Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
779/20.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CADUCIDADE
MATÉRIA SUJEITA À DISPONIBILIDADE DAS PARTES
QUESTÃO NOVA
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20230320779/20.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Em matéria sujeita à disponibilidade das partes o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno, ou seja, com a apresentação da respectiva defesa, através da respectiva contestação [art.º 573.º n.º1, do CPC].
II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.
III - Se a Recorrente entende que ocorreu a caducidade do contrato de trabalho alegando como fundamento que a A. “ desde, Julho de 2018 a A. ficou incapaz para o trabalho“, então devia ter suscitado essa questão na contestação, submetendo-a ao contraditório da parte contrária e à apreciação da 1.ª instância.
IV - Compete ao trabalhador o ónus de provar a execução do trabalho suplementar, bem assim que foi realizado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora [art.º 342.º/1, CC].
V - Tendo a Autora alegado os factos necessários para demonstrar a prestação de trabalho para além do horário que foi acordado entre as partes, e sendo certo que a sua actividade - inicialmente como empregada de limpeza e posteriormente como ajudante de cozinha - era prestada no restaurante da Ré, que é um estabelecimento familiar, seria inconcebível configurar sequer a hipótese das horas de trabalho em causa terem sido prestadas sem o conhecimento daquela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 779/20.3T8VFR.P1
Secção Social



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra RESTAURANTE A..., Unipessoal, Lda, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 2, pedindo que, na procedência da ação, se condene a Ré a pagar-lhe o seguinte:
- a quantia de €35.331,91, a título de créditos salariais;
- a quantia de €20.000,00, a título de indemnização por danos morais
- e, ainda, que se condene a Ré a entregar as contribuições à Segurança Social em falta, desde junho de 2011.
Para tanto, alega, em síntese, que em junho de 2011 celebrou com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, de segunda a sexta-feira, entre as 08h00 e as 11h00, para sob as suas ordens e direção, exercer as funções próprias da categoria de empregada de limpeza, pagando-lhe uma retribuição de €3/hora, contrato que não foi reduzido a escrito.
Em janeiro de 2014, a A. passou a desempenhar funções próprias da categoria de ajudante de cozinha, prestando trabalho a tempo completo.
Em janeiro de 2016, BB constituiu a sociedade R., passando a A. a trabalhar ao serviço desta, a partir de março de 2016.
Em 19.03.2019, o contrato cessou por denúncia da trabalhadora.
Desde janeiro de 2014 até à data da cessação, a A. trabalhou de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 15h00 e das 18h00 às 22h00, sábados das 08h00 às 22h00 e domingos das 08h00 às 16h00.
Além disso, também trabalhou em todos os dias feriados, com exceção de 25 de dezembro, 1 de janeiro e domingo de Páscoa, únicos em que o restaurante encerra.
Nos meses de junho, julho, agosto e setembro, em que aumentava o trabalho, não era permitido à A. gozar qualquer dia de descanso. O trabalho suplementar prestado pela A. nunca foi remunerado. Além disso, nunca foram pagos à A. os subsídios de férias e de Natal a que tinha direito, com exceção da quantia de €280 pagos em agosto de 2017, a título de subsídio de férias. E a A. nunca gozou férias.
Aquando da cessação do contrato, a Ré apenas lhe pagou a quantia de €300, no dia 11.03.2019.
Além disso, a partir do ano de 2016, a A. auferia retribuição inferior ao SMN, sendo-lhe devido a esse título €1.106,80.
Entre junho de 2011 e outubro de 2015, a Ré sempre recusou fazer as contribuições devidas para a Segurança Social, o que se repercutiu negativamente no montante que recebeu por doença.
Em maio de 2018, a A. sofreu um acidente de trabalho ao serviço da Ré, tendo-se queimado com óleo da fritadeira, acidente que foi presenciado pelo gerente da Ré, que negou que a trabalhadora se deslocasse ao Hospital, uma vez que não existia seguro de acidentes de trabalho. Em julho de 2018, a A. começou a sentir muitas dores no pescoço, braços, cabeça e a perder a força em ambos os braços, tendo ficado incapaz para o trabalho desde aquela data, tendo ficado de baixa. Além das pressões da Ré para que regressasse ao trabalho, pelo facto de a Ré não ter feito contribuições para a Segurança Social, a A. auferiu valores de subsídio de doença inferiores aos devidos, sendo-lhe devido por isso a quantia de €1.340,74.
Também não foi facultada à A. formação profissional, pelo que tem direito a esse título à quantia de €415,20.
Pela violação do seu direito ao descanso, a A. deve ser indemnizada pelos danos não patrimoniais em quantia não inferior a €20.000.
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.
A ré veio apresentar contestação, onde pede a final que a ação seja julgada improcedente, por não provada, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Desde logo, invoca a ilegitimidade da Ré, uma vez que a sociedade demandada só foi constituída em 19.01.2016, aceitando os trabalhadores que aí prestavam serviço ao identificado BB, que só iniciou a sua atividade em 01.03.2014, pelo que não aceita qualquer contrato de trabalho em data anterior a esta.
Mais alega que o início do prazo de prescrição se iniciou em janeiro de 2019, data em que recebeu a carta em que a A. cessou o seu contrato e não no dia 19 de março de 2019, pois a A. não juntou qualquer documento de baixa médica até essa data, pelo que os créditos peticionados devem ser julgados extintos por prescrição, tendo em conta que a ação só foi instaurada em 04.03.2020.
Além disso, alega que relativamente aos créditos respeitantes aos anos anteriores a 2015, não existe também qualquer documento idóneo, pelo que, só podendo os mesmos ser provados por documento idóneo nada há que demonstre a existência desses créditos respeitantes a violação do direito a férias, indemnização e pagamento de trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos, o que tem por consequência a improcedência do pedido relativo aos mesmos.
Por impugnação, alega que a A. celebrou com BB um contrato de trabalho, a partir de 17 de novembro de 2015, tendo sido comunicada a admissão da trabalhadora à Segurança Social. Ficou convencionado que o período normal de trabalho era de 4 horas diárias/20 horas semanais, podendo ser aumentado até 4h diárias.
A A. sempre gozou folgas e sempre lhe foi proporcionado o gozo do descanso compensatório.
Refere ainda que a A., no final de cada mês, passou a assinar os recibos e nunca reclamou do valor pago.
Mais alega que a carta em que comunica a cessação do contrato nem sequer vem acompanhada de qualquer documento comprovativo que a mesma estava de baixa, pelo que, a A. deveria ter regressado ao trabalho até ao pretendido dia 19 de março de 2019, não tendo deste modo a mesma cumprido qualquer prazo de aviso prévio.
Reitera que as funções da A. eram as de limpeza e não as de ajudante de cozinha, e que a própria A. não quis um horário superior ao referido, porque tinha dívidas e não queria o seu salário penhorado.
Mais refere que lhe foi pago o subsídio de férias e de Natal.
Por fim refere que a A. age em abuso de direito, já que só depois de ter cessado o seu contrato é que veio invocar que fazia funções diferentes das de limpeza e reclamar créditos laborais que nunca antes reclamou.
A A. respondeu, à matéria das exceções e pronunciou-se quanto aos documentos juntos, alegando quanto à exceção de ilegitimidade que foi com o Sr. BB, que a A. acertou o seu horário de trabalho, vencimento e funções, e que foi ele que desde junho de 2011 até ao fim da relação laboral lhe deu ordens. O restaurante “A...” é um estabelecimento familiar, aberto há 35 anos, pelo que reconhecendo a Ré que aceitou a transmissão dos trabalhadores que trabalhavam naquele estabelecimento, a Ré é parte legítima e responsável desde a data de admissão da A.
Quanto à prescrição, alega a A. que a mesma não se verifica, porquanto comunicou a denúncia do seu contrato, em 18.01.2019, com a antecedência de 60 dias. Com essa carta, a A. não enviou atestado de incapacidade temporária para o trabalho, porque a essa data já tinha entregue à Ré o certificado de incapacidade para o período compreendido entre 04.01.2019 e 02.02.2019, tendo posteriormente entregue os certificados dos períodos entre 03.02.2019 e 04.03.2019 e entre 05.03.2019 e 03.04.2019.
E porque lhe foram entregues os atestados, a ré emitiu e certificou o requerimento de prestações compensatórias de subsídio de Natal e de subsídio de férias por doença, para o período compreendido entre 26 de julho de 2018 e 19 de março de 2019.
Tendo o contrato cessado em 19.03.2019, a ação foi proposta tempestivamente, sendo certo que aquando da receção da carta de denúncia com aviso prévio, a Ré não pôs em causa a denúncia, nem o aviso prévio.
Pugna também pela improcedência da exceção de prescrição dos créditos relativos a compensação por violação do direito a férias e pagamento de trabalho suplementar, uma vez que requereu que a Ré juntasse o registo de horas de trabalho suplementar da A. no período entre 01.01.2011 e 31.07.2018
Findos os articulados, o Tribunal a quo não realizou audiência prévia, tendo proferindo despacho de saneamento do processo, onde conheceu da exceção de ilegitimidade da Ré, no sentido da sua improcedência e relegou para momento posterior o conhecimento da exceção de prescrição de créditos, a que alude o artigo 337º, no1, do Código do Trabalho e da prescrição do crédito respeitante a compensação por violação do direito a férias e pagamento de trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos, nos termos do artigo 337º, no2, do Código do Trabalho.
Foi dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Realizou-se o julgamento, com observância do legal formalismo.
I.1 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a)- julgo improcedente a exceção da prescrição a que alude o artigo 337º, nº1, do CT.
b)- condeno a Ré a pagar à A. a quantia global ilíquida de €17.138,60 (dezassete mil, cento e trinta e oito euros e sessenta cêntimos), respeitante a créditos salariais dos anos de 2015 (neste apenas os devidos a título de férias e subsídio de férias), 2016, 2017 e 2018.
c)- condeno a Ré a pagar à A. A quantia ilíquida de €1.106,80 (mil, cento e seis euros e oitenta cêntimos), pelas diferenças salariais devidas, respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018.
d)- condeno a Ré a pagar à A. quantia ilíquida de €415,20 (quatrocentos e quinze euros e quinze cêntimos), a título de formação obrigatória não ministrada pela R., desde setembro de 2018 a julho de 2020.
e)- Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% (artos. 804.º, 805.º/2/ª) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil).
f)- condeno a Ré a pagar à Autora, a quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral pagamento.
g)- No mais, absolver a Ré dos pedidos.
*
Custas da ação, por A. e R., na proporção do decaimento, nos termos do artigo 527º, nos 1 e 2, do CPC., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à A.
[..]».
I.2 Inconformada com a sentença, a Ré apresentou recurso de apelação. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
a) Em causa está em saber-se se sim ou não as partes celebraram um contrato de trabalho, em que termos, condições, categoria profissional, e horário e se o mesmo foi ou não reduzido a escrito;
b) A douta decisão condenatória considerou provado, entre outros, o seguinte:
“1º- Em 17 de novembro de 2015, a Autora celebrou verbalmente com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções próprias da categoria profissional de empregada de limpeza, prestando trabalho de segunda a sexta-feira no horário compreendido entre as 08.00h e as 12.00h.
2º- Como contrapartida pelo trabalho prestado a Autora auferia uma retribuição calculada a €3,00 por cada hora de trabalho, valor que lhe era pago no fim de cada jornada diária de trabalho.”
c) Desde logo se discorda de se considerar que não tenha sido reduzido a escrito esse contrato, atenta a existência de um contrato de trabalho escrito, junto aos autos, com a categoria de empregada de limpeza, e horário de trabalho de segunda a sexta-feira compreendido entre as 08.00h e as 12.00h, e demais documentos constantes dos autos (horário de trabalho assinado pela A., comprovativo da comunicação à Seg. Social da admissão do trabalhador, junto com a PI., entre outros) e bem ainda os depoimentos prestados, e que devem merecer a devida ponderação na respetiva comprovação factual.
d) É ainda referido que:
“3º- Com o passar do tempo, começou a ser pedido à Autora para auxiliar a cozinheira.
...
6º- À data da cessação do contrato, a Autora exercia, além da limpeza, as funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo”.
e) Desde logo é inequívoco que a recorrida autora não descreve na sua p.i. uma qualquer tarefa correspondente a saber-se em que consistia essa sua alegação de auxiliar de cozinha, o que não pode deixar desde logo de ter as suas consequências.
f) Nos termos estatuídos, para ser validamente considerada a mesma p.i. a esse propósito têm de aí vir descriminados os factos correspondentes ao direito arrogado, o que se não mostra feito, e como tal, respeitando-se o princípio processual da igualdade das partes no processo, não pode o tribunal substituir-se à parte que os não alegou....
g) Assim sendo, os factos dados como provados nos nºs 3 e 6 da douta sentença devem ser eliminados
h) É também assente, atentos os factos provados, de que a Autora entrou de baixa médica em 26 de Julho de 2018 (facto provado 7) e jamais foi trabalhar, sendo que,
”23º- Em julho de 2018, a Autora começou a sentir muitas dores no pescoço, cabeça, costas e braços, e a perder a força em ambos os braços.
“24º- Tendo-lhe sido diagnosticada cervicalgia e omalgia bilateral, o que lhe provoca intensas dores no pescoço, cabeça, coluna e braços, impedindo-a de trabalhar.”
“25º- Tendo a partir daquela data ficado incapaz para o trabalho.”
i) É pois incontroverso que desde, Julho de 2018 a A. ficou incapaz para o trabalho;
j) Quer isto dizer que, objetiva e incontroversamente, ocorreu um facto extintivo na relação contratual entre as partes, e que pôs fim ao mesmo contrato; na verdade se alguém fica incapaz para o trabalho, como poderá daí em diante manter-se essa relação laboral?
k) O artigo 343º do CT dispõe que:
”O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber”, ou seja, “Se o trabalhador sofre de uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a entidade patronal não tem outro posto de trabalho para lhe atribuir, o contrato caduca.”
A caducidade do contrato pode verificar-se se dos autos resultem elementos que permitam concluir pela impossibilidade de o trabalhador continuar a exercer a sua actividade (Ac. SJJ, de 24-04-2000: Col. Jur/STJ, 2000, 2.ª – 272.)
l) E tanto assim é, que jamais a Autora regressou ao seu posto de trabalho, sendo também certo que não referiu tal facto à Ré/Recorrente, pelo que é inequívoco o abuso de direito, pois essa omissão impediu a extração das devidas consequências por parte da sua entidade patronal.
m) Ora a caducidade, como figura de direito substantivo, consiste na extinção da vigência e eficácia de um acto, em virtude da superveniência dum facto com força bastante para tal, sendo de conhecimento oficioso, e pode ser alegada em qualquer momento do processo, o que desde já se invoca, e sendo que a mesma alegação tem efeitos retroativos a julho de 2018, nos termos do disposto nos artigos 328º a 333º do CC e artº 493 nº 3 do CPC.
n) Uma coisa é a declaração de baixa médica...coisa distinta é a comunicação de que tal baixa era desde logo impeditiva de no seu local de trabalho poder mais exercer as funções contratualizadas, e pois assim desde logo, tem esse facto de ter reflexos na esfera jurídica para a consequência de caducidade do contrato de trabalho, e desde Julho de 2018;
o) E demais consequências, desde logo, o impedimento de receber qualquer retribuição, seja a título de vencimento seja a título de subsídios, horas de formação, (seja por este facto, seja pelo facto de se encontrar de baixa médica), etc.( cfr alínea b, c, e d, da douta sentença recorrida);
p) De igual modo e também, dos autos não consta que tenha sido considerado assente a tempestiva demonstração de entrega da baixa médica e relatório de incapacidade.
q) Não sendo tais documentos e nesses precisos termos entregues, crê-se que o entendimento a perfilhar é de que o contrato de trabalho caducou em Julho de 2018, para todos os efeitos, mormente os da prescrição de reclamação de direitos que não tenham sido exercidos no decurso do ano subsequente, excepção essa que se alegou na contestação.
r) Sendo a questão da denúncia um acto unilateral da autora, sabendo esta que jamais poderia trabalhar, o facto de ter ficado incapaz para o trabalho em Julho de 2018, não representou senão um mero artifício formal, contra o qual não poderia nessa data reagir a Recorrente-Ré.
s) Não pode considerar-se como sendo a data de 19-03-2019 a que determinou a cessação do contrato de trabalho celebrado, mas quando muito imediatamente com o recebimento da carta de denúncia em causa, uma vez que não foram juntos aqueles documentos comprovativos da sua total e definitiva impossibilidade de trabalho; (artº 400 do CT).
t) Assim sendo, e sem prejuízo do que supra se alegou sobre a caducidade do contrato de trabalho, e a não ser assim, pensa-se que não pode considerar-se, para o verdadeiro efeito do aviso prévio, o referido na comunicação, uma vez estar a autora impossibilitada de regressar ao trabalho, e assim sendo, o contrato teria de cessar na data de recepção da denúncia, ou seja em Janeiro de 2019;
u) O que equivale a dizer-se também que doravante, a autora teria o prazo fixado no artigo 337º nº 1 e nº 2 do CT, para exercer os seus direitos a créditos salariais, e apenas tendo entrado a ação no dia 4 de Março de 2020 estavam prescritos os respetivos direitos em 18 de Janeiro de 2020, o que se reitera mais uma vez, e para efeitos da procedência da excepção em causa;
v) Não pode também deixar de se discordar relativamente aos factos considerados provados nos s 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14 a; 27º e 28º, todos relativos ás retribuições/versus horário praticado;
w) Desde logo deve ser considerado que é incontroverso e incontrovertível que, no final do seu trabalho, diário ou o mais tardar no final de cada semana, a autora recebia sempre e em dinheiro a retribuição correspondente;
x) Deve pois sem mais justificações, e consonantemente com os depoimentos prestados, quer das testemunhas CC, DD, EE e ainda da A. que, com toda a segurança, demonstram efetivo e total pagamento das horas prestadas no preciso dia em que ocorreram.
y) Nem sequer seria compreensível, à luz da experiência comum, que, como alega a autora/recorrente trabalhava diariamente muito para além das quatro horas e não fossem as mesmas horas pagas...e a mesma nada dissesse ao longo de vários anos “...eu trabalhava, ao fim do trabalho recebia aquelas horas que trabalhava...”as horas que trabalhava sim” (cfr depoimento de parte da A.)
z) Deve pois, assim, ser alterado o artigo 10º, passando a constar:
O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias foi sempre pago.
aa) Acresce que, a A. não alegou a realização de trabalho suplementar, nem tão pouco que o mesmo ocorreu a pedido da entidade patronal, não podendo pois a R. ser condenada no seu pagamento, atento o ónus da prova (Ac. TRL de 22.03.2017 in PGDL jurisprudência da Relação Laboral).
bb) Violou a douta decisão, entre outros, o disposto nos artigos 328º a 333º, 342º do código civil, artigos 118º, 343º, 400º CT, e artigos 493 e 519º CPC.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V/ EXAS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E A DOUTA DECISÃO REVOGADA DE ACORDO COM AS ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM.
I.3 A recorrida Autora apresentou contra-alegações, que encerrou com as conclusões seguintes:
1- A Recorrente não deu cumprimento às exigências do artigo 640º no 1 do CPC.
2- A Recorrente deveria ter indicado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, o que não fez.
3- À Recorrente também cabia deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
4- O que não fez, não tendo dado cumprimento ao disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
5- O não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com o estatuído no citado art.º 640.º, nºs 1 e 2, do CPC não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.
6- Sendo que, dessa forma, também a Autora está impedida de cumprir o contraditório.
7- O incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC é suficiente para que proceda à rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
8- O tribunal à quo, motivou-se para a formação da sua convicção relativamente aos factos dados por provados e não provados, na análise conjugada de toda a prova produzida, valorada de acordo com a sua livre convicção e fazendo apelo às regras da normalidade e da experiência comum.
9- Assim como se motivou, para a formação da sua convicção relativamente aos factos dados por provados e não provados, na posição assumida pelas partes, ao teor dos documentos pelas mesmas trazidos aos autos, e depoimentos da Autora e das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento, tudo conjugado com critérios de experiência e com as regras do ónus de prova.
10- Em 17 de novembro de 2015, a Autora celebrou verbalmente com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções próprias da categoria profissional de empregada de limpeza, prestando trabalho de segunda a sexta feira no horário compreendido entre as 08.00h e as 12.00h.”
11- Veio a Ré já no decurso da audiência de julgamento juntar um contrato de trabalho alegadamente assinado pela Autora.
12- Documento e assinatura que a Autora impugnou, por não reconhecer aquele documento o seu conteúdo, as rubricas e assinaturas ali apostas, por o mesmo nunca lhe ter sido apresentado pela Ré.
13- Tendo sido impugnada a veracidade da assinatura, cabia à Ré provar a sua veracidade nos termos do disposto nos no 1 e 2 do artigo 374º do Código Civil, o que não fez.
14- Cabia á Ré o ónus de provar que o contrato de trabalho foi reduzido a escrito, o que não fez.
15- Foi a Ré que apresentou o documento, pelo que era a ela que cabia a prova da sua veracidade.
16- O que a Ré pretendia com a junção do referido documento era entorpecer o processo adiando a conclusão da audiência de julgamento, com um desfecho que temia lhe ser desfavorável, como se veio aliás a verificar.
17- Tanto mais que podia ter requerido a perícia à assinatura ali aposta e não o fez!
18- À data da cessação do contrato, a Autora exercia, além da limpeza, a funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo.”
19- A Ré categorizou a A. como empregada de limpeza. Acontece que, a partir de janeiro de 2016, a A. além da limpeza, começou a executar funções de ajudante da cozinha, o que fez com carácter habitual e que lhe ocupava a maior parte do seu tempo de trabalho.
20- Como tal, a A. devia ter sido categorizada como ajudante de cozinha, pois era a tal que correspondiam as funções que tinha na prática e que lhe ocupavam a maior parte do tempo de trabalho.
21- Bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado que por carta registada datada de 18 de janeiro de 2019, a A. comunicou à Ré que “(...) vem denunciar o contrato de trabalho, celebrado com V.Exas, com aviso prévio de sessenta dias, relativamente à data em que pretendo a cessação do vínculo laboral, 19-03- 2019.(...)”
22- A Ré comunicou à Segurança Social que o contrato cessou a 19 de março de 2019.
23- Aquando da receção da carta de denúncia com aviso prévio a Ré não pôs em causa a denúncia, nem o aviso prévio.
24- De acordo com o disposto no artigo 337º, nº1 do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
25- Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados, não restam dúvidas de que estamos perante créditos provenientes de contrato de trabalho, sujeitos, assim, ao prazo de prescrição de um ano, a contar da data da cessação do contrato de trabalho.
26- O prazo de prescrição aplicável em matéria de créditos laborais é o previsto no artigo 337º, nº1, do CT e não o previsto no Código Civil, e que a sua contagem se inicia a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
27- Face à comunicação dirigida pela A. à Ré, em 18.01.2019, é forçoso concluir que o contrato cessou em 19.03.2019, sendo que o facto de a A. se encontrar de baixa médica nessa altura, como sabia a Ré, não obsta a que a A. pudesse fazer cessar o seu contrato.
28- Decorre expressamente do artigo 295º, no3, do Código do Trabalho, a suspensão do contrato não obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
29- Destarte, a denúncia (uma das formas legalmente previstas para fazer cessar o seu contrato) pode ter lugar mesmo durante o período de suspensão do contrato, o que significa que, não obstante a A. se encontrar em situação de baixa médica desde julho de 2018, que se mantinha há mais de trinta dias, o que determinava a suspensão do seu contrato de trabalho, a A. não estava legalmente impedida de fazer cessar o contrato de trabalho nos termos gerais, designadamente por denúncia.
30- É isso que decorre expressamente do artigo 295º, nº 3, do Código do Trabalho.
31- À data da citação da Ré, data a partir da qual se interrompe o prazo de prescrição, não havia decorrido ainda o prazo de prescrição de um ano previsto na lei (contado desde 20.03.2019), aqui aplicável.
32- A questão da caducidade do contrato de trabalho por incapacidade absoluta e definitiva da Autora, não foi alegada pela Ré na Contestação, nem foi discutida em audiência de julgamento.
33- dispõe o artigo 343o do CT para os casos de “impossibilidade superveniente absoluta e definitiva”.
34- A Autora padeceu de uma incapacidade temporária para o trabalho como resulta dos comprovativos de baixa médica entregues á Ré e juntos aos autos.
35- A Ré nunca colocou em causa a incapacidade temporária para o trabalho da Autora, nem a data da cessação do contrato de trabalho, até á citação para a presente ação judicial, tendo comunicado à Segurança Social que o contrato de trabalho cessou a 19 de março de 2019.
36- E aquando da receção da carta de denúncia com aviso prévio a Ré não pôs em causa a denúncia, nem o aviso prévio.
37- Bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado os factos constantes dos artigos 7º, 8º, 10º, 11º, 13º, 14º, 27º, 28º, não merecendo qualquer censura.
38- O Tribunal valorou positivamente o depoimento das testemunhas CC e FF, que também trabalhou no restaurante R.
39- Dos depoimentos destas duas testemunhas, que mereceram a credibilidade do Tribunal, pois que depuseram de forma imparcial, tanto mais que já nem sequer trabalham no R., resulta claro que a A., além da limpeza, ajudava na cozinha, na preparação das refeições e que o seu horário era o referido, de segunda a sexta-feira das 08.00h às 15.00h, e das 18:00h às 22:00h, sábados das 08:00h às 22:00h e Domingos das 08:00h às 16:00h.
40 - Às quartas feiras de tarde a Autora, gozava o seu único descanso semanal, trabalhando de manhã no horário compreendido entre as 8:00h e as 15:00h.
41 - Pelo que nenhuma censura, merece a sentença recorrida.
Neste termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá:
A) Ser rejeitado o recurso de Apelação, na parte relativa à impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC.
B) O Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
I.4 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se, no essencial, como segue:
-« [..]
1. Quanto à matéria de facto, salvo melhor opinião, não cumpre a recorrente com o dever de indicar os pontos de facto mal julgados, quais os meios de prova que demandavam um juízo diferente e os termos em que deveriam ser dados como provados ou não provados, tudo nos termos do disposto no art.º 640º, do CPC.
O não cumprimento deste preceito acarreta o não conhecimento do recurso nesta parte.
Além disso, sempre se dirá ainda, que quanto à matéria de facto, vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art.º 607º, 5 do CPC.
E da leitura da sentença e processo não se vê que mereça censura a douta decisão em recurso.
Em relação a todos os factos justificou a razão da decisão.
2. E, assim, da leitura da sentença e da matéria de facto dada como provada cremos que a douta sentença em recurso não merece censura ou reparo.
Assim, para ela se remete, evitando desnecessárias repetições, devendo, salvo melhor opinião, ser a mesma confirmada.
*
Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido da improcedência do recurso».
I.5 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º 2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria provada.
ii) Na aplicação do direito aos factos, em razão do contrato de trabalho ter entendido que não prescreveu o direito da A. reclamar créditos laborais e ao condenar a R. no pagamento de trabalho suplementar.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou o elenco factual que se passa a transcrever:
Da petição inicial:
1º- Em 17 de novembro de 2015, a Autora celebrou verbalmente com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções próprias da categoria profissional de empregada de limpeza, prestando trabalho de segunda a sexta-feira no horário compreendido entre as 08.00h e as 12.00h.
2º- Como contrapartida pelo trabalho prestado a Autora auferia uma retribuição calculada a €3,00 por cada hora de trabalho, valor que lhe era pago no fim de cada jornada diária de trabalho.
3º- Com o passar do tempo, começou a ser pedido à Autora para auxiliar a cozinheira.
4º- Em 19 de janeiro de 2016, BB, constituiu a sociedade Ré, passando a Autora a trabalhar ao serviço desta.
5º- Por carta registada datada de 18 de janeiro de 2019, a A. comunicou à Ré que “(...) vem denunciar o contrato de trabalho, celebrado com V.Exas, com aviso prévio de sessenta dias, relativamente à data em que pretendo a cessação do vínculo laboral, 19-03- 2019.(...)”
6º- À data da cessação do contrato, a Autora exercia, além da limpeza, a funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo.
7º- A partir de janeiro de 2016 até à data em que ficou de baixa médica (26 de julho de 2018), a Autora prestou trabalho de segunda a sexta-feira das 08.00h às 15.00h, e das 18:00h às 22:00h, sábados das 08:00h às 22:00h e Domingos das 08:00h às 16:00h.
8º- Às quartas feiras de tarde a Autora, gozava o seu único descanso semanal, trabalhando de manhã no horário compreendido entre as 8:00h e as 15:00h.
9º- O restaurante encerra nos dias 25 de dezembro, 1 de janeiro e Domingo de Páscoa.
10º - O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado.
11º- Durante toda a duração do contrato de trabalho, nunca foram pagos à Autora os subsídios de Natal.
12º- Em agosto de 2017, a Ré pagou à A. a quantia de €280,00 a título de subsídio de férias e em 11.03.2019 pagou-lhe a quantia de €300.
13º- A Ré nunca permitiu à Autora gozar férias, apesar de muitas vezes solicitadas pela trabalhadora, nem colocou à disposição o pagamento das mesmas.
14º- Durante toda a duração do contrato de trabalho a Autora sempre foi remunerada a €3,00/hora.
15º- No ano de 2016 o valor horário, calculado a partir do salário mínimo nacional era €3,05/hora.
16º- No ano de 2017 o valor horário, calculado a partir do salário mínimo nacional era €3,21/hora.
17º- No ano de 2018 o valor horário, calculado a partir do salário mínimo nacional era €3,34/hora.
18º- Em novembro de 2015, a Ré comunicou a admissão da trabalhadora à Segurança Social como contrato de trabalho a tempo parcial, efetuando as contribuições para a Segurança Social, descontando mensalmente o valor correspondente a 4 horas de trabalho diário.
19º- Em maio de 2018, a Autora sofreu um acidente de trabalho ao serviço da Ré, tendo-se queimado com óleo da fritadeira.
20º- Acidente que foi presenciado pelo sócio gerente da Ré.
21º- A Autora foi ali assistida pelas colegas de trabalho, tendo-lhe sido aplicada pasta dentífrica nas queimaduras e regressado ao trabalho, apesar das dores que sentia.
22º- Nos dias que se seguiram, porque tinha dores intensas, procurou tratamento médico no hospital, a suas expensas, tendo ali dito que se tinha queimado em casa.
23º- Em julho de 2018, a Autora começou a sentir muitas dores no pescoço, cabeça, costas e braços, e a perder a força em ambos os braços.
24º- Tendo-lhe sido diagnosticada cervicalgia e omalgia bilateral, o que lhe provoca intensas dores no pescoço, cabeça, coluna e braços, impedindo-a de trabalhar.
25º- Tendo a partir daquela data ficado incapaz para o trabalho.
26º- A Autora recebeu a título de subsídio de doença a quantia de €1.608,87.
27º- Não foi promovida nem facultada à Autora qualquer formação.
28º- A Autora prestava 73 horas de trabalho semanais.
*
(Da contestação)
29º- A sociedade Ré foi constituída na data de 19/01/2016.
30º- A sociedade aceitou os trabalhadores que aí prestavam serviço, e que o faziam anteriormente ao identificado BB.
31º- Este BB declarou o início da sua actividade em01/03/2014.
32º- A Ré rececionou a carta referida em 5º, em janeiro de 2019.
33º- A ação foi proposta em 04/03/2020.
34º- Em 16/11/2015 foi comunicada à Segurança Social a admissão da A., com efeitos a partir do dia seguinte, ou seja, 17/11/2015, com a modalidade de contrato de trabalho a tempo parcial.
35º- Entre Julho de 2018 a Março de 2019, a A. esteve de baixa médica.
36º- A A. figurava como executada em processos de execução: o processo n.º166/14.2TBVNG a correr termos na Inst. Central, 1.a Sec. de Execução J9, processo n.º 3579/15.9T8OAZ, a correr termos no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis J1, e processo n.º 8947/08.0TBVNG a correr termos no Juízo de Execução do Porto J7.
*
(Da resposta)
37º- Desde pelo menos junho de 2011 era o BB, que se intitulava proprietário do Restaurante A..., aos trabalhadores, clientes e fornecedores.
38º- O Restaurante A..., é um estabelecimento familiar aberto há cerca 35 anos, fundado pelos pais do BB, mas explorado pelo menos há 9 anos por BB, sócio gerente da Ré.
39º- Naquela data de julho de 2018, a Autora foi considerada temporariamente incapaz para o trabalho pela médica de família e ficou de baixa médica para proceder aos tratamentos necessários à sua reabilitação.
40º- Logo que ficou de baixa médica, a Autora deslocou-se às instalações da Ré e entregou o atestado de incapacidade temporária para o trabalho ao sócio gerente da Ré.
41º- A Autora, desde 26 de julho de 2018 até 19 de março de 2019, sempre entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho emitidos pela médica de família.
42º- Com a carta de denúncia do contrato de trabalho a Autora não enviou atestado de incapacidade temporária para o trabalho, porque na data do envio da carta, 18 de janeiro de 2019, a Autora já tinha entregue à Ré o atestado de incapacidade temporária para o trabalho, para o período compreendido entre 04 de janeiro de 2019 e 02 de fevereiro de 2019.
43º- Posteriormente entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho, para os períodos compreendidos entre 03 de fevereiro de 2019 e 04 de março de 2019 e 05 de março de 2019 e 03 de abril de 2019.
44º- A Autora esteve de baixa médica no período compreendido entre 26 de julho de 2018 e 22 de outubro de 2019.
45º- A Ré emitiu e certificou o requerimento de prestações compensatórias de subsídio de Natal e de subsídio de férias por doença para o período compreendido entre 26 de junho de 2018 e 19 de março de 2019.
46º- A Ré comunicou à Segurança Social que o contrato cessou a 19 de março de 2019.
47º- E, em março de 2019 a Ré declarou à Segurança Social o pagamento de €364,11 à Autora.
48º- Aquando da receção da carta de denúncia com aviso prévio a Ré não pôs em causa a denúncia, nem o aviso prévio.
**
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente não se provou que:
- Em junho de 2011 a Autora celebrou com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções próprias da categoria profissional de empregada de limpeza;
- E, em janeiro de 2014, a Autora, passou a desempenhar as funções próprias da categoria profissional de ajudante de cozinha, prestando trabalho a tempo completo;
- A Autora, prestou também trabalho em todos os dias feriados;
- Nos meses de junho, julho, agosto e setembro, atento o aumento de trabalho no restaurante, não era permitido à Autora gozar qualquer dia de descanso, trabalhando também à quarta feira de tarde, das 18:00h às 22:00h;
- Entre junho de 2011 e outubro de 2015, a Ré sempre recusou fazer as devidas contribuições para a Segurança Social da Autora, apesar das várias insistências para que regularizasse a sua situação contributiva;
- O sócio gerente da Ré negou que a trabalhadora se deslocasse ao hospital para receber tratamento médico uma vez que não existia seguro de acidentes de trabalho;
- Tendo-lhe dito em tom jocoso que o máximo que podia fazer era comprar uma pomada e arranjar alguém que lha esfregasse, o que muito humilhou a Autora;
- Nos dias que se seguiram, apesar das extensas queimaduras no peito a Ré exigiu que a trabalhadora se apresentasse ao serviço, obrigando-a a trabalhar no fogão, junto a fonte de calor, o que lhe provocou intensas dores;
- As sequelas que a A. apresenta foram provocadas pelas muitas horas de trabalho em pé, e sem descanso ao serviço da Ré;
- Pelo facto de a Ré apenas ter iniciado as contribuições para a Segurança Social da Autora em novembro de 2015, como contrato de trabalho a tempo parcial, a Autora foi penalizada no pagamento da baixa médica;
- Tivesse a Ré feito as devidas contribuições para a segurança social, a Autora teria auferido a título de subsídio de doença as seguintes quantias:
- De 26-07-2018 até 26-08-2018- 19,33x55%=10,63x30= 318,94
- De 27-08-2018 até 26-10-2018- 19,33x60%=11,59x60= 695,88
- De 27-10-2018 até 19-03-2019- 19,33x70%=13,53x143= 1934,79;
- A A. não remeteu à R. qualquer documento médico comprovativo da sua situação de baixa medica até ao dia 19 de Março de 2019;
- Foi acordado um banco de horas;
- A A. passou no final de cada mês, a assinar os respectivos recibos;
- A A. fazia e faz atualmente limpezas noutros locais que não na R. e essa é uma das razões pelas quais a mesma não podia exercer funções num horário mais alargado;
- Outra razão para o facto da A. não querer ter um horário superior ao supra referido, é que a A. tinha graves problemas económicos, em face de dívidas existentes, e pretendia era evitar a penhora do seu salário;
- É público que a A. fazia horas noutros sítios da zona, de limpeza, nomeadamente em casas particulares e outros estabelecimentos comerciais;
- No ano de 2016 foram-lhe pagas férias (no montante de 212,00EUR) e subsídio de férias, no montante também de 212,00EUR.
- No mês de Dezembro de 2016 foi-lhe pago o subsídio de Natal no montante de 220,75EUR.
- Em Setembro de 2017 foram-lhe pagas as férias e subsidio de férias, tendo a A. recebido da R. o montante de 495,72EUR, e igualmente foi pago o subsídio de Natal em Dezembro de 2017;
- Em Dezembro de 2018 foi-lhe pago o subsídio de Natal no montante de 112,78EUR;
- O trabalho habitual da A. consistia só em limpar casas de banho, salão do restaurante e cozinha.

II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se a recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto nos termos constantes das conclusões, que de seguida melhor identificaremos.
Contrapõe a recorrida autora que não foram observados os ónus de impugnação estabelecidos no art.º 640.º do CPC, devendo ser rejeitada a apreciação.
Neste mesmo sentido pronunciou-se o ministério público no parecer a que alude o art.º 87.º2, do CPT.
Conforme decorre do n.º 1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
O mesmo autor, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º 1 e n.º 2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
I - O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ainda a este propósito, o recente Acórdão do STJ de 06-07-2022 [Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal” – como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] – sintetiza no respectivo sumário o entendimento seguinte:
I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.
Para encerrar estas notas, acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
II.2.1 Atentos os princípios enunciados, cabe verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
Numa nota prévia, deve assinalar-se, desde já, que a recorrente não teve o cuidado de separar a impugnação da matéria de facto da impugnação de direito, quer quanto à ordenação das questões nas alegações e nas subsequentes conclusões, quer ainda quanto aos argumentos utilizados, também não destrinçando entre os que se sustentam na prova e os que têm natureza jurídica. Embora tal não seja fundamento para recusar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o certo é que dificulta perceber a construção argumentativa da recorrente.
Nas conclusões a) a c), a recorrente expressa discordar com a decisão sobre a matéria de facto relativamente ao facto provado 1, por “considerar que não tenha sido reduzido a escrito esse contrato atenta a existência de um contrato de trabalho escrito, junto aos autos, com a categoria de empregada de limpeza, e horário de trabalho de segunda a sexta-feira compreendido entre as 08.00h e as 12.00h, e demais documentos constantes dos autos (horário de trabalho assinado pela A., comprovativo da comunicação à Seg. Social da admissão do trabalhador, junto com a PI., entre outros) e bem ainda os depoimentos prestados, e que devem merecer a devida ponderação na respetiva comprovação factual”.
Porém, como se retira da transcrição acima, não concretiza qual a resposta alternativa que no seu entender deve ser dada ao facto em causa.
Verifica-se, pois, que não foi observado o que se entende exigível quanto às conclusões, logo, rejeitando-se a apreciação da impugnação quanto a esse facto provado 1.
Nas conclusões d) a g) a recorrente impugna os pontos provados 3 e 6, quanto a estes concretizando que devem ser eliminados. E, como fundamento para impugnar a decisão quanto a estes factos, alega que a autora não descreve na sua p.i. uma qualquer tarefa correspondente a saber-se em que consistia essa sua alegação de auxiliar de cozinha, não podendo o Tribunal a quo substituir-se à parte que os não alegou.
Assim, constando das conclusões as indicações mínimas que se entende exigíveis e atento o fundamento invocado para sustentar a impugnação, considera-se que foram observados os ónus necessários, não havendo obstáculo à apreciação da impugnação quanto a estes pontos provados 3 e 6.
Prosseguindo, na conclusão v), a recorrente alega “discordar relativamente aos factos considerados provados nos s 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14º; 27º e 28º”, para mais adiante, na conclusão z, concretizar que “Deve pois, assim, ser alterado o artigo 10º, passando a constar: O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias foi sempre pago”.
Constata-se, pois, que apesar de anunciar a discordância relativamente àquele leque de factos, depois apenas indica a resposta alternativa quanto ao facto 10. Ou seja, as conclusões apenas cumprem as indicações necessárias quanto ao facto provado 10.
Porém, conforme passamos a evidenciar, sucede que já os demais ónus não foram observados.
No ponto provado 10, lê-se o seguinte:
10 - O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado.
Resulta da conclusão g, que a Recorrente defende que ao invés do que consta assente, deve passar a constar provado que “O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias foi sempre pago”.
Mas importando recorrer às alegações para indagar sobre o cumprimento dos ónus de impugnação, verifica-se que após ter terminado a alegação relativa à impugnação dos pontos 3 e 6, a recorrente prossegue dizendo que “Também e ainda se não demonstra dos factos alegados na sua longa p.i. que a pretendida prestação de trabalho suplementar foi prévia e expressamente determinada pela entidade patronal, e porque a esse propósito compete ao trabalhador o ónus de prova, nos termos do disposto no art.º 342 n.º 1 do C.C.,[..]”, para depois prosseguir, no essencial, como segue:
- citando o sumário do Ac. do STJ de 18-01-2005;
- referindo que da “prova produzida não resulta com a devida certeza que a autora tenha trabalhado com o pretendido horário de trabalho superior a 12 horas diárias, e até 18 horas”;
- invocando “o relatório médico que a autora juntou como doc. 4”, para depois concluir que “e foi essa a razão de ser que, como refere a mesma a partir de 2018 não pode mais trabalhar:”;
- Passando a transcrever extractos das declarações de parte da autora, para concluir que “Tal facto desde logo inutiliza assim quaisquer pedidos relativamente a salários e ou outras retribuições que pudessem ser devidas em face da óbvia declaração de baixa médica da Autora.
Também não pode deixar de se ter na devida ponderação a incontroversa demonstração e reconhecimento de que, no final do seu trabalho, a autora recebia em dinheiro o que tivesse direito:
- Continuando a transcrever extractos das declarações de parte da autora, para fazer nova afirmação, designadamente, “Ou seja, no tocante aos salários nada haverá a corrigir...para além de não ser crível que durante o tempo em que laborou não tivesse reclamado ou de qualquer forma questionado qualquer diferencial do seu vencimento, optando por apenas na ação o vir reclamar... “;
- Depois derivando para a questão “do horário de trabalho reclamado, cujo ónus de prova se crê imputado à Autora-Recorrida [..]”, passando a transcrever vários e extensos extractos do testemunho de CC; e, logo de seguida, sem qualquer explicação, passar a transcrever extractos do testemunho de DD; a que se segue, imediatamente e também sem explicação, a transcrição de extractos do testemunho de EE;
- Após este percurso, conclui, “Como se pode comprovar o efectivo horário assim?....e como se pode calcular falta de pagamento de um qualquer suplemento se sempre recebeuem dinheiro, não se sabe quanto, nem nenhuma das testemunhas comprova esse montante, que era pago diariamente, e reconhecido por todos que o trabalho prestado era pago diariamente, todas as horas que a Autora/Recorrida trabalhava.
Á A. incumbia o ónus de alegar e provar a realização de trabalho suplementar, e que o mesmo sempre e quando ocorreu, o foi a pedido da entidade patronal, o que não aconteceu (cfr AC. TRL de 23-03-2017 in PGDL- Jurisprudência da Relação Laboral)”.
- Prossegue para outro assunto, anunciando-o como segue: “Outra questão é o aviso prévio de denúncia do contrato”.
Nos termos do art.º 639.º 1, do CPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Significa isto, como cremos ser de elementar compreensão, que as conclusões têm que ter respaldo nas alegações, ou seja, não pode o recorrente colocar nas conclusões argumentos ou questões que não suscitou expressamente nas alegações.
Ora, atentando nessa parte das alegações, mas à cautela lidas e relidas no seu todo, não encontramos qualquer alusão expressa e concreta de onde decorra o propósito da recorrente impugnar o facto provado 10, para que seja alterado para os termos indicados na conclusão z, assim como não consta a indicação de meios de prova que a recorrente refira destinarem-se a pôr em causa o que nele consta provado, nem tão pouco qualquer argumento que seja dirigido a esse ponto.
Assim, para além de não serem cumpridos os ónus de impugnação, o que só por si determina a rejeição da impugnação, verifica-se que ainda que recorrente coloca nas conclusões uma pretensão sem que a mesma tenha correspondência nas alegações, em termos expressos, minimamente claros e concretos, o que sempre implica dever-se considerar a mesma como não escrita.
Por conseguinte, rejeita-se a apreciação da impugnação a que se refere a conclusão v), dizendo a recorrente “discordar relativamente aos factos considerados provados nos s 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14º; 27º e 28º”.
II.2.2 Nos pontos provados 3 e 6, lê-se o seguinte:
[3] Com o passar do tempo, começou a ser pedido à Autora para auxiliar a cozinheira.
[6] À data da cessação do contrato, a Autora exercia, além da limpeza, a funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo.
Como referimos, como fundamento para impugnar a decisão quanto a estes factos, alega a recorrente que a autora não descreve na sua p.i. uma qualquer tarefa correspondente a saber-se em que consistia essa sua alegação de auxiliar de cozinha, não podendo o Tribunal a quo substituir-se à parte que os não alegou.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quanto a esta matéria, o Tribunal a quo refere o seguinte:
- [reportando-se às testemunhas CC e GG] « E veja-se que, na diligência de acareação entre as duas testemunhas, não ficamos a este propósito com nenhuma dúvida, de que a A. trabalhava era na cozinha, a ajudar (chegando a afirmar que nem sabia que a mesma tinha a categoria de empregada de limpeza, pois que não a via a fazer funções de limpeza) e não na limpeza, a ajudar na preparação das refeições, tendo sido com desassombro que a testemunha CC o afirmou perante a testemunha GG (que chegou a afirmar que nem se lembrava da testemunha CC como trabalhadora no restaurante, só se lembrando dela como cliente, mas deixando expresso que a cunhada já lhe tinha confirmado que a CC ali fizera um estágio, pelo que não teve como contrariar tal facto), que não foi minimamente capaz de contrariar tal.
Afirmou que nessa altura, quando entrou para fazer o seu estágio, a A. já lá trabalhava e que também estava na cozinha, no fogão, a lavar louças, fazia várias coisas. É inequívoco do seu depoimento que a A. exercia as funções de ajudante de cozinha, lavando a loiça, preparando alimentos, ajudando no que fosse preciso na cozinha.
[..]
Foi igualmente valorado o depoimento da testemunha FF, que também trabalhou no restaurante R. Refere que saiu do restaurante há cerca de 2 anos e nunca mais voltou e que nessa altura a A. se encontrava de baixa.
Refere que trabalhava lá há mais de 5 anos, mas não foi sempre seguido, entrava e saía várias vezes, mas chegou a trabalhar perto de 3 anos com a A.
Afirmou, com segurança, que a mesma entrava às 08h00, fazia a limpeza e depois ia para a cozinha ajudar a confecionar as refeições e a fazer um pouco de tudo; [..] E, na diligência de acareação entre entre si e a testemunha GG, não ficamos com dúvidas que a A. trabalhava na cozinha, a ajudar na preparação das refeições, [..]
[..]
Quanto às declarações de parte da A. AA, as mesmas foram valoradas com cautela, pois é evidente a parcialidade com que depôs em vários pontos do seu
depoimento, [..].
…..Na cozinha, ajudava outra colega, na preparação dos almoços e jantares.
[..]
Quanto às testemunhas indicadas pela Ré. As únicas duas que tinham conhecimento direto sobre os factos, a GG e a HH, são respetivamente a mulher e a irmão do sócio gerente da Ré, pelo que foi patente, em vários momentos dos seus depoimentos, a forma parcial com que depuseram.
[..]».
Atentando na petição inicial, a este propósito a A. alegou o seguinte:
4º Com o passar do tempo, começou a ser pedido à Autora para auxiliar a cozinheira.
7.º A Autora foi trabalhadora da Ré até 19 de março de 2019, data em que o contrato de trabalho cessou por denúncia da trabalhadora. - cfr. Doc. 1 ao diante junto e cujo teor se dá por reproduzido.
8.º À data do despedimento a Autora exercia as funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo, apesar do recibo de vencimento constar como empregada de limpeza a tempo parcial. - cfr. Doc. 2 ao diante junto e cujo teor se dá por reproduzido.
Não vimos que a recorrente tenha fundamento para argumentar que o Tribunal a quo se tenha substituído à parte quanto a factos não alegados. Confrontando o que consta na Pi e o que foi dado como provado, verifica-se que o Tribunal a quo aceitou as alegações da A. e deu-as como provadas, nada lhes acrescentando. A questão que se pode colocar é a de saber se essas alegações podiam ser dadas como provadas nesses termos, ou se consubstanciam alegações conclusivas e, logo, ficava afastada essa possibilidade.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”[Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
Em linha com esse entendimento, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
No recente Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021, citando-se Helena Cabrita [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1. Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
No caso concreto, a A. fez aquelas alegações, mas apenas com o propósito de contextualizar o desenvolvimento da actividade prestada por si à Ré, destrinçando entre a inicialmente prestada - empregada de limpeza, também alegada genericamente-, com a de auxiliar de cozinha. Não é despiciendo referir que em termos de linguagem comum, as expressões empregada de limpeza e auxiliar de cozinha têm significados genéricos que permitem destrinçar entre um e outro tipo de actividade. Foi com essa exclusiva finalidade que a alegação foi feita nesses termos.
Na verdade, não há qualquer pedido formulado com base nesta alegação e, logo, a mesma não se reconduz a qualquer questão jurídica controvertida na acção. Ou seja, a A. não veio reclamar o reconhecimento de determinada categoria com o propósito de sustentar determinado efeito jurídico, por exemplo, por diferenças de retribuição. As diferenças de retribuição que reclama tem por base o alegado nos artigos 23.º e 24.º da Pi, onde se lê: [23.º] “Durante toda a duração do contrato de trabalho a Autora sempre foi remunerada a €3,00/hora” ; [24.º] “Assim, a partir do ano de 2016 a Autora auferia retribuição inferior ao salário mínimo nacional”.
Dito de outro modo, ter-se considerado provado que a autora passou a desempenhar funções de ajudante de cozinha, não resolve qualquer uma das questões controvertidas colocadas na acção.
Assim sendo, não há obstáculo a que tais alegações tenham sido consideradas provadas, tanto mais que foi produzida prova segura nesse sentido.
Conclui-se, pois, que na parte admitida a impugnação improcede

II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença, por alegado erro na aplicação do direito aos factos, em razão de ter sido entendido que não prescreveu o direito da A. reclamar créditos laborais [conclusões h) a r) e s) a u)] e por a condenar no pagamento de trabalho suplementar [conclusões v) a aa)].
II.3.1 Para sustentar a primeira das questões acima apontadas, alega a recorrente, no essencial, que face ao provado nos factos 7, 23, 24 e 25, é “ incontroverso que desde, Julho de 2018 a A. ficou incapaz para o trabalho”, para sustentar que [..] ocorreu um facto extintivo na relação contratual entre as partes, e que pôs fim ao mesmo contrato [..] para todos os efeitos, mormente os da prescrição de reclamação de direitos que não tenham sido exercidos no decurso do ano subsequente, excepção essa que se alegou na contestação”. Para sustentar essa construção, invoca o art.º 343.º al. b), do CT.
Nessa consideração, defende que “ Não pode considerar-se como sendo a data de 19-03-2019 a que determinou a cessação do contrato de trabalho celebrado”, bem assim que a caducidade sendo de conhecimento oficioso, pode ser alegada em qualquer momento do processo, “sendo que a mesma alegação tem efeitos retroativos a julho de 2018, nos termos do disposto nos artigos 328.ºa 333.º do CC e art.º 493 n. 3 do CPC”.
Contrapõe a autora que a questão da caducidade do contrato de trabalho por incapacidade absoluta e definitiva da Autora, não foi alegada pela Ré na Contestação, nem foi discutida em audiência de julgamento, não podendo agora ser suscitada e apreciada.
Vejamos então.
No que aqui releva, o art.º 343.º do CT, estabelece o seguinte:
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
[..];
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
[..].
Como elucida o acórdão do TRL de 13-01-2016 [proc.º 97/15.4T8PDL.L1-4, Desembargador Alves Duarte, disponível em www.dgsi.pt], “[II] A impossibilidade é superveniente sempre que se verificar depois de celebrado o contrato de trabalho; é absoluta, em regra, quando o trabalhador não possa prestar o trabalho a que se obrigou segundo a sua categoria profissional, atendendo à imodificabilidade do objecto do contrato decorrente do princípio geral das obrigações pacta sunt servanda (art.º 406.º, n.º 1 do CC); e é definitiva, sempre que o facto que a determinou seja previsivelmente irreversível”.
Estabelece o art.º 333.º do mesmo Código que “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes” [n.º 1], mas “se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º” [n.º 2].
Por seu turno, estabelece o art.º 303.º do CC: “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
Significa isto, que em matéria sujeita à disponibilidade das partes o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno, ou seja, com a apresentação da respectiva defesa, através da respectiva contestação [art.º 573.º n.º1, do CPC].
É precisamente este o caso. A lei não estabelece uma forma automática de cessação do contrato de trabalho, pelo que se a Recorrente entende que ocorreu a caducidade do contrato com aquele fundamento - desde, Julho de 2018 a A. ficou incapaz para o trabalho -, então devia ter suscitado essa questão na contestação, submetendo-a ao contraditório da parte contrária e à apreciação da 1.ª instância.
Para que melhor se perceba e não restem dúvidas de que se trata de matéria não excluída da disponibilidade das partes, veja-se que a lei nem prevê como deve ser demonstrada a “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho”. A este propósito observa Pedro Furtado Martins [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, p. 82], o seguinte:
Salvo nos casos de impossibilidade para trabalhar derivada de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, a lei nada prevê quanto ao modo como deve ser demonstrada a situação de impossibilidade que determina a caducidade do contrato de trabalho. Esta omissão tem como consequência que, nos casos em que o empregador entende que o trabalhador está efetivamente impedido de prestar o trabalho contratado (e não requerendo o trabalhador à Segurança Social a sua reforma por invalidez, terá de ser aquele a promover a declaração de caducidade do contrato.[..]».
Assim sendo, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos [cfr. art.ºs 608º, nº 2, e 665º nº 2, do CPC], pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Rejeita-se, pois, a apreciação deste argumento.
Ainda quanto à prescrição, nas conclusões s) a T), alega a recorrente que “não pode considerar-se como sendo a data de 19-03-2019 a que determinou a cessação do contrato de trabalho celebrado, mas quando muito imediatamente com o recebimento da carta de denúncia em causa, uma vez que não foram juntos aqueles documentos comprovativos da sua total e definitiva impossibilidade de trabalho; (artº 400 do CT). Refere, ainda, que “não pode considerar-se, para o verdadeiro efeito do aviso prévio, o referido na comunicação, uma vez estar a autora impossibilitada de regressar ao trabalho, e assim sendo, o contrato teria de cessar na data de recepção da denúncia, ou seja em Janeiro de 2019”.
Com base nessas considerações, conclui que apenas tendo entrado a ação no dia 4 de Março de 2020 estavam prescritos os respetivos direitos em 18 de Janeiro de 2020, o que se reitera mais uma vez, e para efeitos da procedência da excepção em causa”.
Como já de seguida se perceberá, a recorrente vem reiterar a posição que defendeu na acção, usando os mesmos argumentos, mas que não foi acolhida pelo Tribunal a quo. Acresce, que para além de usar os mesmos argumentos, faz tábua rasa da prova produzida.
Na contestação, a recorrente alegou, no essencial, [artigos 9 a 19], que o prazo de prescrição de um ano para reclamação de créditos já decorrera, pois “[..] a A. não procedeu a qualquer aviso prévio, e atenta até a sua situação de baixa prolongada”. Refere que a “ carta datada de 18 de Janeiro de 2019, [..] não pode ter os efeitos pretendidos pois, desde já a A. não junta qualquer documento comprovativo da sua situação de baixa nessa data, nem posteriormente sequer remete à R. qualquer documento médico comprovativo da sua situação de baixa medica até ao pretenso dia 19 de Março de 2019”, para defender que “o prazo prescricional de um ano teve lugar na data da recepção da referida carta pela R., ou seja, em Janeiro de 2019, e não no propalado dia 19 de Março de 2019”. Repetiu a mesma argumentação, referindo mais adiante [art.º18] “se a mesma A. pretendia a cessação do contrato a partir de 19 de Março, deveria comprovar este seu impedimento prolongado, o que não o fez, e pois assim a pretendida data de 19/03/2019 não pode ser aceite, mas sim a data de Janeiro de 2019, ou seja, a data da recepção da carta por parte da entidade patronal”.
Pronunciando-se sobre essa questão, e no que aqui releva agora, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
Da exceção da prescrição:
Veio a Ré invocar a exceção de prescrição dos créditos peticionados, atento o decurso do tempo entre a data da cessação do contrato de trabalho (que considera ser janeiro de 2019) e a data da entrada da presente ação.
A A. respondeu, pugnando pela improcedência da exceção, invocando que os créditos foram reclamados dentro do prazo de um ano, a contar da data da cessação do contrato de trabalho (que considera ser 19.03.2019), razão pela qual não estão prescritos.
Cumpre decidir.
Pela presente ação pretende a Autora, a título principal, que seja se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de €35.331,91, a título de créditos salariais; a quantia de €20.000,00, a título de indemnização por danos morais e condenada a entregar as contribuições à Segurança Social em falta, desde junho de 2011. Alega que o contrato cessou em 19.03.2019, por denúncia da trabalhadora.
Com relevância para a apreciação da exceção invocada, resultam provados os seguintes factos:
- A petição inicial deu entrada em juízo no dia 04.03.2020;
- A citação da Ré teve lugar no dia 10.03.2020 (cfr. fls.50);
- Por carta registada datada de 18 de janeiro de 2019, a A. comunicou à Ré que “(...)vem denunciar o contrato de trabalho, celebrado com V.Exas, com aviso prévio de sessenta dias, relativamente à data em que pretendo a cessação do vínculo laboral, 19-03-2019.(...)”;
- A Autora, desde 26 de julho de 2018 até 19 de março de 2019, sempre entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho emitidos pela médica de família;
- Com a carta de denúncia do contrato de trabalho a Autora não enviou atestado de incapacidade temporária para o trabalho, porque na data do envio da carta, 18 de janeiro de 2019, a Autora já tinha entregue à Ré o atestado de incapacidade temporária para o trabalho, para o período compreendido entre 04 de janeiro de 2019 e 02 de fevereiro de 2019;
- Posteriormente entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho, para os períodos compreendidos entre 03 de fevereiro de 2019 e 04 de março de 2019 e 05 de março de 2019 e 03 de abril de 2019;
- A Autora esteve de baixa médica no período compreendido entre 26 de julho de 2018 e 22 de outubro de 2019;
- A Ré emitiu e certificou o requerimento de prestações compensatórias de subsídio de Natal e de subsídio de férias por doença para o período compreendido entre 26 de junho de 2018 e 19 de março de 2019;
- A Ré comunicou à Segurança Social que o contrato cessou a 19 de março de 2019.
*
Com estes factos, cumpre desde já apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artigo 337º, nº1 do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A ideia base que preside ao normativo legal citado é a de que os créditos laborais são imprescritíveis na vigência do contrato de trabalho.
As normas laborais regulam uma relação específica de direito privado e, nos específicos aspectos que disciplinam, derrogam o regime do Código Civil.
Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados, não restam dúvidas de que estamos perante créditos provenientes de contrato de trabalho, sujeitos, assim, em nosso entendimento, ao supra referido prazo de prescrição de um ano, a contar da data da cessação do contrato de trabalho.
As razões subjacentes ao regime de prescrição estabelecido no citado artigo 337º, nº1, do CTrabalho atual (que mantém, com pequenas alterações formais, o regime anterior, tanto do CT2003 como da LCT), (muito embora não se ignore que ela também é aplicável, nesses precisos moldes, às entidades empregadoras) prende-se, essencialmente, com a subordinação jurídica e dependência económica que caracterizam o contrato de trabalho e que limitam fortemente as liberdade e capacidade de iniciativa, discernimento e decisão do trabalhador, como parte geralmente mais fragilizada e condicionada na relação profissional em causa, o que, entendeu o legislador, já não acontecerá após a sua cessação, permitindo-se-lhe, então, ponderar e reclamar, dentro do mencionado prazo de 1 ano, os créditos laborais emergentes daquela que estejam em dívida.
[..]
Entendemos, pois, na esteira da jurisprudência e doutrina citadas, que o prazo de prescrição aplicável em matéria de créditos laborais é o previsto no artigo 337º, nº1, do CT e não o previsto no Código Civil, e que a sua contagem se inicia a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. Nenhuma razão existe, a nosso ver, para aplicar ao caso os prazos de prescrição previstos no Código Civil, pois que o legislador quis estabelecer para os créditos laborais – tout court – e sem qualquer distinção dentro de tal categoria, um prazo de prescrição diferente dos previstos no Código Civil.
[..]
No caso, face à comunicação dirigida pela A. à Ré, em 18.01.2019, é forçoso concluir que o contrato cessou em 19.03.2019, sendo que o facto de a A. se encontrar de baixa médica nessa altura, como sabia a Ré, não obsta a que a A. pudesse fazer cessar o seu contrato.
Isto porque, como decorre expressamente do artigo 295º, nº3, do Código do Trabalho, a suspensão do contrato não obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
Destarte, a denúncia (uma das formas legalmente previstas para fazer cessar o seu contrato) pode ter lugar mesmo durante o período de suspensão do contrato, o que significa que, não obstante a A. se encontrar em situação de baixa médica desde julho de 2018, que se mantinha há mais de trinta dias, o que determinava a suspensão do seu contrato de trabalho, a A. não estava legalmente impedida de fazer cessar o contrato de trabalho nos termos gerais, designadamente por denúncia. É isso que decorre expressamente do artigo 295º, nº3, do Código do Trabalho.
Pelo exposto, é forçoso concluir que à data da citação da Ré, data a partir da qual se interrompe o prazo de prescrição, não havia decorrido ainda o prazo de prescrição de um ano previsto na lei (contado desde 20.03.2019), aqui aplicável, razão pela qual se julga improcedente a exceção de prescrição invocada.
[..]».
Como bem se vê, o Tribunal a quo deu cabal resposta aos argumentos invocados pela recorrente, para tanto tendo em conta os factos provados que elenca, entre os quais, os seguintes:
- A Autora, desde 26 de julho de 2018 até 19 de março de 2019, sempre entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho emitidos pela médica de família;
- Com a carta de denúncia do contrato de trabalho a Autora não enviou atestado de incapacidade temporária para o trabalho, porque na data do envio da carta, 18 de janeiro de 2019, a Autora já tinha entregue à Ré o atestado de incapacidade temporária para o trabalho, para o período compreendido entre 04 de janeiro de 2019 e 02 de fevereiro de 2019;
- Posteriormente entregou à Ré os atestados de incapacidade temporária para o trabalho, para os períodos compreendidos entre 03 de fevereiro de 2019 e 04 de março de 2019 e 05 de março de 2019 e 03 de abril de 2019;
Ora, como dissemos acima, a Recorrente repete a argumentação que já usara e nem sequer atenta que foi considerada provada matéria, designadamente a acabada de transcrever que, desde logo, lhe retira o suporte factual.
O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que aleguem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Não cumpre esse propósito repetir a argumentação já usada, sem nada opor em termos de argumentos jurídicos para procurar evidenciar o eventual desacerto da decisão recorrida, ademais ignorando o quadro factual que se apurou e foi considerado para aplicação do direito.
Por conseguinte, também nesta parte improcede o recurso.
II.3.2 Por último, cabe apreciar a discordância da recorrente quanto à condenação no pagamento de trabalho suplementar. Respeitam a essa questão as conclusões V) a aa), começando a recorrente por expressar a sua discordância “relativamente aos factos considerados provados nos s 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14a; 27º e 28º, todos relativos ás retribuições/versus horário praticado”, para terminar na conclusão aa), dizendo que “[..] a A. não alegou a realização de trabalho suplementar, nem tão pouco que o mesmo ocorreu a pedido da entidade patronal, não podendo pois a R. ser condenada no seu pagamento, atento o ónus da prova”.
Contrapõe a Autora, que dos depoimentos das testemunhas CC e FF, que mereceram a credibilidade do Tribunal, resulta claro que o seu horário era de segunda a sexta-feira das 08.00h às 15.00h, e das 18:00h às 22:00h, sábados das 08:00h às 22:00h e Domingos das 08:00h às 16:00h, e que às quartas feiras de tarde a Autora, gozava o seu único descanso semanal, trabalhando de manhã no horário compreendido entre as 8:00h e as 15:00h, pelo que nenhuma censura, merece a sentença recorrida.
Recorrendo à contestação, para se perceber qual a posição assumida pela Ré, retira-se que esta, para além da defesa por excepção, impugnou o alegado pela Autora e contrapôs, no essencial do que respeita a este ponto, que ficou convencionado o período normal de trabalho de 4 horas diárias, a que correspondem 20h semanais, podendo este ser aumentado até 4h diárias, podendo atingir sessenta horas semanais, o que foi observado pela A. e pela R. ao longo dos anos; e, que a A. gozou sempre folgas, e estas se reportavam a descanso compensatório relativo ao acréscimo de trabalho eventualmente por vezes prestado, o que foram raras vezes. Alegou, ainda, ter pago todo o trabalho prestado.
Pronunciando-se sobre as questões reativas aos créditos reclamados, o Tribunal a quo pronunciou-se, no que aqui releva, nos termos seguintes:
Quanto aos créditos.
No caso dos autos, a A. alega que trabalhou 73 horas semanais e que tais horas, para além das 4 horas diárias, não lhe foram pagas, pedindo que sejam consideradas trabalho suplementar. [..].
A este propósito, resultou provado que: A partir de janeiro de 2016 até à data em que ficou de baixa médica (26 de julho de 2018), a Autora prestou trabalho de segunda a sexta-feira das 08.00h às 15.00h, e das 18:00h às 22:00h, sábados das 08:00h às 22:00h e Domingos das 08:00h às 16:00h.; Às quartas feiras de tarde a Autora, gozava o seu único descanso semanal, trabalhando de manhã no horário compreendido entre as 8:00h e as 15:00h; O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado; [..] Durante toda a duração do contrato de trabalho a Autora sempre foi remunerada a €3,00/hora.
Conforme já se deixou supra sublinhado, relativamente ao ano de 2015, o crédito respeitante ao pagamento de trabalho suplementar e a compensação por violação do direito de férias, só podiam ser provados por documento idóneo e não foram. Como tal, relativamente a tal ano de 2015, não podem dar-se por provados os créditos peticionados pela A. a esse título.
[..]
Já quanto ao ano de 2016, [..]
Tem ainda direito a que lhe seja pago o valor do trabalho suplementar em dias úteis no valor de €969,50, o trabalho suplementar prestado aos sábados, no valor €508,80 e o trabalho suplementar prestado aos domingos- €1.215,20
No ano de 2017, é-lhe devido [..]; o Trabalho suplementar prestado em dias úteis- €1.080,00; o Trabalho suplementar prestado aos sábados- €550,80, o Trabalho suplementar prestado aos domingos- €1.395,36
No ano de 2018, é-lhe devido [..]- €705,51, Trabalho suplementar prestado aos sábados- €361,80, Trabalho suplementar prestado aos domingos- €824,32
[..]».
Aqui chegados, cabe relembrar que rejeitámos a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto a que se refere a conclusão v), ou seja, onde a recorrente expressou “discordar relativamente aos factos considerados provados nos s 7º; 8º; 10º; 11º; 13º; 14º; 27º e 28º”.
Desses factos, que se mantém provados, relevam para esta questão os seguintes:
7º- A partir de janeiro de 2016 até à data em que ficou de baixa médica (26 de julho de 2018), a Autora prestou trabalho de segunda a sexta-feira das 08.00h às 15.00h, e das 18:00h às 22:00h, sábados das 08:00h às 22:00h e Domingos das 08:00h às 16:00h.
8º- Às quartas feiras de tarde a Autora, gozava o seu único descanso semanal, trabalhando de manhã no horário compreendido entre as 8:00h e as 15:00h.
10º - O trabalho prestado pela Autora para além das 4 horas diárias, não foi remunerado.
28º- A Autora prestava 73 horas de trabalho semanais.
Para além desses, interessa também ter presente a seguinte matéria provada:
1º- Em 17 de novembro de 2015, a Autora celebrou verbalmente com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, para sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções próprias da categoria profissional de empregada de limpeza, prestando trabalho de segunda a sexta-feira no horário compreendido entre as 08.00h e as 12.00h.
3º- Com o passar do tempo, começou a ser pedido à Autora para auxiliar a cozinheira.
6º- À data da cessação do contrato, a Autora exercia, além da limpeza, a funções inerentes à categorial profissional de ajudante de cozinha, a tempo completo.
34º- Em 16/11/2015 foi comunicada à Segurança Social a admissão da A., com efeitos a partir do dia seguinte, ou seja, 17/11/2015, com a modalidade de contrato de trabalho a tempo parcial.
38º- O Restaurante A..., é um estabelecimento familiar aberto há cerca 35 anos, fundado pelos pais do BB, mas explorado pelo menos há 9 anos por BB, sócio gerente da Ré.
Não tendo sido alterada a matéria de facto, o único argumento que pode subsistir é o colocado na conclusão aa).
Porém, também neste ponto não assiste razão à recorrente Ré.
Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho [art.º 226.º 1, do CT].
E, nos termos do art.º 268.º n.º2, “É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador”.
Nos termos das regras gerais sobre a repartição do ónus de prova, compete ao trabalhador o ónus de provar a execução do trabalho suplementar, nº 1, do art.º 342º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, bem assim que foi realizado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora.
Para que melhor se perceba o sentido e alcance desta última exigência, socorremo-nos do Ac. do TRE de 29-09-2016 [Proc.º 1758/15.8T8EVR.E1, relatado pelo, à data, Desembargador Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt”, em cujo sumário se sintetizou o seguinte: “1. É previsível a não oposição do empregador ao trabalhado suplementar prestado por tratorista durante cinco anos que consistia em pôr água e comida a cem vacas numa herdade, aos sábados, domingos e feriados, pelo que é exigível o pagamento desse trabalho, nos termos do art. 268º nº2 do Código do Trabalho”.
Justificando essa afirmação, na fundamentação do acórdão, em termos elucidativos, observa-se o seguinte:
- «Nos termos do art. 2º do DL nº 421/83, de 2/12 considerava-se trabalho suplementar todo aquele que era prestado fora do horário de trabalho, não se compreendendo na noção de trabalho suplementar o trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho.
Por seu turno, o art. 6º nº1 do diploma legal referido dispunha que “a prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, sob pena de não ser exigível o respetivo pagamento.”
Este artigo foi revogado pelo art. 4º do DL nº 398/91, de 16/10, que, para além do mais, introduziu alterações nos arts 5º, 7º, 9ºe 10º do DL nº 421/83, de 2/12. Assim, após esta alteração, o art. 7ºdo diploma citado, passou no seu nº4 a estatuir que “não é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora”.
Este último preceito foi objeto de interpretações diversas pela doutrina e jurisprudência, pois, para uns, o pagamento do trabalho suplementar só era exigível nos casos em que a entidade patronal tivesse ordenado a sua prestação, correspondendo, portanto, a execução dele a determinação prévia do empregador, enquanto, outros, defendiam que o trabalhador tinha direito ao pagamento do trabalho suplementar que prestou desde que o empregador tivesse consentido no mesmo, e não se tivesse oposto.
O Tribunal Constitucional (TC), no seu Acórdão nº 635/99, de 23/11/99, publicado no DR II série, de 21 de Março de 2000, concluiu que a norma que constava do art. 6º nº1 do DL nº 421/83, de 2/12, era inconstitucional quando interpretada em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição, por violação do art. 59º, nº1, alíneas a) e d), e princípios de justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia do Estado de Direito, que decorre dos art. 2º e 18 nº2 da Constituição da República Portuguesa.
Uma vez que a redação do nº4 do art. 7º era no essencial idêntica à que constava no revogado art. 6º, a posição doutrinária defendida pelo Tribunal Constitucional continuava a manter-se atual.
Na verdade, o conceito de “determinação prévia e expressa” tinha de abranger o trabalho prestado com conhecimento da entidade patronal e sem a sua oposição, sob pena de colisão com princípio da justiça e da proporcionalidade que decorrem da ideia do Estado de Direito. Como se salienta no citado Acórdão do T.C., não é aceitável num Estado de Direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho, mesmo suplementar, sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço, tanto mais que tal atividade foi desenvolvida no âmbito de uma relação de trabalho por conta de outrem. O princípio da justiça impede o legislador de dar o seu aval a uma norma que, de forma mais ou menos arbitrária (i. é, sem razão válida), não respeite as mais elementares conceções de justiça que vigoram na comunidade e que o concreto ordenamento jurídico pressupõe. Também o princípio da proporcionalidade que, nesta perspetiva, mais não é do que uma precipitação do princípio de justiça, não pode deixar de considerar-se violado: releva claramente do arbítrio, uma interpretação da norma que não permita uma equiparação aos casos em que existe “ prévia e expressa determinação” do empregador, dos casos em que o trabalho suplementar é prestado com conhecimento da entidade patronal e sem a sua oposição, como também é desrazoável e desproporcionado que a norma, nestes casos, torne “ não exigível o respetivo pagamento” do trabalho suplementar prestado de tal modo.
A Lei nº99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, no seu art. 197º, continua a considerar trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho, tendo estabelecido regras atinentes à obrigatoriedade, condições da prestação, limites da duração, trabalho suplementar prestado por trabalhador a tempo parcial, descanso compensatório e registo do trabalho suplementar.
O art. 258º nº5 do Código do Trabalho estatui que é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.
Esta mesma redação é a que consta no art.268º nº2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, que se encontra atualmente em vigor.
Temos assim que a lei consagrou a doutrina acima exposta que resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional de 23/11/99, publicado no DR II série, de 21 de Março de 2000.
[..]
Face à natureza do trabalho, e atentas as circunstâncias descritas, temos de concluir que não era previsível qualquer oposição do empregador ao trabalho suplementar prestado pelo A. aos sábados, domingos e feriados».
Este entendimento, que acompanhamos, tem inteira aplicabilidade ao caso concreto.
Dito por outras palavras, tendo a Autora alegado os factos necessários para demonstrar a prestação de trabalho para além do horário que foi acordado entre as partes, e sendo certo que a sua actividade - inicialmente como empregada de limpeza e posteriormente como ajudante de cozinha - era prestada no restaurante da Ré, que é um estabelecimento familiar, seria inconcebível configurar sequer a hipótese das horas de trabalho em causa terem sido prestadas sem o conhecimento da Ré.
Concluindo, improcede também este derradeira questão.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Rejeitar parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
ii) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte admitida;
iii) Julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas da acção a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).


Porto, 20 de Março de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes