Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26376/15.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RECURSO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP2018110526376/15.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680-A, FLS.12-28)
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - A parte que impugne a decisão da matéria de facto não pode limitar-se a transcrever os depoimentos e concluir, sem mais, que com base neles se devem alterar determinados pontos factuais, a par disso terá de fazer a sua análise crítica.
III - Se o lesado, em consequência de um acidente de viação, ficou afectado por um défice funcional permanente de 3 pontos que lhe permite exercer a sua actividade profissional habitual, embora com esforços suplementares, o cálculo do respectivo montante indemnizatório deve ser efectuado segundo os parâmetros do dano patrimonial futuro.
IV - Tendo a Autora que exerce a actividade profissional de empregada doméstica ficado portadora do referido défice funcional permanente de 3 pontos com 62 anos à data do acidente, considera-se justa e adequada para compensação do dano patrimonial futuro a quantia de 5.000,00€.
V - Na apreciação, em sede de recurso, o montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
VI - Não se tendo operado ex-professo um cálculo actualizado da indemnização ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C. Civil com apelo também declarado v.g. aos índices de inflação entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da acção, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação, que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 26376/15.7T8PRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Local Cível do Porto-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
............................................................................
............................................................................
............................................................................
*
I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B… residente na Rua …, …, … Paredes veio propor a presente Acção de Processo Comum contra C… Companhia de Seguros, SA, e D…, SA, com sede Rua …, .., Porto peticionando:
- A condenação da segunda ré no pagamento à A. da quantia global de €26.000, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo pagamento, na hipótese de o condutor do veículo seu segurado ser julgado como único culpado na produção do sinistro;
- Subsidiariamente, a condenação da 1ª Ré “C…” na mesma quantia, quer em capital quer em juros, na hipótese de, a final, vir a ser julgado como único culpado o condutor do veículo seu segurado;
- Ainda subsidiariamente, serem condenadas ambas as RR. conjuntamente, nos mesmos termos, para a hipótese de, a final, o Tribunal fixar uma culpa repartida entre as RR ., sendo cada uma delas responsabilizada em proporção da culpa atribuída.
Fundamenta a sua pretensão dizendo, em síntese, ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de um acidente de viação ocorrido no dia 23 de Janeiro de 2014, em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula .. - .. - XG e o autocarro dos E…, onde era transportada a autora, sendo que, à data, a responsabilidade decorrente da utilização destes veículos se encontravam transferidas para as Rés C… e D…, SA, respectivamente.
*
A Ré D… contestou referindo em resumo que desconhece a dinâmica do acidente invocada pela autora mas que reconheceu a culpa do condutor do veículo automóvel por si garantido após o processo de averiguações tendentes a pesquisar o preenchimento dos pressupostos de que depende a sua intervenção, impugnando a existência dos danos nos termos invocados pela autora.
*
Foi proferido despacho saneador conforme decisão de fls. 251 e 252.
*
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal.
*
A final foi proferida decisão que:
a)- Condenou a ré D…, S.A. no pagamento à A. da quantia de €17.000,00 (dezassete mil euros), sendo €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico) e €12.000,00 (doze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude do acidente dos autos, acrescida juros de mora devidos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado;
b) e absolveu a ré C…, Companhia de Seguros, SA, do pedido.
*
Não se conformando com o assim decidido veio a Ré D…, SA interpor recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1.ª - O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos de que a Autora ficou a padecer é pequena, pelo que deveria o Tribunal recorrido tê-la considerado como se de um dano não patrimonial se tratasse.
2.ª - De facto, até 10% deve uma incapacidade ser classificada de pequena, tal é o entendimento da jurisprudência.
3.ª - Nesse sentido, consideramos justa a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos supra expostos, isto é, incluindo o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, na importância de € 8.500,00 a atribuir à Autora/lesada, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido.
Sem conceder, e para o caso de assim se não entender,
4.ª A indemnização atribuída á Autora/Recorrida a título de danos patrimoniais futuros é excessiva.
5.ª Porquanto, no caso dos autos, não vem alegada qualquer efectiva perda de rendimentos, mas tão só a incapacidade parcial permanente, com o inerente esforço acrescido. Contudo, a factualidade inerente a esta matéria não resultou provada – apenas resultou provado que a autora teve como actividade habitual a profissão de empregada doméstica, e como tal por parte da Autora/Recorrida não resulta provada, pois que apenas resultou provado que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos futuros não se reflectem numa Incapacidade efectiva, ou seja, uma perda de rendimento efectiva para o Trabalho habitual.
6.ª Apenas e tão só, nos autos, apenas resultou provado que o Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que a Autora padece não se reflecte em incapacidade efectiva, ou seja, não implica perda efectiva de rendimentos para o Trabalho habitual do mesmo.
7.ª Tratam-se, pois, de danos futuros, de difícil quantificação, sendo apenas ressarcíveis caso sejam seguros e previsíveis, dependendo de múltiplos elementos, tais como a evolução da economia, a evolução da vida pessoal do lesado e o desempenho profissional futuro daquele.
8.ª Isto é, da concreta situação de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos-não decorre uma efectiva diminuição na percepção de salários ou rendimentos por parte da Autora, não se reflectindo essa IPG em concretos e efectivos danos patrimoniais.
9.ª É que, não está provado que o lesado esteja impedida de exercer a profissão respectiva e obter outras remunerações e o relatório médico-legal é claro, a recorrida apenas sofreu um dano corporal que o afecta ao nível de uma incapacidade funcional, digamos, um "handicap" no qual, a repercussão negativa se centra apenas na diminuição da condição física, resistência e capacidade por parte da mesma.
10.ª Cumpre, referir que à data do acidente de que foi vítima, a Autora contava 62 anos de idade.
11.ª Que não resultou provado se à data dos factos a autora exercia a profissão de empregada doméstica nem quanto receberia.
13.ª E ainda que a Autora, antes do acidente em discussão nos presentes autos, já sofria de alterações e queixas prévias do ombro e do joelho.
14.ª Ora, no cálculo indemnizatório a efectuar haverá que considerar que o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não sofrer qualquer correcção, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.
15.ª Por todo o exposto somos a reiterar, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido, que, em termos de equidade consideramos justa a importância de €2.500,00, a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos sofrido pela Autora.
16.ª - Pelo que, pelo disposto no seu teor, a sentença recorrida violou, designadamente, os artigos 496.º, n.º 3, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.
17.ª – Quanto aos danos não patrimoniais, não se discute que os danos provados ostentam aquela gravidade que reclama a tutela do direito. Porém, é líquido que a indemnização apenas pode ser fixada segundo critérios de equidade e normalidade, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exactamente o dano sofrido, nos termos dos artigos 494.º e 496.º, n.º 3, do Código Civil, o que vale por dizer que se abre aqui uma excepção à teoria da diferença, operador de cálculo do quantum da indemnização.
18.ª - Acresce aqui referir, que a equidade remete para critérios de valoração assentes nas “regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, importando, por fim, atender à dimensão dos danos e à forma como os mesmos são considerados na jurisprudência em casos paralelos.
19.ª - O objectivo que preside a este tipo indemnizatório é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido.
20.ª - Ou seja, a reparação dos prejuízos que são de natureza moral, tais como o "dano estético", o "prejuízo de afirmação social", o prejuízo da "saúde geral e da longevidade", o "pretium juventutis" e o "pretium doloris".
21.ª - Quanto a este particular provaram-se os factos constantes dos pontos vi., vii., xvii. a xxi. da Matéria de Facto Provada.
22.ª - Ora, valorando todos os elementos provados no quadro de uma fixação equitativa (artigo 496°, n.° 3 do C.C.), e não obstante a gravidade das lesões e sequelas sofridas pela Autora, especialmente as lesões corporais e todo o sofrimento durante e após o sinistro, aliado à degeneração da vida familiar, não pode ainda assim, a recorrente conformar-se com o montante fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.
23.ª - Por todo o exposto somos a reiterar, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido, que, em termos de equidade, é ajustada a importância de €6.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora/recorrida.
24.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483.°, 562.º e 564.°, n.º 2, todos do Código Civil.
25.ª - É hoje reconhecido, pela mais moderna Doutrina e Jurisprudência que, quando o valor da indemnização se reporta à data da sentença, apenas são devidos juros a partir dessa data. Isto porque a indemnização já se mostra actualizada com referência a essa data.
26.ª - Ao ser referida à data em que é proferida a decisão na primeira instância, ela acaba por se encontrar actualizada em relação a esse momento, o que impede a possibilidade de serem devidos juros de mora desde a citação.
27.ª - A sentença recorrida violou, neste particular, o disposto nos artigos 566.º e 805.º, n.º 3, ambos do Código Civil.
28.ª Motivo pelo qual a douta sentença tem que ser alterada no sentido dos juros de mora, apenas serem devidos após a data da prolação da sentença.
29.ª Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 342.º n.º1 483.°, 494°, 496.º, n.º 3, 562.º, n.º 3 e 564.°, n.º 2, e todos do Código Civil.
*
Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso e, recorrendo subordinadamente, formulou as seguintes conclusões:
1ª- A sentença terá de espelhar, na medida do humanamente possível, o que se passou na audiência, competindo ao Juiz, de acordo com as regras da sua experiencia e da experiencia comum , (des)credibilizar as provas por forma a poder aplicar bem, aos factos, o Direito.
2ª- In casu, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito, a Mma Juiz a quo decidiu, de facto, em desacordo com a prova e, subsequente e consequentemente, aplicou mal o Direito, condenando a R. em quantias desajustadas à realidade do dano padecido
3ª- A sentença recorrida violou os comandos dos artigos 483.º, 496.ºe 564.º do CCivil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que a bondade de V.Ex.as suprirá, deve
a) Ser julgado improcedente o recurso principal;
b) - Ser alterada a matéria de facto dando-se como assentes os factos acima elencados, e, em consequência, ser julgado o Recurso Subordinado integralmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a R. no pagamento à A. da quantia global de 26.000,00€, com juros desde a citação e até efectivo pagamento.
*
II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
Recurso independente
a)- saber se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido pela Autora/recorrida devia, ou não, ter sido considerado como dano patrimonial futuro;
b)- saber, mesmo considerando o referido défice funcional como dano patrimonial futuro, o valor fixado é, ou não excessivo;
c)- saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais é, ou não, excessivo;
d)- saber se os juros de mora que incidem sobre tais montantes deviam, ou não, ser contabilizados a partir da citação.
*
Recurso subordinado
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- fixar o montante indemnizatório decorrente dessa eventual alteração factual.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada:
1º)- No dia 23 de Janeiro de 2014, cerca das 13:25 horas, ocorreu um acidente de viação na Avenida … (próximo da confluência dessa Avenida com a Rua …) entre o veículo pesado de transporte de passageiros com a matrícula .. - .. - QE, autocarro dos E…, que circulava nessa recta da Avenida … pelo corredor BUS, no sentido descendente, e transportava passageiros, e o veículo automóvel com matrícula .. - .. - XG, cuja condutora, tentou inverter o seu sentido de marcha, transpondo pelo menos uma linha longitudinal contínua.
2º)- Por via dessa manobra do XG e da sequente travagem brusca do autocarro, seguida do embate entre os dois veículos, os passageiros do autocarro, de entre os quais a A., que nele seguia, sentada, transportada como passageira desse transporte público pago, foram violentamente projectados, e atirados ao chão aos trambolhões no interior do autocarro.
3º)- Ao tempo, a responsabilidade civil pela circulação e transporte de passageiros do aludido veículo pesado de matrícula QE encontrava-se transferida para a 1ª Ré (C…) através da Apólice nº …………...
4º)- Enquanto a responsabilidade civil pela circulação do veículo automóvel XG encontrava-se transferida para 2ª Ré seguradora (N Seguros) por força da Apólice nº ……...
5º) - Como consequência directa causal e necessária da travagem brusca e do choque entre os veículos, e da consequente projecção, embate e arrastamento do seu corpo aos trambolhões no interior do autocarro, a A. ficou politraumatizada e foi transportada pelo INEM, de ambulância, ao Hospital O..., no Porto, onde lhe foi diagnosticado, também como consequência directa, causal e necessária da queda, do embate e do arrastamento referidos distensão do ombro direito com rotura longa porção do bicípite contusão do joelho direito e hematomas no joelho e braço direitos.
6º) - A A. sofreu pisaduras por todo o corpo como resultado da queda e do arrastamento do seu corpo pelo interior do autocarro.
7º) - E ao longo de mais de uma semana teve grande dificuldade para caminhar, marchando com claudicação.
8º) - A A. viu-se obrigada a fazer diariamente tratamentos clínicos de reabilitação, pelo que entre Abril e Junho de 2014 efectuou 40 sessões de fisioterapia na “Clínica F…, Lda.”, em Paredes.
9º)- E viu-se igualmente obrigada a ser submetida a exames e a tratamentos clínicos na G…, Companhia de Seguros, S.A. e na H…, na cidade do Porto.
10º)- Assim como teve de ser tratada e medicada no Centro Hospitalar I…, EPE, em …, Penafiel.
11º)- Como consequência necessária e directa do acidente e das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de dores, no ombro e no membro superior direitos, bem como no joelho direito.
12º)- O que lhe ocasiona dificuldades de locomoção, assim como perda de mobilidade e de força no membro superior direito.
13º)- A autora, quando fazia as sessões de fisioterapia, teve sempre de usar dois meios de transporte, tanto na ida como no regresso a casa, tendo de se deslocar de comboio e de camioneta, uma vez que do local onde reside até ao dito hospital, não existe transporte público directo.
14º)- O que lhe causou incómodos.
15º)- Para deslocação para ser tratada nos serviços médicos da casa H…, no Porto, a A. foi utilizava 3 (três) tipos de transporte diferentes, camioneta, comboio e autocarro, o que se tornou incómodo, desgastante e penoso.
16º)- A autora exerceu como actividade habitual a profissão de empregada doméstica.
17º)- A A. sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional num período total de 174 dias.
18º)- A A. sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial de 174 dias.
19º)- O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em três pontos.
20º)- As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares.
21º)- O Quantum Doloris é fixável no grau 3/7.
22º)- A A. nasceu em 21/07/1951.
23º)- A A. sofreu pânico na altura do acidente e dores que se prolongaram pelas horas que se seguiram, desde o momento do acidente até à data da “alta” hospitalar.
24º)- Dores que se agudizam no desempenho das suas tarefas domésticas que a A. tem de executar.
25º)- Já que lhe compete tratar da casa de morada, de si própria, de seu marido.
26º)- A A. vive com o seu marido, homem de 72 anos de idade, doente cardíaco, já intervencionado e com a aplicação de um “bypass coronário”, sendo ela quem dele cuida, quem faz o jantar, quem lava e passa as roupas da família, quem limpa a casa, quem trata de todos os assuntos domésticos.
27º)- Afectada como está na sua capacidade física, por mor das sequelas do sinistro descrito, a A. carece igualmente, agora, de despender um esforço acrescido para tratar de todas as tarefas.
28º)- A A. sofreu o constrangimento de se ver confinada às paredes dos Hospitais e sofreu angústia ao saber-se vítima de tratamentos hospitalares e fisioterapêuticos.
29º)- O que tudo lhe causou limitações, penosidade, incómodo, tristeza e constrangimento social.
*
Factos não provados:
Não se provou que:
a. Que a autora ficou a padecer de intensas e persistentes dores, no ombro e no membro superior direitos, bem como no joelho direito;
b. Que essas dores intensificam-se durante o período de repouso, ou seja, especialmente sempre que a A. tenta permanecer deitada para dormir, obrigando-a a constantes e repetidas mudanças de posição na cama, causando-lhe muito mal estar, intranquilidade, fadiga e muita dificuldade em adormecer;
c. Que tal a obriga à toma diária de medicação, nomeadamente, à toma de soporíferos e de tranquilizantes;
d. Que a autora era uma pessoa activa e trabalhadora;
e. Que, à data do acidente, os trabalhos de limpeza que a autora exercia eram prestados numa residência sita na Avª …, …, na cidade do Porto, (D. J…);
f. Que no exercício dessa actividade profissional a A., trabalha sempre de pé, durante quatro horas diárias, durante quatro dias por semana e durante todo o ano;
g. Que pelo seu trabalho, a A. aufere semanalmente 88.00€ líquidos (5,5 €/hora x 16 horas);
h. Que as deslocações para as sessões de fisioterapia causavam dores à autora;
i. Que a A. desempenha, profissionalmente, as tarefas descritas supra, ao serviço da sua identificada entidade patronal, durante 16 horas por semana e onze meses em cada ano;
j. Que a A., para executar, agora, as mesmas tarefas profissionais, carece de despender um esforço redobrado relativamente ao que despendia antes da ocorrência do descrito acidente, tanto mais que a A. é “destra” ou “direita” pelo que a lesão do ombro e membro superior direito é para ela fortemente limitativa, quando não impeditiva, de realizar qualquer tarefa braçal, o que lhe provoca intensas dores no ombro e braço direito e no joelho direito, que tem de suportar durante as 4 horas de trabalho diário que tem de realizar como empregada doméstica;
k. Que a autora sofre de dores que se agudizam sempre que a A. desempenha as suas tarefas profissionais;
l. Que a autora trata da neta de seu nome Letícia, de 04 anos de idade;
m. Que a autora passou a sentir dor mais intensa, especialmente, durante e após a actividade laboral e sempre que ocorrem mudanças de tempo;
n. Que face à sua limitação de ordem física, por um lado, e, por outro, face à volatilidade do mercado laboral, a autora vive, permanentemente no medo de ser substituída no seu emprego por alguém, fisicamente mais capaz e mais ágil, o que lhe provoca um estado de angústia e ansiedade permanentes, tanto mais que não possui qualquer outra fonte de rendimento que não o proveniente desse seu trabalho como empregada de limpeza, pelo que também passou a necessitar de apoio e tratamento psicológico;
o. Que a autora encontra-se afectada na perda de capacidade laboral activa em 5% (IPP).
*
III. O DIREITO
1 - Recurso subordinado
Tendo em conta que um dos segmentos do recurso subordinado tem por objecto a impugnação da matéria de facto vamos começar a nossa análise por tal recurso.
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a Autora recorrente impugnou a decisão da matéria de facto no que tange aos pontos d), e), f), g), j) e k) dos factos não provados os quais em seu entender deviam ter sido considerados provados com a redacção que propõe.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Autora apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
*
Como se evidencia das alegações recursivas sustenta a Autora recorrente que os pontos factuais supra referidos deviam ter tido a seguinte resposta:
Facto XXX - (facto d) não provado)-a autora, antes do acidente, era uma pessoa activa e trabalhadora;
Facto XXXI- (facto e) não provado)-a autora ,à data do acidente, trabalhava numa residência na zona da Avenida …, na cidade do Porto, efectuando trabalhos de limpeza;
Facto XXXII (facto f) não provado)-a autora trabalhava sempre de pé durante 4 dias por semana, 4 horas por dia e durante 12 meses no ano;
Facto XXXIII-( factos g) e i) não provados)-a autora auferia por esse trabalho uma média semanal de 80,00€;
Facto XXXIV-( facto j) não provado)-a autora, para desempenhar as mesmas funções, carece agora de despender um redobrado esforço relativamente aos que despendia antes do acidente dos autos , nomeadamente no ombro, braço e joelho direitos;
Facto XXXV- (facto k) não provado)-a autora sofre dores que se agudizam sempre que desempenha as suas tarefas profissionais.
Para a alteração pretendida convoca o depoimento das testemunhas K… -filho da Autora-, L… - neto da Autora- , M… - nora da Autora - e N… - vizinha da Autora.
Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que o assim alegado possa fundamentar a alteração da fundamentação factual propugnada pela Autora recorrente.
Efectivamente, a Autora limitou-se a dizer que os depoimentos das supra referidas testemunhas deviam ter sido valorados, transcrevendo depois alguns excertos dos respectivos depoimentos.
Acontece que isso não basta.
A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
O que se pretende que a parte faça?
Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar.
A razão pela qual se afirma que a parte deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.
Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal.
Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
Não basta pois identificar meios de prova e dizer-se que os mesmos deviam ter sido valorados em certo sentido e em detrimento daqueles que o tribunal valorou.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas, que a ora apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pelo tribunal recorrido, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, como acima se deu nota elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. artigos 396.º do Cód. Civil e 607.º, nº 5 do CPCivil.
Portanto, se o tribunal recorrido entendeu valorar diferentemente da ora recorrente tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui, pois que, se a Relação deve formar a sua própria e autónoma convicção, a verdade é que, como acima se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta.
De modo simples, impunha-se que Autora recorrente como condição da reapreciação da prova, fizesse evidenciação da existência de um erro grosseiro, material ou formal, na apreciação da prova para, partindo dessa circunstância, abrir-se a porta da renovação da prova a que apela, coisa que manifestamente não fez.
Portanto, o referido ónus não se pode ter por satisfeito com o apego descontextualizado e meramente pontual a frases dos depoimento das indicadas testemunhas, tanto mais, tendo em conta a vinculação familiar que três delas, das quatro indicadas, têm com a Autora e, portanto, sem a equidistância necessária para depor com total imparcialidade e isenção.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 1ª a 3ª formuladas pela Autora recorrente e, com elas, o respectivo recurso, pois que, permanecendo inalterada a fundamentação factual não foi invocado qualquer fundamento que sustentasse a alteração da subsunção jurídica que dele fez o tribunal recorrido.
*
2 - Recurso independente
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar prende-se com:
a) - saber se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido pela Autora/recorrida devia, ou não, ter sido considerado como dano patrimonial futuro.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se entendeu que sendo a Autora portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em três pontos, valorou tal dano como um dano patrimonial futuro na vertente de dano biológico.
Deste entendimento dissente a recorrente para quem, dada a percentagem diminuta de tal défice funcional, tal dano devia ser valorado apenas na vertente de danos não patrimoniais.
Que dizer?
No segmento indemnizatório aqui em apreciação movemo-nos no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.
A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do artigo 564.º, nº 2 do Cód. Civil.
Tem-se afirmado que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, porque determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das actividades profissionais do lesado, destacando-se que uma incapacidade permanente parcial, sem qualquer reflexo negativo na actividade profissional do lesado e no seu efectivo ganho, “se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado”.[6]
Porém, outros entendem, como por exemplo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009[7] que também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Escreveu-se o seguinte neste aresto:
Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos (…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
“E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
“Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente–no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
“Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
“A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
“E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”[8]
Sustentam outros ainda que o dano corporal ou dano à saúde deve ser reconhecido como dano autónomo, verdadeiro “tertium genus” de natureza específica, com um lugar próprio que não se esgota nem é assimilado pela dicotomia clássica entre o que é patrimonial e o que não é patrimonial, impondo-se como uma realidade digna de reparação autónoma.
Entendimento este a que não são alheias as grandes dificuldades e delicadíssimos problemas suscitados pela determinação e avaliação das consequências pecuniárias e não pecuniárias do dano corporal no quadro da distinção dano patrimonial/dano não patrimonial.
Concretamente, quanto à indemnização de perdas patrimoniais futuras, a título de lucros cessantes, lembra-se que o lesado terá que provar a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, destacando-se que a avaliação e reparação das chamadas pequenas invalidades permanentes se deve confinar à área do chamado dano corporal ou dano à saúde.[3]
Regressando ao caso dos autos, importa, desde logo, respigar o seguinte quadro factual:
6º)- A A. sofreu pisaduras por todo o corpo como resultado da queda e do arrastamento do seu corpo pelo interior do autocarro;
7º)- E ao longo de mais de uma semana teve grande dificuldade para caminhar, marchando com claudicação;
(…);
11º)- Como consequência necessária e directa do acidente e das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de dores, no ombro e no membro superior direitos, bem como no joelho direito;
12º)- O que lhe ocasiona dificuldades de locomoção, assim como perda de mobilidade e de força no membro superior direito;
(…);
16º)- A autora exerceu como actividade habitual a profissão de empregada doméstica;
(…);
19º)- O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em três pontos;
20º)- As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares”.

Perante este recorte factual a questão que teremos de apurar é a de saber se tendo a Autora ficado afectada por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, o que é compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual de empregada doméstica, embora implique para o efeito esforços suplementares, tal é susceptível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial.
É certo que a incapacidade permanente parcial da Autora (IPP) não é muito significativa-3%-e permite-lhe continuar a exercer a sua actividade profissional de empregada doméstica.
Ora, casos há em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na actividade profissional que ele exerce. Uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, não tem para um lesado que desenvolve uma actividade profissional sedentária e marcada pelo esforço intelectual, qualquer repercussão nesta.
Por isso, em certas situações justifica-se que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
Acontece que não é esta a situação da lesada nos presentes autos.
A Autora apesar das sequelas sofridas serem compatíveis com o exercício da sua actividade profissional de empregada doméstica tem, para tal efeito, que desenvolver esforços suplementares.
Neste contexto factual, é de concluir que as limitações físicas de que A autora ficou a padecer, mesmo que não muito significativas por se terem objectivado numa incapacidade permanente parcial de 3%, afectam-na na sua actividade profissional de empregada doméstica.
E centrando-nos na sua actividade de empregada doméstica afigura-se-nos claro que as sequelas decorrentes do acidente condicionam a sua futura capacidade de ganho, nomeadamente, quando seja confrontado com profissionais da mesma área cuja actividade não dependa do esforço acrescido de que ela necessita para eficazmente conseguir desempenhar as suas tarefas.
Neste sentido, bastará pensar nos casos em que o lesado aufere retribuição que não foi alterada por causa do acidente, embora tenha passado a sofrer de uma incapacidade física que o leva a realizar com maior esforço uma determinada tarefa no mesmo período de tempo; isso significa que, sem esse esforço acrescido, ele realizaria a tarefa em tempo superior. O custo da sua capacidade produtiva não é menor, porque esse esforço suplementar é realizado. Ora esse esforço, se não houvesse diminuição física, não seria necessário: tal esforço corresponde a uma perda patrimonial real posto que não nominal.[9]
Assim, impõe-se concluir as lesões sofridas pela Autora, concretizadas numa incapacidade permanente parcial de 3%, terão consequências económicas no futuro e serão, por isso, fonte de futuros lucros cessantes a compensar como verdadeiros danos patrimoniais nos termos do artigo 564º, nº 2 do Cód. Civil.[10]
*
Improcedem, deste modo as conclusões 1ª a 13ª formuladas pela Ré recorrente.
*
A segunda questão colocada no recurso prende-se com:
b)- saber, mesmo considerando o referido défice funcional como dano patrimonial futuro, o valor fixado é, ou não excessivo
Como decorre da decisão recorrida aí se fixou em €5.000,00 o montante atinente ao referido dano.
Com tal valor não concorda a Ré recorrente por o considerar excessivo, razão pela qual propugna que tal dano deveria ter sido fixado em €2.500,00.
Que dizer?
Sob este conspecto, nada temos também a censurar à decisão recorrida que pelo recurso à equidade e partindo do valor do salário mínimo nacional fixou em €5.000,00 o valor do citado dano.
Efectivamente na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[11]
Também sobre a equidade escreve o seguinte Dario Martins de Almeida[12]:
Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. (...) A equidade não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. (...) Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto.
Julgar segundo a equidade significa assim que o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise.
Daí que as tabelas financeiras não sejam vinculativas, servindo tão só como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano (cfr. artigo 566.º, nº 3 do Cód. Civil).
Sem embargo da utilização de critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução baseada na equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas pode servir como factor adjuvante e auxiliar do percurso decisório.[13]
Regressando ao caso dos autos entendemos que, com vista à fixação do “quantum” indemnizatório, são de destacar os seguintes aspectos:
- a idade da Autora à data do acidente-62 anos;
- a esperança média de vida (e não o número de anos até à idade previsível da reforma, uma vez que as necessidades básicas não cessam no momento da reforma, antes se prolongam até à morte)[14], a qual se coloca para o autor em aproximadamente mais 16 anos;[15]
- a consideração do salário mínimo nacional;
- e os esforços acrescidos para o desempenho da sua actividade.
Porém, para se atingir a solução que, neste caso, se haja de considerar como a mais equitativa importa também apelar à jurisprudência que se vem pronunciando sobre situações com alguma similitude.
Constata-se assim o seguinte:
- Com uma incapacidade avaliável em 3 pontos, a um lesado com a idade de 40 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 8.000,00€;
- Com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 73 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 2.500,00€;
- Com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 78 anos foi fixada a indemnização respectiva em 8.000,00€;
- Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 36 anos fixou-se indemnização aproximada a 12.000,00€;
- Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 39 anos, também motorista, foi fixada a indemnização de 12.500,00€;
- Com uma incapacidade de 6 pontos, a uma lesada de 46 anos, que auferia rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00€, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 55.000,00€;
- Com uma incapacidade de 6 pontos, a um lesado de 44 anos, que auferia rendimento mensal global de 3.100,00€, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 25.000,00€;
- Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 42 anos foi arbitrada a indemnização de 12.000,00€;
- Com uma incapacidade de 8 pontos, num lesado de 49 anos foi fixada a indemnização de 20.000,00€.[16]
Ora, tendo em atenção a factualidade que acima se referiu, bem como os valores que tem sido jurisprudencialmente fixados em casos que mostram alguma semelhança com o presente, entendemos que o valor fixado pela 1ª instância (5.000,00€) se mostra justo e equitativo.
*
Improcedem, assim, as conclusões 14ª a 16ª formuladas pela Ré recorrente.
*
A terceira questão que vem colocada no recurso consiste em:
c)- saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais é, ou não, excessivo.
Na decisão recorrida fixou-se a este título o montante de €12.000,00.
Com este montante não concorda a Ré apelante alegando que o mesmo não deveria ultrapassar os €6.000,00.
Quid iuris?
Os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, conforme o artigo 496.º, nº 1, do C. Civil, consequência do princípio da tutela geral da personalidade previsto no artigo 70.º do mesmo diploma legal.
A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas; por outro lado, aprecia-se em função da tutela do direito. Neste caso o dano é de tal modo grave que justifica a concessão da indemnização pecuniária aos lesados.
Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente. Nestes casos, a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter prazeres ou distracções-porventura de ordem espiritual-que, de algum modo, atenuem a sua dor”.[17]
E, o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º, nº 3 e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adoptados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.[18]
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos corporais que deixaram sequelas.
Assim releva no prisma - danos não patrimoniais–a seguinte factualidade:
6º)- A A. sofreu pisaduras por todo o corpo como resultado da queda e do arrastamento do seu corpo pelo interior do autocarro;
7º)- E ao longo de mais de uma semana teve grande dificuldade para caminhar, marchando com claudicação;
8º)- A A. viu-se obrigada a fazer diariamente tratamentos clínicos de reabilitação, pelo que entre Abril e Junho de 2014 efectuou 40 sessões de fisioterapia na “Clínica Dr. F…, Lda.”, em Paredes;
9º)- E viu-se igualmente obrigada a ser submetida a exames e a tratamentos clínicos na G…, Companhia de Seguros, S.A. e na H…, na cidade do Porto;
10º)- Assim como teve de ser tratada e medicada no Centro Hospitalar I…, EPE, em …, Penafiel.
11º)- Como consequência necessária e directa do acidente e das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de dores, no ombro e no membro superior direitos, bem como no joelho direito;
12º)- O que lhe ocasiona dificuldades de locomoção, assim como perda de mobilidade e de força no membro superior direito;
13º)- A autora, quando fazia as sessões de fisioterapia, teve sempre de usar dois meios de transporte, tanto na ida como no regresso a casa, tendo de se deslocar de comboio e de camioneta, uma vez que do local onde reside até ao dito hospital, não existe transporte público directo;
14º)- O que lhe causou incómodos;
15º)- Para deslocação para ser tratada nos serviços médicos da H…, no Porto, a A. foi utilizava 3 (três) tipos de transporte diferentes, camioneta, comboio e autocarro, o que se tornou incómodo, desgastante e penoso;
(…);
21º)- O Quantum Doloris é fixável no grau 3/7.
(…);
23º)- A A. sofreu pânico na altura do acidente e dores que se prolongaram pelas horas que se seguiram, desde o momento do acidente até à data da “alta” hospitalar;
24º)- Dores que se agudizam no desempenho das suas tarefas domésticas que a A. tem de executar;
(…);
28º)- A A. sofreu o constrangimento de se ver confinada às paredes dos Hospitais e sofreu angústia ao saber-se vítima de tratamentos hospitalares e fisioterapêuticos.
29º)- O que tudo lhe causou limitações, penosidade, incómodo, tristeza e constrangimento social”.
*
Importa por outro lado sopesar que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo XG, cujo proprietário havia transferido para a Ré a responsabilidade decorrente de acidentes de viação causados por aquele veículo.
Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas.
Assim, Menezes Cordeiro[19] ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Galvão Telles[20] sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima–na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Menezes Leitão[21] realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.
Pinto Monteiro[22], de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.
Por outro lado, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “factie specie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto, sendo que, nesta ponderação de valores, tem defendido que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado[23].
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça[24] vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Como assim, sopesando por um lado que o Autora era uma pessoa sem antecedentes patológicos ou traumáticos e por outro, o quadro factual supra exposto e tendo em atenção as lesões sofridas, aos tratamentos necessários e a que teve de submeter-se, à duração destes, às dores, classificadas no grau 3 numa escala de sete, às sequelas de que o Autora ficou a padecer mesmo com base na incapacidade permanente (3% de incapacidade geral) entendemos que a compensação por esta categoria de danos fixada pelo tribunal recorrido se afigura equitativa, nas concretas circunstâncias do acidente.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 17ª a 24ª formuladas pela Ré recorrente.
*
A última questão colocada no recurso prende-se com:
d)-saber desde quando são devidos os juros moratórios relativos aos montantes atribuídos a título de dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais.
Na sentença recorrida sobre esse conspecto discorreu-se do seguinte modo:
Estatui o n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil que, nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação. Assim, sobre as quantias devidas pela ré à autora incidem juros de mora, contados desde a data de citação da ré e calculados às sucessivas taxas legais, actualmente 4%, até integral pagamento-art.ºs 805.º, n.º 3, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril”.
Às aludidas importâncias, acrescem juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da em 05/04/2016 citação até efectivo e integral pagamento”.
Com o assim decidido não concorda a Ré recorrente que entende que é hoje reconhecido, pela mais moderna Doutrina e Jurisprudência que, quando o valor da indemnização se reporta à data da sentença, apenas são devidos juros a partir dessa data. Isto porque a indemnização já se mostra actualizada com referência a essa data.
Que dizer?
Sobre esta matéria, há que chamar, neste domínio, à colação a doutrina ínsita no Ac Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002 de 9 de Maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e ss.
Decidiu-se no dito aresto que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n° 2 do artigo 506.° do C.Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n°1, também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
No caso sub judice, e tanto quanto decorre da sentença de 1ª instância, não se operou, “ex-professo” um cálculo actualizado ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C. Civil.
Daqui decorre que o tribunal recorrido procedeu à fixação dos montantes indemnizatórios com referência à data da citação, não tendo nessa operação efectuado cálculo actualizado à data da decisão.
Assim, a posição sustentada pela Ré no seu recurso, no sentido de que os juros relativamente as parcelas indemnizatórias acima referidas só poderão ser fixados a partir da sentença proferida em 1ª instância, não poderá ser acolhida.
Para que a indemnização fosse considerada actualizada à data da decisão respectiva, impunha-se que na sentença tal fosse dito de modo claro, de modo a que nenhuma dúvida pudesse subsistir a tal respeito.
Não se dizendo na sentença que a indemnização foi objecto de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566.º, nº 2 do Cód. Civil, as consequências sempre teriam que ser as que resultam da previsão do artigo 805.º, nº 3 do mesmo diploma, ou seja, que os juros de mora são devidos desde a citação, tanto no que respeita a danos patrimoniais, como a danos não patrimoniais.
Defender posição contrária seria criar nos casos de silêncio no tocante à natureza actualizadora–ou não–da decisão, e sem apoio legal, a presunção de que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados à data desta.[25]
Naufraga, pois, também neste segmento, o recurso principal interposto pela Ré.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 25ª a 29ª formuladas pela Ré recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar quer o recurso independente quer o recurso subordinado improcedentes por não provados e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas das apelações por cada uma das respectivas recorrentes.
(artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
*
Porto, 5 de Novembro de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
_____
[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[6] Cfr. Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL.P1.S1 e Ac. STJ de 11.12.2012, p. 269/06.7 GARMR, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. proc. nº 560/09.0 YFLSB, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. também Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL e Ac. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. STJ de 21.3.2013, p. 565/10.9 TBPVL.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. também o Ac. da Rel. do Porto de 24.2.2015, proc. 435/10.0TVPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve que se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, o cálculo do montante indemnizatório deve seguir os parâmetros do dano patrimonial futuro.
[11] Cfr. Menezes Cordeiro, “O Direito”, 122º/272”.
[12] In “Manual de Acidentes de Viação, 1987, Almedina, págs. 107/110.
[13] Cfr. Ac. Rel. Porto de 5.5.2014, proc. 779/11.4 TBPNF.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[14] No sentido de que mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa se deverá apelar, para determinar o montante indemnizatório, não ao limite desta, mas sim à esperança média de vida, cfr. Acórdãos do STJ de 21.10.2010, p. 1331/2002.P1.S1 e de 19.4.2012, p. 3046/09.0 TBFIG, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[15] No Ac. do STJ de 19.4.2012, p. 3046/09.0 TBFIG.S1, apela-se a uma esperança média de vida nos homens de 78 anos. No site “Pordata”, relativamente ao ano de 2007 e para os cidadãos portugueses do sexo masculino então com 65 anos de idade, alude-se a uma esperança média de via de mais 16,4 anos.
[16] Cfr., respectivamente, Acs. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, 17.9.2013, proc. 7977/11.9 TBMAI.P1, 7.4.2016, proc. 171/14.9 TVPRT.P1, de 1.7.2013, p. 2870/11.8 TJVNF.P1 de 17.6.2014, proc. 11756/09.5 TBVNG.P1, de 24.2.2015, proc. 435/10.0 TVPRT.P1, de 9.12.2014, proc. 1494/12.7 TBSTS.P1, 10.12.2013, p. 2236/11.0 TBVCD.P1, de 9.12.2014, p. 149/12.7 TBSTS.P1, disponíveis in www.dgsi.pt, e da
Rel. Guimarães de 27.2.2012, p. 2861/07.3 TABRG.G1, e de 22.3.2011, p. 90/06.2 TBPTL, disponíveis www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972, pág. 375.
[18] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[19] In Direito das Obrigações, 2° vol. pag. 288.
[20] In Direito das Obrigações, pág. 387.
[21] In Direito das Obrigações, vol. I, 299.
[22] In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n° l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.
[23] Ac. STJ 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR.S1, Ac. STJ 07.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[24] Cfr., por todos, acórdão de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[25] Em idêntico sentido, cfr. Ac. STJ de 13.10.2009, p. 2774/06.6 TBGDM.P1.S1, Ac. STJ de 25.10.2007, p. 07B2480, Ac. STJ de 22.1.2004, p. 03B3704 Ac. Rel. Porto de 3.3.2005, p. 0530278, todos disponíveis in www.dgsi.pt., m sentido contrário (com que não concordamos), cfr. Ac. STJ de 23.11.2010, p. 456/06.8 TBVGS.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt., no qual se escreveu que “inexistindo cálculo actualizado da indemnização a prestar, quanto aos danos de carácter patrimonial, ao contrário do que acontece quanto aos danos de natureza não patrimonial, o início dos juros de mora conta-se, desde a citação, para os primeiros, e da prolação da decisão, quanto aos últimos.”