Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2546/14.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE RECEPTAÇÃO
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RP201711082546/14.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 736, FLS 68-83)
Área Temática: .
Sumário: Pratica o crime de receptação, o agente que recebe na sua conta bancária quantias retiradas da conta bancária de terceiro através de phishing, e as transfere para outrem, sabendo a sua origem e ficando com parte desse dinheiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 2546/14.4JAPRT da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instância Local, Secção Criminal, J1

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento, foi o arguido B..., condenado,

parte criminal:

pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º/1 C Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o montante global de € 900,00;

parte cível:

na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por C..., para compensação dos danos patrimoniais, a pagar a quantia de € 3.510,10, acrescida de juros, desde 17 de Janeiro de 2017 e, para compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 200,00, acrescida de juros, desde a data desta sentença;
sendo em ambos os casos os juros devidos até efectivo e integral pagamento, à taxa supletiva dos juros civis, fixada em 4%;

I. 2. Inconformado com o assim decidido, recorre o arguido – pugnando pela
a) revogação da sentença posta em crise e substituída por outra que declare como não provados os factos consignados sob os números 9, 10, 11, 12 e 13 da fundamentação de facto da Sentença, com as consequências de Lei;
b) revogação da sentença em crise e, concedendo provimento ao peticionado supra, substituída por outra que absolva o recorrente do crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º/1 C Penal, pelo qual foi condenado;
c) sem prescindir, caso não seja essa a posição subidamente perfilhada por V. Exas., sempre a pena de multa em que foi condenado o recorrente deve ser fixada nos mínimos legais, atento as suas condições sócio-económicas, dadas como provadas na sentença em crise, quer no que concerne à taxa diária quer no que diz respeito ao número de dias de multa,

rematando o corpo da motivação com o que denomina de conclusões, mas que como tal, na noção, comummente, sabida de resumo das razões do pedido não podem ser tidas - dado o seu carácter prolixo, desde logo, pelo número, 48 !!?? e, que por essa razão aqui se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí abordadas e que são,

a verificação dos vícios da insuficiência da matéria de facto para a decisão e do erro notório na apreciação da prova,
a violação do princípio in dubio pro reo,
a existência de erros de julgamento,
a subsunção dos factos ao direito e,
o quantum da pena.

I. 3. Na resposta que apresentou a Magistrada do MP pugna pelo não provimento do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, da mesma forma, defende o não provimento do recurso.
Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são tão só,
a verificação dos vícios da insuficiência da matéria de facto para a decisão e do erro notório na apreciação da prova,
a violação do princípio in dubio pro reo,
a existência de erros de julgamento,
a subsunção dos factos ao direito e,
o quantum da pena.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

1. C..., demandante nos presentes autos, é titular da conta nº ............... numa agência de Vila do Conde da D..., sendo utilizadora, designadamente, do serviço de homebanking dessa instituição bancária, correspondente ao contrato D1... on-line com o nº ........
2. Em data não concretamente apurada, perto e antes de 15 de Dezembro de 2014, uma pessoa cuja identidade não se apurou em audiência, através de um procedimento informático, conseguiu aceder às credenciais de C... de acesso à sua conta bancária através da Internet.
3. No dia 15 de Dezembro de 2014, às 12.09 horas, foi efectuada uma transferência bancária no valor de € 3.671 (Três mil, seiscentos e setenta e um Euros), a partir da conta de C..., atrás indicada, para a conta nº ............., igualmente da D..., sendo essa conta titulada pela sociedade comercial E..., SA.
4. B..., arguido e demandado neste processo, é filho do administrador da referida sociedade comercial, F....
5. Na data atrás indicada, era o arguido o único utilizador da conta bancária com o nº ............., beneficiária da transferência atrás mencionada.
6. No mesmo dia, 15 de Dezembro de 2014, o pai do arguido F..., a pedido do arguido, procedeu ao levantamento da quantia de € 3.487 (Três mil, quatrocentos e oitenta e sete Euros) da conta em apreço, e de seguida entregou esse montante ao arguido.
7. Os restantes € 184 (Cento e oitenta e quatro Euros) permaneceram na conta beneficiária da transferência.
8. Ainda no mesmo dia, 15 de Dezembro de 2014, o arguido, através dos serviços da G..., procedeu a uma transferência no valor de € 1.729 (Mil, setecentos e vinte e nove Euros) para uma conta titulada por uma pessoa que se denominou H... e a uma transferência no valor de € 1.581 (Mil, quinhentos e oitenta e um Euros) para uma conta titulada para uma pessoa que de denominou I..., ambos com residência indicada em ..., na Federação Russa.
9. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
10. Tinha conhecimento de que a transferência da conta bancária de C... para a conta bancária titulada pela empresa do seu pai, mas na realidade por si movimentada, havia sido efectuada através da prática de factos ilícitos típicos contra o património, designadamente, a burla informática.
11. Sabia que estava a receber e, ulteriormente, ainda no mesmo dia, a transmitir a outras pessoas, os valores atrás indicados.
12. Agiu com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido a partir da conta bancária da ofendida, C..., tendo conhecimento de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona.
13. O arguido tinha conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
14. Antes dos factos atrás descritos, o arguido tinha sido condenado, por sentença de 28 de Março de 2014, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo nº 58/13.2SJPRT do então 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, e transitada em julgado em 7 de Abril de 2014, pela prática, em 7 de Janeiro de 2013, de um crime de burla, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5 (Cinco Euros), o que perfaz o montante global de € 1.000 (Mil Euros).
15. O arguido tem actualmente 59 anos de idade.
16. É divorciado.
17. Tem um filho com 23 anos de idade.
18. O arguido vive com o seu pai.
19. Estudou até ao 11º ano de escolaridade.
20. Presentemente, não tem vínculo profissional/laboral.
21. Anteriormente, foi empresário do sector do turismo, sendo titular de uma empresa de viagens.
22. Recebe da Segurança Social cerca de € 180,00, por mês, a título de rendimento social de inserção.
23. Depois dos factos atrás descritos, foi devolvida para a conta da demandante a quantia de € 160,88.
24. Em consequência dos factos atrás relatados, a conta bancária da demandante ficou indisponível.
25. Além disso, por causa desses factos, a demandante ficou aflita e sentiu-se envergonhada.
26. Sentiu-se também constrangida por outras pessoas poderem pensar que não tinha aptidões para movimentar contas bancárias através da Internet.

Factos não Provados

1. Que o arguido tivesse acedido à conta bancária da demandante ou tivesse comparticipado nesse acesso.
2. Que o arguido houvesse recorrido a processos tecnológicos ou artifícios fraudulentos para aceder às credenciais bancárias da demandante ou tivesse comparticipado nesses actos.
3. Que tivesse sido o arguido quem efectuou a transferência bancária da conta da demandante para a conta titulada pela empresa do seu pai e por si movimentada.
4. Que o valor retirado da conta bancária da demandante lhe tivesse feito falta para o cumprimento de obrigações financeiras assumidas anteriormente.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, apreciando-os de forma crítica e à luz das regras da experiência comum.
A demandante, C..., começou por referir que no dia 14 de Dezembro de 2014 (um dia antes da data indicada na acusação) acedeu ao seu serviço de homebanking para fazer pagamentos e uma transferência bancária. Mencionou que no dia seguinte se apercebeu de que na sua conta tinha sido feita uma transferência, a débito, tendo por essa operação sido retirado o montante de € 3.617. Acrescentou que quando tentou acedeu ao serviço de homebanking, lhe surgiu uma mensagem de erro, indicando o sistema informático que as suas credenciais estavam erradas. Disse igualmente que mais tarde a D... a informou da verificação de uma burla informática. Indicou que no dia 19 de Dezembro de 2014 apresentou uma queixa junto da D..., mas não conseguiu reaver o seu dinheiro, tendo apenas sido devolvido o montante correspondente à comissão decorrente do movimento financeiro em questão.
Instada com mais detalhe, C... referiu que a sua conta bancária ficou “em quarentena”, indisponível de ser movimentada.
Disse ainda que à data dos factos tinha começado a trabalhar havia pouco tempo, no Hospital ..., depois de um período de desemprego, motivo pelo qual foi particularmente prejudicada com a perda do dinheiro aqui em questão.
Refira-se que as declarações da demandante foram assertivas, espontâneas, coerentes e, por todos esses motivos, convincentes.
À instância criminal depôs também F..., pai do arguido e administrador da empresa titular da conta bancária beneficiária da transferência feita a partir da conta da demandante.
F... sustentou que era o seu filho quem, na prática, movimentava a conta bancária em questão (aquela para a qual foi transferido o dinheiro da demandante), explicando que isso sucedia porque o seu filho estava “com dificuldades”. Decorreu do depoimento desta testemunha que o seu filho, arguido nestes autos, tinha dívidas relacionadas com telecomunicações, utilizando a conta bancária do seu pai para evitar que o dinheiro fosse objecto de penhora.
Esta testemunha mencionou que não se tratava de uma conta conjunta ou solidária, que o seu filho não tinha uma procuração sua para movimentar a conta e que o seu filho não constava na ficha de assinaturas das pessoas que podiam movimentar a conta, mas na realidade essa conta era apenas movimentada pelo seu filho.
Interpelado sobre a circunstância de ter assinado a documentação relativa às transferências sucessivas (do seu filho para os alegados cidadãos russos), F..., no princípio, negou essa possibilidade. Quando foi confrontado com o teor de fls. 63, não deu explicação cabal sobre o assunto.
Além disso, a dado passo do seu depoimento, F... alegou que o dinheiro não foi levantado, não tendo explicado também os factos evidenciados pelos documentos de fls. 178 e 179, dos quais resulta inequivocamente que o dinheiro foi mesmo levantado, e pela testemunha em questão (sem prejuízo de ter procedido à sua entrega ao arguido).
Com as declarações da assistente (e, em parte, com o depoimento de F...), foi conjugado o teor dos documentos constantes do processo, com destaque para os seguintes:
− Auto de denúncia de fls. 22 e v;
− Informações da D... de fls. 42 e 43, 140 e 178;
− Cópia do extracto de conta de fls. 62;
− Cópia das transferências através da G... de fls. 63 e 64; e
− Talão de levantamento de fls. 179.
Por ofício de 6 de Maio de 2015 (cfr. fls. 42 e 43), a D... informou que a transferência efectuada a partir da conta da demandante teve por destino uma conta bancária titulada pela empresa E... (da qual é administrador o pai do arguido – cfr. fls. 48), bem como que F... alegara que recebera essa transferência “na sequência de um contrato de trabalho que celebrou com uma alegada empresa estrangeira, cujo nome, no entanto, não logrou identificar”. Mais informou a D... que F... reconheceu que depois de receber essa transferência foram efectuadas duas transferências, para cidadãos russos. Refira-se igualmente que a D... também deu conta de que F... admitiu expressamente o recebimento de uma “comissão sobre os montantes que viesse, entretanto a receber”.
A fls. 63 encontra-se a cópia de um documento subscrito pelo pai do arguido, F..., dirigido à D..., reconhecendo que recebeu a quantia de € 3.671 e que foram efectuadas duas transferências, uma no valor de € 1.800 e outra no valor de € 1.647 (as diferenças de valores em relação aos indicados na acusação e na lista dos factos provados na sentença reportam-se às comissões devidas pelo serviço de transferências, conforme decorre da análise de fls. 63v e 64).
Por seu turno, os documentos de fls. 63v e 64 evidenciam, sem margem para dúvidas, de que foi mesmo o arguido quem procedeu às transferências para os alegados cidadãos russos.
Finalmente, o talão de fls. 179 atesta que o dinheiro foi mesmo levantado (antes de ser transferido, pelo arguido, através da G..., para os alegados cidadãos russos).
As declarações do arguido, B..., foram particularmente incoerentes.
O arguido começou as suas declarações por sustentar que “A D... é que teve culpa”, mas na realidade foi o arguido – como acabou por reconhecer – quem efectuou as transferências ulteriores que acabaram por impedir a demandante de reaver o seu dinheiro.
No decurso das suas declarações, o arguido referiu que já anteriormente utilizava os serviços da L..., da G... e de outra empresa para proceder a transferências internacionais de valores monetários.
O arguido sustentou a seguinte tese em audiência: umas pessoas (que não identificou) queriam marcar uma viagem de ..., Angola, para ..., Federação Russa e por isso contactaram os seus serviços (o arguido era titular de uma empresa de viagens); como essas pessoas acabaram por não viajar, quiseram mandar dinheiro aos seus familiares, “para compensar”; foi por isso que fizeram a transferência, e como estavam em Angola, de onde é difícil retirar dinheiro, recorreram à intermediação do arguido; mais à frente, nas suas declarações, o arguido admitiu que iria ganhar uma comissão, € 160 segundo disse.
Esta versão é nova no processo e não encontra suporte em qualquer meio de prova, designadamente, documental, sendo certo que segundo as informações prestadas pela D... essa alegada transferência prévia estaria relacionada com outra explicação, um contrato de trabalho (cfr. fls. 42, 43 e 140), não havendo referências a dinheiro de Angola, a viagens, ou a transferências para familiares.
Além de ser nova, essa versão é incoerente, porquanto a transferência não foi efectuada a partir de Angola, mas de Portugal (mais precisamente, da conta bancária da demandante) e além disso afronta as regras da experiência comum um pagamento sem o fornecimento de bens ou a prestação de serviços (se a viagem não foi feita, não se percebe a que propósito é que seria feito um pagamento – fosse o da comissão ou outro pagamento – para a conta movimentada pelo arguido).
Quanto ao mais, o arguido reconheceu que era quem movimentava a conta da empresa do seu pai.
Decorre do exposto que mesmo não tendo sido o arguido quem acedeu às credenciais da conta bancária da demandante, e mesmo não se tendo apurado que foi o arguido, por si ou conjuntamente com outras pessoas, quem determinou a realização da transferência da conta bancária da demandante para a conta bancária por si movimentada, foi o arguido quem tratou de receber e encaminhar depois esse dinheiro, tendo conhecimento da proveniência ilícita do valor em questão, procedendo de um acto ilícito anterior contra o património (independentemente de o arguido desconhecer a pessoa que, em concreto, foi lesadas com as sucessivas transferências bancárias).
No que concerne aos elementos subjectivos correspondentes à infracção imputada, o Tribunal valorou os factos objectivos que considerou assentes, mais atendendo à circunstância de a generalidade das pessoas saber que não se pode ficar com dinheiro pertencente a outras pessoas, nem que seja para o transmitir a terceiras pessoas. O contrário não resultou em audiência em relação ao arguido, o qual, recorde-se, admitiu expressamente conhecer os trâmites das transferências internacionais de dinheiro (designadamente, através da G1... e da G...) e revelou ter conhecimento dos procedimentos de transferências bancárias em geral.
O antecedente criminal do arguido foi aferido pela consulta do certificado de registo criminal de fls. 230 e 231.
As condições pessoais e sócio-económicas foram apuradas a partir das declarações do arguido.
Em relação à matéria de facto com relevo específico para apreciação da conexa instância cível, depuseram as testemunhas J..., mãe da demandante, e K..., amiga da demandante.
J..., com relevo para a apreciação do pedido de indemnização civil, disse que quando foi feita a transferência bancária (para a conta movimentada pelo demandado) a sua filha estava empregada havia pouco tempo, depois de 4 anos numa situação de desemprego. Acrescentou que a sua filha auferia um vencimento mensal aproximado de € 600, pelo que o montante que havia na sua conta bancária resultava de poupanças.
Referiu que a sua filha, para além da perda patrimonial, ficou diferente, sentiu revolta e vergonha, temendo que as pessoas pensassem que não sabia “usar um computador”.
Por seu turno, K... confirmou, na generalidade, os danos descritos no pedido de indemnização civil. Referiu que o dinheiro fez falta à demandante e que esta se sentia envergonhada.
Também em relação a esta parte da decisão sobre a matéria de facto, foi importante na formação da convicção do Tribunal o teor dos documentos atrás indicados, nos termos supra mencionados.
Em relação à instância cível, não se considerou provado que o valor retirado da conta bancária da demandante lhe tivesse feito falta para o cumprimento de obrigações financeiras assumidas anteriormente. Não há dúvidas que, atendendo ao seu montante e para mais em face da situação de emprego recente da demandante, esse dinheiro lhe fez falta, a perda patrimonial foi particularmente sentida, mas não resultou dos depoimentos das testemunhas arroladas a essa matéria, nem de documentos constantes do processo, que a demandante tivesse deixado de cumprir obrigações financeiras anteriormente assumidas (designadamente, prestações a um banco ou a uma instituição financeira de crédito), ou que tivesse dificuldade nesse cumprimento. Refira-se que não se apurou que na altura a demandante tivesse obrigações ou encargos financeiros (decorrentes, por exemplo, da aquisição de habitação, automóvel ou da contracção de um empréstimo a título de crédito pessoal).

III. 3. Apreciemos, então, os fundamentos do recurso pela sua ordem de precedência lógico-processual.

III. 3. 1. A matéria de facto.

III. 3. 1. 1. Os vícios da decisão.

Estrutura o arguido este segmento do recurso – e, por esta via, a sua absolvição - no facto de, na sua óptica, a prova não ter sido devidamente apreciada, passando, depois a invocar excertos da de natureza pessoal, que transcreve, que localiza no suporte da gravação - acabando, no entanto, por concluir que fundamentam a procedência do recurso, na verificação dos vícios do artigo 410.º/2 alíneas a) e c) C P Penal, bem como na violação do princípio in dubio pro reo - violação cujo conhecimento se reconduz e pode afinal ser conhecida, no âmbito da apreciação do vício do erro notório na apreciação da prova, bem como na existência de erros de julgamento.
Assim, na cogitação do recorrente está - seguramente pelos termos e forma como, em substância, se exprime – a pretensão de impugnar a matéria de facto, isto, porque, desde logo, expressamente o refere e, dá cabal cumprimento aos requisitos mencionados no artigo 412.º/3 e 4 C P Penal, pois que, desde logo, especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados - não é o responsável pelo estabelecimento e desconhecia os factos dados como provados, passando, depois, a invocar, a analisar e a fazer a sua leitura das concretas provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, que situa no suporte da gravação, transcrevendo e analisando alguma dela, na parte que lhes interessará - o que está vedado para a apreciação de qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, como é sabido, sendo certo, contudo, que nas conclusões vem a enquadrar o fundamento do recurso, também, nos apontados vício da sentença e, princípio geral da prova em processo penal.
Como se sabe, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão, da 1ª instância, relativa à matéria de facto pode ser modificada - artigo 431.º alínea b) C P Penal - quando a prova tiver sido impugnada de acordo com o disposto no artigo 412.º/3 do mesmo diploma.
Estamos, então, perante 2 vias que podem conduzir à modificação/alteração do julgamento da matéria de facto.
Labora, no entanto, o recorrente em manifesto e incompreensível equívoco – enquadrando em termos processuais na existência de um vício da decisão, aquilo que em substância trata como erros de julgamento.
Com efeito, pretende ser absolvido, pela consideração da sua versão/interpretação dos factos, fazendo apelo a vários segmentos da prova pessoal produzida, daqui defendendo estarmos perante vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, além, da violação do princípio in dubio pro reo.
Se no caso do artigo 412.º C P Penal - impugnação da matéria de facto – estamos perante erros de julgamento, no caso dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal estamos perante vícios da decisão.
Qualquer das situações referidas no artigo 410.º/2 C P Penal, traduzem-se, sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º C P Penal, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado, nos termos do artigo 410.º/2 C P Penal - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência, sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, artigo 426º C P Penal.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 C P Penal, terá que ser detectada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º C P Penal, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência e a argumentação do recorrente gira, então, em volta de uma melhor avaliação, ponderação e, quiçá, interpretação do que foi dito e do que está escrito, donde estrutura a existência daqueles apontados vícios, não numa análise da decisão na sua componente interna, de racionalidade, de lógica e de coerência das diversas asserções dadas como provadas, mas antes, numa perspectiva de expressar o seu inconformismo com o resultado do julgamento da matéria de facto, que lhe foi desfavorável.
Os vícios do artigo 410.º/2 C P Penal não podem ser confundidos – como de forma patente, faz o arguido - com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º C P Penal.
Aqui poderá haver erro de julgamento, sindicável, nos, apertados e deveras exigentes, termos, definidos no artigo 412.º C P Penal.
A valoração da prova em sentido diverso - fora o caso de erro notório - ao pugnado pelo recorrente, merece tratamento em sede erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º C P Penal, através do controlo do erro na apreciação das provas (sobre a sua admissibilidade e valoração dos meios de prova) e a consequência imediata da sua procedência, é a modificação da matéria de facto, artigo 431.º C P Penal.
Cremos ser evidente que a forma como o recorrente pretende obter a modificação do julgado, está longe de ser modelar, pois que trata questões atinentes à impugnação da matéria de facto, não só, em sede de erro de julgamento, seja no âmbito do artigo 412.º C P Penal, mas, também, em sede de vícios da decisão, seja no âmbito do artigo 410.º C P Penal, que se reporta, de resto, a vícios, do conhecimento oficioso.
Cremos que erradamente.
Andou, por isso mal, ao dar a veste processual que deu, a esta sua, pretensão de absolvição, desde logo, com base na sua própria, valoração e apreciação sobre a prova produzida, de forma diversa, oposta, daquela que foi feita pela entidade competente, o tribunal.
Todas as invocações no sentido da existência do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º C P Penal, feitas pelo recorrente laboram em manifesto erro e confusão de conceitos, dado que a sua existência vem estruturada tão só, como corolário da discordância que patenteia com a forma como foi feita a valoração da prova na decisão recorrida.
Assim, perante este manifesto erro de enfoque, temos que concluir que não se verifica, pelas razões apontadas, a ocorrência de qualquer dos vícios previstos em tal norma.
Com efeito, da leitura da nova decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie, quer,
os expressamente, invocados,
da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado;
do erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;
nem da mesma forma, o absolutamente omitido, da contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

III. 3. 1. 2. A violação do princípio in dubio pro reo.

O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “ O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
Como cremos resultar do supra transcrito, que a decisão recorrida procurou demonstrar, na motivação e no exame crítico da prova, a existência das razões pelas quais o tribunal deu como provados os factos, contra cujo julgamento o arguido se insurge, permitindo-lhe, nesta fase, de recurso, todos os meios de defesa, e ao tribunal de recurso, assim como a qualquer cidadão, reconstruir retrospectivamente o iter percorrido na decisão recorrida.
O princípio in dubio pro reo como regra de decisão da prova, é a solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
a inadmissibilidade da pena de suspeição;
a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável;
a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, este princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção, cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, 165 e ss., citada no Ac. deste Tribunal de 4.7.2007, relator António Gama, que aqui seguimos de perto.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, sendo certo, todavia, que a simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes – que, no caso, nem sequer, existe pois que o arguido se remeteu ao silêncio, não tendo prestado declarações sobre os factos - não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo.
Não basta a mera probabilidade de existir uma hipótese contrária à da acusação, para que se possa afirmar que tal obsta à condenação do arguido.
Será seguramente, necessário para fazer desencadear a aplicação deste princípio, que a versão do arguido seja plausível e demonstrável, pois só uma versão credível subjaz a uma dúvida racional. Não basta a mera plausibilidade e verosimilhança da sua versão para que surja sem mais, a dúvida séria e razoável.
A dúvida só pode surgir de uma versão plausível dos factos minimamente fundada e sustentada.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio. Da mesma forma, se tal princípio for invocado sem fundamento, sério e razoável, seja fora das condições concretas de que depende a sua aplicação e, não obstante se decretar a absolvição do arguido.
A questão que o arguido coloca - e que a decisão recorrida, de forma alguma sugere, de resto - é a de saber qual a natureza, a dimensão e a característica que deve assumir a dúvida - a que o tribunal chegue - como pressuposto e justificação da aplicação deste princípio.
Não pode deixar de ser uma dúvida insanável, razoável, racional, objectiva e séria e, não meramente subjectiva, intuitiva e assente em meras conjecturas ou suposições.
Tão pouco, fundada e estruturada numa errada apreciação da prova.
Importa, assim, indagar se no caso, a regra da absolvição na dúvida, foi, ou não, violada.
E a resposta a dar depende da apreciação que se fizer sobre se merece censura o processo lógico e racional, subjacente à formação da afirmada convicção. Depende do facto de se poder, ou não considerar como suficiente e bastante a fundamentação. Depende do facto de se poder, ou não, afirmar que o tribunal errou, notoriamente - na apreciação e na valoração que fez da prova.
O que nos remete para a formulação da questão de saber qual o grau de certeza exigível para que se dê determinado facto como provado.
Isto, porque a certeza que se visa alcançar será sempre uma certeza possível, uma firme persuasão da verdade e nunca a certeza absoluta.
Antes a verdade lógica, racional e processualmente válida resultante da concreta prova produzida nos autos.
Será que se justifica que o Tribunal de 1.ª instância tivesse ficado na dúvida sobre a afirmação dos factos cujo julgamento o arguido impugna?
Obviamente que, desde logo, a conclusão afirmada pelo recorrente tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
E como se sabe, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
Donde, a resposta não pode deixar de ser negativa.

III. 3. 1. 3. Erros de julgamento.

Apreciemos então, o que afinal se reconduz a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal e documental produzida, sobre os factos cujo julgamento vem impugnado.
A questão suscitada pelo arguido neste segmento do recurso tem subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
III. 3. 1. 3. 1. Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C. P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Havendo versões diferentes e mesmo antagónicas sobre os factos, inexistindo a possibilidade de a final se chegar a uma solução intermédia, pois que ambas as teses em confronto, mutuamente se excluem, apenas uma delas se poderá ter como “verdadeira”, entendendo-se por esta expressão, uma versão processualmente estabelecível por meios probatórios válidos.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada por todos os recorrentes, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”.[1]
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [2]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “a posteriori” tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. [3]
A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.
Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).
De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.
Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício, este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.

III. 3. 1. 3. 2. Atentemos, então.

III. 3. 1. 3. 2. 1. As razões do arguido.

Discorda, então do julgamento – ligeiro e arbitrário - firmado sobre os factos contidos nos pontos 9, 10, 11, 12 e 13,
9. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
10. Tinha conhecimento de que a transferência da conta bancária de C... para a conta bancária titulada pela empresa do seu pai, mas na realidade por si movimentada, havia sido efectuada através da prática de factos ilícitos típicos contra o património, designadamente, a burla informática.
11. Sabia que estava a receber e, ulteriormente, ainda no mesmo dia, a transmitir a outras pessoas, os valores atrás indicados.
12. Agiu com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido a partir da conta bancária da ofendida, C..., tendo conhecimento de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona.
13. O arguido tinha conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
pois que, ou estão em oposição à prova efectivamente produzida ou, simplesmente, carecem de qualquer fundamento probatório, não passando de um conjunto mais ou menos ordenado de presunções, especulações, silogismos lógicos (outros nem tanto) e conjecturas sem qualquer sustentação científica ou empírica e que assentam essencialmente na, necessariamente arbitrária, convicção pessoal do Julgador.
Curiosamente, de forma expressa, assume estarem acertadamente julgados todos os restantes, excepto se estiverem em contradição com estes cujo julgamento impugna.
O que o arguido defende, então, é que a prova resultante das suas próprias declarações e do depoimento da ofendida não permite afirmar que,
ele tenha agido livre, deliberada e conscientemente e com conhecimento de que a transferência da conta bancária desta para a conta bancária por si movimentada, haja resultado da prática de factos ilícitos típicos contra o património;
recebeu e transmitiu para outrem parte das quantias transferidas, com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido;
estava ciente de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva proprietária.
Isto é, podemos concluir que o arguido apenas discorda da afirmação do elemento subjectivo e já não da objectividade, da factualidade, que lhe vinha imputada.
E, então, como é por todos sabido, uma vez que os elementos de natureza subjectiva fazendo parte da vida interior, não são susceptíveis de demonstração directa – excepto quando os arguidos os confessem - só podem ser apreendidos, revelados, captados, indirectamente, com base em ilações a retirar da objectividade provada segundo as regras da experiência comum.
Será assim, conclusão a extrair - ou não - da lógica articulação dos factos materiais, objectivos, provados em conformidade com as regras de experiência comum.
O que nos remete, desde logo, para a questão de saber se os apontados factos provados nas circunstâncias e no contexto em que o foram permitem, ou não, a afirmação do dito elemento subjectivo.
Mas atentemos, de qualquer forma, na linha argumentativa do arguido.
Que, passa a analisar a prova que sobre eles foi produzida, realçando que todas as testemunhas, ofendida incluída, afirmaram desconhecer a forma como o montante terá sido transferido da conta da conta desta para a da empresa do pai do arguido - tendo inclusivamente, afirmado, não o conhecerem.
E, assim, como provas que no seu entendimento impõem decisão diversa, invoca, cita, transcreve e localiza no suporte da gravação, os excertos que tem por convenientes:
- depoimento da ofendida:
Sra. Procuradora: A Sra. já disse que não conhecia o Arguido…
Ofendida: Não.
Sra. Procuradora: … e esta sociedade, a E...?
Ofendida: Nunca ouvi falar…
Sra. Procuradora: Na D... não lhe deram mais nenhuma explicação? Como é que isto poderia ter sido feito?
Ofendida: Não! A D... o que me explicou é que como isto era uma transferência dentro do mesmo banco, dentro da D..., que o dinheiro ficava de imediato disponível e como tal nada puderam fazer. No entanto, na minha opinião, falharam comigo enquanto cliente porque a minha foi conta foi colocada sob uma quarentena da qual não fui avisada. Portanto a minha conta já estava, no dia 15, com o acesso impedido, quando eu tentei aceder, e ninguém me avisou que existiria algum problema com a minha conta…
- declarações do arguido:
arguido: Começo por dizer que se alguém devesse estar aqui talvez fosse algum representante da D... que permitiu que alguém tivesse entrado na conta dessa senhora, que eu não conheço de lado nenhum. E tudo o que está aí dito, Sr. Dr…. Eu sou um técnico de turismo formado em 1979, as tecnologias agora já um pouco me ultrapassaram mas ainda mexo num computador. Agora tudo o que está aí dito eu não faço a mínima ideia de como se faz…
Sr. Dr. Juiz: O Sr. alguma vez utilizou algum serviço de transferência internacional de valores?
arguido: Utilizei, na própria agência, a G... por exemplo. E a L..., recebi várias vezes pela L.... E pela M.... Recebi vários pagamentos de Angola.
Sr. Dr. Juiz: Real quê?
arguido: M... …
Sr. Dr. Juiz: Esse não conheço.
arguido: Tem por exemplo na Casa da sorte.
Sr. Dr. Juiz: E o Sr. em que circunstâncias utilizava estes serviços e para quê?
arguido: Normalmente quando os clientes estão em Angola, faziam essa transferência por não terem acesso a banco e ser muito difícil levantar…
Sr. Dr. Juiz: Mas os clientes queriam fazer o quê?
arguido: Comprar viagens… Por causa do levantamento dos Kwanzas e dos dólares. Faziam pagamentos através da L.... Vários. N..., O... …
Sr. Dr. Juiz: O Sr. com isso estava familiarizado. Com essas transferências internacionais…
arguido: Era só ir aos correios, Sr. Dr..
Sr. Dr. Juiz: E esse dinheiro era proveniente de…?
arguido: Não faço a mínima ideia. Foi um senhor que me ligou e me perguntou…
Sr. Dr. Juiz: A empresa do seu Pai que sector de actividade tem?
arguido: O meu Pai é reformado. Tem 85 anos, faz 86 agora.
Sr. Dr. Juiz: Em 2014 já estava reformado?
arguido: Já, Sr. Dr..
Sr. Dr. Juiz: Então porque é que a conta do seu Pai recebeu três mil e tal euros?
arguido: É isso que eu estava a tentar explicar, Sr. Dr.. Eu tinha a conta penhorada e ainda continuava a vender e para não…
Sr. Dr. Juiz: Era para fugir aos credores…
arguido: Credores? Não.
Sr. Dr. Juiz: Se o Sr. me explicar porque transferiu o dinheiro para pessoas que nem sabe quem são…
arguido: Vou explicar, de novo…
Sr. Dr. Juiz: O Sr. quer explicar porque fez estas transferências?
arguido: Explicar? Quero.
Sr. Dr. Juiz: Então porque é que fez?
arguido: Porque me pediram para fazer. Tenho aqui o comprovativo das transferências…
Sr. Dr. Juiz: Sim, eu sei que estão feitas pois estão aqui documentadas no processo. E esse dinheiro era para pagar o quê?
arguido: Esse dinheiro era para entregar aos senhores, que depois de me terem pedido uma informação sobre voos…
Sr. Dr. Juiz: Mas que serviço é que lhes prestou?
arguido: Eu ia começar por dizer isso. Eu fui consultado para dar preços de viagens de ... para ..., coisa que eu fiz, através de um número de telefone, que com certeza terá aí, 0044, o indicativo é Inglaterra, e posteriormente dei os preços…
Sr. Dr. Juiz: Os 0044 são todos de Inglaterra…
arguido: Esse senhor disse posteriormente que as pessoas não podiam viajar porque, entendi eu no meu inglês e no dele, estavam em mineração. E se, depois de ter perdido aquele negócio, se não me importava e se conhecia o serviço da G.... Disse que conheço perfeitamente… e se eu não me importava, uma vez que os senhores já não iam viajar, queriam compensar os seus familiares. Ora, eu ia ganhar à volta de 400 euros…
Sr. Dr. Juiz: Isso tem algum nexo?
arguido: Para mim tem. É uma pura transferência. Repare, o Sr. quer…
Sr. Dr. Juiz: O Sr. não lhes presta serviço nenhum, eles colocam o dinheiro
à sua disposição e depois o Sr. coloca outra vez esse dinheiro noutro lado? Isso parece-lhe que faz sentido?
arguido: Para mim faz. Eu trabalhei muito tempo para a G... e nunca perguntei para onde vai o dinheiro…
Defensor: O Sr. Dr. Juiz perguntou-lhe pertinentemente se o Sr. Achava que fazia algum sentido… realmente o Senhor não terá prestado nenhum serviço… qual era a vantagem, para essas pessoas, que a transferência fosse feita por si ou por outra pessoa qualquer?
arguido: Como aconteceu com muitas situações que eu tinha. Por exemplo, pessoas indianas, brasileiras, venezuelanas, que faziam estas transferências e posteriormente também viajavam por mim. Quem sabe se este senhor, depois de eu fazer as transferências, também iria viajar por mim. Sempre foi essa a minha ideia e é assim que funciona uma agência de viagens.
Defensor: E que justificação lhe deram, quando lhe pediram num primeiro momento para lhes dar preços de viagens e posteriormente, não se tendo concretizado essa viagem para a qual lhe pediram preços, quando lhe disseram “ó pá, eu necessitava que fossem feitas estas transferências para a família”, qual foi a justificação. Porque é que as próprias pessoas não fizeram elas próprias a transferência?
arguido: Aí eu entendo que provavelmente, e isto acontece muito, as pessoas estando no mato não têm como fazer essas transferências. Em Angola ou vão a ..., (imperceptível), poderá ser ..., não sei onde as pessoas estão. E através de uma agência de viagens podem fazê-lo. Para mim é normal, fiz muitas transferências e nunca perguntei aos senhores para onde ia o dinheiro. Só não podia fazer para Cuba. De resto era uma coisa normal, pensando sempre em angariar aquele cliente.
Sr. Dr. Juiz: O Sr. enquanto empresário, explique-me isso melhor pois gosto de perceber essas actividades extracurriculares, enquanto empresário de viagens o Sr. sentia-se habilitado a fazer transferências de dinheiro?
arguido: Eu estava credenciado pela G....
Sr. Dr. Juiz: O Sr. tinha na realidade uma agência de viagens ou …
arguido: Na Rua ....
Sr. Dr. Juiz: … ou facilitava transferências internacionais de dinheiro?
arguido: Sr. Dr….
Sr. Dr. Juiz: Qual é que era, na prática, a sua actividade?
arguido: Turismo.
Sr. Dr. Juiz: Mas isso turismo é relativo, não é, era turismo de dinheiro ou de pessoas?
arguido: Desculpe, pode ser abrangente…
Sr. Dr. Juiz: Era turismo de pessoas ou de dinheiro?
arguido: Não sei o que é isso, Sr. Dr..
Sr. Dr. Juiz: Não sabe o que é isso?
arguido: Eu fui autorizado a fazer transferências pela G....
Sr. Dr. Juiz: O Sr. disse que era para compensar a família, a família dessas pessoas que estavam lá em Angola.
arguido: Que estavam lá em Angola, sim.
Sr. Dr. Juiz: E essa transferência foi para uma conta de Angola?
arguido: Não entendi, desculpe Sr. Dr..
Sr. Dr. Juiz: Se essa transferência foi para uma pessoa que estivesse em Angola?
arguido: Segundo o que eu entendi através desse senhor, o P..., entendi que essas pessoas são russos e como não puderam viajar queriam enviar uma compensação para a família…
para daqui afirmar que, mesmo com base numa análise superficial, logo se constata que jamais poderiam ter sido dados como provados os factos, que tem por erradamente julgados, resultando a sua versão bem mais verosímil que a trazida pela ofendida e suas testemunhas - designadamente quando uma delas afirma que o dinheiro depositado na conta daquela provinha das poupanças dos primeiros meses de trabalho como enfermeira, quando ela própria, afirmou que estava a trabalhar há dois dias, questão, no entanto de somenos importância, como ele própria acaba por reconhecer, para a questão aqui em apreço;
assim,
todas as testemunhas disseram desconhecer o arguido - com excepção naturalmente do seu pai - mais asseverando desconhecer a forma como o dinheiro terá sido transferido da conta da ofendida para a conta da empresa do eu pai, tendo o arguido afirmado taxativamente que não fazia a mais pequena ideia de como tal poderá ter sucedido, aventando uma explicação mais do que plausível para todo o circunstancialismo que envolve a situação ajuizada, fazendo sentido frisar que não foi feita qualquer prova acerca de como a ofendida ficou privada das quantias mencionadas nos autos, para além de um vaguíssimo “…uma pessoa cuja identidade não se apurou em audiência, através de um procedimento informático, conseguiu aceder às credenciais de C... de acesso à sua conta bancária através da internet” – o que se lhe afigura ser de uma secura confrangedora e revela desde logo que, na ausência de investigação suficientemente aturada para descobrir quem realmente cometeu os crimes imputados ao arguido - dos quais inclusivamente veio a ser absolvido - se procurou condenar quem foi apanhado inadvertidamente nesta sucessão de acontecimentos;
e, então, analisados criticamente os elementos que ressaltam dos autos, conclui, ser ele próprio, igualmente, vítima, que se viu arrastado, e ora condenado, por um crime que não cometeu;
ele, que,
sempre se dedicou à actividade de turismo, tendo explorado durante largos anos uma agência de viagens, não tendo estranhado, como é evidente, ter sido contactado para fornecer preços de viagens entre ... e ...;
e, efectivamente prestou tal serviço, tendo remetido a um senhor que se denominou P... e que o contactou de um número inglês, os preços solicitados para a projectada viagem;
todavia, perante a manifestada impossibilidade dos clientes encetarem tal viagem, foi-lhe solicitado se teria possibilidade de efectuar duas transferências, via G..., alegadamente para as famílias dos clientes cuja viagem se frustrou, tendo o mesmo demonstrado tal disponibilidade sempre na perspectiva de angariação futura dos clientes;
realçando que - além destas declarações – não existe qualquer outra prova, que permitam infirmar esta versão dos factos - que é ademais verosímil – que permita concluir que sabia, ou sequer suspeitava, da proveniência ilícita do dinheiro que lhe foi transferido;
quando questionado acerca da proveniência do dinheiro que foi depositado na conta titulada pela empresa do pai, deu a justificação da chamada telefónica e da prestação de serviços que lhe foi solicitada, primeiro e objecto de desistência depois;
nunca admitiu ter conhecimento da proveniência do dinheiro que foi depositado na conta titulada pela empresa do pai, pelo contrário, afirmou taxativamente que sempre pensou que tal quantia lhe havia sido depositada por ordem da pessoa que lhe encomendou os preços para realização das viagens e, posteriormente, lhe solicitou que fizesse as transferências para as contas dos familiares das pessoas impedidas de viajar.

III. 3. 1. 3. 2. 2. Procurando-se, como faz o arguido, atacar a predisposição, a motivação e o conteúdo das suas declarações e do depoimento da ofendida, em si mesmo, acaba por se desembocar num domínio em que a 1.ª instância, pela sua maior proximidade e imediação em relação à produção de prova, melhor está em posição de ajuizar.
Por outro lado, a esta dificuldade uma outra se junta, traduzida no apoio encontrado entre aquilo que é a condensação do conteúdo essencial de tal prova, a respectiva gravação e a, ainda assim, solidez do discurso construído a propósito do exame crítico da prova, que de uma forma, clara e inequívoca - atente-se que a prova – recorde-se sobre o elemento subjectivo - não é avassaladora nem exuberante, se se quiser – mas, seguramente, que se pode ter, por demais patente e evidente.
Realidade, esta, não facilmente derrogável no confronto com a estratégia processual do recorrente que consiste em re-interpretar tal prova.
Se é certo que se deve ter particular cuidado, cautela e rigor, quando estamos perante a versão do arguido e a versão de uma testemunha – se antagónicas entre si - de forma absoluta, todavia estas cautelas não explicam, nem podem decidir, só por isso, no sentido de desvalorizar, a versão deste último, abalando, decisivamente a credibilidade da sua versão.
A credibilidade das declarações e dos depoimentos há-de ser averiguada, (afirmada ou negada) no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa, da motivação e do interesse de cada um, nos factos, por forma a afastar a sua credibilidade, se se ficar com a percepção que os mesmos estavam concertados, no sentido de alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual.
Mais uma vez estamos perante o equívoco que se vai tornando, injustificadamente, habitual – o recorrente apreende e valora a prova em sentido antagónico à efectuada pelo Tribunal e, em sede de recurso de impugnação da matéria de facto, limita-se a substituir a convicção do julgador, pela sua própria convicção, o que se tem por inadmissível, em face do disposto no artigo 127.º C P Penal.
Não basta para sustentar que a leitura que o tribunal fez da prova produzida - embora sendo uma das possíveis - não é a mais adequada.
Necessário será demonstrar que a análise da prova à luz das regras da experiência comum ou pela existência de provas irrefutáveis, não só não consentem tal leitura, como exigem, impõem uma de sentido diverso.
Ora tal não ocorre, de todo.
Cremos – desde já o adiantamos - que, efectivamente, os apontados concretos excertos da prova pessoal e as aduzidas razões em que o arguido estrutura a existência de erros de julgamento, não merecem acolhimento e não podem, por isso, proceder.
Desde logo, nenhum dos excertos invocados pelo arguido permite infirmar a totalidade dos factos cujo julgamento vem impugnado, ou se possa afirmar que estejam erradamente julgados.
Pelo contrário, os factos impugnados:
9. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
10. Tinha conhecimento de que a transferência da conta bancária de C... para a conta bancária titulada pela empresa do seu pai, mas na realidade por si movimentada, havia sido efectuada através da prática de factos ilícitos típicos contra o património, designadamente, a burla informática.
11. Sabia que estava a receber e, ulteriormente, ainda no mesmo dia, a transmitir a outras pessoas, os valores atrás indicados.
12. Agiu com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido a partir da conta bancária da ofendida, C..., tendo conhecimento de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona.
13. O arguido tinha conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei,
não podem ser, fundadamente, colocados em causa, por nenhum dos excertos transcritos pelo arguido, nem, muito, menos, pelo conjunto dos argumentos/fundamentos que tece ao longo do recurso.
De resto e, paradoxalmente, ao contrário do que pretende o arguido, os excertos que transcreve, não só não põem em causa a lógica do raciocínio que conduziu à afirmação de tais factos, como, pelo contrário, de forma, absolutamente inequívoca, sólida e definitiva, a sustentam.
As regras da experiência comum, não só, não impedem o julgamento firmado sobre a materialidade de facto impugnada, como pelo contrário, julgamento em sentido diverso constituiria, isso, sim, um flagrante e indesculpável erro grosseiro na apreciação da matéria de facto.
Cremos, assim, não poder resultar dúvida, nem séria, nem razoável ou fundada, na mente de quem quer que seja, sob pena de crasso e grosseiro erro notório na apreciação da prova e, mesmo de atentado à inteligência humana, por rudimentar que seja – atente-se no facto de tudo se ter passado no mesmo dia, transferência, levantamento e dupla transferência de parte do dinheiro e, de ter sido utilizada um conta bancária onde não aparecia o nome do arguido, sendo, no entanto ele que a utilizava, com o, natural, necessário, involuntário e ignorante, recurso ao pai - que se possa defender que o arguido, que,
na sequência do facto de,
alguém ter acedido, através de procedimento informático, às credenciais da ofendida para acesso à sua conta bancária,
na sequência do que, a 15DEZ2014, foi efectuada uma transferência bancária no valor de € 3.671,00 com origem naquela conta,
para uma outra - titulada por uma empresa de que o pai do arguido era administrador – mas de que o arguido era o único utilizador,
tendo, ainda na mesma data, o pai do arguido, a pedido deste, procedido ao levantamento da quantia de € 3.487,00, que entregou ao filho,
tendo o restante, € 184,00, permanecido na conta;
ainda no mesmo dia, o arguido, através dos serviços da G..., procedido a uma transferência no valor de € 1.729,00 para uma conta titulada por uma pessoa que se denominou H... e a uma outra, no valor de € 1.581,00 para uma conta titulada para uma pessoa que de denominou I..., ambos com residência indicada em ..., na Federação Russa,
não,
houvesse actuado de forma livre, deliberada e conscientemente.
tivesse conhecimento de que a transferência da conta bancária da ofendida para a conta bancária que movimentava em exclusividade, havia sido efectuada através da prática de factos ilícitos típicos contra o património, designadamente, burla informática,
soubesse que estava a receber e, ulteriormente, a transmitir a outras pessoas, parte dos valores que recebera,
agisse com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido, tendo conhecimento de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona,
tivesse conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Assim, se, como é certo,
a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum;
desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância,
então, não merece acolhimento, na generalidade, a crítica que é dirigida ao decidido.
Com efeito o enunciado julgamento, a invocada prova e pormenorizada fundamentação de que a decisão recorrida dá conta, não só não pode ser colocada em causa pelos concretos e parciais, excertos, invocados pelo arguido, como de resto, responde, por antecipação, de forma cabal e absolutamente esclarecedora, às apontadas críticas.
Não se evidencia, de todo, no juízo alcançado na decisão recorrida, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no artigo 127° C P Penal e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
Perante a motivação e análise crítica, constantes da decisão recorrida, que se traduz numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência, que permitem objectivar a apreciação dos factos em causa, há que concluir, que se não mostra assim, violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º C P Penal, que dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal”.
A sentença recorrida cumpre, sem reparo, a exigência de motivação e da análise que faz nada nos permite um pronunciamento de censura quanto ao juízo, quer, de credibilidade, quer de verosimilhança, atribuído ao depoimento da testemunha, Comandante do Posto.
Com efeito, da concreta prova invocada pelo arguido, nenhuma por si só, ou conexionadas todas entre si, permite afirmar que se haja errado ao julgar – o que é essencial - qualquer dos factos cujo julgamento vem impugnado.
Assim, cremos poder afirmar não existir qualquer erro de julgamento no julgamento da matéria de facto, mormente acerca dos factos impugnados.
Donde e, em conclusão cremos estar, também, este segmento do recurso votado ao insucesso – havendo, assim que se considerar como definitivamente fixada a matéria de facto definida na decisão recorrida.

III. 3. 2. O Direito.

III. 3. 2. 1. A subsunção dos factos a direito.

III. 3. 2. 1. 1. As razões do arguido.

Nesta sede - na sequência da pugnada alteração do julgamento firmado sobre os factos de cujo julgamento discorda - entende o arguido não estarem preenchidos os elementos do tipo legal do crime de receptação do artigo 231.º C Penal;
quer na modalidade prevista no seu n.º 1, quer na modalidade prevista no seu n.º 2 que, pressupõe a prévia ocorrência de um facto ilícito típico contra o património, como claramente decorre do respectivo texto legal;
assim:
na 1.ª modalidade, são seus elementos constitutivos a intenção de obtenção de vantagem patrimonial e a ocorrência de dolo directo relativamente à proveniência da coisa, a significar que o agente terá de saber que a coisa foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património;
na 2.ª modalidade, basta que o agente admita a possibilidade de a coisa provir de facto ilícito típico contra o património e com isso se conforme, não se assegurando da sua legítima proveniência, independentemente da intenção de obtenção de vantagem patrimonial;
elemento comum às duas referidas modalidades é pois a proveniência da coisa, a qual terá de provir de facto ilícito típico contra o património;
quanto ao elemento subjectivo, no caso do n.º 1, a lei exige que o agente tenha conhecimento efectivo de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo específico) e, no caso do n.º 2, é suficiente que o agente admita que a coisa provém de facto ilícito típico contra o património (dolo eventual);
donde, decorre que para que exista um crime de receptação, em qualquer uma das duas referidas modalidades, não basta o conhecimento por parte do agente, caso da modalidade prevista no n.º 1, ou a suspeita por parte do mesmo, caso da modalidade constante do n.º 2, de que a coisa tem origem ilícita ou mesmo criminosa, sendo necessário que o agente tenha conhecimento ou suspeite, consoante os casos, que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património – “quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber… coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património”.

III. 3. 2. 1. 2. Atentemos.

Ao arguido fora imputado, na acusação, a prática, em concurso real, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º/1 da Lei do Cibercrime, aprovada pela Lei 109/2009, de 15 de Setembro e, de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221.º/1 C Penal, entendimento, consubstanciado no facto de que,
Contudo, não se logrou fazer a prova dos factos em que assentava tal entendimento - que tivesse sido o arguido quem efectuou a transferência bancária da conta da demandante para a conta titulada pela empresa do seu pai e por si movimentada, nem que tivesse sido o arguido quem recorreu a artifícios dolosos ou a procedimentos tecnológicos que permitiram essa transferência.
Provou-se, como vimos já que,
uma pessoa cuja identidade não se apurou em audiência, através de um procedimento informático, conseguiu aceder às credenciais de C... de acesso à sua conta bancária através da Internet;
nesse contexto, foi efectuada uma transferência bancária no valor de € 3.671, a partir de tal conta, para uma movimentada pelo arguido – de que era, de resto, o único utilizador;
no mesmo dia em que a transferência foi efectuada, o pai do arguido, F..., a pedido do arguido, procedeu ao levantamento da quantia de € 3.487, tendo os restantes € 184 ali permanecido;
ainda no mesmo dia, 15 de Dezembro de 2014, o arguido, através dos serviços da G..., procedeu a duas transferências, uma no valor de € 1.729 a outra no valor de € 1.581 para alegados cidadãos com residência indicada em ..., na Federação Russa;
o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, tinha conhecimento de que a transferência da conta bancária de C... para a conta bancária por si movimentada havia sido efectuada através da prática de factos ilícitos típicos contra o património, designadamente, a burla informática, sabia que estava a receber e, ulteriormente, ainda no mesmo dia, a transmitir a outras pessoas, os valores atrás indicados, agiu com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial, consistente no recebimento de uma percentagem do montante indevidamente transferido a partir da conta bancária da ofendida, C..., tendo conhecimento de que esse dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona. Provou-se ainda que o arguido tinha conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E, assim, na consideração de que estes factos, seriam susceptíveis de integrar a previsão do tipo de receptação – depois cumprido o pertinente em termos de processo penal – veio por este crime a ser condenado.
O arguido não coloca em causa o acerto do decidido, em termos de subsunção dos factos provados á previsão do tipo legal de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º/1 C Penal, segundo o qual, “quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse”.
No entanto, como vimos já, esta questão apenas se coloca, no seguimento e como decorrência da impugnação do julgamento firmado sobre a matéria de facto e concretamente, atinente com a verificação do elemento subjectivo – no caso o dolo directo, a abarcar, além do mais, o conhecimento de que aquilo que se está a adquirir, provinha de um facto ilícito típico contra o património.
Ora, como, também, acabamos de ver, tal segmento do recurso, em que o arguido assentava, como pressuposto lógico, esta outra vertente do recurso, acabou por improceder, donde, fica, naturalmente, prejudicada a sua pretensão.
Há, assim, que manter o decidido, neste segmento e concluir que a sua conduta - caracterizada a situação apurada como de phishing, na qual o arguido desempenhou o papel de money mule, traduzida em que,
o arguido era o único utilizador da conta onde foi depositado o dinheiro “retirado” da conta da ofendida,
recebeu pessoalmente esse dinheiro e transmitiu-o, em parte, a terceiros,
com conhecimento efetivo de que o dinheiro depositado na sua conta bancária, e que assim entrou na sua posse, provinha de um facto ilícito típico contra o património e que agiu com a intenção de conseguir para si uma vantagem patrimonial,
preenche a factualidade típica do crime de receptação, p. e p. pelo n.° 1 do artigo 231.° C Penal - por que foi condenado em 1.ª instância.

III. 3. 2. 2. A medida da pena.

III. 3. 2. 2. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

A este propósito – depois de na alternativa entre a pena de prisão e da multa se ter optado por esta última - expendeu-se na decisão recorrida pela seguinte forma:
“Dentro da moldura penal abstracta – entre um mínimo de 10 (dez) dias e um máximo de 600 (seiscentos) dias, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 47º, nº 1, e 231º, nº 1, do Código Penal – a determinação da medida concreta da pena será efectuada em função das exigências de prevenção e da culpa do arguido, conforme estatui o artº 71º, nº 1, do Código Penal.
O patamar mínimo da pena de multa corresponde ao nível abaixo do qual a comunidade jurídica não sente suficiente e eficazmente protegido o bem jurídico que foi violado com a prática do crime, atendendo-se ao factor da prevenção geral positiva.
O nível máximo é fornecido pelo grau de culpa, já que esta, constituindo o fundamento ético e jurídico da aplicação das penas, representa também o seu máximo inultrapassável, como explicita o artº 40º, nº 2, do Código Penal.
Finalmente, a medida concreta da pena deve ser encontrada atendendo às exigências de prevenção especial que o caso reclame.
Na tarefa de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido e contra ele, nos termos do artº 71º, nº 2, do Código Penal.
No caso decidendo, a par dos aspectos já aludidos aquando da escolha da sanção, importa ponderar os seguintes:
− Tratou-se da receptação de € 3.671, circunstância expressiva de um grau médio de ilicitude;
− Em audiência, o arguido não demonstrou arrependimento, nem revelou a formação de consciência crítica em relação à sua conduta, circunstâncias que agravam o perigo de reiteração criminosa e, por essa via, as exigências de prevenção especial;
− O desvalor de resultado ainda subsiste na esfera patrimonial da ofendida, na importância de € 3.510,12, pois apenas € 160,88 foram devolvidos (e por iniciativa do pai do arguido);
− O arguido tem actualmente 59 anos de idade;
− É divorciado;
− Tem um filho com 23 anos de idade;
− O arguido vive com o seu pai;
− Estudou até ao 11º ano de escolaridade;
− Presentemente, não tem vínculo profissional/laboral; e
− Anteriormente, foi empresário do sector do turismo, sendo titular de uma empresa de viagens.
Tudo visto e ponderado, considera-se necessária, suficiente, adequada e proporcional uma pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa.
A taxa diária da multa será fixada de acordo com as condições económicas e financeiras do arguido e os seus encargos pessoais, nos termos do disposto no artº 47º, nº 2, do Código Penal.
Os limites, mínimo e máximo, são, respectivamente, de € 5 (Cinco Euros) e de € 500 (Quinhentos Euros).
No caso em apreço, tendo em conta as circunstâncias que a este respeito ficaram provadas, considera-se ajustada a graduação do montante diário da multa num valor muito próximo do mínimo legalmente previsto, € 6,00”.

III. 3. 2. 2. 2. As razões do arguido.

Neste particular defende que, a pena aplicada é totalmente desajustada, por excessiva;
com efeito,
a moldura penal abstracta é de pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
vem provado que,
o arguido não tem, presentemente, vínculo profissional/laboral e que recebe da Segurança Social cerca de € 180,00, por mês, a título de rendimento social de inserção;
de facto, o arguido sobrevive praticamente em indigência económica, vivendo com o seu pai e auferindo um valor de € 180,00, a título de rendimento social de inserção, mínimo dos mínimos da subsistência humana e nem sequer isso;
donde, a pena de 150 dias de multa, nestas circunstâncias, sempre teria que se considerar excessiva - até porque o arguido se viu apanhado num cadeia de acontecimentos que não controlava nem tinha forma de suspeitar serem criminosos – pugnando pela sua redução ao mínimo legal, quer no que concerne à taxa diária quer no que diz respeito ao número de dias de multa.

III. 3. 2. 2. 3. Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Como sabemos, há muito está ultrapassada a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena, o do ponto médio da sua moldura abstracta – que, de resto, da decisão recorrida não resulta haja sido aplicado, expressamente ou, tenha estado subjacente e, aplicado de forma implícita, à operação de determinação da medida da pena, que, não obstante culminou com tal resultado - bem como, consolidado está o entendimento de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada e que a operação de determinação da medida da pena se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
As circunstâncias factuais determinativas da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão da matéria de facto – maxime dos factos provados - sem prejuízo de o significado preciso de alguma expressões circunstanciais poder eventualmente conjugar-se com a motivação da convicção formada pelo tribunal.
Dispõe o artigo 71º/1 C Penal, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e exigências de prevenção”.
Por outro lado, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida, do possível, na reinserção do agente na comunidade e por outro lado a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa, artigo 40º/1 e 2 C Penal.
Deve, então, a medida concreta da pena ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos concretizados no n.º 2 do artigo 71.º C Penal.
Culpa e prevenção são assim os dois termos de um binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena.
Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena, através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Só finalidades relativas de prevenção geral e especial e não finalidades absolutas de retribuição e expiação justificam a intervenção do sistema penal.
Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade da comunidade, de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos e com o recurso à vertente da prevenção especial, procura satisfazer-se as exigências de socialização do agente com vista à sua integração na comunidade.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 121: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa. A culpa é condição necessária mas não suficiente, da aplicação da pena
O princípio da culpa, não se fundamenta em qualquer concepção retributiva da pena, antes sim no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal e “é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização”, cfr. Prof. Figueiredo Dias – in ob. cit. § 56.
A função da culpa no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição de excesso, constituindo o limite inultrapassável: de quaisquer exigências preventivas”, cfr Prof. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 109 e ss.
Citando, ainda o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 227, “a medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
“O Código Penal atribui à pena um conteúdo de reprovação ética, dando tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime, ligada ao princípio da eminente dignidade da pessoa humana, limita de forma inultrapassável a medida da pena, sem deixar de atender aos fins da prevenção geral e especial.
A culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura, que funciona ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena”, ibidem, 215.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina, ainda, o Prof. Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
As circunstâncias e critérios do artigo 71º C Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

III. 3. 2. 2. 4. Vejamos.

III. 3. 2. 2. 4. 1. Os dias de multa.

Na crítica que se faça à operação aqui em causa, importaria que o arguido fizesse uma ponderação em concreto dos factores que pudessem conduzir aos efeitos pretendidos.
Ao arguido incumbia, naturalmente, alegar e situar quais as circunstâncias que foram subavaliadas e situar quais as que foram sobrevalorizadas - que não estejam ajustadas aos enunciados fins das penas, contidos no artigo 40º/1 C Penal ou que violem os critérios legais de determinação da medida concreta das penas, contidos no artigo 71º C Penal.
E, fê-lo com as apontadas circunstâncias de onde pretende ver a pena reduzida ao mínimo legal – quer, quanto aos dias de multa, quer, quanto à sua taxa diária.
Temos então que a pena de multa varia entre os 10 e os 600 dias e a taxa diária entre os € 5,00 e os € 500,00.
Invoca o arguido a suportar a sua pretensão o facto de,
não ter, presentemente, vínculo profissional/laboral e receber da Segurança Social cerca de € 180,00, por mês, a título de rendimento social de inserção;
viver com o pai e sobreviver praticamente em indigência económica, auferindo um valor de € 180,00 - mínimo dos mínimos da subsistência humana e nem sequer isso;
ter sido apanhado numa cadeia de acontecimentos que não controlava nem tinha forma de suspeitar serem criminosos.

Não adianta mais, estar a rebater a questão da intervenção ingénua e altruística, do arguido na prática dos factos.
Com efeito, vem provado, definitivamente, o contrário.
E, assim, perante a indigência, para já, de argumentos, obviamente que, a pretensão de redução dos dias de multa ao mínimo legal, não tem a mais pequena viabilidade, desde logo, por não estar consubstanciada em qualquer fundamento de facto ou de direito, sequer e, muito menos dignos de relevo.
Para o demonstrar basta, de resto, atentar, nesta vertente de justiça relativa:
se o arguido tivesse confessado os factos, mormente, com relevo para a descoberta da verdade, se mostrasse arrependido, tivesse procedido à reparação do mal do crime, fosse primário, tivesse bom comportamento, estivesse integrado, de facto, em termos familiares, profissionais e sociais, qual a pena, que entende lhe poderia ser aplicada?
Assim, em resumo, dado ser susceptível – em via de recurso - de correcção, o procedimento e as operações de determinação da medida da pena (vg. o desconhecimento ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação da medida da pena, a falta de indicação de factores relevantes para tal operação, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis), temos que no caso concreto, não há que proceder, de todo, a qualquer correcção da operação efectuada na 1ª instância – do que resulta, manifestamente, uma pena adequada à medida da culpa do arguido e, seguramente, susceptível de assegurar os apontados interesses da prevenção geral e especial.

Carece, assim, de fundamento, este segmento do recurso.

III. 2. 2. 4. 2. O valor da taxa diária.

Da mesma forma, nesta vertente, nenhum fundamento assiste à apontada discordância do arguido, que pretende ver reduzida a taxa diária de € 6,00 para o valor mínimo de € 5,00.
No que se reporta à fixação do quantitativo diário da multa, esta deve ser função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, correspondendo cada dia a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, nos termos do artigo 47º/2 C Penal.
Por seu lado, o nº. 3 desta norma, prevê a possibilidade de o tribunal autorizar o pagamento da multa em prestações, sempre que a situação económica e financeira do condenado, o justifique.
“A amplitude estabelecida naquela norma, quanto ao quantitativo diário da multa, visa eliminar ou pelo menos esbater as diferenças da sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver”, cfr. Ac. STJ de 2.10.97, in CJ, S, V, 184, citando o Conselheiro Maia Gonçalves.
“Como critério que deve ser tomado em conta na determinação da condição económica e financeira do condenado, deve atender-se ao maior campo possível de eleição de factores relevantes.
Deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios, qualquer que seja a fonte, como seguro, é, que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos e encargos”.
Donde, como, de resto, se vem entendendo, sem resistência conhecida, o montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, por forma afazê-lo sentir esse juízo de censura e bem assim assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve, sem todavia, deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.
O quadro factual apurado, que o arguido aqui invoca, não reflecte, de todo, de forma cabal e definitiva, a sua real situação económica – sob pena, também aqui. de absoluta e gritante erro notório na apreciação da prova e de atentado à inteligência humana.
Com efeito, aquele quadro tem que ser temperado, a favor da dinâmica de sobrevivência encetada pelo arguido, com o facto de, ele próprio, se reconhecer como uma pessoa com alguma visibilidade e notoriedade social – a propósito das repercussões que a condenação enquanto vítima dos factos, quer no seu futuro profissional quer nas suas relações com a comunidade em que se insere – e, de, por outro lado, ser pessoa que ostenta um nível de vivência não adequado à que resulta do mero facto de estar a receber, mensalmente, 180 euros de rendimento social de inserção.
Atente-se que, sexagenário vive, mais do que, com o pai (ele próprio nonagenário), na dependência do pai, desde logo e, exibe experiência e competências, que se não coadunam, desde logo, com o paradigma, com o protótipo, com aquele que é suposto, ser inerente aos beneficiários daquela prestação, social, por definição: em termos de transferências internacionais de dinheiro e de transferências bancárias em geral.
E, assim, tendo presente esta realidade envolvente e, os factores, financeiros, familiares, profissionais e sociais inerentes - que não podemos deixar de considerar como integradores - por facilidade de expressão - do que se pode considerar como, transitoriamente, com fragilidade económica, em termos de rendimentos, do trabalho desde logo, não obstante, consente a aplicação de uma taxa diária, na ordem, como a fixada, de € 6.00.
Esta taxa mostra-se fixada dentro dos limites e critérios fixados na lei e não se vislumbra que não esteja ajustada à situação económica do recorrente, pelo que não se vê razão, digna de realce que justifique aqui se proceda à sua alteração, muito menos, para o patamar mínimo previsto na lei, de € 5,00.
Este valor, sob pena de flagrante e grosseiro atentado à justiça material do caso concreto e o princípio da igualdade, não pode deixar de ficar reservado àqueles - e muitos são, de resto – que apresentem condições sócio-económicas bem mais precárias – de real, concreta e indesmentível fragilidade, mesmo - que o arguido, desde logo, que tenham rendimentos inferiores ou que os não receba, de todo.
Ademais, em sede de relatividade, atente-se que a vantagem – não declarada perdida - que o arguido retirou da prática do crime é só, um pouco superior ao rendimento que mensalmente lhe é atribuído para, por definição, sobreviver.
Assim, há que concluir por que, neste segmento, bem andou o Tribunal a quo, pois que fixou o quantitativo diário da multa, num valor que cumpre com a sua função, de transmitir a noção de censura social do comportamento delinquente.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este tribunal em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido B..., em função do que se confirma a decisão recorrida nos segmentos impugnados.

Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa no equivalente a 4 Uc.s

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2017-Novembro-8
Ernesto Nascimento
José Piedade
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[1] In Direito Processual Penal, 202/203.
[2] No dizer do Ac. STJ de 4 NOV1998, in CJ, S, III, 209.
[3] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 125.