável) o direito de o trabalhador destacado ser remunerado com respeito pelo valor salarial mínimo que estiver estabelecido pela lei do país em que desenvolve a sua actividade[9] – acompanhando-se o sumário do no Acórdão desta Relação e Secção de 6 de novembro de 2017[10], “Os trabalhadores deslocados no estrangeiro não podem receber menos que o equivalente ao salário mínimo praticado no país de destino, incluindo no período de férias, por imposição do art. 7º do Código do Trabalho e Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996”[11]. Ou seja, no que ao caso importa, a remuneração do trabalhador/sinistrado não pode ser inferior aos aludidos €11,25/hora, estabelecidos legalmente na Baviera/Alemanha, sendo que, ainda por aplicação do critério da aplicação da lei mais favorável, acolhido pelo nosso ordenamento jurídico, incluindo legislação laboral, é aquela lei, como se viu enquanto norma especial, chamada no caso à aplicação, pois que da consideração da remuneração mínima garantida, mesmo com referência apenas a um salário mensal de 1950,00 x 12 (com exclusão pois de subsídios de Natal e de férias que apenas se podem ter como obrigatórios em Portugal), acrescido o valor pago de subsídio de alimentação de 124,30 x 11), resulta o montante anual de €24.767,30, indicado pelo Ministério Público nas suas alegações, superior pois quer ao salário mínimo estabelecido em Portugal quer ainda ao que era pago ao sinistrado, mesmo incluindo, para o efeito, como de dispõe no n.º 7 do artigo 3.º da Diretiva, “os subsídios e abonos inerentes ao destacamento que não tenham sido pagos a título de reembolso das despesas efectivamente efectuadas por força do destacamento, como as despesas de viagem, de alojamento ou de alimentação”[12].
Como também se salienta no indicado Acórdão desta Relação de 6 de novembro de 2017, “conforme salienta J. Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 2007, pág. 326, “as jurisdições nacionais estão obrigadas: a interpretar o direito nacional à luz do texto e da finalidade da directiva, por forma a que seja alcançado o resultado pretendido; e a excluir, por força do princípio da primazia do Direito Comunitário, a aplicação das normas internas contrárias ao dispositivo da directiva”.
Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2018[13] (citação), com particular interesse quanto à questão da interpretação, o seguinte:
(...) importa esclarecer desde já que, confirmando-se serem aplicáveis à presente acção as normas de Direito Comunitário/Direito da União Europeia (...), na sua interpretação, como na interpretação da generalidade das normas jurídicas de fonte supra-estadual, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, em razão da prossecução do objectivo de aplicação uniforme de tais normas.
Esta orientação tem sido adoptada pela jurisprudência europeia: inicialmente, no acórdão Eurocontrol, de 14 de Outubro de 1976 (processo 29/76, EU:C:1976: 137, nºs 3 e 5); posteriormente, de forma constante. Ver, entre outros, o acórdão Koelzsch, de 15 de Março de 2011 (processo C-29/10, EU:C:2011:151, nº 32), o acórdão Kásler e Káslerné Rábai, de 30 de Abril de 2014 (processo C-26/13, EU:C:2014:282, nº 37) e o acórdão Pebros Servizi srl, de 16 de Junho de 2016 (processo C-511/14, EU:C:2016:448), cujo nº 36 aqui se transcreve:
“Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de dezembro de 2013, Vapenik, C-508/12, EU:C:2013:790, n.° 23 e jurisprudência referida).”
A interpretação autónoma das normas jurídica de fonte supra-estadual, com ressalva das remissões expressas para os direitos nacionais, é comummente defendida pela doutrina especializada (ver, por todos, Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 49-50; a respeito da concretização dos critérios do processo de interpretação autónoma, cfr. Moitinho de Almeida, O Regulamento Roma II – Lei Aplicável às Obrigações Extracontratuais, Principia, Cascais, 2017, págs. 16-20). (...)
Não é de mais acentuar a importância metodológica do princípio da interpretação normativa autónoma para a resolução da questão (...).
Com efeito, se a interpretação das normas de fontes de Direito Comunitário/Direito da União Europeia, como são o Regulamento (...), fosse levada a cabo, total ou parcialmente, em função dos conceitos normativos da ordem jurídica de cada Estado-Membro, assim como das respectivas concepções doutrinais e jurisprudenciais, não seria possível garantir a uniformidade dos resultados interpretativos alcançados, pondo em crise a própria razão de ser da existência de um regime unificado. Neste mesmo sentido, a respeito de diversas regras jurídicas europeias, se tem pronunciado este Supremo Tribunal, designadamente nos acórdãos de 3 de Outubro de 2007 (processo nº 07S922), de 21 de Setembro de 2017 (processo nº 53/14.4T8CBR-D.C1.S1), de 14 de Dezembro de 2017 (processo nº 143378/15.0YIPRT.G1.S1) e de 13 de Novembro de 2018 (processo nº 6919/16.0T8PRT.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt. (...)”
Ora, na nossa ótica, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do n.º 1 do artigo 8.º do CT/2009, quanto aplicada ao caso, colide diretamente com o texto e finalidades da aludida Diretiva (como ainda analisado Regulamento), pois que, afinal, se com essa se visa salvaguardar (sem prejuízo de regime mais favorável) o direito de o trabalhador destacado ser remunerado com respeito pelo valor salarial mínimo que estiver estabelecido pela lei do país em que desenvolve a sua atividade, no caso o Tribunal recorrido, com a sua interpretação, afastou precisamente esse direito. Ou seja, aceitando-se tal entendimento/interpretação da norma nos casos em que a lei portuguesa seja mais favorável, já nos casos em que a lei do país do destacamento preveja legalmente uma remuneração mínima superior à estabelecida em Portugal terá de entender-se ser aquela e não esta a aplicável, sob pena de colisão com a Diretiva.
Deste modo, concluindo, face ao regime que temos por aplicável, nos termos anteriormente mencionados, muito embora com fundamentação não totalmente coincidente com a que é invocada pelo Recorrente, procede o recurso quanto à questão relacionada com a aplicação, no caso, por aí se encontrar o Autor/sinistrado destacado, da remuneração mínima vigente na Baviera/Alemanha, assim a de €11,25/hora, do que decorre, estando provado que o horário de trabalho estabelecido no contrato de trabalho é o de 40 horas semanais, horário esse a que se impõe pois atender – já que não foi invocado (assim pela Ré/empregadora, a quem incumbia fazê-lo) que tivesse ocorrido alteração nesse âmbito, não tendo pois na nossa ótica relevância, salvo o devido respeito, o facto de não resultar da factualidade provada qual era a carga horária do autor no momento do acidente –, uma retribuição média mensal de €1.950,00 (SH 11,25 x 173,333 Horas ou 40 horas x 52 semanas: 12 meses), num total anual de €23.400,00 (€1.950,00 x 12[14], a que acresce, como aliás resulta também do n.º 7 do artigo 3.º da Diretiva 96/71/CE, o valor pago a título de subsídio de alimentação, num total anual de €1 367,30, chegando-se assim à remuneração anual total, para efeitos de cálculo, de €24.767,30, tal como sustentado pelo Ministério Público no presente recurso.

2.3 Responsabilidade/apuramento do devido
Face ao que se concluiu anteriormente, importa por fim dar cumprimento ao regime que resulta da Lei n.º 102/2009 (LAT), sendo que, nos termos do disposto nos artigos 23.º, alínea b), 39.º, 47.º, n.º 1, alíneas a), c), 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, alíneas c) e d), 50.º, 71.º e 79.º, n.ºs 4 e 5, atendendo à incapacidade de que o Sinistrado ficou a padecer, a reparação deve consistir no pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias e do capital de remição da pensão anual que lhe é devida (já que a sua incapacidade permanente é inferior a 30%).
Para efeitos de cálculo, teremos de atender à retribuição anual auferida pelo Sinistrado, a que se chegou anteriormente, de €24.767,30, sendo que, porém, como se provou, a Ré Empregadora apenas havia sido transferida a sua responsabilidade para a Ré seguradora pelo valor anual de €16.100,00.
Neste contexto mostra-se pois plenamente aplicável o preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, sendo pois a Ré seguradora apenas responsável pela reparação do acidente sofrido pelo Autor na proporção da retribuição anual declarada pela 2ª Ré empregadora para efeitos de prémio de seguro, ou seja, pela retribuição anual de €16.100,00, respondendo a 2ª Ré/empregadora, por sua vez, pelo remanescente, de €8 667,30, sendo que, não se questionando nos autos que estamos perante um acidente de trabalho, constata-se que a consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorreu a 28/09/2016, com fixação da IPP em 4,5%.

2.3.1 Pensão decorrente da IPP
Conferindo a incapacidade permanente parcial (IPP), nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, al. c), da Lei n.º 98/2009, ao Autor, o direito a receber uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho – ou de capital de remição da pensão, nos termos previstos no artigo 75.º, onde se declara serem obrigatoriamente remíveis todas as pensões anuais e vitalícias devidas ao sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, o que não é o caso –, sendo tal pensão, nos termos do n.º 2 do artigo 50.º fixada em montante anual e começando a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado, ou seja, no caso, em 11/02/2017, por aplicação ao caso do citado regime, ascendendo a retribuição legal devido ao Autor à data do acidente a €24.767,30, por via da IPP de 4,5% de que se encontra afetado, assiste-lhe o direito a receber o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €780,17, a partir de 11/02/2017 (€24.767,30 x 70% x 4,5% de IPP)[15].
Sendo a Ré seguradora responsável, reafirma-se, apenas em função da retribuição declarada para efeito do prémio de seguro, ou seja, €16.100,00, impende sobre a mesma a obrigação de pagar ao Autor, com efeitos à referida data, a pensão anual e vitalícia de €507,15 (€16.100 x 70% x 4,5% de IPP), impendendo, por sua vez, sobre a 2ª Ré empregadora a obrigação da pagar, com efeitos à mesma data, o remanescente devido ao Autor, ou seja, a pensão anual e vitalícia de €273,02 (€780,17 - €507,15).

2.3.2 Cálculo da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA)
Como se provou, o Autor sofreu em consequência do acidente 78 dias de ITA, contados desde 14/07 até 28/09/2016, o que lhe confere, nos termos do disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 3, al. d), da Lei n.º 98/2009, o direito a receber uma “indemnização diária igual a 70% da retribuição”.
A indemnização é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao acidente, sendo o pagamento processado mensalmente (artigos 50.º/1 e 72.º/3, da LAT).
Deste modo, assiste ao Autor o direito a receber €3756,37 (€24.767,30 : 12 : 30 x 70% x 78 dias de ITA), sendo da responsabilidade da Ré seguradora o montante de €2441,83 (€16.100,00 : 12 : 30 x 70% x 78 dias de ITA) e da Ré empregadora o restante, ou seja €1314,54 (€3756,37 - €2441,83).
Como a Ré seguradora já liquidou, a esse título, 1.944,86€ apenas terá de pagar o remanescente, isto é, €536,97 – a sentença recorrida, para além de partir de um valor de remuneração que como se viu não acompanhamos, incorreu ainda em erro de cálculo pois que, ainda que os valores fossem os que nessa se referem, a diferença entre o aí indicado como devido ao Autor de ITA da responsabilidade da Seguradora (2408,38) e o que por esta já foi pago (1944,86) é de € 463,52 e não pois de 720,41€, como nessa se indica, sendo que, visto o recurso, o Ministério Público acaba por indicar o mesmo valor, razão pela qual, ainda que os pressupostos fossem exatos (e como se viu não o são), acaba por incorrer no mesmo erro de cálculo.
Por sua vez, responde a Ré empregadora pelo restante, ou seja de €1312,88.
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Impõe-se assim, pelo exposto, a revogação da sentença quanto às alíneas a) e b) do dispositivo, sendo nessa parte substituída por este acórdão, assim quanto aos valores a que chegámos, sendo no mais de manter a sentença, assim o que consta das suas alíneas c) e d).
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No que se refere a custas, as da ação são da responsabilidade de Autor e Rés, na proporção dos respetivos decaimentos e responsabilidades, sem prejuízo de isenção de que o primeiro beneficie, sendo que, quanto ao recurso, face a essa isenção, não tendo ainda as Rés deduzido oposição, não são essas devidas (artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência nessa parte do recurso, nos exatos termos determinados no presente acórdão, em alterar a sentença recorrida quanto às alíneas a) e b) do seu dispositivo, que passarão a ter a redação seguinte:
“a) O capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia no montante de €780,17 (setecentos e oitenta euros e dezassete cêntimos), devida desde 29/09/2016, sendo a da Ré seguradora responsável por €507,15 (quinhentos e sete euros e quinze cêntimos) e a Ré empregadora por €273,02 (duzentos e setenta e três euros e dois cêntimos);
b) €1849,85 (mil, oitocentos e quarenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de diferenças na indemnização por ITA, sendo a Ré/seguradora responsável por €536,97 (quinhentos e trinta e seis euros e noventa e sete cêntimos) e a Ré/empregadora por €1312,88 (mil, trezentos e doze euros e oitenta e oito cêntimos).”
No que se refere a custas, as da ação são da responsabilidade de Autor e Rés, na proporção dos respetivos decaimentos e responsabilidades, sem prejuízo de isenção de que o primeiro beneficie, sendo que, quanto ao recurso, face à procedência deste, não tendo ainda as Rés deduzido oposição, não são essas devidas.

Porto, 22 de maio de 2019
Nélson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Como ocorria no âmbito da Base XXIII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 e da Lei n.º 100/97, em que o legislador começava por utilizar uma remissão genérica para “tudo o que a lei considere como seu elemento integrante” – aproximando-se do conceito genérico vertido na lei geral (no Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 ou artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, num primeiro momento, mas acabando depois por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumissem carácter de regularidade –, colocando assim o enfoque, apenas, no elemento da regularidade no pagamento.
[2] Acabando assim por consagrar o entendimento uniforme do STJ no sentido deque as prestações que constituam ajudas de custo regulares não se qualificam como retribuição quando têm efetivamente uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, e não se traduzem num ganho efetivo para o trabalhador – vejam-se, nomeadamente, os Acórdãos STJ de 19-10-2004 (n.º 2711/04), 19-02-2004 (n.º 3478/03) e 19-01-2003 (n.º 1192/02).
[3] Mas com exclusão de notas de rodapé - Relator Desembargador António José Ramos, in www.dgsi.pt.
[4] Aqui se excluindo notas de rodapé - Relator Conselheiro Leones Dantas, in www.dgsi.pt.
[5] Por direta exclusão da previsão do n.º 3 e, quanto ao n.º 4, na consideração de que não resulta claramente das circunstâncias do caso que o contrato apresente uma conexão mais estreita com um país diferente do que resulta da aplicação do n.º 2 (sendo de resto evidente que é com esse país que o contrato apresenta maior conexão, pois que, não relevando aqui a questão da escolha das partes para o efeito – se assim não fosse não teria sentido a sua derrogação estabelecida no n.º 1 –, sempre o país em que a atividade é prestada se assume como aquele com maior conexão com o contrato).
[6] Ainda, artigo 9.º:
1. As normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento.
[7] Disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML - Nessa Comunicação escreveu-se que a Diretiva não pretendeu “alterar a lei aplicável ao contrato de trabalho”, definindo antes “algumas disposições imperativas a respeitar durante o período de destacamento no Estado-Membro de acolhimento, "independentemente da lei aplicável à relação de trabalho"
[8] Mais se refere na mesma Comunicação: “As normas de conflitos de leis estabelecidas pela Convenção de Roma oferecem um quadro jurídico geral, ao passo que a directiva se refere especificamente à situação dos trabalhadores destacados, o que permite concretizar este quadro jurídico”.
[9] Regime que, esclareça-se, não é afetado sequer pela Diretiva (UE) 2018/957 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de junho de 2018, que altera a Diretiva 96/71/CE
[10] Relator Desembargador Rui Penha, com intervenção do aqui relator como 2.º adjunto – Processo nº 888/14.9TTPNF.P1
[11] Ainda, sumário do Ac. RG de 4/10/2018, Relator Desembargador Antero Veiga, in www.dgsi.pt: “VIII - Nos termos do artº 3º da Directiva (e artº 9º do Regulamento (CE) N.o 593/2008) e independentemente da lei aplicável, devem ser garantidos aos trabalhadores e relativamente às matérias aí referidas, as condições mínimas previstas na legislação do Estado-membro onde o trabalho for executado.”
[12] No entanto, parecendo na nossa ótica sustentar-se aí entendimento que pode ser tido como não propriamente coincidente com o que defendemos, muito embora sem expressa referência à Diretiva 96/71/CE, veja-se o Ac. RC de 12/1/2018, Relator Desembargador Jorge Manuel Loureiro, in www.dgsi.pt.
[13] Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo, in www.dgsi.pt.
[14] Multiplicação por 12, tal como aliás o faz o Recorrente, sem inclusão pois dos subsídios de férias e de Natal, cujo pagamento não será imposto na Alemanha.
[15] Nos cálculos fez-se o arredondamento para a centésima, pois que a moeda corrente apenas comporta os cêntimos.