Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3741/17.0T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
PRAZO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
Nº do Documento: RP201901073741/17.0T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 687, FLS 354, FLS 361)
Área Temática: .
Sumário: I - Com a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, n.º 2 do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.
II - A teleologia do preceito referido no ponto anterior foi respeitada pela recorrida na tramitação dos autos, considerando que: i) a junção dos documentos foi anunciada (e justificada) para momento posterior, logo na petição; ii) a junção foi parcialmente feita no limite do prazo de 20 dias com referência à 1.ª sessão de julgamento, tendo sido nessa data anunciada (e justificada) a junção no dia seguinte da parte restante dos documentos, o que veio a ocorrer.
III - Na interpretação da lei processual, o julgador deve ter sempre em conta a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença, não esquecendo o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil, revelando-se juridicamente insustentável, no contexto processual referido, a simples rejeição de toda a prova documental da recorrida, sobre a qual recai o respetivo ónus.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3741/17.0T8MTS-A.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No dia 19.07.2017, B... intentou no Juízo de Família e Menores de Matosinhos - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto (processo n.º 3741/17.0T8MTS), ação de alimentos contra o ex-cônjuge C..., concluindo com a formulação do seguinte pedido: «Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser o Réu condenado ao pagamento à Autora da quantia mensal de € 350,00 (Trezentos e cinquenta Euros) a título de alimentos».
Consta dos artigos 51.º, 53.º e 57.º da petição inicial:
«51. Suporta ainda a Autora as despesas com eletricidade e água da habitação onde reside, as quais perfazem mensalmente um valor nunca inferior com a eletricidade gasta, uma média mensal, nunca inferior a €100,00, porque numa numa estação primavera/verão o consumo é mais baixo, pois nos meses mais frios o consumo, como é normal, será mais elevado. (conf. Doc. nº 130 e 131) e protesta juntar no prazo de 10 dias factura de água e luz mais recentes. […]
53. No tocante a custos com a viatura que usa diariamente tem o seguro automóvel D... no valor mensal de € 19,58 (conf. documento nº 133) e efectua o pagamento junto da A.T. relativo ao I.U.C. de €175,79/ano, o que se computa num gasto mensal de €14,65, ao que acresce o valor das portagens e combustível, completando um gasto na ordem de € 100,00 mensais, bem como, as despesas com a revisão desta viatura que se podem computar num gasto mensal de cerca de € 17,00 (€ 200,00/12meses); Conforme documento 133 que se junta e protesta juntar no prazo de 10 dias documento referente ao I.U.C. […]
57. A Autora suporta anualmente o valor de € 323,21, respeitante € 291,64 ao IMI do imóvel onde reside e metade do valor devido pela loja se encontra arrendada no valor de 31,57, cujo valor corresponde à média mensal de €27,00. (Protesta juntar no prazo de 10 dias os documentos referentes a esta despesa.)».
Consta, nomeadamente, do requerimento de prova: «B). Documental: Documentos 1 a 135, DUC e comprovativo de pagamento e protesta juntar no prazo de 10 dias os documentos alegados no artigo 51º, 53º e 57º do presente requerimento.».
Em 6.09.2018, a autora apresentou um requerimento com o seguinte teor:
«B..., autora e melhor identificada nos autos de processo à margem referenciada vem ao abrigo do artigo nº 423 do Código Processo Civil juntar documentos de algumas das suas despesas respeitantes ao presente ano:
A: Despesas de saúde – Conforme documentos números 1 a 30;
B: Despesas com serviços essenciais (Luz, água, telefone) – Conforme documentos números 31 a 38;
C: Outras despesas (despesas com o seu veículo, imposto Municipal Sobre imóveis (a Autora paga o imposto correspondente a um dos imóveis pertença do dissolvido casal, Imposto único de circulação) – Conforme documentos números 39 a 43;
A junção destes documentos só agora se faz em virtude de estas despesas terem sido efetuadas após a apresentação da petição e no decorrer do presente ano.
Em face do manifesto interesse dos mesmos para efeitos da descoberta da verdade vem solicitar que seja ordenada a sua junção dispensando a Autora de multa.
Mais, requer o prazo de 8 (oito) dias, para a junção de declaração médica, que apesar de já ter sido solicitado junto do médico de família, a mesma ainda não se encontra em poder da Autora.
Os documentos 1 a 43, só podem ser juntos no dia de amanhã, em virtude de a aqui signatária, de momento não se encontrar no seu domicílio profissional e não possuir equipamento necessário para proceder à sua digitalização, consequentemente está impedida de o fazer.
Respeitosamente requer a VªExa a junção destes documentos aos presentes autos, sendo os documentos, 1 a 43, juntos no dia de amanhã e requer o prazo de 8 (oito) dias para juntar declaração médica.».
Em 7.09.2018, a autora apresentou um requerimento com o seguinte teor:
«B..., autora e melhor identificada nos autos de processo à margem referenciados vem juntar os documentos que no dia de ontem protestou juntar.
Junta: 43 documentos.».
Em resposta ao requerimento de prova da autora, veio o réu deduzir oposição, alegando em síntese que a junção de documentos requerida não se reconduzia a nenhuma das possibilidades previstas no artigo 423º CPC, que a audiência se encontrava designada para o dia 26 de setembro e o requerimento tinha data de 7/9, tendo sido juntos 21 dias antes da audiência final, que não era pela autora alegada qualquer causa impeditiva da sua apresentação dentro do prazo legal e que não se vislumbrava ocorrência posterior que justificasse a sua junção naquele momento, preconizando que fosse julgada extemporânea a junção e ordenado o desentranhamento.
Em 24.05.2018 foi proferido o seguinte despacho:
«De harmonia com o disposto no art. 593º do C.P.Civil, dispensa-se a realização da audiência prévia.
Nos termos do art. 596º do CPC, o objecto do presente litígio a apreciar nestes autos é a alegada incapacidade económica da Autora para prover ao seu sustento e a possibilidade económica do Réu para poder ajudar ao sustento daquela, enquanto fundamento da peticionada condenação do mesmo ao pagamento à Autora de uma quantia mensal a título de pensão de alimentos.
A prova a produzir deverá incidir sobre os rendimentos económicos da Autora, o valor dos encargos com a satisfação das suas necessidades de subsistência, bem como sobre os rendimentos do Réu e o valor dos encargos do mesmo com a satisfação das suas necessidades.
Para realização da audiência de julgamento designo o dia 26 de Setembro, às 10,30 horas.
Notifique, convocando-se por ora apenas as testemunhas indicadas pela Autora.».
Realizou-se primeira sessão da audiência de julgamento em 26.09.2018, no âmbito da qual foram inquiridas testemunhas.
Na segunda sessão da audiência de julgamento em 17.10.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Por poder ser útil à prova a que se referem, admite-se a junção aos autos dos documentos juntos com o requerimento de 6 de setembro de 2018. Considerando a data de emissão dos mesmos, não se aplica qualquer multa pela apresentação tardia (ar.º 423.º do CPC).
Notifique».
Não se conformou o réu, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, no termo das quais formula as seguintes conclusões:
a) B..., na data de 19 de julho de 2017, veio a apresentar em juízo ação de prestação de alimentos contra o ex-cônjuge C..., na sequência do término da sua comunhão conjugal.
b) Acontece que, encontrando-se audiência de discussão e julgamento agendada para o dia 26 de setembro de 2018, B... no dia 6 de setembro de 2018, veio a juntar requerimento aos autos, requerendo a junção de documentos relativos a “algumas das suas despesas respeitantes ao presente ano”.
c) Refere-se ainda em tal requerimento que “a junção destes documentos só agora se faz em virtude de estas despesas terem sido efetuadas após a apresentação da petição inicial e no decorrer do presente ano”.
d) Por sua vez, veio o Réu, aqui Recorrente, a apresentar resposta ao referido requerimento, dizendo em síntese que a junção de documentos requerida não se reconduzia a nenhuma das possibilidades previstas no artigo 423º CPC. Ou seja, que não os documentos foram juntos com os articulados onde se alegam os factos, que a audiência encontrava-se designada para o dia 26 de setembro e o requerimento tinha data de 7/9, tendo sido juntos 21 dias antes da audiência final, que não era pela Autora alegada qualquer causa impeditiva da sua apresentação dentro dos prazos supra descritos, até porque atentando-se nas datas, o documento mais antigo datava de Junho de 2018. Por ultimo, que não se vislumbrava que ocorrência posterior que justificasse a sua junção naquele momento.
e) Pelo que, a junção dos documentos ora em causa deveria no entender do Réu, aqui Recorrente, ser julgada extemporânea, devendo ser ordenado o seu desentranhamento, sob pena de tal constituir um atropelo às regras processuais estabelecidas, no que aos meios de prova diz respeito, colocando em situação de desigualdade os litigantes.
f) Sobre tal junção o Exmo. Juiz da causa não se pronunciara, tendo vindo a ocorrer audiência de discussão e julgamento em 26 de setembro de 2018, sem se conhecer da questão.
g) No decorrer de tal sessão, procedeu-se à inquirição das testemunhas E... (cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital em uso no Tribunal a quo, durante 37m e 52 seg.) e F... (cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital em uso no Tribunal a quo, durante 6m e 4 seg). Sendo que, as referidas testemunhas foram inquiridas e vieram a pronunciar-se acerca dos documentos dos quais se requereu junção aos autos, e consequentemente, produzindo-se prova que irá irremediavelmente comprometer o sentido da sentença a proferir.
h) Assim, ainda na ausência de despacho do Exmo. Juiz acerca da junção requerida pela Autora, no dia 17 de outubro de 2018, aquando segunda sessão de audiência de julgamento, veio a ser proferido o despacho do qual agora se recorre e que contra todas as expectativas, veio a admitir a Junção de documentos requerida.
i) De tal despacho, constante da ata reativa a tal sessão, extrai-se o seguinte conteúdo: “por poder ser útil à prova a que se referem, admite-se a junção aos autos dos documentos juntos com o requerimento de 6 de setembro de 2018. Considerando a data de emissão dos mesmos, não se aplica qualquer multa pela apresentação tardia (…)”.
j) Com tal despacho não podemos, no entanto, concordar uma vez que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final - cfr. artigo 423º do Código de Processo Civil.
k) No entanto, a contraparte terá que ser notificada de tal junção e quanto à mesma pronunciar-se.
l) Desta forma, desde a notificação da contraparte, aqui Recorrente até à audiência de discussão e julgamento decorreram claramente mais de 20 dias. Devendo desde logo, julgar-se a junção extemporânea e por tal não admissível.
m) Ainda que assim não se considerasse, a aqui Recorrida, não cuidou em momento algum de indicar o que se propunha provar com tal junção, nem a necessidade e utilidade de tal, conforme lhe é exigível.
n) Tanto mais, e como a própria Recorrente admite no seu requerimento de junção, os documentos dizem respeito a despesas posteriores à entrada da petição em juízo, pelo que a admissão desses mesmos documentos conduz a uma alteração ou ampliação inadmissível do objeto do litígio e da causa de pedir. o) Por fim, sempre se diga que o Exmo. Juiz da causa ao não se ter pronunciado sobre a junção requerida na primeira sessão de audiência de julgamento incorrera numa verdadeira omissão de pronuncia que comprometera o andamento do processo.
p) Na verdade, decorrera a primeira sessão de audiência de julgamento, com produção de prova sobre os documentos, cuja admissão ainda não tinha acontecido e só viria a acontecer na sessão seguinte.
q) Acresce que o despacho de admissão proferido na segunda sessão de audiência de julgamento não faz qualquer apreciação dos fundamentos invocados pelo Réu, aqui Recorrente, e que justificariam a rejeição.
r) O Exmo. Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorreu no erro de admitir numa fase avançada do processo, e já após inquirição das testemunhas arroladas sobre os mesmos, a junção de documentos que não podem servir de prova para sustento da petição inicial, atenta as suas próprias datas, que são posteriores à submissão da peça ao Tribunal, bem como a omissão da indicação do que se propõe provar com os mesmos.
s) O princípio do inquisitório não pode em caso algum ser utilizado para auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do artigo 423º do CPC, ou subtraindo-se dos deveres que a lei estipula para a parte apresentante noutro momento distinto do da apresentação do articulado em que se alega o que se quer provar.
t) Assim sendo, tal despacho de admissão de meio de prova deverá ser revogado e substituído por outro que rejeite a junção de documentos requerida de forma extemporânea, injustificada e em clara violação do princípio da estabilidade da instância.
u) Consequentemente, haverá de não se tomar em consideração, por qualquer forma, os depoimentos das testemunhas que incidam sobre tais documentos aquando proferimento de sentença nos autos, por não constituírem prova válida, atendível ou integrante do objeto do processo.
NESTES TERMOS e nos demais do Direito aplicáveis, que V/Exa. mui doutamente suprirá, dando provimento ao recurso aqui interposto, e por via dele, revogando-se o despacho aqui posto em crise que veio a admitir a junção de documentos, enquanto meio de prova, pela Ré e substituindo-o por outro que indefira tal requerimento e não admita este novo meio de prova V/Exas, farão a acostumada INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
A autora respondeu às alegações de recurso, alegando em síntese:
«[…] 2. A ação destina-se, exclusivamente, a obter a prestação de alimentos a benefício da ora recorrida por parte do seu ex-cônjuge.
3. Foi fixado o seguinte Objecto do litígio: “… apreciar nestes autos a alegada incapacidade económica da Autora para prover ao seu sustento e a possibilidade económica do Réu para poder ajudar ao sustento daquela, enquanto fundamento da peticionada condenação do mesmo ao pagamento à Autora de uma quantia mensal a título de pensão de alimentos.”
4. E, como Tema da prova: “…………………………….. os rendimentos económicos da Autora, o valor dos encargos com a satisfação das suas necessidades de subsistência, bem como sobre os rendimentos do Réu e o valor dos encargos do mesmo com a satisfação das suas necessidades.”
5. A 6 de setembro de 2018, conforme comprovativo de entrega de tal requerimento - (apesar de constar na plataforma “CITIUS” a data de 7 de setembro de 2018), ou seja, 20 dias antes da data marcada para a realização da audiência de julgamento, a Recorrida protestou pela junção aos autos de 43 documentos e ainda de uma declaração médica comprovativa do estado de saúde da Autora/recorrida, de que ainda não dispunha, mais requerendo, por motivo de impedimento da sua mandatária, que tal junção fosse autorizada para ser processada no dia seguinte, dia 7, quanto aos referidos 43 documentos e ainda, no prazo de oito dias, para a declaração médica.
6. No dia 7 de setembro de 2018, tal como havia protestado, a Autora juntou aos autos os referidos 43 documentos.
7. O Réu, através da sua mandatária constituída, foi notificada, tanto do requerimento do dia 6, como do requerimento com junção dos 43 documentos, na segunda-feira dia 10 de setembro de 2018.
8. Quanto à declaração médica, foi junta por requerimento de 12 de setembro de 2018, por só ter sido disponibilizado depois de 7 de setembro pela Secretaria da Unidade de Saúde.
[…]
Prevê o artigo 423º do Código de Processo Civil o seguinte: Ora, sendo assim, revela-se com clarividência em função dos factos evidenciados pela tramitação do processo, que, 20 (vinte dias) antes da data do julgamento, a Autora /recorrente manifestou, de forma inequívoca, a sua intenção de juntar 43 +1 documentos, que concretamente identificou e registou como estando já 43 em seu poder para junção imediata, invocando, porém, impedimento para os poder juntar ainda nessa mesmo dia 6 de setembro, protestando que os juntaria no dia seguinte, com base em impedimento concreto da sua mandatária, que alegou e fundamentou. […]».

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se eram legalmente admissíveis os documentos apresentados pela recorrida.

2. Fundamentos de facto
A factualidade relevante provada é a que consta do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
Preceitua o artigo 423.º do Código de Processo Civil:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
Com a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, n.º 2 do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2018, pág. 500 e 501), sintetizam o normativo transcrito, citando, entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 6.12.2017 (processo n.º 3410-12.7TCLRS-A.L1-6), nestes termos: a junção de documentos é admissível nos prazos previstos no artigo 423.º do Código de Processo Civil, que a permite em três momentos distintos: a) com o articulado respetivo, sem cominação de qualquer sanção; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, exceto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
Advertem, no entanto, os citados autores: «Apesar da rigidez para que o preceito parece apontar, em parte associada ao princípio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no artigo 411.º e concretizado ainda no art.º 436.º (acerca do necessário equilíbrio entre a autorresponsabilidade das partes e a oficiosidade do inquisitório, cf. Paulo Pimenta, ob cit., pp. 372-373)».
Em suma, a lei deve ser interpretada e aplicada, perspetivando sempre a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença., nomeadamente o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil (visa-se a verdade substancial, até porque a ‘verdade formal’ ou meramente processual é mera ficção).
Haverá que ter em particular consideração, na específica situação processual em debate nesta sede recursória, os seguintes fatores:
i) O thema decidendum ficou definido no despacho saneador nestes termos:
«… o objecto do presente litígio a apreciar nestes autos é a alegada incapacidade económica da Autora para prover ao seu sustento e a possibilidade económica do Réu para poder ajudar ao sustento daquela, enquanto fundamento da peticionada condenação do mesmo ao pagamento à Autora de uma quantia mensal a título de pensão de alimentos.
A prova a produzir deverá incidir sobre os rendimentos económicos da Autora, o valor dos encargos com a satisfação das suas necessidades de subsistência, bem como sobre os rendimentos do Réu e o valor dos encargos do mesmo com a satisfação das suas necessidades»;
ii) a autora declarou, logo na petição inicial: «… protesta juntar no prazo de 10 dias os documentos alegados no artigo 51º, 53º e 57º do presente requerimento.».
iii) no dia 6.09.2018 (exatamente 20 dias antes do início da 1.ª sessão da audiência de julgamento – a 2.ª ocorreu no dia 17.10.2018), a autora apresentou um requerimento com o seguinte teor:
«B..., autora e melhor identificada nos autos de processo à margem referenciada vem ao abrigo do artigo nº 423 do Código Processo Civil juntar documentos de algumas das suas despesas respeitantes ao presente ano:
A: Despesas de saúde – Conforme documentos números 1 a 30;
B: Despesas com serviços essenciais (Luz, água, telefone) – Conforme documentos números 31 a 38;
C: Outras despesas (despesas com o seu veículo, imposto Municipal Sobre imóveis (a Autora paga o imposto correspondente a um dos imóveis pertença do dissolvido casal, Imposto único de circulação) – Conforme documentos números 39 a 43;
A junção destes documentos só agora se faz em virtude de estas despesas terem sido efetuadas após a apresentação da petição e no decorrer do presente ano.[1]
Em face do manifesto interesse dos mesmos para efeitos da descoberta da verdade vem solicitar que seja ordenada a sua junção dispensando a Autora de multa.
Mais, requer o prazo de 8 (oito) dias, para a junção de declaração médica, que apesar de já ter sido solicitado junto do médico de família, a mesma ainda não se encontra em poder da Autora.
Os documentos 1 a 43, só podem ser juntos no dia de amanhã, em virtude de a aqui signatária, de momento não se encontrar no seu domicílio profissional e não possuir equipamento necessário para proceder à sua digitalização, consequentemente está impedida de o fazer.
Respeitosamente requer a VªExa a junção destes documentos aos presentes autos, sendo os documentos, 1 a 43, juntos no dia de amanhã e requer o prazo de 8 (oito) dias para juntar declaração médica.».
iv) no dia seguinte (7.09.2018), tal como fora anunciado no requerimento anterior, a autora apresentou um requerimento com o seguinte teor:
«B..., autora e melhor identificada nos autos de processo à margem referenciados vem juntar os documentos que no dia de ontem protestou juntar.
Junta: 43 documentos.».
Em suma: a junção dos documentos em causa foi anunciada logo na petição, tendo sido justificada a apresentação posterior; no dia 6.09.2018 (20 dias antes do início da 1.ª sessão da audiência de julgamento) foram juntos documentos e foi justificado o adiamento da junção dos restantes para o dia seguinte (impossibilidade de digitalização nesse dia); e no dia 7.09.2019 (19 dias antes do início da 1ª sessão da audiência de julgamento) foram juntos os restantes documentos.
Pretende o recorrente que, neste contexto e neste histórico processual se rejeite a junção dos documentos, esvaziando-se a prova da autora (sobre quem recai o respetivo ónus), por um dia de atraso – apesar de todas a justificações que foram, apresentadas, nomeadamente no dia anterior.
Salvo todo o respeito devido, entendemos que mal andaria o Tribunal se, fazendo tabua rasa do princípio da procura da verdade material com vista à justa composição do litígio, norteado pela ideia de efetiva Justiça[2], no contexto processual referido decidisse rejeitar a prova documental oferecida pela autora.
Acresce que nem sequer é pacífico na jurisprudência o entendimento de que o prazo de vinte dias referido no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil se conte com referência à primeira sessão de julgamento, defendendo alguma doutrina (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 241 e pág. 675) e parte da jurisprudência (RG, 17.12.2015, proc. 3070/09.2TJVNF-B.G1, RC, 8.09.2015, proc. 2035/09.9TBPMS-A.C1, e RC, 14.12.2016, proc. 3669/14.5T8VIS.C1), que o prazo se conta com referência, não à abertura da audiência, mas à sua concretização, aplicando o preceito mesmo que haja adiamento ou continuação noutra sessão[3].
O que temos por certo, é que a que a teleologia do preceito em causa (artigo 423.º, n.º 2 do CPC) – evitar surpresas no decurso do julgamento com a junção inesperada de um qualquer documento e permitir uma atempada definição da estratégia probatória das partes – foi respeitada pela recorrida na tramitação dos autos, considerando que: i) a junção foi anunciada (e justificada) para momento posterior, logo na petição; ii) a junção foi parcialmente feita no limite do prazo de 20 dias com referência à 1.ª sessão de julgamento, tendo sido nessa data anunciada (e justificada) a junção no dia seguinte da parte restante dos documentos, o que veio a ocorrer.
Salvo todo o respeito devido, a drástica penalização pretendida pelo recorrido, no contexto processual referido, traduzir-se-ia numa recusa injustificada de procura da verdade material, violadora dum princípio essencial, estruturante do processo civil.
Em conclusão, a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo ou censura, devendo, em consequência, naufragar o recurso.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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A presente decisão compõe-se de quinze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 7 de janeiro de 2019
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Os sublinhados são da responsabilidade do relator, justificando-se pela sua relevância face ao tema em discussão.
[2] Referimo-nos ao conceito de “Justiça”, que alguém definiu como “Pólo Norte do direito”, e que Gustav Radbruch (Filosofia do Direito, Arménio Amado Editor, 1979, pág. 91, Tradução e Prefácio de Cabral Moncada), elege como razão de ser do direito: «o direito não é afinal senão a realidade que tem o sentido de se achar ao serviço da ideia de justiça».
[3] Entendemos, no entanto, que o que releva para a determinação do termo final do n.º 2 do art.º 423.º do CPC é o início da audiência final, pois que a teleologia do preceito – evitar surpresas no decurso do julgamento com a junção inesperada de um qualquer documento e permitir uma atempada definição da estratégia probatória das partes – se coaduna mais com tal interpretação.