Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
43/13.4TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA ACÇÃO
CRÉDITO LABORAL
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
COMPLEMENTO DE REFORMA
Nº do Documento: RP2016021543/13.4TTPRT.P1
Data do Acordão: 02/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º235, FLS.97-105)
Área Temática: .
Sumário: I – A suspensão ou extinção das acções prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE reporta-se às acções judiciais destinadas a exigir o cumprimento de obrigações que tenham por objecto uma prestação em dinheiro, quer se trate de acções declarativas de condenação, quer se trate de acções executivas.
II – Os créditos de retribuições e indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho de vencimento anterior ao despacho que nomeou o administrador judicial provisório no PER enquadram-se no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não tendo qualquer relevo para estes efeitos que os créditos reclamados pelo trabalhador no PER tenham sido reconhecidos por valor inferior ao que o mesmo entende ser-lhe devido.
III – Quanto aos direitos a “complemento de reforma” e “suplemento de medicação” cujo reconhecimento é reclamado na acção declarativa, uma vez que não respeitam a obrigações pecuniárias, em sentido estrito, não se mostram abarcados pela previsão daquele preceito, ainda que, caso venham a ser reconhecidos, sejam susceptíveis de se concretizar no futuro em concretas obrigações a cargo da R. cujo objecto é uma prestação em dinheiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 43/13.4TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
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B… instaurou em 9 de Janeiro de 2013 a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra C…, alegando factos que, na sua perspectiva, implicam o reconhecimento do direito ao pagamento de créditos laborais e da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Formulou, a final, o pedido de condenação da R. a:
«a) Pagar à A. a quantia de €16.631,43 (dezasseis mil seiscentos e trinta e um euros e quarenta e três cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Pagar à A. a indemnização prevista no art. 396° do Código do Trabalho, no valor de €28035,00 (vinte e oito mil e trinta e cinco euros), acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de a sobredita indemnização poder ser fixada pelo Tribunal entre os 30 e os 45 dias por cada ano, atenta a conduta manifestamente ilícita da Ré, e em condenação extra vel ultra petitum
c) Reconhecer à A. o direito a um complemento para custear medicação, bem como o direito a um complemento de pensão de reforma, cf. doc n.º 5 anexo e que pretende ver reconhecido, a fim de ser exercitado e liquidado em sede de execução de sentença;
d) Entregar à A. o Certificado de Trabalho a que alude o artigo 341º do Código do Trabalho, e
e) tudo com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos
Alegou para tanto, em síntese: que foi admitida ao serviço da R. em 1 de Março de 1970, desempenhando ultimamente as funções de Ajudante de Acção Directa de 1.ª, mediante a retribuição de € 667,50, a que acrescia € 4,02 de subsídio de alimentação diário; que até Maio de 2011 lhe vinham sendo pagas em prestações diferenças salariais de que era credora tal como acordara com a R., encontrando-se em dívida 14 parcelas, cada uma de € 148,95; que ao longo do ano de 2011 a R. começou a deixar de lhe pagar pontualmente a sua retribuição, o que a levou a resolver o contrato de trabalho com justa causa, resolução que se tornou eficaz em 30 de Janeiro de 2012; que então estavam em dívida vários créditos laborais que discrimina, tendo a A. direito ainda a uma indemnização de antiguidade equivalente a 41 anos e 9 meses, tudo no montante global de € 44.666,43, e que tem ainda direito a um complemento para custear medicação e a um complemento de reforma que pretende ver reconhecido e liquidado em execução de sentença.
Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação entre ambas e a R. apresentou a contestação na qual, em suma: reconhece parte dos alegados atrasos e não pagamento à A. das quantias que esta enumera e questionando outras; alega que tais atrasos e não pagamentos não se verificaram apenas relativamente à A. mas também em relação a todos os restantes trabalhadores ao seu serviço; que o Sindicato a que pertence a A. reconheceu a impossibilidade económica/financeira da Ré para suportar de uma só vez os aumentos salariais convencionados no instrumento de regulamentação colectiva que lhe é aplicável através de PE; que atravessa uma situação extremamente difícil e de grave crise e que os seus trabalhadores bem conhecem; que com grande constrangimento, a Ré deixou praticamente de poder pagar aos seus trabalhadores, desde Maio (inclusivé) de 2011; que a peticionada indemnização de antiguidade deverá ser reduzida ao mínimo legal e, quanto aos últimos pedidos, que o complemento de reforma e o complemento para custear medicação dependem da existência e manutenção do vínculo laboral, sendo o de reforma dependente da subsistência do contrato à data da concessão da mesma pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e o da medicação dependente de o trabalhador integrar então o quadro de pessoal da Ré.
A A. apresentou resposta à contestação na qual defende a improcedência da matéria impeditiva suscitada pela Ré.
Foi proferido despacho saneador e fixado à causa o valor de € 44.666,43 (fls. 64-65).
Foi entretanto dada notícia nos autos da pendência dos autos de Insolvência n.º 663/13.7TYVNG relativo à R. que foi suspenso por ter esta R. dado entrada ao processo especial de revitalização a que veio a ser conferido o n.º 663/13.7TYVNG, no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia (fls. 108 e ss.).
O Tribunal do Comércio informou que a aqui Autora reclamou créditos no PER e que foram parcialmente reconhecidos pelo administrador judicial provisório, tendo a A. apresentado reclamação da lista por este elaborada
Solicitada ulteriormente informação sobre o estado do processo de revitalização, foi documentada nos autos a sentença proferida naquele processo a homologar o Plano de Revitalização, bem como o Plano de Recuperação e, bem assim, o Acórdão da Relação do Porto que em 9 de Outubro de 2014 recaiu sobre aquela sentença homologatória (fls. 134 e ss.).
Foi então proferida pelo tribunal a quo, com data de 24 de Março de 2015 (fls. 197), a seguinte decisão:
«Ao abrigo do disposto no art. 17.º-E, n.º 1 da Lei n.º 16/2012 de 20.04 e face à aprovação e homologação judicial do plano de recuperação da Ré, julgo extinta a presente acção.
Custas pela Ré.
Notifique
[…]».
1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A) A recorrente não se conforma com a decisão que considerou extinta a instância;
B) Com efeito, de acordo com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, teria sido proferida uma sentença no processo relativo ao Plano Especial de Revitalização (PER), que correu os seus termos no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, com o nº 711/13.0TYVNG e onde é revitalizanda a Ré, ora recorrida;
C) Porém, nem a A. (ora Recorrente), nem sequer o seu Mandatário foram, até ao presente momento, notificados da dita sentença que terá homologado o Plano Especial de Revitalização da C...;
D) E, não obstante a Recorrente ter reclamado os seus créditos no dito PER, sucede que alguns deles não foram reconhecidos, mantendo interesse numa decisão do Tribunal “a quo” relativamente a determinados créditos, tais como “complemento de reforma” e “subsídio de medicação”;
E) Pelo que, nestes moldes, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que ordene a subsequente tramitação processual.
Termos em que, nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer total provimento e consequentemente revogada a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos para prosseguirem a sua tramitação, tudo com as legais consequências, como é de inteira e sã JUSTIÇA!.”
1.3. A R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. O recurso foi admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo (fls. 275), tendo-se fixado à acção o valor de € 44.666,43.
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pelo não provimento do recurso nos termos do douto Parecer de fls. 285-287 sobre o qual as partes se não pronunciaram.
1.6. Foi solicitada ao processo Especial de Revitalização com o nº 711/13.0TYVNG da 2ª Secção do Comércio - J3 de Vila Nova de Gaia, no qual é revitalizanda a R. C…, certidão da notificação da sentença aí proferida que homologou o plano de revitalização da R., vindo a ser junta informação de que a A. não foi notificada (fls. 303).
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se, no caso sub judice, a instância da acção deve ser declarada extinta por força do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) na redacção dada pela Lei nº16/2012 de 20 de Abril.
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3. Fundamentação de facto
Os factos necessários e relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório que antecede. E dos mesmos, bem como dos documentos constantes dos autos, resulta a seguinte sequência factual:
3.1. Na 2ª Secção do Comércio - J3 de Vila Nova de Gaia, corre o processo especial de revitalização, com o número 711/13.0TYVNG no qual é revitalizanda a R. C…, e onde foi proferida, em 3 de Junho de 2013, decisão a nomear administrador judicial provisório, publicada nessa data no portal citius.
3.2. Na lista provisória de credores organizada pelo administrador judicial provisório, à A. foi reconhecido o crédito na quantia de € 6.600,24 e, posteriormente, na lista definitiva e de votação apresentada pelo Administrador com o Plano de Revitalização em 20 de Dezembro de 2013, à A. foi reconhecido o crédito de € 36.836,35 (fls. 217 e 218).
3.3. Em tal Plano de Revitalização prevê-se o pagamento de 80% do valor em dívida dos créditos laborais reconhecidos e privilegiados através da venda de bens imóveis a realizar no primeiro semestre de 2014 (fls. 186).
3.4. No plano de revitalização não se prevê a continuação de acções declarativas laborais pendentes contra a ora Ré.
3.5. Com a data de 25 de Março de 2014 foi proferida sentença no processo referido em 3.1. a homologar o Plano de Revitalização, a qual, debruçando-se sobre a reclamação apresentada pela A. (expressamente identificada na sentença) a par de outros trabalhadores da revitalizanda, exarou o seguinte:
«Esclareceu ainda o Exmo. AJP que os créditos dos credores (…) B… (…) foram também reconhecidos pelos valores que constam da lista de votação, os quais correspondem aos reclamados, embora deduzidos das legais retenções de impostos e de segurança social, as quais constituem créditos do Estado e da Segurança Social. No fundo a divergência reconduzir-se-á ao facto de estes Srs Credores impugnarem a Lista pugnando por valores brutos ou ilíquidos e a Revitalizanda e o AJP os terem acabado por reconhecer, mas tão-somente em termos líquidos.
Restam assim neste momento para apreciação e decisão as impugnações dos seguintes Srs. Credores:
(…) B… (…)
Tendo em consideração que os valores da divergência resultam apenas da sua consideração como ilíquidos ou líquidos propendemos a considerar que a razão assiste ao AJP, uma vez que a não ser assim, haveria duplicação parcial de créditos, entre os do Estado e da Segurança Social, por um lado, e o desses Srs. Credores, por outro.
[…]».
3.6. A sentença homologatória do plano não foi notificada à ora recorrente (fls. 303).
3.7. E foi publicada em 26 de Março de 2014 no portal citius através de anúncio de “publicidade de homologação e citação de credores e outros interessados”.
3.8. De tal sentença foi interposto recurso por alguns credores, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de Outubro de 2014, julgado parcialmente procedentes alguns recursos, alterando os valores dos créditos de alguns credores recorrentes (nos quais se não incluía a ora A.) e a sua qualificação como privilegiados, mas sem alteração da homologação do plano de recuperação (fls. 135 e ss).
3.9. Este Acórdão foi notificado, em 26 de Outubro de 2014, ao mandatário da ora recorrente (fls. 268 e ss.).
3.10. Conforme certidão da Secção do Comércio de Vila Nova de Gaia documentada a fls. 272, a decisão de homologação do plano de revitalização da ora recorrida transitou em julgado em 04 de Novembro de 2014.
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4. Fundamentação de direito
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Tendo presente esta factualidade, analisemos a questão essencial suscitada no recurso.
4.1. A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril Lei nº 16/2012, em vigor desde 20 de Maio de 2012, na sequência do compromisso assumido no Memorando de Entendimento, celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal, no sentido de “definir princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com as boas práticas internacionais”, aditou ao CIRE um conjunto de artigos – os artigos 17.º-A a 17.º-I – que regulam uma nova forma de processo destinado a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em “situação económica difícil” (definida no art. 17.º-B como a situação em que se encontra o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou não conseguir obter crédito) ou em “situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação”, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. Designa-se tal processo como Processo Especial de Revitalização (PER).
O artigo 1.º do CIRE, na redacção dada pela referida Lei nº 16/2012, prescreve em conformidade no seu n.º 2 que “[e]stando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I” (n.º 2).
Dispondo sobre a finalidade e natureza do processo especial de revitalização, o artigo 17.º-A do CIRE, estabelece no seu n.º 1, que “[o] processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
E o artigo 17º-E, nº1 do CIRE estabelece que “[a] decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
A questão que se coloca consiste em saber qual o sentido dar à expressão “acções para cobrança de dívidas” constante deste último preceito, com base no qual o Mmo. Juiz a quo julgou extinta a instância da acção declarativa na qual foi interposto o presente recurso.
Sobre esta questão teve este Tribunal da Relação do Porto ocasião de se pronunciar em vários acórdãos recentes, designadamente nos dias 3 de Fevereiro de 2014[1], 30 de Setembro de 2013[2] e 18 de Dezembro de 2013[3].
No primeiro dos referidos arestos, assim se discorreu [transcrição que exclui as notas de rodapé]:
«[…]
Que sentido dar à expressão acções para cobrança de dívidas?
Nos termos do artigo 4º do Código de Processo Civil revogado, vigente na data da prolação do despacho recorrido, (CPC) “1. As acções são declarativas ou executivas. 2. As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. Têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. 3.Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.
Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “ a distinção entre o processo declaratório e o processo executivo apenas se estabelece em relação às acções de condenação ou relativamente ás acções de outro tipo (de mera ou simples apreciação ou constitutivas), em que haja uma sentença de condenação. Há nesses casos uma cisão nítida entre o processo de cognição, que finda com a sentença de condenação, e o processo executivo, que conduz à realização coactiva de uma ou mais pretensões” – Manual de Processo Civil, 1984, página 71.
Jorge Augusto Pais do Amaral defende que “A distinção entre acções declarativas e acções executivas equivale à diferença entre o simples declarar e executar, entre o dizer e o fazer. No processo declarativo é declarada a vontade concreta da lei, visando o executivo a execução dessa vontade” – Direito Processual Civil, 9ªedição, página 19.
O legislador da Lei nº16/2012 de 20.04 não podia desconhecer a distinção entre as acções declarativa e executiva e dentro das primeiras aquelas a que se refere o artigo 4º, nº2 do CPC, não tendo, contudo, «abraçado» o critério seguido no referido artigo quando emprega a expressão acções para cobrança de dívidas.
Por outras palavras: no artigo 17º-E, nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor [para além da expressão «acções para cobrança de dívida» o legislador emprega também a expressão «acções em curso com idêntica finalidade», não se referindo, concretamente, à espécie de acção mas à sua concreta finalidade].
Em auxílio à interpretação a que chegámos podemos referenciar, ainda, o DL nº178/2012 de 03.08 – diploma que criou o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE) – concretamente o seu artigo 11º, onde se faz referência expressa às acções executivas para pagamento de quantia certa e às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias instauradas contra a empresa [determina o nº2 do artigo 11º que «O despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE obsta à instauração contra a empresa de quaisquer acções executivas para pagamento de quantia certa ou outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias enquanto o procedimento não for extinto e suspende, automaticamente e por igual período, as acções executivas para pagamento de quantia certa ou quaisquer outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa que se encontrem pendentes à data da respectiva prolação»].
João Aveiro Pereira defende que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa” (…) – A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.
Madalena Perestelo de Oliveira refere – em comentário ao artigo 17º-E, nº1 – que a suspensão dos processos se traduz na “forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência. Ao mesmo tempo protege os credores, na medida em que evita que credores individuais utilizem a massa insolvente para a sua própria satisfação”, para concluir, mais à frente, que “Não obstante as falhas de regime, o PER concretiza, assim, o entendimento dominante, especialmente desenvolvido nos Estados Unidos, quanto ao processo de insolvência: (i) as diligências de salvamento de uma empresa devem ser tomadas suficientemente cedo para que ainda haja possibilidade de sucesso; (ii) deve ser concedido à empresa um «breathing space», ou seja, um período durante o qual os credores não possam reclamar os seus créditos, para que as tentativas de recuperação sejam mais bem sucedidas; (iii) deve ser tomado em consideração um leque mais vasto de interesses, que envolverá todos aqueles potencialmente afectados pela insolvência, independentemente da qualidade de credores” (…) – O Processo Especial de Revitalização: o novo CIRE, páginas 718, 719 e 720, em Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) – número 3.
Em suma: conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC., ao se referir no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012 de 20.04 às acções que tem por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.
Posto isto passemos ao caso dos autos.
Tendo em conta os pedidos formulados na presente acção [dever ser declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho efectuado pela Autor e condenar-se a Ré a pagar-lhe a) A indemnização de antiguidade, no montante de € 1.455,00; b) A quantia de € 5.753,58, relativa a créditos vencidos em 12.09.2012; c) Os juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das quantias e até efectivo pagamento] podemos afirmar estar-se perante uma acção de condenação na medida em que para além da existência de um direito – contrato de trabalho e sua resolução com justa causa – o Autor pretende ainda a condenação da Ré no pagamento das quantias em dívida decorrentes da existência do contrato de trabalho [sua execução e violação].
Tais pedidos, se forem julgados procedentes irão conduzir à condenação da Ré naquelas quantias, o que se reflectirá, obrigatoriamente, no seu património. Ora, a presente acção não será propriamente uma acção de cobrança de dívida mas tem, também, essa finalidade: se julgada procedente atinge necessariamente o património do devedor, requerente do processo especial de revitalização.
Por isso, entendemos que a presente acção se inclui nas acções para cobrança de dívidas e nas acções em curso com idêntica finalidade a que se alude no nº1 do artigo 17º-E do CIRE, já que os pedidos nela formulados contra a Ré, se julgados procedentes, reflectem-se obrigatoriamente no seu património [seguimos aqui a posição já defendida no processo 523/12.9TTBRG.P1 em que foi relatora a aqui relatora e 2ª adjunta a aqui 1ª adjunta].
Para finalizar, se dirá o seguinte: a Exma. Procuradora Geral Adjunta veio defender que se deverá antes declarar extinta a instância atendendo ao facto de que já se encontra homologado o Plano de Revitalização – artigo 17º-E, nº1, parte final do CIRE.
A parte final do nº1 do artigo 17º-E do CIRE determina a extinção das acções nele referidas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação. A declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é de conhecimento oficioso, sendo que no caso se mostra assegurado o princípio do contraditório com a notificação do parecer da Exma. Procuradora Geral Adjunta às partes. Por isso podemos avançar para o seu conhecimento.
E na verdade mostra-se provado que o Plano de Recuperação foi homologado, pelo que, e atento o disposto no citado artigo, declara-se extinta a presente acção por inutilidade superveniente da lide – artigo 277º, al. e) do NCPC.
[…]».
Não se vê motivo ponderoso para deixar de aderir à posição que reflectem estas considerações, então por nós assumida[4].
Também Carvalho Fernandes e João Labareda, a propósito do n.º 1 do artigo 17.º-E, que não refere quais as acções que se suspendem e extinguem, nem o que deve entender-se por “cobrança de dívidas”, apontam que a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, “as acções declarativas condenatórias” e também “acções com processo especial e procedimentos cautelares”[5].
Muito recentemente a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre esta questão através do seu Acórdão de 26 de Novembro de 2015[6] em sentido consonante com a referida jurisprudência maioritária, como se extrai do sumário deste aresto, com o seguinte teor:
«I – O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico-financeira.
II – Nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona o reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.
V – Tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso.
VI – Por força do preceituado no art. 17º-E, nº 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na acção em que os AA. buscam a condenação da Ré no pagamento de um crédito superior ao que foi reconhecido no PER, devendo considerar-se, em tal circunstância, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
VII – Esta interpretação não viola a Constituição da República Portuguesa, inexistindo qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.»
E nas mesmas águas navega a Secção Cível do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, como se constata pelo acórdão de 5 de Janeiro de 2016[7], segundo o qual “[a] expressão “acções para cobrança de dívidas” que consta do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE deve ser interpretada no sentido de que abrange quer as acções executivas quer as acções declarativas que tenham por finalidade obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária”.
4.2. Aqui chegados, cabe extrair as consequências para o caso sub judice do regime legal enunciado.
Em face do teor dos concretos pedidos formulados na presente acção, impõe-se-nos que distingamos dois blocos de pedidos.
4.2.1. Comecemos pelas pretensões constantes das alíneas a) e b) da petição inicial, nos quais a recorrente pediu a condenação da R. a:
a) Pagar à A. a quantia de €16.631,43 (dezasseis mil seiscentos e trinta e um euros e quarenta e três cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Pagar à A. a indemnização prevista no art. 396° do Código do Trabalho. no valor de € 28.035,00 (vinte e oito mil e trinta e cinco euros), acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de a sobredita indemnização poder ser fixada pelo Tribunal entre os 30 e os 45 dias por cada ano, atenta a conduta manifestamente ilícita da Ré, e em condenação extra vel ultra petitum
No que diz respeito a estes pedidos, resulta do já exposto que não se anui ao que foi vertido nas alegações de recurso da A. recorrente no sentido de que, o facto de alguns dos seus créditos não terem sido reconhecidos no PER e de a recorrente manter interesse na sua apreciação, justifica a continuação desta acção (vide a primeira parte da conclusão D).
Com efeito, os créditos retributivos e indemnizatório que a A. pretende fazer valer através da presente acção constituem, todos eles, obrigações pecuniárias de vencimento anterior a 30 de Janeiro de 2012 (data em que operou a resolução do contrato, segundo alega a A.), sendo certo que o despacho que nomeou o Administrador Judicial Provisório no processo de revitalização data de 3 de Junho de 2013. É pois de considerar que todos eles se enquadram na previsão do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, porque de vencimento anterior a esta última data, não tendo qualquer relevo para estes efeitos que os créditos reclamados pela A. tenham sido reconhecidos por valor inferior ao que a mesma entende ser-lhe devido.
Igualmente carece de relevo a alegação da recorrente de que a sentença que homologou o plano de revitalização nunca lhe chegou a ser notificada.
Desde logo, e em primeiro lugar, porque de tal sentença foi interposto recurso e o Acórdão da Relação do Porto que veio a recair sobre tal recurso, confirmativo da sentença homologatória no que diz respeito à homologação do plano, foi notificado ao seu ilustre mandatário através de notificação por ofício elaborado via citius em 16 de Outubro de 2014 (facto 3.9.).
Assim, pelo menos desde então, ficou a ora recorrente ciente de que havia sido proferida sentença homologatória do plano de revitalização, podendo a partir de então arguir na sede própria – ou seja, naquele processo especial que corre na Secção do Comércio – as nulidades processuais que entendesse verificarem-se por virtude da sua não notificação da sentença sobre que aquele acórdão se debruçou (cfr. os artigos 149.º e 195.º e ss. do Código de Processo Civil).
Não demonstrou a A. nestes autos que o houvesse feito e que tivesse ali sucesso numa eventual arguição de nulidades, pelo que não pode este tribunal daí retirar quaisquer efeitos.
Em segundo lugar, não pode perder-se de vista o disposto no artigo 17.º-F, n.º 6 do CIRE segundo o qual a decisão do juiz que homologa o plano conducente à revitalização “vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações”, sendo que no caso a ora recorrente participou activamente nas negociações, como decorre dos factos apurados, vindo o seu crédito a ser reconhecido, embora com os limites que ficaram a constar do plano, bem como a ser previsto neste o modo do seu pagamento pelo que, por maioria de razão, se mostra também ela, enquanto credora, vinculada pelo plano de revitalização homologado.
Em terceiro lugar, não se verifica in casu a ressalva constante da parte final do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, uma vez que o plano de revitalização não prevê a continuação da presente acção no que respeita à cobrança das dívidas nela reclamadas relativas a indemnização e créditos retributivos vencidos em data anterior à resolução do contrato de trabalho que vinculou as partes.
Assim, no que diz respeito aos pedidos constantes das alíneas a) e b) do petitório, porque a presente acção constitui, inequivocamente uma acção de cobrança de dívidas, preenchendo a previsão do nº 1 do art. 17º-E – uma vez que com a mesma se pretende o reconhecimento dos créditos peticionados e, consequentemente, o pagamento/cobrança das inerentes dívidas –, deve a instância ser declarada extinta em consequência da aprovação e homologação do plano de recuperação da R. ora recorrida, que não previu a sua continuação.
4.2.2. Mas na petição inicial a A. formulou ainda os pedidos de condenação da R. a:
c) Reconhecer à A. o direito a um complemento para custear medicação, bem como o direito a um complemento de pensão de reforma, cf. doc n.º 5 anexo e que pretende ver reconhecido, a fim de ser exercitado e liquidado em sede de execução de sentença;
d) Entregar à A. o Certificado de Trabalho a que alude o artigo 341º do Código do Trabalho.
E na apelação a recorrente vem justamente a alegar que mantém interesse numa decisão do tribunal a quo relativamente aos créditos de “complemento de reforma” e “suplemento de medicação”.
Analisados os pedidos que a recorrente fez constar da alínea c) da sua petição inicial, verifica-se, desde logo, que os mesmos não têm por objecto imediato o cumprimento de uma obrigação pecuniária, pelo que se não mostram abarcados pela previsão do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE.
Com efeito, sufragamos a este propósito a tese expressa no Acórdão da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2015, processo n.º 8176/11.5TBMTS.P1, que, depois de uma exaustiva tarefa hermenêutica com vista a fixar o alcance da previsão legal do artigo 17.º-E do CIRE, concluiu que “tanto ações declarativas, como ações executivas são abrangidas pelo disposto no nº 1, do artigo 17º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, desde que respeitem a obrigações pecuniárias, em sentido estrito, isto é, desde que tenham por objeto uma prestação em dinheiro, excluindo-se dessa previsão as dívidas de valor”.
No caso vertente, nem mesmo de uma dívida de valor se pode falar ainda no que respeita aos alegados créditos de “complemento de reforma” e “suplemento de medicação”, (entendendo-se as dívidas de valor como aquelas que não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação[8]).
Por outro lado, ainda que os alegados direitos ao “complemento de reforma” e ao “suplemento de medicação” sejam susceptíveis de se concretizar em concretas obrigações a cargo da R. cujo objecto é uma prestação em dinheiro, caso venham a ser reconhecidos, verifica-se que na presente acção não é reclamado qualquer crédito, com tal fundamento, que se tenha vencido até à data do despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório no processo especial de revitalização. Ora, na medida em que o artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art. 17º-C do CIRE, é de considerar que não estão abrangidos na hipótese determinativa da suspensão e subsequente extinção da instância previstas naquele artigo 17º-E, n.º 1, as acções que tenham por objecto créditos vencidos ou a vencer-se após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório no processo especial de revitalização[9].
Estas considerações valem igualmente quanto ao pedido que a recorrente fez constar da alínea d) do petitório, no qual é pedida a entrega pela R. à mesma do Certificado de Trabalho a que alude o artigo 341º do Código do Trabalho o que, manifestamente, não tem por objecto o cumprimento imediato de uma obrigação pecuniária.
4.2.3. Em suma, face ao preceituado pelo art. 17º-E nº 1 in fine do CIRE, verifica-se a impossibilidade superveniente da lide no que diz respeito aos pedidos formulados nas alíneas a) e b) da parte final da petição inicial, o que importa nos termos do artigo 277.º, alínea d), do Código de Processo Civil a extinção da instância da presente acção declarativa, no que concerne aqueles pedidos nela elencados, não merecendo censura, nesta parte, a decisão do tribunal a quo que assim o determinou.
Quanto aos demais pedidos formulados, independentemente do seu mérito, uma vez que não se traduzem na condenação da R. ao cumprimento de obrigações pecuniárias e nenhum crédito já vencido à data da nomeação do administrador provisório no processo especial de revitalização é alegado pela recorrente e com fundamento nestes direitos que pretende ver judicialmente reconhecidos, continuam preenchidas as condições para a prossecução da presente acção declarativa, o que implica a parcial procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida, com os limites assinalados.
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4.3. A responsabilidade pelas custas na parte da apelação em que a A. ora recorrente obteve vencimento ficam a cargo da recorrida e a parte restante a cargo da recorrente que nela decaiu (artigo 527.º do Código de Processo Civil), fixando-se a primeira em 1/10 e a segunda em 9/10. Atender-se-á, contudo, a que a recorrente beneficia de apoio judiciário (fls. 297).
As custas da acção relativas à parte cuja extinção foi determinada pela aprovação do plano de revitalização da R. são também a cargo desta, pois a extinção não pode deixar de se considerar facto a si imputável (por ter requerido o PER, de forma voluntária, e para poder continuar a manter a sua actividade económica), recaindo, por isso, sobre a Ré a responsabilidade, nos termos do art. 536º, nº 3, in fine do Código de Processo Civil (vide o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2015). Quanto à parte relativamente à qual a acção vai prosseguir, as custas serão conforme vencimento a final.
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5. Decisão
Em face do exposto, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência:
5.1. mantém-se a decisão recorrida de extinção da instância no que diz respeito aos pedidos elencados nas alíneas a) e b) da petição inicial;
5.2. revoga-se a decisão recorrida no que diz respeito aos pedidos elencados nas alíneas c) e d) da petição inicial e ordena-se o prosseguimento dos autos quanto aos mesmos.
Custas da apelação pela recorrente e recorrida na proporção de 9/10 e 1/10, atendendo-se a que a primeira beneficia de apoio judiciário.
Custas da acção pela recorrida na proporção de 9/10, sendo a parte restante conforme vencimento a final.

Porto, 15 de Fevereiro de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Proferido no Processo n.º 1247/12.2TTBRG.P1 e relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Dra. Maria Fernanda Soares, no qual a ora relatora interveio como adjunta.
[2] Proferido no Processo n.º 516/12.6TTBRG.P1 e relatado pela ora primeiro adjunto.
[3] Proferido no Processo n.º 407/12.0TTBRG.P1.
[4] Tal posição foi igualmente perfilhada em múltiplos outros arestos, designadamente nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2014, processo n.º 899/12.8TTVFX.L1-4, da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2014, processo n.º 1112/13.6TTCBR.C1, da Relação de Évora de 16 de Janeiro de 2014, processo n.º 358/13.1TTPTM.E1, da Relação de Guimarães, de 29 de Janeiro de 2015, processo nº 5632/12.1TBBRG.G1, da Relação do Porto, de 11 de Maio de 2015, processo nº 440/07.4TVPRT-B.P1, da Relação de Coimbra, de 19 de Maio de 2015, processo nº 3105/13.4TBLRA.C1, da Relação de Lisboa, de 25 de Junho de 2015, processo nº 7452/13.7TBCSC-B.L1-8, da Relação de Évora, de 25 de Junho de 2015, processo nº 116428/13.7YIPRT.E1 e de 22 de Outubro de 2015, processo n.º 37.332/13.0YIPRT.E1, todos proferidos em processos em que se suscitava justamente a questão aqui em apreciação, quer na perspectiva da suspensão da instância, quer na da extinção da instância das acções declarativas destinadas a fazer valer créditos contra o devedor em processo especial de revitalização, ambas previstas no artigo 17.º-E do CIRE. No sentido de que apenas as acções executivas se mostram abrangidas pela previsão legal em causa conhecemos os Acórdãos da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2013 e de 21 de Abril de 2015 e a decisão sumária de 25 de Agosto de 2015 do mesmo tribunal, respectivamente proferidos nos processos n.ºs 1190/12.5TTLSB.L1, 172724/12.6YIPRT.L1-7 e 7976/14.9T8SNT.L1-4, cuja doutrina, salvo o devido respeito e pelas razões apontadas, não sufragamos, a despeito de reconhecer a valia dos argumentos ali esgrimidos.
[5] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Lisboa, 2013, pp. 164-165.
[6] Processo n .º 1190/12.5TTLSB.L2.S1, in www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 172724/12.6YIPRT.L1.S1, da 6.ª Secção, in www.dgsi.pt, que revogou o já citado 21 de Abril de 2015 e cuja revista foi admitida por se ter entendido estar demonstrada a contradição jurisprudencial sobre a mesma questão fundamental de direito.
[8] Vide a definição do Professor Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Volume I, 6ª edição, Coimbra, 1989, p. 829.
[9] Vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2015.01.05 (Processo n.º 290/14.1TTPNF.P1), in www.dgsi.pt.

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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – A suspensão ou extinção das acções prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE reporta-se às acções judiciais destinadas a exigir o cumprimento de obrigações que tenham por objecto uma prestação em dinheiro, quer se trate de acções declarativas de condenação, quer se trate de acções executivas.
II – Os créditos de retribuições e indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho de vencimento anterior ao despacho que nomeou o administrador judicial provisório no PER enquadram-se no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não tendo qualquer relevo para estes efeitos que os créditos reclamados pelo trabalhador no PER tenham sido reconhecidos por valor inferior ao que o mesmo entende ser-lhe devido.
III – Quanto aos direitos a “complemento de reforma” e “suplemento de medicação” cujo reconhecimento é reclamado na acção declarativa, uma vez que não respeitam a obrigações pecuniárias, em sentido estrito, não se mostram abarcados pela previsão daquele preceito, ainda que, caso venham a ser reconhecidos, sejam susceptíveis de se concretizar no futuro em concretas obrigações a cargo da R. cujo objecto é uma prestação em dinheiro.

Maria José Costa Pinto