Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
131/12.4TELSB-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CRIME
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
CRIME PRECEDENTE
Nº do Documento: RP20170621131/12.4TELSB-D.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECIDIDO E CONFLITO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, LIVRO DE REGISTOS N.º 721, FLS.215-221)
Área Temática: .
Sumário: I - A pena aplicada ao crime de branqueamento, não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, pelo que, se num mesmo processo se julga o crime de branqueamento e um dos crimes do catálogo o chamado «crime precedente», o crime branqueamento não é o crime mais grave.
II - O crime de branqueamento levado a cabo por pessoa colectiva é punível com pena menos grave que o cometido por pessoa singular, já que aquela apenas pode ser punida com pena de multa.
III - Na fase do julgamento apenas os factos descritos e imputados ao arguido na acusação ou pronúncia podem ser atendidos para definir a competência do tribunal; nessa fase está vedado ao juiz averiguar onde se consumou o crime, criando v.g. um procedimento incidental atípico
IV - Se para o julgamento de um o crime de branqueamento, singularmente considerado, é territorialmente competente o Juízo Central Criminal do Porto, a circunstância de esse crime ser julgado conjuntamente com outros, relativamente aos quais não se discute a competência Juízo Central Criminal do Porto, não obsta a que continue a ser competente o Juízo Central Criminal do Porto, irrelevando qualquer primeira notícia de crime, que possa ter havido na área de competência do Juízo Central Criminal de Vila do Conde.
Reclamações: Reclamação Proc. n.º 131/12.4TELSB-D.P1

Importa a resolução do conflito negativo de competência entre os Juízos Centrais Criminais do Porto e de Vila do Conde, ambos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
Atribuem-se reciprocamente a competência, negando a própria, para proceder ao julgamento nos presentes autos.

O Ex.mo juiz do Juízo Central Criminal do Porto declarou-se incompetente com base na seguinte argumentação:
a) Dos crimes imputados aos arguidos o mais grave é o de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A do CP, [a constante referência a art.º 386º-A é manifesto lapso], prisão de 2 a 12 anos;
b) É insuficiente para atribuir a competência dos juízos centrais criminais do Porto a localização na cidade do Porto das sedes das sociedade “B…, SA e C…, SA, “empresas utilizadas e/ou criadas com e no propósito de converter e transferir vantagens obtidas por via do crime de fraude fiscal, como de dissimular a origem ilícita de tais vantagens”;
c) Não se alega [acusação nem pronúncia] onde se encontravam sedeadas as contas bancárias utilizadas nos movimentos bancários;
d) Não se alega onde foram realizados os depósitos em numerário e/ou a transferência bancária e/ou levantamento de cheques ao balcão, bem assim onde se encontravam sedeadas as contas bancárias utilizadas nos referidos fluxos monetários;
e) Tais elementos fácticos em falta eram essenciais para localizar os concretos locais de consumação do crime de branqueamento;
f) Inexistindo essa referência urge lançar mão do critério legal do art.º 21º do CPP, área territorial do tribunal em que primeiro houve notícia do crime e a primeira denúncia foi na área de jurisdição da Comarca de Matosinhos.

O Ex.mo juiz do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, não aceitou a competência que lhe foi atribuída, declarou-se incompetente e atribuiu competência aos Juízos Centrais Criminais do Porto sustentando para tal:
a) Ainda que se entendesse que o critério definidor seria o do local onde primeiro ocorreu denúncia/notícia do crime, art.º 21º, n.º2 do CPP, refere que essa notícia inicial, que foi arquivada, deu origem ao processo 48/11.0IDPRT que por sua vez deu origem ao presente processo;
b) Quanto ao local onde se encontram sediadas as contas bancárias utilizadas nos movimentos bancários, dos vários quadros constantes da pronúncia constam identificados os movimentos e respectiva documentação, constatando-se da respectiva consulta que a sede de cada uma das contas bancárias é sempre no Porto;
c) Acresce que as empresas B… SA – … e C… SA – …, têm ambas a sede na cidade do Porto e foram criadas com o propósito de converter e transferir vantagens obtidas por via do crime de fraude fiscal;
d) Sendo o crime mais grave o crime de branqueamento foi na cidade do Porto que o mesmo se consumou.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que é competente Juízo Central Criminal do Porto.
Os factos relevantes:
Imputa-se no despacho de pronúncia a alguns dos arguidos, entre o mais, a prática dos seguintes crimes:
D…, em co-autoria, em concurso real e na forma consumada:
De cinco crimes de fraude fiscal qualificados (…) dois (…), p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e 104º, nºs 1, 2, al. a) e b) e nº 3 do RGIT, na redacção dada pela L. nº 64-B 2011 de 30.12.
Um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art.º. 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do CP.

E…, em co-autoria, em concurso real e na forma consumada, em representação e no interesse da B… SA, três crimes de fraude fiscal qualificados, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e 104º, nºs 1, 2, al. a) e b) e nº 3 do RGIT, na redacção dada pela L. nº 64-B 2011 de 30.12. e um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art.º. 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do CP.

B…, SA, em co-autoria, em concurso real e na forma consumada, de três crimes de fraude fiscal qualificados, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e 104º, nºs 1, 2, al. a) e b) e nº 3 do RGIT, na redacção dada pela L. nº 64-B 2011 de 30.12. e um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do CP.

C…, SA, em co-autoria e na forma consumada, um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do CP.

Do despacho de pronúncia, quanto ao crime branqueamento, consta entre o mais:
1. [Nova numeração, no original n.º 1953]
Na contabilidade da B… encontra-se arquivado um cheque no valor de €25.000,00, sacado sobre a conta da B…, sediada no F…, com data de 05.02.2010, cuja beneficiária foi a vendedora. [Em nota consta: Cf. apenso C-3, vol. XII, fl. 4418 e apenso B-3, vol. IV, fl.1510.]

2. [Nova numeração, no original n.º 1956]

Nos dias imediatamente anteriores à emissão do referido cheque, foram realizados quatro depósitos em numerário, sendo:



3 [Nova numeração, no original n.º 1986]
Este montante de €250.000,00 tem origem em diversos depósitos em numerário, efectuados por D…, E… e G…, este último funcionário da B…, no valor de €220.000,00; e, numa transferência bancária efectuada pela B… a favor de D…, no valor de €32.000,00, conforme se passa a demonstrar no quadro seguinte:


Quid iuris?
§ 1. O dissídio tal como vem configurado, mas reconduzido ao essencial, tem a ver com o local onde se consumou o crime de branqueamento, crime que na 1ª instancia foi tido como o mais grave.
A regra geral em sede de competência territorial é a de que é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação, art.º 19º n.º1 do Código de Processo Penal.
A questão da competência foi suscitada após o despacho de pronúncia pelo que, em primeira linha, é aos factos nela descritos que deve atender-se para definir a competência territorial do tribunal.
Os arguidos D…, E…, B…, SA e C…, SA, foram pronunciados, entre o mais, pela prática de cinco crimes de fraude fiscal qualificados, p. e p. pelos artºs 103º, n.º1, al. a) e 104º, n.º1 e 2, al. a) e b) e n.º 3 do RGIT e um crime de branqueamento, na forma consumada, p. e p. pelo art.º. 368º-A, nºs. 1, 2 e 3 do CP.

§ 2. O crime mais grave.
Dispõe o artigo 104.º do RGIT, na parte aqui relevante, quanto à fraude qualificada:
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.

Dispõe o artigo 368.º-A do CP quanto ao branqueamento:
(…)
2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.
(…)
10 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.

Do despacho de pronúncia, como da antecedente acusação, resulta claro que o crime de branqueamento, a conversão, teve por objecto os bens provenientes da prática do crime fraude fiscal. Sendo a fraude fiscal qualificada em questão, punível com pena de prisão de dois a oito anos, a moldura penal abstracta do branqueamento - pena de prisão de dois a doze anos, art.º º 368.º-A, n.º2 do CP - fica limitada no seu limite máximo a oito anos de prisão, por força do disposto no art.º 368.º-A, n.º10 do CP, pois, no crime de branqueamento, a pena aplicada não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. Assim, ao contrário do que se teve como assente na primeira instância, não é o crime de branqueamento o mais grave; ambos os crimes são de igual gravidade. Mais: considerando e reportando o crime de branqueamento apenas às sociedades “B…, SA e C…, SA, “empresas utilizadas e/ou criadas com e no propósito de converter e transferir vantagens obtidas por via do crime de fraude fiscal”, como faz o Ex.mo juiz dos Juízos Centrais Criminais do Porto, estamos em presença de crime menos grave, pois é punido apenas com pena de multa, art.º 11º, n.º2 do CP.

§ 3. A argumentação seguinte do Ex.mo juiz dos Juízos Centrais Criminais do Porto é a de que inexistindo referência ao local da consumação do crime de branqueamento importa, para os fins do art.º 21º do CPP, saber em que área territorial primeiro houve notícia do crime; ou em face da conexão de processos, como é o caso dos autos como alega, procurar saber tendo em vista o art.º 28º al. c) do CPP, qual o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do qualquer dos crimes, o que segundo ele foi na [antiga] Comarca de Matosinhos.
Cabe liminarmente referir que há alguma confusão quanto ao âmbito de previsão e aplicação das normas do art.º 21º e 28º do CPP. O critério usado em ambos os casos, sendo o mesmo – primeiro tiver havido notícia do crime - pressupõe uma realidade diferente. O art.º 21º do CPP, regula a competência no caso de um crime e logicamente um processo relacionado com áreas diversas e houver dúvidas quanto ao local onde ocorre a consumação; pressuposto de aplicação do art.º 28º do CPP, é não só a existência de conexão relevante, mas além disso de vários processos da competência de tribunais com jurisdição em diferentes áreas ou com sede na mesma comarca.

§ 4. Sabido que a nova orgânica judiciária não mereceu ainda do legislador devida adequação a nível do Código de Processo Penal, compete ao intérprete realizar essa congruência, pois hoje “em cada comarca passa a existir apenas um tribunal judicial” preâmbulo do DL n.º 49/2014, de 27 de Março, e os Juízos Centrais em conflito [Porto e Vila do Conde], pertencem à Comarca do Porto. Estruturando-se agora a Comarca em juízos centrais, locais, de proximidade, etc. - DL n.º 86/2016, de 27 de Dezembro - e contemplando ainda a existência de tribunais de competência territorial alargada, o conflito entre qualquer destas estruturas reconduz-se a conflito de competência.
Do que se trata, como muito pragmaticamente disse, a outro propósito, Figueiredo Dias, é de encontrar soluções justas e adequadas para concretos problemas. O caso concreto tem de ser funcionalmente projectado no amplo contexto do sistema normativo do Código de Processo Penal e aí resolvido. De outro modo não ultrapassamos o casuísmo nem respondemos às exigências precisas de determinação prévia do “tribunal” competente, necessárias para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em desrespeito pelo princípio constitucional do juiz natural.
§ 5. Estamos perante uma pluralidade de arguidos e de crimes o que, numa primeira análise, convoca como factor coadjuvante de decisão as regras da competência por conexão para saber qual o tribunal competente, art.º 24º do CPP.
O crime de branqueamento é o crime subsequente, funcionando o crime de fraude fiscal como o ilícito típico o «crime precedente» ou «predicate offence», verificando-se entre eles concurso real, cfr Acórdão do STJ de 8-01-2014 [ARMINDO MONTEIRO] e AUJ n.º 13/2007, de 22-07, atenta a diversidade e autonomia de bens jurídicos protegidos. Sem crime precedente, punível como tal, não se verifica o tipo de ilícito de branqueamento, que não exige a condenação anterior ou simultânea, artigo 368.º-A do CP.
Mas uma coisa é a mera conexão de processos, que pode não ter qualquer repercussão sobre a determinação do tribunal competente para o julgamento; diverso o caso de a conexão de processos implicar uma alteração na competência do tribunal que vai realizar o julgamento.
§ 6. Sendo assim, apesar de o crime de branqueamento não ser o crime mais grave, mas de igual gravidade, importa saber qual o tribunal em cuja área de competência se consumou, pois sabendo-se onde se consumou afasta-se a aplicação do 25º do CPP. Por outro lado, a resposta a essa questão releva para eventual aplicação do art.º 28º do CPP.
Não sendo a competência por conexão um modo originário de atribuição de competência, mas de prorrogação de competência, e por isso se afirma que não há incompetência por conexão, não pode funcionar prevalecendo em desfavor da competência material, funcional e territorial, mas apenas em articulação com a competência material, funcional e territorial, dentro do estrito quadro legalmente consagrado, sob pena de se poder violar o princípio constitucional do juiz natural.
Assente que um crime se consumou em determinada comarca, ou na área de competência de um tribunal/juízo, a circunstância de ter havido a primeira notícia do crime na área de competência de outra comarca ou tribunal/juízo irreleva, se os demais crimes em conexão se consumaram na área de competência da mesma comarca ou tribunal/juízo, ou se, o que é equivalente, quanto aos demais crimes não se discute a competência. E terá de ser assim, sob pena de se violar o princípio constitucional do Juiz natural.

§ 7. Como já tivemos oportunidade de afirmar várias vezes, formulada a acusação ou proferido despacho de pronúncia, que delimitam o objecto do processo e recebidos os autos para julgamento está vedado ao juiz averiguar onde se consumou o crime, criando v.g. um procedimento incidental atípico. Esse dado de facto consta ou não consta da acusação ou despacho de pronúncia. Apenas os factos descritos e imputados ao arguido na acusação ou pronúncia podem ser atendidos para definir a competência do tribunal, não podendo o tribunal lançar mão de quaisquer outros factos, Acórdão do STJ de 9-05-2007, CJ STJ, 2007, T2, pág.178.

§ 8. Lido o despacho de pronúncia não estamos, quanto ao branqueamento, perante crime de localização desconhecida.
Os despachos judiciais, categoria onde se engloba o de pronúncia, devem ser lidos na sua totalidade e não estão subtraídos às regras da interpretação. Um despacho de pronúncia de muitas centenas de páginas “visto à lupa” padece, por vezes, de pequenos lapsos, algumas omissões, redundâncias, etc. Misturam-se por vezes factos e meios de prova, vício de que padece, a mais das vezes, a acusação que o precede.

O crime de branqueamento é um crime de perigo abstracto quanto ao necessário grau de lesão do bem jurídico protegido – a realização da justiça – mas quanto à forma de consumação do “branqueamento” das vantagens é um crime de resultado.
O branqueamento, na parte que aqui releva, foi viabilizado pela actividade dos arguidos D…, E… e das sociedades B… e da C… e implicou um plano criado com o propósito de justificar, formalmente, a circulação de dinheiro, a realização de inúmeras transferências bancárias, o levantamento ao balcão de avultadas quantias através de cheques emitidos a seu favor, a realização de registos na conta de suprimentos e a aquisição de património imobiliário, cf. art.º 1947, da pronúncia, fls. 12760v, do 37º volume.
As sociedades em questão sempre estiveram sediadas na cidade do Porto, fls. 12096v e 12763, do despacho de pronúncia.

Como vimos, sustenta o Ex.mo juiz do Juízo Central Criminal do Porto que é insuficiente para atribuir a competência dos juízos centrais criminais do Porto a localização na cidade do Porto das sedes das sociedade “B…, SA e C…, SA, “empresas utilizadas e/ou criadas com e no propósito de converter e transferir vantagens obtidas por via do crime de fraude fiscal, como de dissimular a origem ilícita de tais vantagens”. Na sua óptica, era fundamental que a pronúncia referisse onde se encontravam domiciliadas as contas bancárias utilizadas nos movimentos bancárias.
Que dizer?
Em primeiro lugar é anódino saber onde, em que local, está sediada ou domiciliada uma conta bancária, pois o critério definidor da competência do tribunal é a área onde “se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação”, art.º 19º, n.º 3 do CPP, pelo que o domicílio da conta pode estar numa qualquer parte do mundo e os actos de execução ocorrerem noutro local. Depois, como já deixamos subentendido, a factualidade constante do despacho de pronúncia não consente que se afirme que o crime de branqueamento está relacionado com áreas de competência de diversos tribunais, nem temos factos que instalem a dúvida, quanto à área em que o mesmo se consumou, pelo que é infundado chamar á discussão o art.º 21º do CPP.
A descrição factual constante da pronúncia, no que ao crime de branqueamento respeita, é suficiente para concluir pela consumação dos factos na cidade do Porto. Esquece o Ex.mo juiz que na acusação ou pronúncia apenas se exige a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança; e se possível, o lugar, o tempo…, art.º 283º, n.º3, al. b) ex vi art.º 308º, n.º2 do CPP. Por outro lado, a pronúncia mais do que meras contas bancárias, identifica a concreta circulação de dinheiro, as próprias transferências bancárias, o dia do levantamento ao balcão de avultadas quantias através de cheques emitidos a favor do arguido, o dia da realização de registos na conta de suprimentos e a aquisição de património imobiliário, actos de execução em resultado dos quais indiciariamente se realizou o crime de branqueamento. Se a pronúncia tem o mais, tem o menos…
A título de exemplo, de fls. 12.761, art.º 1953º da pronúncia [1 dos factos assentes na nossa numeração] resulta que o pagamento da aquisição de uma propriedade saiu da conta da B…, sediada no F…. Ora compulsando o apenso B-3, Vol. IV, fls. 1510 constata-se que a conta do F… de onde foi retirada a quantia monetária de €25.000,00 à ordem de Prazeres da Conceição está sediada em …, cidade do Porto… De fls. 1418 do Apenso B-2 vol. IV, conclui-se que a conta do F… da B… está sediada em …, cidade do Porto. Analisando as remissões do art.º 1956º [2 dos factos assentes na nossa numeração] conclui-se que os quatro depósitos em numerário - €50.000,00; €40.000,00; €40.000,00 e €25.000,00 – foram realizados em conta sediada em … cidade do Porto, fls 419 e segts do Apenso B-2 vol. IV. A C… tinha a conta do H… sediada na sucursal do …, fls. 30 do Apenso B-23 e a conta do F… em …, fls. 37 do mesmo apenso, consabidamente da cidade do Porto. Do art.º 1986, [3 dos factos assentes na nossa numeração], quadro de fls. 12765 dos autos e do respectivo suporte documental conclui-se que a conta do F… do arguido D… é da agência de …, cidade do Porto, como resulta profusamente do Apenso B-2, vol. I, fls. 302, 303, 304 e 305, do Apenso B-2, vol. II, fls. 588, 604, do Apenso B-2, vol. IV, fls. 1317, 1529, 1530, 1531, 1532, 1535, 1536, 1537 e 1538.

§ 9. A alegação por remissão parcial, para documentos arrolados como meios de prova e relativamente a pontos de facto concreta e inequivocamente identificados, não belisca o direito de defesa do arguido e não alarga o objecto do processo, pelo que é processualmente válida. Se o juiz quiser inteirar-se desse facto - onde está domiciliada a conta bancária – não há obstáculo a que consulte o documento pertinente, pois nem sequer constitui alteração factual relevante, como resulta do exposto.

Ocorrendo os actos de execução do crime de branqueamento na cidade do Porto é territorialmente competente, no caso, o Juízo Central Criminal do Porto. Se para o julgamento do crime de branqueamento, singularmente considerado, é territorialmente competente o Juízo Central Criminal do Porto, a circunstância de esse crime ser julgado conjuntamente com outros crimes, relativamente aos quais não se discute a competência do Juízo Central Criminal do Porto, continua a ser competente o juízo Central Criminal do Porto, irrelevando qualquer primeira notícia de crime que possa ter havido na área de competência do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, o que afasta a aplicação do art.º 28º do CPP.
§ 10. Concluindo:
I - A pena aplicada ao crime de branqueamento, não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, pelo que, se num mesmo processo se julga o crime de branqueamento e um dos crimes do catálogo o chamado «crime precedente», o crime branqueamento não é o crime mais grave.

II - O crime de branqueamento levado a cabo por pessoa colectiva é punível com pena menos grave que o cometido por pessoa singular, já que aquela apenas pode ser punida com pena de multa.

III - Na fase do julgamento apenas os factos descritos e imputados ao arguido na acusação ou pronúncia podem ser atendidos para definir a competência do tribunal; nessa fase está vedado ao juiz averiguar onde se consumou o crime, criando v.g. um procedimento incidental atípico

IV - Se para o julgamento de um o crime de branqueamento, singularmente considerado, é territorialmente competente o Juízo Central Criminal do Porto, a circunstância de esse crime ser julgado conjuntamente com outros, relativamente aos quais não se discute a competência Juízo Central Criminal do Porto, não obsta a que continue a ser competente o Juízo Central Criminal do Porto, irrelevando qualquer primeira notícia de crime, que possa ter havido na área de competência do Juízo Central Criminal de Vila do Conde.
Decisão:
Julga-se competente para o julgamento o Juízo Central Criminal do Porto.
Observe de imediato o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.
Não há lugar a tributação.

Porto, 21 de Junho de 2017.
António Gama
Decisão Texto Integral: