Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
153/03.6TTVFR.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PENSÃO
REMIÇÃO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
AGRAVAMENTO
ACTUALIZAÇÃO DA PENSÃO REMANESCENTE
Nº do Documento: RP20200109153/03.6TTVFR.1.P1
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA NA PARTE RECORRIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O que a lei determina e, diga-se, em termos lógicos, é o direito à actualização da pensão remanescente, ou seja, o valor que acresce ao da primitiva pensão que foi objecto de remição, alterando-a para um montante superior em razão do agravamento da incapacidade [art.º 58.º al. b) e d), do DL 143/99)].
II - Essa pensão remanescente é devida a partir do dia em que foi apresentado o requerimento de revisão da incapacidade.
III - Sendo a pensão remanescente reportada a essa data, antes de se proceder às actualizações que sejam devidas é necessário encontrar o seu valor, para tanto calculando-se a pensão correspondente à nova incapacidade agravada e depois deduzindo-se-lhe o valor da pensão primitiva que foi objecto de remição. A pensão remanescente não é mais do que a diferença entre esses valores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 153/03.6TTVFR.1.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado B… e entidade responsável C… Companhia de Seguros, SA veio esta, em 03-07-2014, requerer se procedesse a exame médico de revisão da incapacidade daquele, por se verificar agravamento das lesões resultantes do acidente de trabalho de que foi vitima em 02/05/2007.
Recebido o requerimento, pelo Tribunal a quo foi designado dia para exame médico, diligência que veio a realizar-se em 16-02-2015.
Nesse exame singular, o senhor perito médico solicitou que fosse determinado à seguradora a junção de elementos clínicos relacionados com o acidente, a partir de 2013.
Juntos esses elementos, o exame médico singular prosseguiu em 15-06-2015, tendo o Senhor Perito Médico emitido pronúncia no sentido da situação clínica do sinistrado não se encontrar ainda estabilizada, devendo este ser submetido a novo exame após a data de alta definitiva da Companhia de Seguros.
O Tribunal a quo acolheu esse laudo, determinando a notificação da seguradora para oportunamente informar da dada da alta clínica.
O Sinistrado esteve em situação de incapacidades temporárias, com acompanhamento médico pelos serviços da seguradora, até 02-03-2017, data em que os serviços da seguradora lhe atribuíram alta clínica, mantendo a anterior IPP.
Foi determinado o prosseguimento do exame pericial singular, que veio a ser realizado, tendo o senhor perito médico emitido pronúncia no sentido de ser necessário que o sinistrado realizasse exame complementar de diagnóstico (EMG), para cabal avaliação.
A perícia médica singular veio a ser completada em 16 de Agosto de 2107, após aquele exame complementar, tendo o senhor perito atribuído ao sinistrado uma IPP de 40,1500%.
Discordando, a seguradora veio requerer exame por junta médica, apresentando quesitos para o efeito.
O Tribunal a quo deferiu o requerido e designou dia para o efeito. Contudo, por falta do sinistrado, que entretanto fora sujeito a uma cirurgia relacionada com as sequelas das lesões que resultaram do acidente de trabalho, a perícia não se pode realizar, vindo a ser adiada.
Tendo o sinistrado sido submetido a uma segunda cirurgia, seguida de período de recuperação com acompanhamento pela seguradora, os autos ficaram a aguardar que este estivesse em condições de ser submetido à perícia por junta médica.
Na sequência daquela situação, o sinistrado veio requerer a ampliação do objecto da perícia por junta médica, alegando um agravamento das sequelas para uma situação de IPATH.
Ouvida a seguradora, o Tribunal a quo fixou o novo objecto da perícia médico-legal, formulando os quesitos para o efeito.
A perícia por junta médica veio a realizar-se em 04-06-2019, tendo os senhores peritos médicos, por unanimidade, atribuído ao sinistrado a IPP de 40%, com IPATH.
I.2 Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu decisão, dela constando, no essencial, o seguinte:
-«[…]
Face ao teor do relatório do exame por Junta Médica realizado, que se nos afigura ajustado aos critérios legais, e porque dos autos não resultam elementos que permitam infirmar tal exame, que foi subscrito por unanimidade dos peritos intervenientes, ao abrigo do disposto no artigo 145.º, n.º 5 do Código do Processo do Trabalho, considera-se, pois, que o sinistrado apresenta desde a data do pedido de revisão, a IPP de 40% (correspondendo a um agravamento de 25%) e Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual.
Como tal, considerando a nova IPP, e o salário anual à data do acidente – no valor de € 10.707,28 (9.800,00 + € 907,28) – bem como a fórmula de cálculo da IPATH (art. 48.º, nº 3, b), da LAT):
RA x 50% = Y
RA x 70% = W
W – Y = Z
Z x IPP + Y = Pensão
O valor da pensão é o infra indicado:
€ 10.707,28 x 50% = € 5.353,64
€ 10.707,28 x 70% = € 7.495,10
€ 7.495,10- € 5.353,64 = € 2.141,46
€ 2.141,46 x 40% = € 856,58 + € 5.353,64
Total: € 6.210,22
A nova pensão é devida desde a data da apresentação do requerimento de revisão, devendo ser objeto de atualização nos seguintes termos:
2015: (sem atualização)
2016: € 6.235,06
2017: € 6.266,24
2018: € 6.379,03
2019: € 6.481,09
Atendendo a que o sinistrado já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, tem direito a receber a diferença entre a pensão atual (€ 6.481,09) e a pensão anterior (€ 1124,26), ou seja, € 5.356,83, a título de pensão anual e vitalícia, em consequência da IPATH de que é portador.
(…)
DECISÃO:
Deste modo, e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o presente incidente de revisão, e, consequentemente, considerando que o sinistrado viu agravado o grau de desvalorização, fixa-se agora em 40% o grau de I.P.P. de que se encontra afetado o sinistrado B…, com IPATH (Incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual) com efeitos desde 03.07.2014, e, em consequência, condena-se a entidade responsável C…, Companhia de Seguros, SA a pagar ao sinistrado:
1. A pensão anual e vitalícia, atualizável, de € 5.356,83;
2. O subsídio de elevada incapacidade de € 4.537,62.
Aos referidos valores acrescem juros de mora contabilizados desde o dia seguinte à data da entrada do pedido de revisão, à taxa de 4%, sendo aplicável qualquer alteração que seja introduzida a esta taxa de juro.
Custas pela responsável.
Notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão a seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1) Quando, enxertado numa concreta acção especial emergente de acidente de trabalho com a lide inicial já consumada, haja lugar ao exercício do direito à revisão de incapacidade e, isso efectuado, se mostre ter resultado para o respectivo sinistrado agravamento de incapacidade face ao primitivo grau de IPP, nos termos previstos no artigo 145°, n.º 6 do C.P.T., incumbe ao Senhor decisor competente que profira competente formal despacho, aumentado a pensão;
2) Ainda se nessa mesma e concreta acção de acidente de trabalho, antecedentemente a esse exercício da revisão de incapacidade, o sinistrado já havia recebido capital de remição por uma primitiva pensão anual, impende sobre o mesmo e competente Senhor decisor, para apurar o quantum da pensão anual que se mostre devida, por doravante pagável, que ao valor da pensão anual que resulte do agravamento de incapacidade deduza o quantum da pensão anual que antes fora remida;
3) E, se essa concreta pensão anual aumentada, por razão, obrigatória, da procedência da revisão de incapacidade, reunir os legais pressupostos que justifiquem actualização de pensão, o dito competente Senhor decisor só fará esses singulares procedimentos depois de encontrar o quantum líquido da pensão anual pagável, nos termos da operação ante aludida;
4) Tal sequenciação resulta ex lege et de iure obrigatória, no respeito aos preceitos, conjugadamente enunciados, naquele artigo 145º, n.º 6 do C.P.T., quando contextualizada nos artigos 25°, n.º 1 do regime de reparação aprovado pela Lei n.º 100/97 e 6º, nºs 1 e 4 do Dec-lei n.º 142/99, aplicáveis ao caso sub judice;
5) Com isso e através desse modus faciendi, só assim o que se mostrar competente Senhor decisor salvaguarda o respeito aos princípios da legalidade e conformidade exigidos pelo artigos 6º, 154º n.º 1 e 607°, n.º 3, todos do C.P.C, aplicáveis, ex vi, pelo regime subsidiário previsto no artigo 1 º, nº 2, alínea a) do C.P,T.;
6) Quando, como se mostra no caso sub judice, o Mmo. juiz "o quo" proferiu despacho que obnubila e não acolhe tal único modus faciendi, decide em modo contra legem, desrespeitando a lei e a solução de justiça material ao caso concreto, em arredio àqueles dispositivos legais próprios;
7) Por isso, impondo-se, inexorável e consequentemente, a revogação integral daquele despacho emanada pelo Tribunal "a quo" e ordenando-se, em sua substituição, material decisão que determine que, primeiro, se impõe apurar o valor líquido da pensão anual que resulte da diferença entre a novel pensão, aumentada por agravamento e a antecedente pensão remida, para só depois e sobre esse valor residual líquido, operar os sucessivos coeficientes de actualização dessa pensão que se mostrem temporalmente devidos.
Conclui pugnando pela procedência do recurso, com a consequente alteração da decisão recorrida.
I.4 O Recorrido não apresentou contra alegações.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se pela procedência do recurso, citando vária jurisprudência no sentido da posição defendida pela seguradora.
I.7 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao proceder ao cálculo e subsequente fixação da pensão remanescente devida ao sinistrado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os constantes do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente discorda da decisão na parte em que é condenada “a pagar ao sinistrado: 1. A pensão anual e vitalícia, atualizável, de € 5.356,83”.
No seu entender, o percurso seguido pelo Tribunal a quo para chegar àquele valor está errado, dado que primeiro aplicou à pensão resultante do agravamento da incapacidade os coeficientes de actualização fixados para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, só depois deduzindo o valor da pensão anterior já remida, assim obtendo aquele valor de € 5.356,83.
Defende que, diversamente, o procedimento correcto impõe começar por “apurar o valor líquido da pensão anual que resulte da diferença entre a novel pensão, aumentada por agravamento e a antecedente pensão remida, para só depois e sobre esse valor residual líquido, operar os sucessivos coeficientes de actualização dessa pensão que se mostrem temporalmente devidos”.
Nesse pressuposto sustenta que o valor correcto da pensão anual e vitalícia actualizável é de € 5.085,96.
Comecemos por atentar na fundamentação da decisão recorrida, na parte em trata esta questão.
O Tribunal a quo começou por calcular o valor da pensão anual e vitalícia correspondente à IPP de 40% - correspondendo a um agravamento de 25% relativamente à anterior IPP e com atribuição de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual -, tendo por base o salário anual à data do acidente – no valor de € 10.707,28 (9.800,00 + € 907,28), concluindo que o valor é de € 6.210,22. Quanto a este valor não discorda a recorrente.
Num segundo passo, a fundamentação prossegue como segue:
«A nova pensão é devida desde a data da apresentação do requerimento de revisão, devendo ser objeto de atualização nos seguintes termos:
2015: (sem atualização)
2016: € 6.235,06
2017: € 6.266,24
2018: € 6.379,03
2019: € 6.481,09
Atendendo a que o sinistrado já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, tem direito a receber a diferença entre a pensão atual (€ 6.481,09) e a pensão anterior (€ 1124,26), ou seja, € 5.356,83, a título de pensão anual e vitalícia, em consequência da IPATH de que é portador»».
Para depois, nesse pressuposto, ter decidido condenar a recorrente, “ com efeitos desde 03.07.2014 (…) a pagar ao sinistrado: 1. A pensão anual e vitalícia, atualizável, de € 5.356,83;(…).
É contra este percurso que se insurge a recorrente, sustentando, conforme melhor se retira das alegações, o seguinte:
i) em primeiro lugar, aos € 6.210,22 da pensão correspondente à nova IPP deve subtrair-se o valor da anterior pensão que foi remida - € 1.124,26 -, daí resultando que o valor da nova pensão, à data de 03-07-2014, passa a ser de € 5.085,96;
ii) sendo esta a pensão a ser objecto das actualizações legais devidas para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, a partir de 1 de Janeiro, resultam, respectivamente, os valores de € 5.106,30, € 5.131,33, € 5.224,20 e € 5.307,79.
II.2.1 O acidente de trabalho a que se reporta o presente incidente de revisão ocorreu em 02/05/2007, na vigência a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO E DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS -, usualmente designada por Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT).
Essa lei foi entretanto revogada pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro - REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS -, conforme expressamente previsto na norma revogatória contida no art.º 186.º. Contudo, de acordo com a norma de aplicação no tempo do artigo 187.º, n.º1, “O disposto no capítulo ii aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei”, o que vale por dizer que à situação em apreço continua a aplicar-se a Lei 100/97, de 13 Setembro e, concomitantemente, o DL n.º 143/99, de 30 de Abril, que a regulamenta.
No caso, conforme resulta da sentença e é aceite no recurso, a pensão anual e vitalícia fixada inicialmente ao sinistrado foi remida. A remição terá resultado da aplicação do disposto no art.º 33.º 1, da LAT, dispondo, “Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados”, em conjugação com o disposto no art.º 56.º do DL 143/99, que veio fixar as condições de remição.
A remição de uma pensão anual e vitalícia traduz-se no pagamento antecipado do capital correspondente ao montante acumulado dos valores da pensão que seriam auferidos anualmente pelo sinistrado. Para se obter essa correspondência o cálculo do capital de remição é efectuado através de instrumentos legais, nomeadamente, bases técnicas aplicáveis ao cálculo e tabelas práticas de cálculo, conforme estabelecido no art.º 57.º do DL 143/99.
As prestações reparatórias por acidente de trabalho não são imutáveis. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada (art.º 25.º1, da LAT).
Nos casos em que houve lugar à remição, o sinistrado não fica prejudicado quanto ao direito de requerer a revisão da pensão com fundamento no agravamento da incapacidade decorrente das sequelas que resultaram do acidente de trabalho. E, caso venha a ser reconhecido o agravamento com o consequente aumento da pensão anual e vitalícia, está-lhe igualmente assegurado o direito à actualização da pensão remanescente, ou seja, do valor que agora acresce, indo para além da primitiva pensão que foi objecto de remição [art.º 58.º al. b) e d), do DL 143/99)].
II.2.2 Prendendo-se a questão em apreço fundamentalmente com a actualização da pensão remanescente, afigura-se-nos pertinente deixar as considerações essenciais sobre o regime de actualização de pensões.
O princípio de obrigatoriedade da actualização de pensões foi introduzido por via do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro. Vigorava então o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho constante da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto.
Como nos dá conta o preâmbulo do DL 668/75, de 24 Nov., ao instituir esse regime o legislador procurou acudir às consequências resultantes da “(..) flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida” , que se verificava “(..) há largos anos, com especial incidência na última década”, sem que alguma vez se tenha procedido a qualquer actualização das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional, situação que estava na base das “legítimas reclamações de todos os atingidos, que se viram através dos anos ignorados e abandonados (..)” pela Administração, impondo-se a “(..) correcção de forma progressiva de toda uma situação, por vezes dramática, que afecta algumas dezenas de milhares de pensionistas, alguns deles totalmente incapacitados para o trabalho e que têm vindo a receber pensões de escassas centenas de escudos”.
Os regimes subsequentes mantiveram esse princípio, tendo em vista atenuar os efeitos da desvalorização monetária sobre as pensões. Na vigência da Lei 100/97, para além da referência a que acima aludimos, feita no art.º 58.º al. d) do DL 143/99, essa matéria constava regulada no DL 142/99 de 30 de Abril, diploma que veio criar o Fundo de Acidentes de Trabalho.
O DL 142/99, de 30 de Abril, mantem-se em vigor, contando entretanto com as alterações introduzidas pelo DL 185/2007, de 10/5, e mais recentemente pelo DL n.º 18/2016, de 13/04.
A obrigatoriedade de actualização de pensões resulta do n.º1, do art.º 6.º deste diploma, que na sua redacção inicial, dispunha: “As pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”. Posteriormente, através do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10/5, aquela redacção foi alterada, passando a constar que “O valor das pensões de acidentes de trabalho é actualizado anualmente com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, tendo em conta os seguintes indicadores de referência: (..)”.
Com as alterações introduzidas também por esse diploma, o artigo 6.º, enuncia os “indicadores de referência” nas alíneas a) e b) do n.º1; os n.ºs 2 e 3 regem sobre as regras de aplicação desses indicadores; segue-se o n.º4, dispondo que “[A] actualização anual das pensões consta de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do trabalho e da solidariedade social”; e, por último, o n.º 5 estabelece que a [A] taxa de actualização é arredondada até à primeira casa decimal”.
Releva ainda referir o art.º 8.º, ao dispor no n.º1, que ”A actualização das pensões será automática e imediata caso a responsabilidade esteja a cargo de empresa de seguros (..) devendo ser feita a correspondente comunicação ao tribunal do trabalho e competindo ao Ministério Público promover eventuais rectificações”.
É também de referir, porque relevante para o caso em apreço, que o regime de atualização anual do valor das pensões por incapacidade permanente e por morte resultantes de acidente de trabalho, previsto no artigo 6.º do Decreto -Lei n.º 142/99, de 30 de abril - com as subsequentes alterações, nomeadamente, as introduzidas pelo DL 185/2007, de 10 de Maio - foi suspenso pelo Decreto-Lei n.º 107/2015,de 16 de Junho, vigorando essa suspensão entre 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2015 (art.ºs 1.º e 2.º).
Entretanto, nos anos seguintes as taxas de actualização foram fixadas através de Portarias, nos termos previstos no n.º4, do art.º 6.º, conforme segue:
- Portaria n.º 162/2016, de 9 de Junho, com aplicação desde 1 de Janeiro de 2016, a percentagem de aumento de 0,4 % (art.ºs 2.º e 3.º).
- Portaria n.º 97/2017, de 7 de Março, com aplicação desde 1 de Janeiro de 2017, a percentagem de aumento de 0,5 % (art.ºs 2.º e 4.º).
- Portaria n.º 22/2018, de 18 de Janeiro, com aplicação desde 1 de Janeiro de 2018, a percentagem de aumento de 1,8 % (art.ºs 2.º e 4º).
- Portaria n.º 23/2019, de 17 de Janeiro, com aplicação desde 1 de Janeiro de 2019, a percentagem de aumento de 1,6 % (art.ºs 2.º e 4.º).
II.2.3 Feito este percurso, conclui-se que no caso concreto, a pensão remanescente, porque não remível, deve ser actualizada obrigatoriamente e anualmente, nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, mediante a aplicação das percentagens definidas pelas Portarias acima indicadas.
A fundamentação do Tribunal a quo não cuida de elucidar, como devia, sobre as normas que foram consideradas para concluir haver lugar à actualização da pensão remanescente, nem tão pouco explica como chegou aos valores de actualização que indica. Contudo, crê-se que para chegar à consideração de que “A nova pensão é devida desde a data da apresentação do requerimento de revisão, devendo ser objeto de atualização nos seguintes termos”, foram necessariamente tidos em conta os normativos e as Portarias que apontámos. Seja como for, certo é que nessa parte o decidido não é objecto de divergência pela recorrente, nem se mostra contrário à lei.
Retomando o fulcro da questão, a divergência coloca-se quanto ao procedimento seguido pelo Tribunal a quo, em razão de ter actualizado o valor, nos anos de 2016 a 2019, da pensão correspondente à IPP de 40% com IPATH atribuída em face do agravamento verificado, sem que previamente tenha deduzido o valor da primitiva pensão, a qual foi objecto de remição, para desse modo primeiro encontrar a pensão remanescente.
Pois bem, assiste inteira razão à recorrente. O percurso seguido pelo Tribunal a quo incorre num erro de raciocínio.
O que a lei determina e, diga-se, em termos lógicos, é o direito à actualização da pensão remanescente, ou seja, o valor que agora acresce ao da primitiva pensão que foi objecto de remição, alterando-a para um montante superior em razão do agravamento da incapacidade [art.º 58.º al. b) e d), do DL 143/99)].
Essa pensão remanescente é devida, como o Tribunal a quo bem entendeu e a recorrente não discorda, a partir do dia em que foi apresentado o requerimento de revisão da incapacidade, no caso em 03-07-2014.
Portanto, sendo a pensão remanescente reportada a essa data, antes de se proceder às actualizações que sejam devidas é necessário encontrar o seu valor, para tanto calculando-se a pensão correspondente à nova incapacidade agravada e depois deduzindo-se-lhe o valor da pensão primitiva que foi objecto de remição. A pensão remanescente não é mais do que a diferença entre esses valores.
Calculou o Tribunal a quo, sem que quanto a esse ponto discorde a recorrente, que a pensão anual correspondente à nova IPP de 40%, com IPATH, é de € 6.210,22.
Refere-se na sentença, sem que também não discorde a recorrente, que a pensão anual primitiva que foi remida tinha o valor de € 1 124,26.
Assim sendo, o valor da pensão remanescente é de € 5.085,96 [€ 6.210,22 - € 1.124,26]. Este é o ponto de partida para então se procederem às actualizações que forem legalmente devidas.
No ano de 2015 não houve lugar à actualização de pensões, atenta a suspensão estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 107/2015, de 16 de junho.
Nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, as pensões foram objecto de actualizações, respectivamente, com as percentagens de 0,4%, 0,5%, 1,8% e 1,6%.
Feitos os devidos cálculos, para cada um dos anos obtém-se os valores seguintes:
- 2016:
5.085,96x0,4%= € 20,34
5.085,96 +€ 20,34= € 5.106,30
- 2017:
€ 5.106,30 x 0,5% = €25,53
€ 5.106,30 + €25,53= € 5.131,83
- 2018:
€ 5.131,83 x 1,8% 0= € 92,37
€ 5.131,83 + € 92,37 = € 5.224,20
- 2019:
€ 5224,20 x 1,6% = € 83,59
€ 5224,20 + € 83,59 = € 5.307,79
Por conseguinte, assiste razão à recorrente, importando revogar a sentença na parte recorrida, para se alterar e fixar o valor da pensão anual e vitalícia, devida desde 03-07-2014, em € 5.085,96, actualizada sucessivamente, nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, desde 1 de Janeiro de cada um desses anos, para os valores, respectivamente, de € 5.106,30, € 5.131,83, € 5.224,20 e € 5.307,79.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, em consequência revogando-se a sentença na parte recorrida, que se altera, condenando-se a seguradora no pagamento ao sinistrado da pensão anual e vitalícia, devida desde 03-07-2014, no valor de € 5.085,96, actualizada sucessivamente, nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, desde 1 de Janeiro de cada um desses anos, para os valores, respectivamente, de € 5.106,30, € 5.131,83, € 5.224,20 e € 5.307,79.

- Sem custas dada a ausência de oposição do sinistrado.

Porto, 9 de Janeiro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira