Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23987/16.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
PREJUÍZO SÉRIO
ÓNUS DA PROVA
INTERPRETAÇÃO DA CLÁUSULA
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Nº do Documento: RP2019010723987/16.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º287, FLS.214-241)
Área Temática: .
Sumário: I - O Código do Trabalho (2009 tutela o direito do trabalhador à prestação da sua atividade/trabalho no local convencionado, nos termos previstos nos artigos 129.º, al. f), 193.º e 194.º.
II - A leitura do artigo 194.º não prescinde que se tenha presente o princípio da inamovibilidade, na justa medida em que nele se preenche uma das garantias do trabalhador, compreendendo-se facilmente que, para admitir a mudança de local do trabalho, se deva ponderar que o trabalhador, sabendo que a sua atividade está localizada, condicione muitas vezes a sua vida pessoal em função desse lugar.
III - O prejuízo para o trabalhador, a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 194.º, deve ser avaliado de acordo com um parâmetro de boa fé no cumprimento do contrato, impondo o dever de colaboração que o trabalhador sacrifique conveniências pouco relevantes ao interesse da empresa e, em contrapartida, que tenha de se verificar, do ponto de vista empresarial, uma razão económica, técnica, organizacional, etc. ponderosa, que justifique a mudança de local.
IV - Incumbe ao empregador fazer a prova dos factos constitutivos do direito de alterar o local de trabalho do trabalhador (artigo 342º/1 CC), incumbindo por sua vez a este fazer a contraprova de que, no caso, existe um prejuízo sério, assim como provar os factos que integram este conceito, isto é, o trabalhador tem de fazer a prova dos factos impeditivos (artigo 342º, nº 2 do CC).
V - Admitindo o artigo 194.º que o regime nele previsto possa ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (n.º 6), constando de cláusula expressa, para além do mais, que “no caso de transferências definitivas, a entidade empregadora terá em atenção a expectativa geográfica que, à data da criação da D…, cada trabalhador tinha em relação à sua mobilidade geográfica e que “poderá, ainda, proceder a transferência que não se enquadre naquela expectativa, desde que desta não resulte uma deslocação entre a residência e o novo local de trabalho superior a 2 horas, em transporte público”, considerando o carácter normativo da analisada cláusula, na sua interpretação teremos de aplicar os critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do CC, sem todavia perdermos de vista as circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar, como estipulado no artigo 520º, nº 2 do CT e, bem assim, que se trata de um instrumento que é decorrente de negociações entre as partes e, nessa medida, se distingue da lei, fornecendo aquelas negociações elementos relevantes para a interpretação nas respetivas cláusulas.
VI - É por referência aos critérios estabelecidos nas referidas normas que importa fixar, de entre os sentidos possíveis da cláusula, qual é o seu sentido e alcance decisivo, para o que importará ter presente o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei“) – com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto –, mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico – pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica –, integrado pelos elementos sistemático, racional ou teleológico (a ratio legis) e histórico.
VII - O elemento gramatical ou textual (a “letra da lei“), tendo a função negativa de eliminar todos os sentidos que não encontrem no texto qualquer apoio, correspondência ou ressonância, permite afastar uma interpretação, por não nesse texto qualquer correspondência, de que apenas se pretendesse “salvaguardar a situação dos colaboradores dos D2… à data da fusão, para não serem transferidos para fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto” ou que “a expectativa geográfica” à data da criação da D1… fosse “para os trabalhadores oriundos da empresa D2…, as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, para os trabalhadores das demais empresas que se fundiram, todo o território nacional”.
VIII - O texto da cláusula aponta, também, um critério objetivo, ao fazer menção expressa, mas para além já dos casos abrangidos pela “expectativa geográfica” que se quis salvaguardar na primeira parte do mesmo n.º 8 (aquela que, “à data da criação da D1…, cada trabalhador tinha em relação à sua mobilidade geográfica”), a uma duração máxima da deslocação do trabalhador até duas horas em transportes públicos, para ser possível a sua transferência definitiva de local de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 23.987/16.7T8PRT.P1
Autor/recorrido: B…
Ré/recorrente: C…, S.A.
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Relator: Nelson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra C…, S.A., peticionando a condenação desta a ver declarada a revogação da sua ordem de transferência de local de trabalho, a pagar-lhe todas as despesas ocasionadas com a apontada transferência, bem como uma indemnização por danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, devendo ainda a Ré ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da revogação da apontada ordem de transferência.
Alegou, para tanto e em suma, que, trabalhando para a Ré, foi por esta transferido, sem o seu acordo e sem fundamento legal, de local de trabalho, o que lhe causou prejuízos sérios.

1.1 Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foi a Ré notificada para contestar, o que esta fez, defendendo, também em síntese, que o Autor, segundo é do seu conhecimento, reside na cidade de Braga, sendo que foi no Porto (local para onde foi transferido) que a Ré encontrou funções compatíveis e adequadas ao nível de conhecimentos do Autor.

1.2 Fixado o valor da ação em €30.000.01 e saneado o processo, indicando-se ainda o objeto do litígio e bem assim os temas de prova, prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, veio por fim a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Revogo a ordem de transferência de local de trabalho dada pela R., C…, S.A., ao A., B…, e, em consequência, determino que este seja recolocado no local de trabalho que ocupava anteriormente àquela;
b) Condeno a R. a pagar ao A. o montante que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença e relativo aos encargos suportados pelo segundo com a referida ordem de transferência;
c) Mais condeno a R. a pagar ao A., a título de indemnização por danos morais, a quantia de €5.000 (cinco mil euros), à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
d) Por cada dia de atraso no cumprimento do determinado em a) condeno a R. a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia diária de €200 (duzentos euros);
e) ainda condeno o A. e a R. nas custas do processo, na proporção de dez por cento para o primeiro e de noventa por cento para a segunda.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré,
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2.1 Contra-alegou o Autor,
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1) A R. é uma sociedade comercial por ações que se dedica por conta própria, carácter habitual e escopo lucrativo: “1- A conceção, a construção, a gestão e a exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, a prestação de serviços de comunicações eletrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e a atividade de televisão. 2 – A sociedade tem ainda como objeto a prestação de serviços nas áreas de tecnologias de informação, sociedade da informação, multimédia e comunicação, o desenvolvimento e a comercialização de produtos e equipamentos de comunicações eletrónicas, tecnologias de informação e comunicação, bem como a realização da atividade de comércio eletrónico, incluindo leilões on line, e ainda a prestação de serviços de formação e consultoria nas áreas que integram o seu objeto social. 3 – A sociedade poderá ainda exercer quaisquer atividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas nos números anteriores, diretamente ou através da constituição ou participação em sociedades. 4 – A sociedade pode, mediante deliberação do Conselho de Administração, adquirir e alienar participações em sociedades com objeto social diferente do descrito nos números anteriores, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, novas sociedades, consórcios e associações em participação e, bem assim, constituir ou participar em quaisquer outras formas de associação, temporária ou permanente, entre sociedades e ou entidades de direito público ou privado.”;
2) A R. incorporou por fusão a sociedade comercial por ações outrora denominada por D…, S.A., NIPC: ……….., com sede na Rua …, …, …. - … Lisboa;
3) A R. foi objeto de aquisição por parte da E…;
4) O A. é trabalhador da R., tendo sido admitido através de contrato verbal de trabalho em 3 de julho de 1973, para a categoria de Técnico de Apoio, à época, pela empresa F…, E.P., a qual foi extinta, uma vez que foi incorporada, por fusão, pela antecessora da R.;
5) O A. foi despedido na sequência de procedimento disciplinar e depois reintegrado por decisão judicial;
6) Atualmente o A. aufere um salário base de €1.248,57 e tem o seguinte horário de trabalho: de manhã das 9h até às 12h30min e da parte da tarde das 14h às 17h36min;
7) Através de comunicação datada de 24 de fevereiro de 2015 e cuja cópia consta de fls. 170, a R. notificou o A. de que na sequência de um “processo de mobilidade geográfica com vista à adequação dos recursos humanos às necessidades efetivas da empresa, e decorre das restrições impostas pelo seu novo quadro societário, relativamente a novas admissões”, aquele viria a ser, como foi, transferido do seu local de trabalho, deixando de exercer as suas funções no G…, Edifício …., no Lugar …, na cidade de Braga, para, a partir do sobredito dia 1 de abril de 2015, as passar a exercer no edifício sito na Rua …, …, na cidade do Porto;
8) O A. nunca deu o seu acordo à aludida transferência, tendo, através da interposição de uma providência cautelar não especificada para suspensão da ordem de transferência, que correu termos na 1.ª Secção de Trabalho – J2 da Instância Central de Braga, integrada na Comarca de Braga, sob o n.º de processo 1451/15.1T8BRG, e mediante a instauração de uma outra providência idêntica a esta, manifestado a sua oposição e discordância relativamente à ordenada transferência;
9) O A., até ao momento em que foi transferido para o Porto, exerceu sempre as suas funções em locais de trabalho situados na cidade de Braga, motivo pelo qual constituiu família e fixou residência nesta região, mais precisamente e inicialmente na Rua …, n.º .., …, em Braga, e subsequentemente, desde maio de 2008, no Largo …, n.º …, …. - … …, Vieira do Minho, onde reside;
10) A duração da viagem de …, em Vieira do Minho, à cidade do Porto é de cerca de três horas utilizando transportes públicos e de cerca de duas horas utilizando viatura automóvel própria;
11) O primeiro autocarro disponível para o aludido percurso parte de …, Vieira do Minho, por volta das 6h30min da manhã, chegando à cidade de Braga por volta das 7h45min (isto se inexistirem atrasos, situação que é frequente);
12) Para que o aqui A. consiga apanhar o comboio das 7h45min para o Porto seria necessário, para além de não haver atrasos, que o autocarro passasse próximo da estação da CP ou terminasse ali o seu trajeto, o que não acontece em nenhum dos casos, pelo que o trabalhador tem ainda que deslocar-se, a pé, durante cerca de vinte minutos entre a paragem do autocarro até à estação da CP;
13) Ainda que o A. lograsse chegar a tempo para embarcar no comboio Urbano Braga – Porto/S. Bento das 7h45min, o trajeto até à cidade do Porto duraria uns adicionais cinquenta minutos, aí chegando somente por volta das 8h35min da manhã, sendo ainda necessários cerca de quinze minutos mais para a deslocação, a pé, entre este local de desembarque na cidade do Porto e a Rua …;
14) Tendo o A. que percorrer a pé a distância entre a Rua … e a estação de Porto - S. Bento, no que demora cerca de dez a quinze minutos, apenas consegue embarcar no comboio das 17h45min, que chega a Braga às 18h56min, o que leva a que, à hora de chegada a Braga, o trabalhador não tenha disponível nenhum transporte público que o leve até à sua residência em …, posto que o último autocarro com este destino parte da cidade dos arcebispos às 18h30min;
15) A esposa do A. é doméstica;
16) A mãe do A. está a cargo deste mas não coabita com o mesmo;
17) Desde 1 de abril de 2015 que o A. tem estado, em exclusivo, a custear as despesas com os acréscimos de transportes;
18) Cada viagem diária de táxi entre … e Braga ascende à quantia de €50, sendo que o percurso inverso, Braga a …, perfaz €51,70;
19) A que há que acrescentar as despesas tidas semanalmente com os comboios da CP, ou seja, a quantia de €31;
20) Existe um passe da CP que permite viagens entre Braga e Porto com um custo mensal de €72,45.
21) No que concerne aos encargos com as deslocações de comboio entre Braga e Porto, e vice-versa, que a R. se comprometeu a assumir perante o A., apenas ainda não lhe foram pagos pelo facto de o trabalhador não ter inserido no portal do colaborador os documentos comprovativos, para que possam ser processados para pagamento pela R.
22) O descrito em 7) fez com que o A. se sinta vexado, desorientado, passando a sentir dificuldades em conciliar o sono, dores de cabeça, ansiedade, angústia e humilhação, até porque não consegue suportar as despesas inerentes à modificação do seu local de trabalho e ao mesmo tempo sustentar a sua família;
23) Como é do conhecimento da R., o A. não é, na cidade de Braga, o trabalhador com menor antiguidade na empresa;
24) O posto de trabalho anteriormente ocupado pelo A. não foi extinto, nem o foram as funções por este exercidas;
25) O aludido local de trabalho, no G…, sito no Lugar …, Edifício …, na cidade de Braga, permanece a laborar;
26) Não ocorreu nenhuma saída, durante o segundo/terceiro trimestre de 2015, de um outro trabalhador que à época se encontrava a exercer as funções no edifício da … descritas na missiva que comunicou a transferência em apreço, porquanto nenhum dos três trabalhadores que então se encontravam a exercer funções no repartidor no edifício da …, …, no Porto, a saber, H…, I… e J…, apresentaram no apontado período temporal qualquer pedido de reforma, pré-reforma, suspensão do contrato de trabalho, transferência do local de trabalho, cedência ocasional, tendo em vista abandonarem a empresa e/ou o aludido local de trabalho;
27) O pedido de reforma de H… foi deferido em 20 de novembro de 2015, com efeitos a 22 de dezembro de 2015;
28) A R. tem no piso quarto do sobredito edifício …, mais concretamente no G1…, três técnicos habilitados para preencher o lugar do A., a saber, K…, L… e M…, mas que a R. mantém inativos, sem funções atribuídas.”
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1.3 Base factual a atender
Nos termos anteriormente expostos, a base factual a atender, para a aplicação do direito do caso, é a que como tal foi considerada pelo Tribunal a quo, com exceção do que fez constar do ponto 24.º, que se tem por não escrito, e com aditamento do seguinte:
“Em 1994 constituiu-se a D…, um operador único nacional de telecomunicações que juntou as empresas do sector cujo capital era totalmente detido pelo Estado através da Comunicações Nacionais: A D1…, os D2… e a D3…”.
2. O Direito
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2.1 Questão de saber se a ordem de transferência do Autor é ilegal
2.1.1 O local de trabalho/mobilidade geográfica
2.1.1.1 Introito

Será certamente indesmentível que, no âmbito da relação laboral, a questão do local de trabalho assume particular relevância, constituindo um dos elementos mais relevantes do contrato de trabalho, seja na ótica do empregador seja na do trabalhador.

Não obstante, enquanto entidade patronal, beneficiária da prestação laboral, assiste a essa, no âmbito da sua iniciativa económica e livre modo de gestão empresarial, escolher e definir o local onde irá exercer a sua atividade económica, podendo depois, no âmbito dos seus poderes de direção e organização dessa atividade, determinar ao trabalhador o local onde este deverá prestar a sua atividade, muito embora, importa lembrá-lo, sem prejuízo das limitações ou exigências que decorram da lei ou que estejam convencionalmente previstas, assim desde logo, sendo esse o caso, sobre a garantia da inamovibilidade do trabalhador. Por sua vez, vista a questão na ótica do trabalhador, torna-se desde logo apodítico dizer que é de acordo com o seu local de trabalho que o mesmo irá afinal organizar a sua vida, assim nomeadamente quanto ao local em que acaba por fixar a sua residência, com interferência direta na organização do seu próprio núcleo familiar, incluindo inserção no meio envolvente, criando um conjunto de interações com esse meio e em função das respetivas especificidades.
Foi precisamente por ser sensível à conjugação dos interesses legítimos de cada uma das partes (empregador e trabalhador), visando-se o equilíbrio que se teve por adequado, que o legislador sentiu a necessidade de regulamentar tal matéria na lei, atualmente nos artigos 129.º, n.º 1, al. f)[1], e 193.º a 196.º do Código do Trabalho (CT), em particular, quanto à transferência do local do trabalho, no que agora aqui importa, os artigos 194.º, n.ºs 1, al. b), e 6[2], e 196.º[3].
A leitura do artigo 194.º, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2014[4], “não prescinde que se tenha presente o princípio da inamovibilidade, na justa medida em que nele se preenche uma das garantias do trabalhador: «É proibido ao empregador: Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo» [Art. 129º nº1 al. f) CT/2009]”, mais se acrescentando, no mesmo Acórdão, que a razão de ser desse princípio “facilmente se compreende: «Para admitir a mudança do local de trabalho tem de se ponderar que o trabalhador, sabendo que a sua atividade está localizada, muitas vezes, condiciona a sua vida pessoal em função desse lugar, designadamente adquirindo ou arrendando casa na zona, pesando os gastos de tempo e dinheiro em transportes, inscrevendo os filhos numa escola perto…» [5]”
Ainda, para além das indicadas normas legais, importa, também, no caso, face ao que se prevê no n.º 6 do artigo 194.º – o regime previsto nesse artigo pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho –, ter presente o que se dispõe no Acordo Coletivo entre a D…, S.A. e outras e o SINDITELECO – Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média e outros – que as partes aceitam como sendo aqui aplicável –, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 20, de 29 de maio de 2013, em particular na sua cláusula 36.ª, sob a epígrafe “transferência de local de trabalho por conveniência de serviço”, essa transcrita na decisão recorrida, em que se prevê, no que à nossa análise interessa, face às questões colocadas em sede de recurso, o seguinte:
“1 - A entidade empregadora pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nos termos da lei e dos números seguintes.
2 – Nas transferências definitivas dos trabalhadores a transferir que reúnam as condições exigidas para o posto de trabalho a preencher, a entidade empregadora optará, preferencialmente, pelo trabalhador com menor antiguidade. (...)
8 - No caso de transferências definitivas, a entidade empregadora terá em atenção a expectativa geográfica que, à data da criação da D…, cada trabalhador tinha em relação à sua mobilidade geográfica. Poderá, ainda, proceder a transferência que não se enquadre naquela expectativa, desde que desta não resulte uma deslocação entre a residência e o novo local de trabalho superior a 2 horas, em transporte público. (...)”
2.1.1.2 Aplicação do regime legal e convencional ao caso que se decide
Como se avançou anteriormente, a Recorrente sustenta, divergindo da decisão recorrida, diverso entendimento sobre a aplicabilidade do n.º 8 da cláusula 36.ª do Acordo Coletivo, bem como, ainda, que no caso se encontra preenchido o requisito do interesse da empresa para proceder à transferência de local de trabalho do Autor, não resultando para este, diz ainda, mais do que um “mero incómodo” ou “transtorno suportável”.
Sobre tais aspetos se pronunciou a sentença recorrida, em moldes que, salvo o devido respeito pela posição da Recorrente, não nos merecem reparo, tendo desde logo por base o quadro legal e convencional aplicável e a base factual provada.
Daí que se acompanhe a sentença recorrida quando nessa se refere (citando) o seguinte:
“(...) Assim, e numa primeira abordagem, impõe-se a análise do que seja o motivo de interesse da empresa para depois aferirmos da segunda premissa que se relaciona com o prejuízo sério do trabalhador.
Concordam todos os autores que o interesse da empresa na transferência do local de trabalho tem que estar relacionado com razões de ordem técnica, produtiva ou organizativa, e não com interesses pessoais do empregador, ou seja, “este requisito deve ser apreciado em termos objetivos (ou seja, como um interesse de gestão) e não confundido com as conveniências pessoais do empresário…”, como explica Maria do Rosário Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 482). Assim, segundo Andrade Mesquita (Direito do Trabalho, A.A.F.D.L., Lisboa, 2004, pág. 580) “a alteração tem de corresponder a necessidades sérias de organização da empresa, avaliadas de acordo com o princípio da boa fé.” No mesmo sentido segue Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 279), ao afirmar que “… tem de se verificar, do ponto de vista empresarial, uma razão económica, técnica, organizacional, etc., ponderosa, que justifique a mudança de local.”.
Analisando a matéria de facto supra dada como provada, é nosso entendimento que a mesma não permite o preenchimento desta primeira premissa.
Na verdade, pese embora tenha alegado, de forma genérica, a existência de uma política de mobilidade geográfica, a R. não provou, por um lado, que tivesse instituído tal política e, por outro lado, que da mesma tenham resultado quaisquer mais-valias económicas e/ou organizacionais para a empresa.
Assim, falhando, claramente, o primeiro pressuposto legal, de cuja verificação depende a licitude da alteração do local de trabalho do A., quase se torna desnecessário analisar o segundo pressuposto.
De todo o modo, e por que este se nos afigura evidente, atentemos, brevemente, no conceito de “prejuízo sério” para o trabalhador.
É alvo de amplo consenso na Doutrina e Jurisprudência a ideia de seriedade do prejuízo; que este não tenha pequena importância, mas que introduza uma modificação substancial no “plano de vida”, pessoal e profissional, do trabalhador. Para Monteiro Fernandes (ob. cit., pág. 395) “… é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis.”. De igual forma, para Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pág. 352) “… parece certo, contudo, que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial de vida do trabalhador.” De acordo com Andrade Mesquita (ob. cit., pág. 581), “o prejuízo sério traduz-se em perturbações intensas de interesses do trabalhador especialmente tutelados pelo ordenamento jurídico.”. Acrescenta Romano Martinez (ob. cit., pág. 702) que “… o prejuízo sério deverá ser avaliado de acordo com um parâmetro de boa fé no cumprimento do contrato.”.
Sobre o conceito de “prejuízo sério”, poderemos dizer, com Bernardo Xavier (in Monteiro Fernandes, 13.ª edição, pág. 428), que “a noção de prejuízo (…) terá necessariamente de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um… juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto atuais. E, naturalmente, a situação sujeita – na ponderação das distâncias objetivas, da situação profissional do cônjuge e dos filhos menores, sem uma concreta definição da exata cobertura ou compensação financeira por banda da Entidade Empregadora, em tudo isto – não deixa de constituir, no confronto ou balanço das vantagens/inconvenientes pessoais do trabalhador (em absoluto ou mesmo em termos relativos, na perspetiva dos motivos do empregador em transferir-se de local…), uma ‘causa adequada’ de prejuízos importantes, a provocar alteração substancial das/nas condições de vida do A. (ausência da família, omissão de acompanhamento regular no apoio aos filhos menores, perda ou diluição das relações sociais, etc.), correspondendo inequivocamente ao tipo de situação prevenida na norma interpretanda”.
A extensão do prejuízo e a sua seriedade têm de ser apuradas no caso concreto e não abstratamente, dependendo sempre do confronto entre, por um lado, a alteração unilateral justificada, e, por outro lado, o novo local de trabalho e as condições de vida do trabalhador.
Assim se pode afirmar que “… a própria noção de prejuízo sério é marcada pela relatividade: a seriedade do prejuízo deve ser apurada também em confronto com a importância das consequências que a não transferência acarretará à empresa.” (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 394). Além disso, uma transferência pode ser prejudicial para um trabalhador e vantajosa para outro, dando o exemplo, da autoria de Monteiro Fernandes, de um trabalhador com filhos em idade escolar que é transferido de uma fábrica em local isolado para um escritório da empresa situado em cidade distante, mas com boas estruturas escolares.
Deve ainda salientar-se que o prejuízo apurado é apenas um prejuízo hipotético ou virtual. “Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto atuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.” (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 395). A verdade é que os prejuízos reais e efetivos só se verificarão após a transferência do trabalhador. Como explica Lobo Xavier (O lugar da prestação de trabalho, Lisboa, 1971, pág. 37), “o prejuízo hipotético, neste sentido, há-de ser achado através de uma avaliação diferencial ou de uma comparação entre a situação do trabalhador e aquela em que ele provavelmente estaria se tivesse sido transferido.”. Por esta razão se distingue o prejuízo sério do dano, pois quando nos referimos a este queremos dizer um prejuízo concreto, o dano real. Já no conceito de prejuízo sério tem-se em vista uma situação hipotética: aquela em que o trabalhador se encontraria se tivesse sido transferido.
Quanto aos aspetos da vida do trabalhador que devem ser ponderados de forma a averiguar a existência de prejuízo sério, têm sido apontados pela Doutrina os seguintes: o local de trabalho do cônjuge, a escola dos filhos, a assistência a pessoas de família, o desempenho de outras atividades profissionais ou extralaborais pelo trabalhador, a inexistência de meios de transporte ou meios de transporte muito precários, além do tempo gasto em deslocações para o novo local de trabalho.
O que releva é que não estejam em causa incómodos ou desvantagens que o trabalhador deva suportar em benefício do funcionamento da empresa, como é o caso de o trabalhador ter de um percurso mais longo de metropolitano ou ter de caminhar mais alguns minutos desde a paragem do transporte coletivo até à porta do novo local de trabalho.
Conforme se deixou já evidenciado e tendo em atenção que a transferência que aqui se discute é definitiva, o Acordo Coletivo supra identificado adota um critério objetivo quanto à transferência de local de trabalho por conveniência de serviço: dela não pode resultar uma deslocação entre a residência e o novo local de trabalho superior a duas horas, utilizando transporte público.
Por fim, o prejuízo sério também é relevante na transferência individual temporária, mas deve ser entendido de maneira diferente, uma vez que este tipo de transferência causará um menor impacto na vida do trabalhador.
É, pois, mister concluir que, nas circunstâncias demonstradas, a transferência produziu, não apenas meros incómodos ou transtornos, mas um dano de dimensão adequada a produzir alteração substancial de um programa de vida pessoal, sedimentado no desenvolvimento da relação laboral durante cerca de quarenta e dois anos, que, pela intensidade dos reflexos negativos na qualidade de vida do A., não lhe é exigível que suporte, no quadro de direitos e obrigações solidificado em tão longo período de execução do contrato de trabalho, por isso que integra o conceito de “prejuízo sério”, para efeito do disposto no n.º 1 do art.º 315.º do Código do Trabalho.
Do ponto de vista fáctico, com relevância para o caso, provou-se que: o A., até ao momento em que foi transferido para o Porto (1 de abril de 2015), exerceu sempre as suas funções laborais em locais situados em Braga, razão pela qual constituiu família e fixou residência na região; o mesmo A., desde maio de 2008, reside em …, Vieira do Minho; ainda o A. tem o horário de trabalho das 9h às 12h30min e das 14h às 17h36min; a duração da viagem de …, em Vieira do Minho, à cidade do Porto é de cerca de três horas utilizando transportes públicos e de cerca de duas horas utilizando viatura automóvel própria; o primeiro autocarro disponível para o aludido percurso parte de …, Vieira do Minho, por volta das 6h30min da manhã, chegando à cidade de Braga por volta das 7h45min (isto se inexistirem atrasos, situação que é frequente); para que o aqui A. consiga apanhar o comboio das 7h45min para o Porto seria necessário, para além de não haver atrasos, que o autocarro passasse próximo da estação da CP ou terminasse ali o seu trajeto, o que não acontece em nenhum dos casos, pelo que o trabalhador tem ainda que deslocar-se, a pé, durante cerca de vinte minutos entre a paragem do autocarro até à estação da CP; ainda que o A. lograsse chegar a tempo para embarcar no comboio Urbano Braga – Porto/S. Bento das 7h45min, o trajeto até à cidade do Porto duraria uns adicionais cinquenta minutos, aí chegando somente por volta das 8h35min da manhã, sendo ainda necessários cerca de quinze minutos mais para a deslocação, a pé, entre este local de desembarque na cidade do Porto e a Rua …; tendo o A. Que percorrer a pé a distância entre a Rua … e a estação de Porto - ..., no que demora cerca de dez a quinze minutos, apenas consegue embarcar no comboio das 17h45min, que chega a Braga às 18h56min, o que leva a que, à hora de chegada a Braga, o trabalhador não tenha disponível nenhum transporte público que o leve até à sua residência em …, posto que o último autocarro com este destino parte da cidade dos arcebispos às 18h30min.
A acrescer, não há notícia de que a R. tenha disponibilizado viatura da empresa para proceder ao transporte do A.
Face à factualidade apurada e que agora se elencou, não temos dúvida em considerar que existe um prejuízo sério para o A. com a alteração do local de trabalho promovida pela R.
Na verdade, para além de não ser exigível ao A. a alteração do local de trabalho de Braga para o Porto, a mesma não é sequer viável. De facto, o A., utilizando transportes públicos para se deslocar de sua casa, em …, Vieira do Minho, para o Porto, não dispõe de um que lhe permita fazer o percurso de regresso, de Braga até àquele seu domicílio. E não lhe é exigível a utilização de viatura própria, tão-pouco suportar o custo diário de €51,70 em táxis (relembre-se que o A., não obstante aufira uma retribuição mensal de €1.248,57, tem a seu cargo a esposa, doméstica, e a sua mãe, ainda que consigo não coabitante).
É, assim, evidente que tal alteração de local de trabalho trouxe injustificáveis sacrifícios pessoais à vida do A., pelo que a mesma deve ser reputada de ilícita. (...)”.

Vista pois a citada fundamentação, como dissemos já, a mesma obtém a nossa concordância, sendo que, verdadeiramente, por si só, já responde a todos os argumentos jurídicos invocados pela Apelante, em termos que sequer justificariam maiores considerações da nossa parte.
Não obstante, permitimo-nos, ainda assim, apesar do risco de cairmos em alguma repetição, adiantar algumas considerações.
Desde logo, e em primeiro lugar, para reafirmarmos que o critério de prejuízo sério para o trabalhador com a transferência adiantado na sentença é a nosso ver conforme com o que tem sido seguido pela nossa jurisprudência – incluindo desta Secção[6] –, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2014[7], já anteriormente citado, e em que se pode ler, a esse propósito, debruçando-se ainda sobre as regras de repartição do ónus da prova, o seguinte (transcrição):
“(...) Prejuízo sério que, «deverá ser avaliado de acordo com um parâmetro de boa fé no cumprimento do contrato. O dever de colaboração impõe que o trabalhador sacrifique conveniências pouco relevantes ao interesse da empresa; em contrapartida, tem de se verificar, do ponto de vista empresarial, uma razão económica, técnica, organizacional, etc. ponderosa, que justifique a mudança de local.»
Sendo certo que, no apelo direto ao artigo 196º, «O empregador tem de dar a ordem de transferência por escrito devidamente fundamentada», cabendo-lhe, em particular «justificar o interesse da empresa que determina a transferência e a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, ainda que, esta última, fundada de modo perfunctório, com dados objectivos de que o empregador disponha.
Incumbe ao trabalhador fazer a contraprova de que, afinal, existe um prejuízo sério, assim como provar os factos que integram este conceito». Dizer, ainda, «do art. 196º do CT e da boa fé decorre que o empregador, tendo em conta os elementos de que dispõe, podendo até consultar o trabalhador antes de proceder à mudança de local de trabalho, terá de demonstrar que não há eventuais prejuízos para este; em suma, ao empregador incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito de alterar o local de trabalho (Art. 342º/1 CC).
Por seu turno, ao trabalhador incumbe fazer a prova de factos que possam contrariar a alegação do empregador, demonstrando que tem prejuízo sério; isto é, o trabalhador tem de fazer a prova dos factos impeditivos (Art. 342º, nº 2 do CC) [8] [9]
Em segundo lugar, ainda, para darmos especial ênfase ao que se dispõe na cláusula 36.ª, em particular no seu n.º 8, do ACT aplicável, pois que, admitindo a lei que o regime previsto no artigo 194.º possa ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, será caso para perguntar se não resultará do indicado número um critério, devidamente objetivado, como aliás o refere também o Tribunal a quo, no sentido de concretizar positivamente do que deverá entender-se por prejuízo sério, assim no sentido de que haverá esse prejuízo, no caso de transferências definitivas, se dessas decorrer “uma deslocação entre a residência e o novo local de trabalho superior a 2 horas, em transporte público”.
Colocando-se um problema de interpretação/aplicação da referida cláusula da convenção coletiva, importa desde logo assinalar, face à sua redação, o seu conteúdo inegavelmente normativo, pois que visa uma aplicação geral ao universo dos trabalhadores que se encontrem nas situações aí previstas – vinculado assim trabalhadores ou empregadores.
Deste modo, sem perdermos é certo de vista as “circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar” como estipula o n.º 2 do artigo 520.º do CT/2009, teremos de recorrer aos critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil (CC).
A esse respeito, Maria do Rosário Palma Ramalho[10] relembra que “a doutrina nacional tem esgrimido vários argumentos (…), para concluir ou no sentido da sujeição da convenção colectiva às regras de interpretação da lei, ou para sustentar uma interpretação dualista, sujeitando as cláusulas obrigacionais da convenção às regras do art. 236º do CC e as cláusulas normativas às regras do art. 9º do CC. Por seu turno, a jurisprudência tem-se inclinado preferencialmente, mas não de forma unânime para a sujeição das convenções colectivas às regras da interpretação da lei… A interpretação da convenção colectiva e a integração das suas lacunas deve sujeitar-se globalmente aos critérios de interpretação e de integração da lei (arts. 9º e 10º do CC), pela seguinte ordem de razões: razões de coerência interna das duas parcelas do conteúdo deste instrumento; razões de substancialidade; razões formais e de segurança jurídica; e razões de harmonia intra-sistemática... Além disso, é a natureza parcialmente (mas predominantemente) normativa da convenção colectiva que justifica a sua interpretação de acordo com os parâmetros de interpretação da lei… E, obviamente, é ainda esta natureza normativa que justifica a admissibilidade do controlo da constitucionalidade das cláusulas das convenções, recentemente sufragada pelo Tribunal Constitucional, em inflexão acertada da tendência jurisprudencial anterior”. Também António Menezes Cordeiro[11] defende, do mesmo modo, que “a interpretação e a integração das convenções coletivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjetivistas quando estejam em causa aspetos que apenas respeitem às partes que as hajam celebrado” – no mesmo sentido Pedro Romano Martinez[12] ao apontar que na interpretação das convenções coletivas de trabalho se dever aplicar o disposto nos artigos 236.º do CC e seguintes no que toca à parte obrigacional e o disposto no artigo 9.º do CC à parte regulativa ou normativa, sem perder todavia de vista que a convenção decorre de negociações entre as partes, distinguindo-se nessa medida da lei, fornecendo aquelas negociações elementos relevantes para a interpretação nas respetivas cláusulas[13].
Por decorrência do exposto, considerando o carácter normativo da analisada cláusulas 36.ª da CCT aplicável ao caso, afigura-se-nos inquestionável que, na sua interpretação, teremos de aplicar os critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do CC, sem todavia perdermos de vista as “circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar”, como estipulado no artigo 520º, nº 2 do CT e, bem assim, que se trata de um instrumento que é decorrente de negociações entre as partes e, nessa medida, se distingue da lei, fornecendo aquelas negociações elementos relevantes para a interpretação nas respetivas cláusulas.
Dispõe-se no artigo 9.º do CC, o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por referência aos critérios nesse enunciados, importa então fixar, de entre os sentidos possíveis da mencionada cláusula, qual é então o seu sentido e alcance decisivo, como aponta Manuel de Andrade[14], para o que importará ter presente, desde logo, o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei“) – com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto –, mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico – pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica –, integrado pelos elemento sistemático – que compreende a consideração das demais disposições integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas (unidade do sistema jurídico) –, racional ou teleológico – a ratio legis, ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser – e histórico – o contexto em que a norma foi elaborada, incluindo a sua evolução histórica e as suas fontes, ou seja, as circunstâncias em que a norma foi elaborada – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2016 (fixação de jurisprudência), que nesta parte se segue de perto, por apelo aos ensinamentos de Baptista Machado[15], frisando ainda que a interpretação tem também que ser atualista (“tendo… as condições específicas do tempo em que é aplicada”)[16].
Cumprindo pois tal objetivo, sem grandes dúvidas diga-se, temos como ajustada a interpretação seguida pelo Tribunal recorrido.
Na verdade, e de modo decisivo, é esse o sentido apontado pelo elemento gramatical – o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei“), como se disse com a sua função negativa, eliminando pois todos os sentidos que não encontrem no texto qualquer apoio, correspondência ou ressonância –, que encontra também sentido em termos lógicos, desde logo porque, quanto à interpretação defendida pela Recorrente, não resulta minimamente do texto (n.º 8 da Cláusula 36.º do ACT de 2013) que apenas se pretendesse “salvaguardar a situação dos colaboradores dos D2… à data da fusão, para não serem transferidos para fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto” ou que “a expectativa geográfica” à data da criação da D… fosse “para os trabalhadores oriundos da empresa D2…, as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, para os trabalhadores das demais empresas que se fundiram, todo o território nacional”, como não resulta também da matéria provada, como ainda, acrescente-se, que o próprio texto aponta afinal, claramente, mesmo um critério objetivo, ao fazer menção expressa, mas para além já dos casos abrangidos pela “expectativa geográfica” que se quis salvaguardar na primeira parte do mesmo n.º 8 (aquela que, “à data da criação da D…, cada trabalhador tinha em relação à sua mobilidade geográfica”) – o que é evidenciado com a utilização pelas partes do marcador discursivo com valor aditivo “ainda” (poderá ainda...) –, a uma duração máxima da deslocação do trabalhador até duas horas em transportes públicos, para ser possível a sua transferência definitiva de local de trabalho.
Ou seja, tendo por base o que se provou (factos), por apelo ao quadro legal e convencional aplicável, é pois adequada a solução a que chegou o Tribunal a quo, quanto aos analisados aspetos, ou seja, sobre o não preenchimento do requisito do interesse da empresa para proceder à transferência de local de trabalho, como ainda da existência de prejuízo sério (alínea b), do n.º 1, do artigo 194.º do CT), bem como, também, o requisito estabelecido na última parte do n.º 8 da cláusula 36.ª do ACT aplicável), para que fosse considerada lícita a transferência de local de trabalho ordenada pela Recorrente ao Recorrido, o que por si só afasta, porque deste modo desnecessária/prejudicada, a apreciação das demais questões levantadas em sede de recurso, a esse respeito, assim nomeadamente sobre se deveria ser ou não o Autor a ser transferido (ainda, apelo pela Recorrente à alínea b) da cláusula 13.ª do mesmo ACT sobre o que se entenderá por categoria profissional, a propósito dos trabalhadores com menor antiguidade em Braga identificados pelo Autor, que diz derem categoria profissional diversa do Autor), pois que tal questão pressupunha que fosse lícita a transferência, o que no caso não se considera. Não obstante, diga-se, também no mais a sentença mereceria continuidade, sendo que responde já às questões levantadas pela Recorrente.
Nos termos expostos, sem necessidade de outras considerações, claudicando as conclusões dirigidas pela Recorrente à sentença quanto à ilicitude da transferência por esta afirmada, improcede o recurso quantio a essa questão.
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2.4 Sanção pecuniária compulsória
Por último, a Recorrente dirige a sua conclusão 51.ª ao valor de € 200,00 fixado na sentença a título de sanção pecuniária compulsória, invocando como único argumento que tal valor apresenta-se como “excessivo e leonino”.
Pugnando mais uma vez o Apelado pela manutenção do julgado, cumprindo apreciar, fez-se constar da sentença recorrida, nesse âmbito, o seguinte (citação):
“(...) O trabalhador veio também requerer a fixação de uma sanção pecuniária compulsória à empregadora para o caso de esta não cumprir o que aqui for estipulado em termos de revogação da ordem de transferência dada.
Preceitua o art.º 365.º n.º 2 do C. P. Civil, que é sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada.
A sanção pecuniária compulsória só é compatível com o cumprimento de obrigações de facto infungível, positivas ou negativas (art.º 829.º-A do C. Civil). Na situação que ora nos ocupa temos uma obrigação positiva – a adoção de um determinado comportamento –, cuja realização não depende de especiais qualidades científicas ou artísticas da R. (art.º 829.º-A n.º 1 do citado diploma legal).
No caso em análise, ao decretar-se que a R. recoloque o A. no antigo posto de trabalho deste, está-se-lhe a impor o cumprimento de uma obrigação de facere.
Por outro lado, a obrigação que impende sobre a R. é duradoura e tem natureza continuada.
Tudo ponderado, consideramos, em concreto, mais eficaz fixar, a título de sanção pecuniária compulsória, um montante por cada dia de infração, e não um valor global, por forma a fazer com que a R. prefira o cumprimento ao inadimplemento.
Resta determinar o quantitativo da sanção pecuniária compulsória. Preceitua o art.º 829.º-A n.º 2 do C. Civil que aquela deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade.
Assim, devem-se ter presentes, na medida do possível, os dados concretos da relação jurídica controvertida e a situação das partes, com recurso a um juízo de equidade.
Tudo ponderado, consideramos justo e adequado fixar em €200 o montante da sanção pecuniária compulsória a liquidar por cada dia de infração à obrigação de facere decretada por via desta ação.
O cumprimento da dita sanção só é exigível aquando do trânsito em julgado da presente decisão. (...)”
Ora, vista a citada fundamentação, que sem dúvidas explica cabalmente quer o fundamento jurídico quer os critérios que presidiram à fixação da sanção pecuniária compulsória, não se deteta, salvo o devido respeito, a razão por que a Recorrente a considera excessiva e leonina, afirmação que a mesma avança simplesmente nas alegações e conclusões sem a fundamentar minimamente.
Não obstante, sempre se dirá que se acompanha o julgado, importando assinalar, o que a Recorrente parece esquecer, que a condenação proferida, como o afirmou o Tribunal a quo, apenas é exigível aquando do trânsito em julgado da decisão, sendo que, afinal, após esse trânsito, fundamento algum se vislumbra para que não cumpra o determinado pelo Tribunal, obstando assim a que se torne exigível tal sanção. Ou seja, está afinal na livre vontade e disponibilidade da Recorrente o cumprir ou não cumprir, sendo que, diga-se por último, o valor fixado também se nos afigura adequado, desde logo face à situação em que se encontram as partes, sem esquecermos a própria dimensão da Recorrente.
Nos termos expostos, improcede também o recurso quanto a esta questão.
*
Em conclusão, não obstante a alteração parcial da matéria de facto, nos termos afirmados no ponto 1.3. da nossa análise, alteração essa que não interfere com a aplicação do direito ao caso que se decide, improcedendo totalmente neste âmbito o recurso interposto pela Ré/recorrente, confirma-se, sem fundamento diverso, a sentença recorrida.

Decaindo no recurso, a Apelante é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC).
***
IV. Decisão:
Em conformidade com os fundamentos expostos, procedendo parcialmente o recurso quanto à matéria de facto e alterando-se ainda parcialmente essa de modo oficioso, nos termos constantes do presente acórdão, mas improcedendo totalmente o mesmo recurso na vertente da aplicação do direito, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em confirmar, neste âmbito, a sentença recorrida.
Custas pela Ré/recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 7 de janeiro de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
______________
[1] “1 - É proibido ao empregador: (...) f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo; (...)”
[2] “1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações: (...)
b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador. (...)
6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. (...)”
[3] “1 - O empregador deve comunicar a transferência ao trabalhador, por escrito, com oito ou 30 dias de antecedência, consoante esta seja temporária ou definitiva. 2 - A comunicação deve ser fundamentada e indicar a duração previsível da transferência, mencionando, sendo caso disso, o acordo a que se refere o n.º 2 do artigo 194.”
[4] Relator Conselheiro Melo Lima, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[5] “[21] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob.cit. p. 698”
[6] Veja-se o Ac. de 26-03-2012, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Relator Conselheiro Melo Lima, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[8] “[22] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob.cit. p.701-703”
[9] “[23] Refere a Recorrente na Conclusão 41ª: «Como é pacífico na nossa jurisprudência e doutrina, no caso da transferência individual, o ónus de alegar e provar a existência de prejuízo sério impende, sobre o trabalhador.»
Não é tão pacífico quanto isso. Nem na doutrina, nem na jurisprudência. Bastará recordar, relativamente a esta, o Acórdão deste STJ de que a Recorrente se socorre na sua fundamentação (Ac. de 12.02.2009), no qual se refere que «À face do nº1 do artigo 315º do Código do Trabalho [Leia-se: Artigo 315º/1 do CT/2003, com correspondência ao artigo 194º nº1 al. b) do CT/2009], a inexistência de ‘prejuízo sério’ é pressuposto do exercício do poder do empregador de determinar a transferência de local de trabalho, pelo que sobre o empregador recai o ónus da respetiva prova, nos termos do artigo 342º nº1, do Código Civil»”

[10] Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, págs. 286 a 287 e 350.
[11] Manual de Direito do Trabalho, pág. 307.
[12] in Direito do Trabalho, cit., págs. 212 a 214,
[13] Vejam-se ainda: Bernardino Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 263, afirmando que as CTT criam verdadeiras normas jurídicas; Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I, Secção II, ponto 27.V, e Parte II, pág. 203, quando refere que as CCT deverem seguir as regras de interpretação da lei
[14] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 21
[15] Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, págs. 175 e segs
[16] Como se afirma no mesmo Acórdão, citando em parte o Acórdão do mesmo Tribunal de 9 de Julho de 2010 (publicado no DR, Iª série de 9/07/2010), «“na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, por conseguinte, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei (cfr. no mesmo sentido o acórdão do STJ de 28/09/2005 – Cons. Sousa Peixoto – publicado no DR, Iª série de 10/11/2005) e de 30/04/2014, proc.3230/11.6TTLSB.S1 (Cons. Melo Lima)».