Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1025/18.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
VIOLAÇÃO DO PACTO DE PREENCHIMENTO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201901071025/18.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 687, FLS 44-65)
Área Temática: .
Sumário: I – Os avalistas de livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento.
II – O pacto de preenchimento deve ser objecto de interpretação à luz dos critérios previstos no art.º 236.º do CC – teoria da impressão do declaratário.
III – O prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70.º da LULL é aplicável ao aceitante/subscritor e ao respectivo avalista, pois que este último responde nos mesmos termos que a pessoa por si afiançada.
IV – Se não há violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70.º “ex vi” 77.º da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando esse vencimento decorre da insolvência do subscrito, nos termos do art.º 91.º n.º1 do CIRE.
V – Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra o pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no campo das relações imediatas com o portador da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção de preenchimento abusivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1- Apelação
Origem: Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto – J5.
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Fernanda Almeida
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO:
A. B..., na sua qualidade de avalista de livrança em branco subscrita por “C..., Lda. “ e em que é tomador “D..., SA “ [1], propôs a presente acção declarativa de simples apreciação negativa, pedindo, a final, se declare que o Réu não tem direito a preencher a aludida livrança (caução) em branco, por se mostrar prescrito o seu direito cambiário.
Subsidiariamente, caso o Banco Réu não tenha procedido ao preenchimento da livrança em branco até à data da prolação da sentença, deve ser julgado procedente o pedido de revogação do mandato de preenchimento da livrança em branco, com fundamento em justa causa.
Para tanto, invocou a Autora, no essencial, que a obrigação causal ao título de crédito em apreço e a cargo da sociedade subscritora “C..., Lda. “ se tornou exigível ou vencida a 24.01.2012, data em que a mesma sociedade foi declarada insolvente.
Destarte, em razão das disposições conjugadas do artigo 91º do CIRE e dos artigos 43º e 77º da LULL e em conformidade com o pacto de preenchimento firmado entre as partes (cláusula 7ª), teria o Banco que, nessa data, proceder ao preenchimento da livrança e que nela apor como data de vencimento a aludida data de 24.01.2012, ou, no limite, até ao dia 24.01.2015, ou seja, três anos após aquele vencimento, sob pena de, não o fazendo, não só tornear a prescrição cambiária (impedindo a avalista de se fazer valer com sucesso de tal excepção ao manter até quando lhe aprouver a livrança em branco, ou seja, sem data de vencimento), como, ainda, sujeitar os obrigados cambiários a uma vinculação perpétua, dependente apenas do livre arbítrio do tomador/Banco quanto ao preenchimento e accionamento do título, agindo, assim, de má-fé e incorrendo em preenchimento abusivo da livrança, à luz do preceituado no artigo 10º da LULL.
Por outro lado, ainda, a entender-se que a cláusula 7ª do pacto de preenchimento – cláusula que foi predisposta pelo Banco e a que a Autora, tal como os demais obrigados cambiários, se limitou a aderir – pode valer com esse sentido ou interpretação, isto é, de que o Banco/tomador a pode preencher, nomeadamente quanto ao seu vencimento, quando lhe aprouver -, essa cláusula contratual geral será proibida por lei, nos termos conjugados dos artigos 12º, 15º, 16º, 18º, al. j), 20º, 21º, al. a) do DL n.º 446/85 de 22.10 (LCCG), na medida em que o interesse prosseguido pela proibição legal é o de acautelar a posição da avalista, ora Autora, atenta a sua qualidade de consumidora final na relação com o banco/empresário.
Por último, e no caso de o Banco não ter procedido ao preenchimento da livrança até à prolação da sentença, justifica-se, pelas mesmas razões que sustentam o preenchimento abusivo do título, revogar o mandato por si conferido ao Réu para o preencher, com fundamento em justa causa, nos termos do artigo 1170º, n.º 2, do Cód. Civil.
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B. Citado, o Réu “D..., SA “ invocou que, permanecendo a livrança em apreço por preencher, a obrigação não se pode considerar prescrita na estrita medida em que esse prazo só se inicia a partir da data de vencimento (artigos 70º, 75º e 77º, da LULL).
Por outro lado, não estando a livrança preenchida até à data, o que inviabiliza o exercício do direito cambiário (que não existe ou, ao menos, não é eficaz), não pode ocorrer a prescrição do direito cambiário, sendo certo que a prescrição só se inicia quando o direito poder ser exercido (artigo 306º, n.º 1, do Cód. Civil).
Mais, ainda, alegou que do próprio pacto de preenchimento não resulta que tenha sido convencionado qualquer prazo para o preenchimento da livrança no que se refere à data de vencimento, sendo certo que, verificado o incumprimento da relação subjacente, o Banco pode – está autorizado a – preencher a livrança, mas não está obrigado a fazê-lo, sendo irrelevante, para o efeito de indicação da data de vencimento da livrança, o incumprimento do contrato ou a data da declaração de insolvência da mutuária operada no dia 24.01.2012.
Por outro lado, sustentou, ainda, que, em face da natureza do aval enquanto garantia autónoma e independente em face da relação subjacente e como garantia objectiva do pagamento do título, pagamento este que não ocorreu, não é admissível ao dador de aval revogar a sua obrigação cambiária perante o portador do título.
Concluiu, assim, pela improcedência da causa.
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C. A Autora respondeu em réplica, mantendo, no essencial, a posição e as pretensões já antes vertidas na sua petição inicial.
Em resposta, Banco Réu pugnou pela inadmissibilidade legal do dito articulado de réplica, à luz do preceituado no artigo 584º do CPC.
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D. Foi proferido despacho que julgou inadmissível a réplica oferecida pela Autora (despacho que se mostra transitado em julgado) e designou data para a realização de audiência prévia.
Realizada a audiência prévia, foi, em sequência, proferido despacho saneador-sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos contra si formulados.
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E. Inconformada com a decisão proferida, veio a Autora interpor recurso de apelação, em cujo âmbito ofereceu alegações e aduziu, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1. A apelante prestou o seu aval em livrança caução em branco subscrita pela sociedade C..., Ldª, em garantia das obrigações emergentes de um crédito (abertura de crédito) concedido pelo apelado a esta sociedade;
2. A sociedade C..., Ldª foi declarada insolvente por douta sentença de 24.01.2012 (facto assente 6), tendo-se, nessa data, por força do art 91º do CIRE, vencido a obrigação emergente do contrato de abertura de crédito de €:50.000,00;
3. A apelante tomou conhecimento de que o apelado se arrogava seu credor (por força do aval), em consequência de comunicação desse facto à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal;
4. A apelante escreveu duas cartas ao apelado (DOC 4 e 5 da pi) invocando a prescrição do aval, pedindo que lhe fosse devolvida a livrança (por não poder ser usada: o outro avalista insolvente com exoneração passivo e a sociedade subscritora insolvente com processo já encerrado por insuficiência de bens - factos provados 13 e 7) e revogou o mandato de preenchimento da livrança em branco para o caso de ainda não ter sido preenchida, pelas mesmas razões que fundamentaram a invocação da prescrição;
5. O apelado sustentou, por carta (DOC 6 da pi) - e mais tarde na douta contestação que apresentou - que pode preencher a livrança em branco para além do prazo de 3 anos contados da data em que se venceu a obrigação subjacente ou principal (que é a data de 24.01.2012), apondo uma data de vencimento que impossibilita a invocação com êxito da prescrição cambiária.
6. As partes manifestaram pois entendimentos divergentes, conflituantes: (i) a apelante entende que, decorridos mais de 3 anos sobre a data em que se venceu a obrigação subjacente, o aval prescreveu (art 70º LULL), não podendo já o banco preencher a livrança ou colocar uma data de vencimento que impossibilite a invocação com sucesso da prescrição (ii) o apelado entende que o aval não prescreveu porque a livrança não está preenchida e que tem 20 anos para reclamar da apelante o seu direito de crédito cambiário, manifestando na sua carta de 04.12.2017 (DOC 6 da pi), que iria preenchê-la “oportunamente”.
7. Perante a divergência de posições jurídicas, perante a incerteza e a afirmação do D... de que “oportunamente” (ver DOC 6 da pi) iria preencher a livrança - naturalmente, estipulando um prazo impeditivo da invocação, com sucesso, da prescrição -, cremos que se justificou a submissão desta questão de Direito à apreciação dos Tribunais, por forma a que julgue qual das posições jurídicas se afigura como a correta - daí a ação de simples apreciação negativa.
8. Mas como não se sabia se o banco iria preencher a livrança até à data de entrada da ação ou da prolação da sentença, subsidiariamente, peticionou-se a revogação, com justa causa, do mandato de preenchimento da livrança pelo apelado, pelas mesmas razões que fundamentam a invocação da prescrição do aval.
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9. Por força do art 91º do CIRE, a obrigação avalizada venceu-se antecipadamente no dia 24.01.2012, dia em que foi declarada a insolvência da subscritora da livrança;
10. É esta a data (24.01.2012) que deve ser inserida pelo apelado na livrança como a data de vencimento, por tal resultar da Lei e permitir, com êxito, a invocação da prescrição cambiária pela apelante;
11. Sobre este entendimento pode ler-se a posição de Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág, 204, que sustenta: “por razões ligadas à especial eficácia coerciva do mecanismo cambiário (inversão do ónus da prova, acesso direto à via executiva, etc), os prazos de prescrição são substancialmente mais curtos. Ora esta discrepância [entre prazo prescrição ordinário e cambiário] exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito”;
12. E na página 205 da mesma obra escreve a autora: “…a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e assim acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária”.
13. Embora se entenda que a data de vencimento da livrança deve ser a mesma da data de declaração da insolvência da subscritora, no limite, poderia ponderar-se uma data de vencimento da livrança compatível com a possibilidade de invocação, com êxito, da prescrição pelo avalista, o que vale por dizer que não pode ser aposta uma data posterior ao prazo de 3 anos previsto para a prescrição cambiária, contados da data de vencimento da obrigação principal, que é a data de declaração de insolvência da subscritora da livrança.
14. O obrigado cambiário ao dar o seu acordo de preenchimento da livrança em branco pretende que o título seja preenchido nos mesmos termos que o portador o pode preencher relativamente ao avalizado: ou seja, o montante e a data de vencimento do título cambiário são coincidentes com os que pode exigir do avalizado/subscritor.
15. Não corresponde à vontade do avalista que o credor/portador preencha e aponha uma data de vencimento no título, por exemplo, 10 anos depois do vencimento da obrigação avalizada, passando a responder por uma divida bem superior daquela com que poderia contar, para além de que o credor ao agir assim não age de boa-fé, porque impede a invocação da prescrição expressamente prevista na LULL.
16. Note-se o paradoxo da situação em que o avalista pode defender-se com êxito, invocando a prescrição, quando a livrança está preenchida em todos os seus elementos e já decorreram mais de 3 anos sobre a data de vencimento e já não o pode fazer quando a livrança está em branco – logo numa posição mais vulnerável - e o credor só a preenche decorridos mais de 3 anos sobre a data de vencimento da obrigação avalizada.
17. Com todo o respeito por entendimento diverso, não pode o ordenamento jurídico aceitar que num caso é possível invocar com êxito a prescrição e noutro (em que o avalista está mais vulnerável por a livrança estar em branco) não. 18. Existe má-fé, para efeitos do art 10º LULL, quando o credor/portador tem consciência que a data de vencimento que preenche/rá, impede a invocação da prescrição pelo avalista - é o caso dos autos, em que o apelado reiteradamente manifestou o entendimento de que não respeitará o prazo de prescrição de 3 anos previsto no art 70º da LULL.
19. O art. 43º da LULL estabelece que a declaração de insolvência confere ao portador da letra o poder de exercer de imediato os seus direitos cambiários contra todos os obrigados cambiários – art 43º e 44º LULL aplicáveis à livrança por força do 77º LULL;
20. Conjugando o art. 91º nº1 do CIRE com os arts. 43º e 44º LULL, a data de declaração de insolvência da subscritora da livrança projeta-se imediatamente no direito cartular, pelo que o vencimento da livrança deve conter a data de 24.01.2012.
21. Não tendo o portador da livrança (apelado) exercido o seu direito cambiário até 24.01.2015 prescreveu o seu direito nos termos do art. 70º LULL.
22. De facto, sendo “o dador de aval responsável da mesma forma que a pessoa por ele afiançada” (art 32º LULL), não pode deixar de se considerar que o avalista está na mesma posição que o avalizado (subscritor da livrança), sendo que o disposto no arts. 70º e 32º LULL se aplica à livrança por força do art 77º LULL, primeiro e último parágrafos.
23. Por esse motivo, primeiramente (DOC 4 da pi), extrajudicialmente (art 303º CC), a apelante invocou a prescrição, para o caso da livrança ter sido preenchida e não acionada nos 3 anos seguintes à data de vencimento e, novamente o fez, com a propositura da ação.
24. Subsidiariamente, para a eventualidade do apelado não ter ainda preenchido a livrança, revogou, pelas mesmas razões que entende estar prescrita obrigação de aval, com justa causa, o mandato de preenchimento da livrança em branco, nos termos do art 1170º nº 2 do CC.
25. Novamente em linha com a posição de Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág, 189, o que um declaratário normal (credor), colocado na posição de real declaratário, deduz da declaração emitida pela declarante (avalista/apelante) no pacto de preenchimento, é que pretende que a data de vencimento da livrança coincida com a data de vencimento da obrigação principal (24.01.2012) pois só assim pode, com sucesso, invocar a prescrição, nos termos do art 70º da LULL.
26. Os autos revelam um acordo de preenchimento tripartido (cláusula 7ª do contrato de abertura de crédito - DOC 2 da pi) em que participam os obrigados cambiários (subscritora e avalistas) e o credor/portador do título, pelo que estamos em sede de relações imediatas, a que se aplica o art 10º da LULL, podendo a avalista invocar a seu favor a desconformidade do preenchimento da livrança com o pacto de preenchimento.
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27. A douta sentença sob recurso entende que o que a apelante visa é denunciar o aval, o que a Lei não admite - mas não é isso o que pretende a apelante.
28. O que a apelante fez foi revogar/resolver o mandato de preenchimento da livrança, visando impedir que o apelado a preenchesse ao abrigo do mandato que lhe fora conferido.
29. Isto porque o apelado entende que pode fixar uma data de vencimento na livrança, em desrespeito da data que deveria considerar, impedindo assim a invocação com sucesso da prescrição cambiária.
30. De resto, resulta do facto 19 provado que a livrança não foi ainda preenchida.
31. A revogação ou resolução do mandato deve-se pois ao comportamento do apelado que entende que pode sem limitação de prazo, fixar a data de vencimento na livrança que lhe aprouver.
32. Vistas as coisas assim, cremos que não está em causa a denúncia do aval, mas sim a revogação ou resolução do mandato para preencher a livrança em branco, por existir justa causa, requisito exigido pelo art 1170º nº 2 do CC, por o mandato ter sido conferido no interesse do mandatário.
33. À cláusula 7ª do contrato de abertura de crédito aplica-se a LCCG, por se tratar de cláusula predisposta pelo apelado, à qual a apelante e demais obrigados cambiários se limitaram a aderir (como é prática comum na relação bancária).
34. Este facto foi alegado nos arts. 54º a 56º da pi e aceite pelo apelado na contestação - ao impugnar um “facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento”, de forma genérica (ver art. 4º da contestação), confessou-o, nos termos do nº 3 do art. 574º do CPC.
35. A posição do apelado no sentido de que o pacto de preenchimento não o impede de fixar a data de vencimento da livrança se e quando muito bem entender é proibida por Lei, nos termos conjugados dos arts. 12º, 15º, 16º, 18º alínea j), 20º e 21º, alínea a) da LCCG.
36. Todavia, a douta sentença a quo entendeu que não se aplica a LCCG ao caso dos autos por dois motivos (i) a apelante não é parte no contrato de crédito, (ii) a avalista não é um consumidor.
37. A apelante é parte na convenção tripartida de preenchimento da livrança, como resulta no nº 3 da cláusula 7ª do contrato de abertura de crédito, que diz:” a garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido e avaliza a livrança nos seus precisos termos” e da assinatura que apôs no contrato no local dos garantes.
38. É pois sobre a convenção de preenchimento da livrança que deve incidir a decisão da aplicação ou não à mesma da LCCG, e a posição da apelante é que se aplica.
39. A relação banco/avalista não pode deixar de se qualificar como uma relação entre empresário e consumidor final, por estar em causa uma pessoa que merece especial proteção, por não ter uma palavra a dizer na redação da cláusula relativa ao pacto de preenchimento.
40. A proteção constitucional da posição do consumidor visa a parte mais fraca, mais débil na relação jurídica, quando em confronto com o poderio da parte com mais capacidade económica, com meios humanos e materiais que o consumidor não tem, não se vendo razões, para numa situação como esta, não se aplicar a LCCG à clausula contratual que tem como uma das partes a apelante-avalista.
41. Entendendo-se que lhe é aplicável a LCCG à convenção de preenchimento da livrança em branco, não é aceitável sustentar-se, como o faz o apelado, que o mandato de preenchimento da livrança lhe confere a faculdade de escolher o momento de fixação do seu vencimento, por atentar contra os art. 18º j) (norma que proíbe o estabelecimento de obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência depende apenas da vontade de quem as predisponha) e 21º a) da LCCG (norma que proíbe a alteração de obrigações assumidas por quem predisponha a cláusula contratual).
42. Não respeitar o prazo que a Lei determinou como o de vencimento da obrigação seria abrir as portas ao arbítrio, seria admitir que os obrigados cambiários poderiam ficar eternamente à mercê da vontade do portador da livrança, que a poderia preencher passados 5, 10, 20, etc, anos depois do vencimento da obrigação subjacente.
43. A douta sentença a quo violou os arts. 10º e 70º da LULL, 236º e 1170 nº 2 do CC, nº 3 do art 574º do CPC e a LCCG (art. 12º, 15º, 16º, 18º alínea j) e 21º alínea a)).
Termos em que revogando-se a douta sentença a quo e substituindo-se por outra que dê provimento à pretensão da apelante se fará justiça.
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F. O apelado ofereceu contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram cumpridos os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artigos 635º, nº 3 e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 (doravante designado apenas por CPC).
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não suscitadas pelas partes em 1ª instância e, por isso, não apreciadas na decisão, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância superior da decisão proferida pelas instâncias, em função das questões convocadas pelas partes e dos fundamentos da própria decisão recorrida. [2]
Neste enquadramento, as questões a decidir são as seguintes:
i. Do preenchimento da data de vencimento da livrança e da sua alegada prescrição;
ii. Da revogação do mandato para preenchimento da livrança por justa causa.
iii. Da nulidade do pacto de preenchimento à luz do regime legal das cláusulas contratuais gerais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1). Em 15/09/2005 «E...» concedeu à sociedade “C..., Lda.”, um financiamento sob a forma de contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, até ao montante máximo de 50.000 EUR destinado a ser utilizado para gestão de tesouraria.
2). A quantia acima referida foi colocada à disposição de «C... …» na conta n.º ............ e que a mesma utilizou na totalidade e em proveito próprio.
3). Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advenham para «C... …» do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ela resultante do acima identificado contrato, nomeadamente, e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que «C... …» fosse titular ou contitular que tivessem como origem obrigações resultantes para esta do referido contrato, tal empresa entregou ao indicado Banco uma livrança subscrita por esta e avalizada por F... e B..., ora Autora – cl. 7.ª do contrato a fls. 25 verso a 28).
4). «C... …» enquanto subscritora, e os avalistas, incluindo a Autora, autorizaram o Banco a acionar ou descontar a referida livrança no caso de incumprimento das obrigações assumidas no citado contrato e a preencher a mesma livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultassem para «C... …» da celebração do contrato e por uma qualquer quantia que a mesma empresa lhe devesse - mesma cláusula 7.ª.
5). A Autora, ao subscrever o aludido contrato, aceitou o referido acordo e declarou avalizar a livrança nos seus precisos termos.
6). «C... …» foi declarada insolvente por sentença proferida em 24/01/2012 no âmbito do processo n.º 73/12.3TBEPS que correu os seus termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de Esposende – fls. 18 e 19 – tendo sido reconhecido o crédito de «E... …» no valor de 73.128,88 EUR, sendo 50.282,62 de capital e 21.958,29 EUR de juros e outros – fls. 19 verso.
7). O processo de insolvência de «C... …» foi encerrado por insuficiência de bens, sendo que o Banco contestante não foi ressarcido de qualquer montante e – fls. 20 e 21.
8). Por decisão de 28/06/2017 foi declarado o encerramento da liquidação de «C... …» no âmbito do procedimento administrativo de liquidação, não tendo resultado do processo de insolvência, nem tendo sido comunicados à Conservatória a existência de quaisquer bens a liquidar – fls. 51.
9). Em 29/03/2012 foi proferida sentença de declaração de insolvência da Autora, no processo n.º 575/11.9TBEPS que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende – fls. 10 verso a 13 verso e 51 verso.
10). No dia 06/12/2013 o aludido processo foi encerrado na sequência do rateio final – fls. 52 – sendo que o «E... …» não recebeu qualquer montante.
11). A Autora não peticionou no mesmo processo de insolvência a exoneração do passivo restante.
12). No dia 07/04/2011 foi proferida sentença de declaração de insolvência do avalista F..., cujo processo com o n.º 425/11.6TBEPS correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende – fls. 52 verso.
13). Por decisão proferida em 20/07/2012 foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ao avalista F... – fls. 53 – tendo os aludidos autos de insolvência prosseguido com o procedimento de exoneração do passivo restante.
14). Em face dos pagamentos efetuados por F... no decurso do período de cessão do rendimento disponível, o «E... ...» recebeu em Junho de 2015, o valor global de 7.572,98 EUR, em pagamento, entre outros, do crédito resultante do contrato acima mencionado – fls. 55 e 57.
15). Por despacho datado de 19/09/2017 foi decretada a exoneração definitiva do passivo restante de F..., com os efeitos previstos no artigo 245.º do C. I. R. E., cujo trânsito em julgado ocorreu no dia 16/10/2017 – fls. 56.
16). No dia 14/11/2017, o Réu foi notificado pelo Tribunal da elaboração do mapa de rateio e da distribuição de verbas relativamente ao processo em cima identificado - fls. 57.
17). Em virtude de o remanescente da fidúcia ter sido distribuído somente pelo credor hipotecário G..., o Réu apresentou nos autos em 27/11/2017, reclamação ao aludido rateio – fls. 58 e 59 -, tendo o Tribunal, por despacho proferido no dia 11/12/2017, deferido tal reclamação e em consequência ordenou que o remanescente da fidúcia fosse distribuído, rateadamente, por todos os credores – fls. 63.
18). Em 15/02/2018, o Réu foi notificado do novo mapa de rateio e distribuição de verbas, segundo o qual receberá a quantia de 2.411,07 EUR – fls. 63 verso -.
19). A livrança referida nos pontos 4) e 5) não está preenchida.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Livrança em branco – Preenchimento – Data de vencimento – Prescrição:
Conforme resulta da factualidade provada (e não impugnada) sob os pontos 1) e 2), a 15.09.2005, o “E..., SA” concedeu à sociedade “C..., Lda.” (adiante designada por avalizada) um financiamento sob a forma de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, até ao valor máximo de € 50.000,00, destinado à gestão de tesouraria e que, tendo-lhe sido disponibilizado pelo dito Banco, foi pela mesma sociedade integralmente utilizado em seu proveito.
Em suma, entre o dito Banco e a dita sociedade foi celebrado um contrato de abertura de crédito, sendo este definido como o contrato pelo qual o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (creditado) uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou linha de crédito), por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. [3]
Ao nível das suas modalidades é usual distinguir-se, em função do critério de utilização, a abertura de crédito simples, em que o montante financiado é utilizado pelo creditado numa única vez, e o crédito em conta-corrente, em que o montante financiado é mobilizável em várias somas ou parcelas até ao limite de financiamento previamente definido (“plafond”), limite este que pode ser renovado automaticamente mediante entradas; Por seu turno, segundo o critério das suas garantias, a abertura de crédito pode ser caucionada ou a descoberto, consoante o cumprimento das obrigações do cliente creditado seja ou não assegurado por garantias pessoais ou reais. [4]
No caso dos autos, mostra-se indiscutido que o contrato de abertura de crédito em apreço é um contrato de abertura de crédito em conta-corrente e caucionada (ou na gíria bancária conta-corrente caucionada), na estrita medida em que, para garantia do reembolso do capital disponibilizado pelo Banco creditante, juros e demais encargos, foi entregue ao mesmo Banco pela sociedade creditada uma “livrança em branco” por si subscrita e avalizada por F... e B.... Vide ponto 3) dos factos provados e, ainda, cópia da livrança, junta a fls. 23 e 24 destes autos.
Trata-se, como é consabido, de prática usual da banca o recurso a uma livrança em branco, com pacto de preenchimento, subscrita pela sociedade creditada e avalizada pelos sócios desta e pelos seus cônjuges, como é o caso dos autos, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas; Com efeito, através desta garantia, o banco creditante, além de poder satisfazer o seu crédito através do património da sociedade creditada, pode, ainda, satisfazê-lo através do património pessoal dos sócios avalistas (cfr. artigos 32º, 47º e 77º, da LULL), aumentando, pois, a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601º, do Cód. Civil) e, naturalmente, por força deste incremento, as probabilidades de satisfação do capital creditado e demais acréscimos convencionados.
A admissibilidade da letra ou da livrança em branco, apesar de não estar expressamente contemplada na respectiva Lei Uniforme (doravante designada por LULL), é indiscutida à luz do preceituado no artigo 10º da citada LULL.
Segundo este inciso, “[S]e uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
Como refere o Prof. Ferrer Correia, é o próprio artigo 10º da LULL a admitir (ao menos, implicitamente) que a letra (ou a livrança – cfr. artigo 77º, da LULL) possa ser emitida ou passada em branco, isto é, sem conter, desde logo, os requisitos essenciais previstos nos artigos 1º (letra) e 75º (livrança), desde que a mesma venha a ser posteriormente preenchida nos termos fixados no artigo 1º (e no artigo 75º, tratando-se de livrança), passando então, após o preenchimento desses elementos, a produzir os efeitos próprios do título de crédito.
Em suma, como escreve o Ilustre Professor, “[P]ode, deste modo, uma letra ser emitida em branco; é óbvio, porém, que a obrigação que incorpora só poderá efectivar-se desde que no momento do vencimento o título se mostre preenchido. Se o preenchimento se não fizer antes do vencimento, então o escrito não produzirá efeito como letra, de harmonia com os arts. 1º e 2º.” [5]
Com efeito, nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança (ou letra), incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento.
Por conseguinte, como refere J. Engrácia Antunes, a letra (ou livrança) em branco corresponde ao documento (sujeito ao modelo normalizado de letra ou, ao menos, que contenha a palavra “letra” ou “livrança”) que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais previstas nos artigos 1º ou 75º da LULL, possua já a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários (com consciência e intenção de assumir uma vinculação cambiária), acompanhado de um acordo ou pacto de preenchimento futuro das menções em falta. [6]
Nestes termos, o pacto de preenchimento pode designar-se como o acto pelo qual as partes no negócio cambiário ajustam os termos ou as condições em que deve vir a ser posteriormente completado o título de crédito, definindo a obrigação cambiária, ou seja as condições relativas ao seu conteúdo, como seja o montante, o vencimento, o lugar de pagamento, etc.. [7]
Como se define no AC STJ de 25.05.2017 [8] “o pacto de preenchimento é o contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária.”
Este acordo de preenchimento não está sujeito a forma, podendo ser expresso (por escrito ou acordo verbal) ou tácito, mormente quando resulta concludentemente do negócio ou relação subjacente à emissão do título. [9]
De facto, como resulta do já exposto, a livrança (ou letra) em branco é um título de formação sucessiva, na estrita medida em que, enquanto não se mostrarem preenchidos os seus elementos essenciais previstos no artigo 75º da LULL, a mesma, não obstante a sua emissão, não produz ainda efeitos como livrança.
A livrança em branco é, portanto, um documento que pode vir a ser um título de crédito, que aspira a sê-lo desde que os intervenientes hajam assumido essa intenção ou possibilidade futura, mas que no momento da sua emissão em branco não adquire logo essa qualidade e continua a não possuir enquanto aqueles elementos não forem preenchidos.
Todavia, uma vez preenchidos esses elementos essenciais, a obrigação cambiária já incorporada no título considera-se constituída (deixando, pois, de ser um título incompleto, destituído de valor cambiário), sem prejuízo da questão atinente aos termos desse (posterior) preenchimento e da sua eventual desconformidade.
Ora, quanto a este preenchimento e aos seus termos, o que parece resultar do citado artigo 10º da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntaria e conscientemente incompleto (ou seja com a intenção de deixar o seu ulterior preenchimento ao cuidado de outrem), o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento (se existir) ou tácita ou implícita, decorrendo da própria relação fundamental que determinou a criação do título cambiário.
De facto, como salienta Ferrer Correia, op. cit., pág. 484, “ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver; Quem emite uma letra ou livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher sob certos e determinados termos.”
O que releva, assim, para efeitos de se poder afirmar que a autorização para o preenchimento foi dada é, segundo cremos, que o interveniente que assinou um título em branco tenha ou deva ter a consciência de aquele documento que assinou (como subscritor ou avalista) se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade.

Coisa diferente, mas que vem apenas depois, é a forma de apurar – já não existência da autorização de preenchimento – mas os termos ou conteúdo dessa mesma autorização, a que se chegará não só através do próprio pacto de preenchimento (reduzido a escrito ou não), como, ainda, da relação estabelecida entre os intervenientes no título e da vontade dos mesmos ao praticarem esse acto jurídico, ainda que para o efeito possa ser necessário proceder à integração das vontades das partes no caso de não ter havido a definição de alguns aspectos desse preenchimento.
Neste sentido, refere Carolina Cunha que “[E]m nosso entender, a subscrição e entrega voluntária do título (conscientemente) deixado em branco, através do qual se manifesta a intenção de deixar o preenchimento do título ao cuidado do receptor, é suficiente para permitir a aplicação do art. 10º da LU. Já os termos em que o completamento deve vir a ser efectuado tanto podem constar de documento escrito, como podem ter sido objecto de mero acordo verbal (com as dificuldades probatórias que acarreta em caso de posterior conflito). Podem, ainda, “ resultar implicitamente do próprio contrato que dá origem à letra, isto é, da relação jurídica fundamental, hipótese em que o acordo de preenchimento será tácito. (…) ressalvadas as hipóteses de incompletude proveniente de lapso, parece-nos que haverá sempre pelo menos um acordo tácito das partes quanto aos termos do preenchimento, hermenêuticamente extraível do contexto negocial mais vasto em que a subscrição e entrega do título se inserem.” [10]
Por outro lado, ainda, no que respeita ao pacto de preenchimento e sua eventual desconformidade (preenchimento abusivo), releva, desde já, referir que, conforme é hoje posição pacífica da jurisprudência, encontrando-se o título nas relações imediatas (sem entrar em circulação) e tendo o mesmo avalista outorgado no pacto de preenchimento (configurando-se, assim, uma relação tripartida, entre o portador, o subscritor/aceitante e o avalista), como ora sucede, ao avalista é reconhecida legitimidade para efeitos de arguição da excepção de preenchimento abusivo, ainda que lhe caiba, naturalmente, em conformidade com a regra geral prevista nos artigos 342º, n.º 2 e 378º, do Cód. Civil, a alegação e prova dos factos concretos que fundamentam esta excepção material contra o portador do título. [11]
Feitas estas considerações prévias sobre a livrança em branco e os termos gerais do seu preenchimento (questão a que regressaremos em outro ponto deste aresto e a propósito da questão da prescrição), importa, ainda, traçar, em termos gerais, o regime do aval.
Como é pacífico o aval consiste no negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa garante o pagamento da letra ou livrança por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
O aval representa assim uma nova obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário da letra ou da livrança.
Apesar de economicamente servir fins semelhantes à fiança, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico que se distancia da fiança: - desde logo, se a fiança é uma obrigação de natureza acessória (artigo 627º, n.º 2, do Cód. Civil), a obrigação do avalista é autónoma em face da obrigação do avalizado, subsistindo mesmo no caso de esta última ser nula por qualquer razão, salvo vício de forma (art. 32º, n.º 2 e 77º, n.º 3, da LULL); ao passo que a fiança comum tem natureza subsidiária (atento o benefício de excussão prévia do fiador – artigo 638º, n.º 1, do Cód. Civil), a obrigação do avalista é solidária, respondendo este a par com os demais subscritores pelo pagamento integral da letra ou livrança (artigos 47º, n.º 1 e 2 e 77º, n.º 1, da LULL); enquanto a fiança tem um alcance bilateral (sub-rogação do fiador nos direitos do credor contra o afiançado – artigo 644º, do Cód. Civil), a obrigação do avalista tem projecções plurilaterais, ficando o avalista sub-rogado nos direitos emergentes da letra ou livrança contra os obrigados em face do avalizado (artigos 32º, n.º 3 e 77º, n.º 3, da LULL). [12]
No que diz respeito aos efeitos do aval, dispõe a lei, desde logo, que o avalista “ é responsável da mesma maneira “ que o avalizado (artigo 32º, n.º 1 e 77º, n.º 3, da LULL): tal significa que o avalista responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado.
Todavia, esta equiparação deve ser entendida em termos hábeis; O subscritor avalizado que esteja em relação imediata com o portador, poderá opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado “da mesma maneira” que o avalizado, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação fundamental subjacente à emissão do título e não estará, assim, em relação imediata, mas mediata com o portador. [13]
Destarte, em conformidade com a regra consignada no artigo 17º da LULL (aplicável, no domínio da livrança, por força do artigo 77º, n.º 1, da mesma Lei Uniforme) e salvo se o portador tiver adquirido a letra (ou livrança) de má-fé (“procedendo conscientemente em detrimento do devedor”), o obrigado cambiário que se situe nas relações mediatas com o portador do título não pode invocar contra o mesmo as excepções fundadas na relação subjacente. [14] [15]
Por outro lado, ainda, neste conspecto, como já se referiu, a obrigação do avalista mantém-se mesmo que a obrigação que o mesmo garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, o que significa que a sua obrigação é materialmente autónoma e independente em face da obrigação do avalizado, apenas não respondendo perante o devedor nos casos em a obrigação do avalizado seja ostensivamente inexistente ou inválida em virtude de vícios extrínsecos objectivamente revelados no próprio título (vício de forma).
Finalmente, a responsabilidade do avalista é solidária com a dos demais obrigados cambiários (artigo 47º, n.º 1 e 77º, n.º 1, da LULL), não beneficiando o avalista da prerrogativa de excussão prévia dos demais co-obrigados, respondendo em primeira linha (e não a título subsidiário) pelo pagamento da letra ou livrança perante o respectivo portador.
Feito este excurso e traçados os termos gerais da livrança em branco, do seu preenchimento e da responsabilidade cambiária do avalista, vejamos agora a questão da prescrição.
A prescrição é tradicionalmente definida como o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo período de tempo fixado na lei e que varia conforme os casos. [16]
Ao instituto está, por um lado, associada uma valoração negativa da inércia ou negligência do titular no exercício do direito, negligência esta que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito e, por outro, um propósito de protecção do devedor que, a partir da inércia do titular, pode, legitimamente, criar a convicção de que o titular se desinteressou do respectivo exercício e, ademais, por força do decurso do tempo, pode ver-se em particulares dificuldades ao nível da prova de um eventual pagamento; Portanto, em qualquer uma das hipóteses, o devedor, quer tenha cumprido, quer não, decorrido o prazo de prescrição pode invocar esta e bloquear a pretensão do credor. [17]
No que se refere ao início do prazo de prescrição, como decorre do preceituado no artigo 306º, n.º 1, do Cód. Civil, “[O] prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido…”
Esta regra é perfeitamente compreensível em face do fundamento do instituto da prescrição: - Não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer por causas ou razões objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito. Dito de outra forma, se a prescrição se funda na inércia injustificada do credor, quando não exerce atempadamente o seu direito, só a partir do momento em que ele está em condições de o fazer se justifica começar a contar o prazo que, uma vez preenchido, vai determinar a prescrição; Como assim, é pressuposto indispensável ao decurso do prazo de prescrição que o titular do direito esteja em condições plenas de o exercitar, como emerge do citado artigo 306º, n.º 1, do Cód. Civil. [18]
No caso particular das letras e livranças, tendo em conta este princípio geral, legislador associou o início do prazo de prescrição à data de vencimento constante do título, pois que, naturalmente, a partir desse vencimento, está o portador em condições de exigir aos obrigados cambiários o respectivo pagamento, ou seja, a dívida cambiária mostra-se exigível e passível de ser accionada no caso de não pagamento voluntário.
Por outro lado, ainda, o legislador consagrou, neste conspecto, prazos relativamente curtos de prescrição.
Assim, e no que releva ao caso dos autos, resulta do preceituado no artigo 70º, n.º 1, da LULL (tendo-se presente que o subscritor de uma livrança responde nos mesmos termos que o aceitante de uma letra – cfr. artigo 78º, n.º 1, da LULL) que “[T]odas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.”
Destarte, uma vez que “[O] dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada “(artigo 32º, da LULL), daí decorre que ao avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança – como é o caso da ora Autora – é aplicável o mesmo prazo de prescrição que é aplicável ao aceitante ou subscritor, ou seja, o prazo de três anos a contar da data de vencimento constante do título.” [19]
Naturalmente, que, sendo o título emitido já completo, isto é, com todos os seus elementos essenciais constantes do mesmo, designadamente quanto à respectiva data de vencimento - letras ou livranças pagáveis em data fixa - [20], a questão da prescrição se revela, regra geral, de fácil resolução, não podendo, pois, sob pena de prescrição (que, recorde-se, não é de conhecimento oficioso), interceder entre a data de vencimento aposta no título e a data da citação do devedor no âmbito do procedimento judicial, normalmente uma acção executiva, um prazo superior aos ditos três anos.
A questão reveste-se já de particulares dificuldades se, como é o caso dos autos, o título foi emitido em branco e ocorre o seu preenchimento a posteriori pelo respectivo portador (suscitando-se a questão do seu preenchimento abusivo e da eventual prescrição em função da data que deveria ter sido indicada como vencimento), ou, ainda, como também sucede no caso dos autos, o título foi emitido em branco e permanece sem ser preenchido, arrogando-se o portador, o ora apelado, o direito de nele vir a inserir “oportunamente” a data de vencimento (colocando-se, neste último caso, a questão de saber se pode, ainda, o portador inserir a data de vencimento no título em causa, ou, ao invés, se esse título se deve ter como prescrito, em razão da data de vencimento que deveria ter sido aposta no título, sendo, pois, abusivo esse preenchimento).
É certo que, nesta perspectiva, poder-se-ia sustentar, como sustenta o apelado, que, mantendo-se o título em branco e, neste circunstancialismo, insusceptível de ser accionado contra qualquer um dos obrigados cambiários, nomeadamente o avalista, não pode ter início o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º da LULL, em conformidade com a regra já antes referida do artigo 306º, n.º 1, do Cód. Civil. De facto, não tendo o título, nesse contexto, aptidão ou eficácia enquanto título cambiário (pois que esta depende, como já se expôs, do seu ulterior preenchimento), nenhuma inércia lhe é imputável e, logicamente, não pode correr (contra si) o prazo de prescrição antes referido, sancionando essa sua inexistente inércia.
Porém, e com o devido respeito por opinião em contrário, a questão que se mostra colocada não é esta, mas antes a de saber, como sustenta a apelante, se devia o apelado/portador do título em branco ter já preenchido o título quanto à sua data de vencimento, qual seja a data de 24.01.2012 (data em que a obrigação se tornou exigível à luz do preceituado no artigo 91º do CIRE e no artigo 43º, 2º e 44º, 6º, da LULL), ou, no máximo, a data de 24.01.2015 (isto é, três anos após a exigibilidade do crédito cambiário), sob pena de não o tendo feito (como, confessadamente, não fez) já não o poder fazer na presente data (Janeiro de 2018, data de entrada em juízo da petição inicial) por ter ocorrido já, em função de qualquer uma daquelas datas alternativas, a prescrição da acção cambiária.
Ora, nesta outra perspectiva, é evidente que a questão da inércia do apelado colhe todo o sentido, na estrita medida em que, a ser assim, o não preenchimento do título lhe é imputável e, logicamente, se pode colocar a questão da prescrição do título/livrança.
De facto, ainda perspectiva da apelante, se contra o avalizado – devedor na relação subjacente de crédito/financiamento em conta corrente – pode o apelado/credor invocar o crédito emergente dessa relação, pois que sujeito à prescrição ordinária do artigo 309º do Cód. Civil, perante si própria, enquanto mera obrigada cambiária/avalista, que não interveio e não é devedora na relação subjacente, nenhum direito lhe assiste, atenta a sobredita prescrição.
Sendo assim, impõe-se analisar a questão tal como se mostra suscitada pela apelante.
Como resulta da factualidade provada, a avalizada “C..., Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida a 24.01.2012.
Segundo o disposto no artigo 91º, n.º 1, do CIRE (sob a epígrafe “Vencimento imediato de dívidas”), “[A] declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.”
Por outro lado, ainda, a própria LULL prevê no seu artigo 43º, 2º que “[O] portador de uma letra (ou livrança – cfr. artigo 77º, 1, da ULL) pode exercer os seus direitos de acção contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados.
Mesmo antes do vencimento:
2º Nos casos de falência do sacador, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens.”
E, ainda, no artigo 44º, 6º, se consigna que “[N]o caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de acção.”
Em suma, como resulta, de forma clara, da conjugação dos normativos vindos de citar, a declaração de insolvência importa o imediato vencimento da obrigação a cargo do devedor/insolvente, ou seja a sua imediata (prematura) exigibilidade.
Quanto às normas dos artigos 43º e 44º da LULL, o seu propósito é evidente: - permitir ao credor, confrontado com a insolvência do devedor ou com esse risco iminente, declarar vencida e exigível a dívida que, em circunstâncias normais, não estaria ainda em condições de ser exigida, por não se mostrar vencida; De facto, se o credor tivesse que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, correria o risco de, vencida a dívida no devido tempo, não lograr a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor. Trata-se da consagração no domínio do direito cambiário do mesmo princípio que se mostra consagrado no domínio da responsabilidade contratual no artigo 780º, do Cód. Civil (perda do benefício do prazo). [21]
Por seu turno, o artigo 91º, n.º 1, do CIRE [22], tem subjacente, não só as mesmas razões, mas, ainda, persegue um outro objectivo, qual seja o de permitir ao credor do devedor insolvente reclamar no próprio processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que, como é consabido, por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, que exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos no CIRE e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada (artigo 90º do CIRE). [23]
Como refere A. Soveral Martins, op. cit., pág. 134, por via do aludido n.º 1 do artigo 91º, “aquelas obrigações que apenas se vencessem em data posterior à declaração de insolvência vêem esse momento antecipado. E isso sem necessidade de interpelação. Com o regime descrito consegue-se uma (relativa) estabilização do passivo, tornando-se mais fácil avaliar a situação do devedor e assim tomar decisões. Desde logo porque os credores em causa, com os seus créditos vencidos, terão de vir ao processo exigir o que lhes é devido.”
Neste enquadramento, não se nos suscitam dúvidas que o decretamento da insolvência do obrigado principal/sociedade avalizada importa o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente perante o credor/financiador, ora apelado, reclamando este último ali (no processo de insolvência), como fez, esse seu crédito, como, ainda, lhe permitiria exigir, desde logo, a respectiva obrigação cambiária, procedendo, nessa data, ao preenchimento do título para tal fim, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data da aludida sentença de insolvência.
Na verdade, a partir desse momento estaria, em absoluto, em nosso ver, o ora apelado legitimado a preencher a livrança em apreço com todos os elementos essenciais, nomeadamente a data de vencimento, e a exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, pois que todos respondem solidariamente, e nomeadamente da apelante/avalista o valor em débito, sem prejuízo da reclamação a efectuar no processo de insolvência da subscritora/insolvente e sem deixar de ter presente que o valor que recebesse na insolvência teria que ser abatido ao valor em débito, pois que não podia, naturalmente, receber em duplicado os valores em débito.
Porém, a questão sub judice, tal como se mostra suscitada pela apelante, não se reconduz apenas e só a saber se podia o ora apelado preencher a livrança em causa – questão que cremos ser pacífica -, apondo-lhe essa data de 24.01.2012, correspondente à sentença de insolvência da subscritora, mas sobretudo, de modo essencial, se devia o apelado preencher nessa data a livrança, nela colocando como data de vencimento a data de 24.01.2012, ou, no máximo, colocando como data de vencimento a data de 24.01.2015 (três anos posteriores à data da insolvência) – permitindo a invocação com sucesso da excepção de prescrição (que se completaria a 24.01.2018) -, sob pena de não o fazendo, reservando o direito de o fazer em momento oportuno, incorrer em preenchimento abusivo do título, ou, ainda, sob pena de não o fazendo (como não fez), a livrança em causa se mostrar prescrita e, logicamente, não poder ser já preenchida, como se mostra peticionado.
A questão suscitada pela apelante confronta a matéria da denominada limitação temporal ao preenchimento da letra ou livrança emitida em branco, concretamente a questão de saber se existe ou deve existir um limite temporal ao preenchimento do título em branco por parte do respectivo portador.
Nesta matéria é indiscutido que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, um limite temporal a esse preenchimento. [24]
Perante este quadro, a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título [25], tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime [26], o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento. [27]
Contra este entendimento sufragado na jurisprudência tem-se, todavia, manifestado a Profª Carolina Cunha, sustentando a Autora, no que é acompanhada nas doutas alegações da apelante, que a circunstância de não haver sido estipulado um prazo fixo para o preenchimento da livrança (pois que, segundo afirma, é raro existir a previsão de um prazo fixo ou uma data limite para o preenchimento da letra ou da livrança) “não significa que não possa extrair-se, por via interpretativa, uma limitação temporal: seguramente que não correspondia à vontade das partes, reconstituída com as ferramentas objectivistas proporcionadas pelo nosso ordenamento jurídico e integrada, se necessário, com auxílio correctivo da boa-fé (art. 239º CCiv), que o credor pudesse preencher e accionar o título cinco, dez ou mesmo doze anos depois da verificação do facto que legitimava esse comportamento.”
E, ainda, acrescenta a Ilustre Professora que “o problema não está tanto num abuso de direito cuja apreciação passe pela avaliação da idoneidade da confiança que a inactividade do credor seja susceptível de inculcar no devedor; o problema está em que as partes, ao colocarem o devedor numa situação de “ quase sujeição “ face ao exercício do poder potestativo de preenchimento do credor, não podem – porque a ordem jurídica não tolera – deixar absolutamente em aberto o limite temporal de semelhante sujeição.” [28]
De facto, como refere, a discrepância entre a prescrição ordinária (prazo máximo de vinte anos – artigo 309º, do Cód. Civil) e a prescrição cambiária (três anos para o aceitante/subscritor e o seu avalista – artigo 70º da LULL) “exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito.Se o credor, pela sua inércia, deixar esgotar tais prazos, o direito cambiário extinguiu-se [por prescrição] – sem embargo, naturalmente, de continuar a poder exercer o direito de crédito emergente da relação fundamental.” [29]
Como assim, acrescenta, ainda, a mesma Autora, “É incontornável, portanto, a exortação legal a que o credor, uma vez exercitável o direito cambiário, efectivamente o exerça num breve espaço de tempo. Mas (e é este o busílis da questão) quando se pode dizer exercitável o direito cambiário nas hipóteses de subscrição em branco? Justamente a partir do momento em que o respectivo portador está legitimado a preencher o título – ou seja (tipicamente) a partir da ocorrência do incumprimento e eventual resolução do contrato fundamental.” (ou, acrescentaremos nós, a partir da insolvência de qualquer um dos obrigados cambiários, em razão do disposto no já citado artigo 91º, n.º 1, do CIRE).
E se é verdade que o credor não está propriamente obrigado a preencher o título nesse exacto momento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário contra o obrigado principal.
Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, ou em indicar uma data de vencimento posterior a ele, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10º LU e, por referência, à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.” [30]
Os argumentos invocados e que, como se disse, são aqui perfilhados pela apelante, com o devido respeito por opinião em contrário, ainda que impressivos, não nos merecem adesão.
Em primeiro lugar, porquanto o que, a final, resulta da posição antes descrita é, de forma indirecta, uma censura ao legislador por não ter consagrado, como devia na perspectiva da Autora, uma limitação temporal ao preenchimento do título emitido em branco; Ora, ainda que seja discutível a opção legislativa, em particular do ponto de vista do obrigado cambiário que fica sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título em branco, certo é que, de facto, de iure constituto não mostra consagrada essa limitação temporal.

Por outro lado, em nosso ver, e para o que ora releva, a emissão de um título em branco (cujo vencimento virá a ocorrer em momento posterior e não determinado à partida) não é equiparável à emissão de um título completo quanto aos seus elementos essenciais, nomeadamente quanto à data do seu vencimento.
É certo também que, a partir desta simples constatação quanto à opção legislativa, não é possível afirmar, sem mais, que a data de vencimento que venha a ser inserida no título emitido em branco por parte do portador é, qualquer que ela seja, de admitir, ou, o que é o mesmo, que o portador que lhe pode colocar a data de vencimento que lhe aprouver.
Todavia, segundo cremos, com o devido respeito, aqui em dissonância com o sustentado pela citada Autora, o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que, nesse conspecto, foi pactuado entre as partes e do que ambas (obrigado e credor que intervieram no acordo) podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236º do Cód. Civil
Recorde-se que é, precisamente, o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base (quando exista) para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente.
Neste contexto, o pacto de preenchimento ora em causa - que foi subscrito pelos ali avalistas, incluindo a ora apelante - dispõe o seguinte (cláusula 7ª):
1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente, e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o Cliente seja titular ou contitular que tenham como origem obrigações resultantes para este do presente contrato, o cliente entregou ao E... uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo(s) Garante(s), podendo o E... accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.
2. O E... fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:
a) data de vencimentoposterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato;
b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.
3. O Garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido e avaliza a livrança nos seus precisos termos. “
Ora, em nosso ver, e com o devido respeito por opinião em contrário, um declaratário razoável, que se pauta pelos ditames da boa-fé, medianamente experiente e informado, inteligente e diligente, do mesmo tipo do declaratário real (artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil – que consagra a teoria da impressão do declaratário), em face da declaração contida no aludido pacto de preenchimento (que os avalistas, enquanto garantes, declararam aceitar), entenderia ou deduziria que o vencimento da livrança deveria ter lugar após a ocorrência do incumprimento do contrato subjacente por parte do obrigado principal e consequente vencimento/exigibilidade de qualquer obrigação ou obrigações que para o mesmo resultem do dito contrato subjacente. [31]
Em suma, como se refere em casos similares nos Acórdãos desta Relação de 19.01.2015 e 24.03.2015, já citados, o incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas é uma condição necessária para o preenchimento da livrança, nomeadamente quanto ao seu vencimento, mas não determinante, ou, porventura com mais clareza, verificado o incumprimento da relação subjacente o apelado podia mas não estava obrigado a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição do apelado, a declaração tem o sentido de o preenchimento da livrança poder ocorrer, verificado o incumprimento, quando se mostre necessário ao accionamento do título e tendo em vista a satisfação coactiva do respectivo crédito.
A obrigatoriedade do apelado preencher a livrança na data do incumprimento ou do vencimento da obrigação da mutuária (por força da sua declaração de insolvência) ou, ainda, no prazo máximo de três anos após essa insolvência, não encontra, em nosso ver, e com o devido respeito por opinião em contrário, apoio na declaração contida no pacto de preenchimento acima referido, interpretado este segundo os cânones previstos no artigo 236º, do Cód. Civil.
Como assim, à luz do exposto, não é possível, em nosso julgamento, sustentar-se que a livrança em apreço se encontra prescrita – pois que não se evidencia, à luz do pacto de preenchimento e na interpretação que dele se nos afigura devida, que o portador tivesse que nela inserir obrigatoriamente como data de vencimento a data da declaração de insolvência (24.01.2012) do obrigado principal, ou, ainda, no máximo, a data correspondente aos três anos subsequentes a partir daquela data (24.01.2105) -, que a circunstância de a livrança em apreço não se encontrar ainda preenchida quanto à data do seu vencimento corresponde a um aplicação ou interpretação abusiva do pacto de preenchimento – pois que para tanto era suposto que esta conduta confrontasse o estipulado no pacto, o que também não tem, em nosso ver e como exposto, fundamento –, ou, ainda, que essa circunstância se traduz numa situação de abuso de direito (artigo 334º, do Cód. Civil), na modalidade de suppressio ou venire contra factum proprium, sendo certo que, como tem sido afirmado pela jurisprudência, o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem. [32]
Por conseguinte, em conclusão, em nosso julgamento, deverá improceder, nesta parte, a apelação.
* *
IV.II. – Revogação do mandato para preenchimento da livrança – Justa Causa:
Dirimida a questão antecedente, cumpre, em sequência, conhecer da pretensão subsidiária deduzida pela Autora no que se refere à revogação do mandato para preenchimento da livrança ora em apreço com justa causa.
O mandato encontra-se previsto no artigo 1157º do Cód. Civil, sendo definido como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Relativamente à revogação do mandato prescreve o artigo 1170º, do Código Civil que “[O] mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação” (n.º 1); Todavia, acrescenta o n.º 2 do mesmo inciso legal que “Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.” (sublinhado nosso)
Como assim, no caso do mandato celebrado também no interesse do mandatário (como é o caso dos autos, pois que o banco apelado tem interesse no pacto de preenchimento celebrado em seu favor para efeitos de accionamento do título emitido em branco), a justa causa aparece como um facto constitutivo do direito de revogação unilateral pelo mandante, o qual deixa de poder ser exercido sem que esta se verifique. Assim, na ausência de justa causa, a revogação pelo mandante não constituirá um mero caso de indemnização, nos termos do artigo 1172º, al. b), mas será antes ineficaz para determinar a extinção do mandato, salvo se o contrário estiver estipulado. [33]
Relativamente à justa causa, não obstante tratar-se de um conceito vago e indeterminado, a carecer de preenchimento casuístico pelo juiz, poderá sustentar-se que esta existirá sempre que circunstâncias posteriores tornem inexigível ao mandante, de acordo com a boa-fé, a manutenção da vinculação contratual, nomeadamente o incumprimento das obrigações assumidas pelo mandatário perante o mandante ou qualquer outra circunstância de ponha em crise de forma grave e irremediável a confiança que, naturalmente, deve interceder na relação entre o mandante e o mandatário.
Como referem P. Lima e A. Varela, citando o Professor Baptista Machado na sua obra “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, a justa causa será “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual: todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim…” [34]
A justa causa, sendo, como já antes se referiu, um facto constitutivo da pretensão do mandante quanto à revogação do contrato terá, segundo a regra geral do artigo 342º, n.º 1, do Cód. Civil, que por ele ser cabalmente demonstrada.
Ora, no caso dos autos, em função do que já antes se expôs quanto ao não preenchimento da livrança nos moldes pretendidos pela apelante e quanto à interpretação e aplicação que do pacto de preenchimento é perfilhado pelo apelado (e que nos escusamos a repetir nesta sede), falha, em nosso ver e com o devido respeito por opinião em contrário, claramente a demonstração desse justo fundamento ou justa causa para efeitos de revogação do mandato em apreço; Com efeito, para tanto, era suposto demonstrar-se a violação do pacto de preenchimento em causa ou uma sua invocação em termos abusivos por parte do banco apelado, o que, como já antes deixamos exposto, não ocorre.
Por conseguinte, em nosso ver, terá também este outro fundamento do recurso que improceder.
* *
IV.III. Da nulidade do pacto de preenchimento à luz do regime das cláusulas contratuais gerais:
Por último, suscita, ainda, a apelante a alegada nulidade da cláusula 7ª atinente ao pacto de preenchimento, sustentando, neste conspecto, que a dita cláusula lhe foi predisposta pelo banco ora apelado e que a mesma, na qualidade de avalista, foi por si aceite por mera adesão, sem possibilidade de a negociar, como, aliás, é usual na prática bancária.
Destarte, segundo invoca, a dita cláusula 7ª, seja porque estabelece, na interpretação segundo a qual o portador pode fixar livremente a data de vencimento do título, uma obrigação perpétua a cargo dos avalistas [artigo 18º, al. j)], seja, ainda, porque se traduz numa alteração das obrigações assumidas imposta unilateralmente pelo predisponente, mostra-se proibida à luz do regime das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85 de 22.10, com as suas sucessivas alterações) e em conformidade com o preceituado nos artigos 12º, 15º, 16º, 18º, al. j), 20º e 21º, al. a), todos do citado diploma legal.
Como se evidencia da sentença recorrida a fundamentação invocada pela apelante foi afastada com o argumento, por um lado, de que a apelante, enquanto avalista, não pode ser considerada como consumidor (estando, pois, excluída do âmbito de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais) e, ainda, de que a mesma não é parte no contrato de crédito subjacente à emissão do título.
Não acompanhamos na íntegra a posição que, nesta sede, de mostra sustentada na sentença recorrida.
Mas daí não decorre que a pretensão da apelante possa merecer acolhimento.
Explicitando.
Em primeiro lugar, face ao que já se expôs, não se nos afigura que a cláusula em apreço preveja uma obrigação perpétua; A obrigação cambiária mostra-se delimitada pela relação causal e pelas suas vicissitudes e o preenchimento do título por parte do portador, nomeadamente quanto ao vencimento, não pode deixar de lhe estar subordinada, podendo, em última instância, ser esse preenchimento em termos temporais ser sindicado em sede de abuso de direito.
Vale, pois por dizer, que o preenchimento não pode ocorrer ad eternum e, sequencialmente, não se pode falar em obrigação perpétua.
Por conseguinte, a previsão do artigo 18º, al. j), da LCCG, não tem aplicação no caso dos autos.
Por outro lado, cremos, com o devido respeito, ser evidente que a dita cláusula, com a interpretação antes exposta, não representa uma qualquer alteração à obrigação assumida na contratação; Ao invés, a cláusula em apreço corresponde ao que consensualmente foi acordado ab initio, com o sentido que decorre da sua interpretação objectiva, em conformidade com a regra consignada no já citado artigo 236º, do Cód. Civil.
Sendo assim, também não colhe aplicação ao caso sub judice a previsão da alínea a), do artigo 21º da citada LCCG.
Mas, ainda que assim não se entenda, sempre uma outra razão imporia a improcedência da questão.
A matéria mostra-se tratada, entre outros, no Acórdão do STJ de 22.10.2013 [35], razão porque aqui se cita, com a devida vénia, o que ali se escreveu, sendo certo que, ainda que o caso concreto ali apreciado não seja precisamente igual ao dos presentes autos, os princípios ali invocados são, em nosso ver, integralmente aplicáveis ao caso ora sob análise:
No dito aresto, escreveu-se: “O Recorrente, enquanto obrigado cambiário como dador do aval, pretende ver-se exonerado da obrigação de pagamento da quantia constante do título a pretexto de, como alega, não haver qualquer pacto de preenchimento válido – porque excluída a cláusula que o previa, por violação do regime das cláusulas contratuais gerais.
Acontece, porém, que, se bem se pensa, não se vê como invocar preenchimento abusivo, ou seja, que o tomador ou beneficiário da livrança desrespeitou os termos em que lhe estava autorizado o preenchimento, mediante acordo com o avalista, se, a montante, se não aceita a existência ou eficácia de tal acordo, no caso por excluído do contrato outorgado entre as partes.
Excluído o pacto constante do “Contrato de Abertura de Crédito”, a excepção liberatória haverá de ter por objecto a violação de um outro acordo, formalizado ou não, expresso ou tácito, que a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica.
Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que, insiste-se, nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas referidas relações imediatas.
Vale isto por dizer que, uma de duas: - ou o Recorrente aceitava a validade do pacto (…) e, relativamente ao respectivo conteúdo obrigacional, opunha a excepção à Exequente, (…) - ou, arguindo, como arguiu a invalidade e exclusão desse pacto, para sustentar o concurso da excepção, teria de invocar a violação de um outro pacto, o que também não fez.
Com efeito, para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.
Como se escreveu no acórdão de 4 de Março de 2008 (proc. 07A4251, em que o aqui relator interveio como 1º adjunto), “destruída a cláusula subjacente à obrigação cambiária (de aval) assumida pela oponente, não há relação causal que justifique poder o oponente prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, por não se poder falar, então, em relações imediatas.
A consequência do posicionamento do Oponente será, então, ao menos a nosso ver, a ineptidão da defesa, por manifesta incompatibilidade entre a pretendida invalidade do pacto e o desrespeito desse mesmo pacto, por aquela via excluído.
Ora, assim sendo, sobra a posição jurídica do Oponente, apenas enquanto avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, ou seja, na pureza da obrigação cambiária fora das relações imediatas.” (sublinhado nosso)
Com efeito, e como também se salienta no aresto descrito, “ [S]e o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.”
Ora, sendo assim, e visando a apelante, através da invocação da invalidade das cláusulas em apreço, a exclusão das mesmas do contrato subjacente e, a partir desta exclusão, sustentar que o apelado não dispunha de poderes ou mandato/autorização sua para efeitos de posterior preenchimento do título (preenchimento abusivo), tal significa, à luz do antes exposto, que esta sua defesa não pode colher, seja, porque a ser assim, deixaria a apelante/avalista de se encontrar nas relações imediatas com o portador do título, seja, ainda, porque deixaria de existir objecto sobre o qual possa alegar-se ou esgrimir-se o alegado preenchimento abusivo.
O que vem, a final, a conduzir, também nesta parte, à improcedência do recurso.
* *
V. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando o saneador-sentença proferido, ainda que por fundamentos não integralmente coincidentes.
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*
Custas pela apelante, pois que ficou vencida - artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 7.01.2019
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Fernanda Almeida
_______________
[1] O tomador original da livrança era o “E..., SA”, tendo o Réu “D..., SA” sucedido nos direitos e obrigações do E..., na sequência da medida de resolução de 3.08.2014, aplicada pelo Banco de Portugal.
[2] Vide, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[3] Vide, neste sentido, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, Reimpressão, 2011, pág. 501 e JOÃO CALVÃO da SILVA, “Direito Bancário”, Almedina, 2001, pág. 365.
[4] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 502, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 366, ou, ainda, L. MIGUEL PESTANA de VASCONCELOS, “Direito Bancário”, Almedina, 2018, pág. 206-209.
[5] FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, Lex, Reprint, 1994, pág. 482-483.
[6] JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Os Títulos de Crédito – Uma Introdução”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2012, pág. 65, JORGE PINTO FURTADO, “Títulos de Crédito”, Almedina, 2000, pág. 144-145 e FERRER CORREIA, op. cit., pág. 482. Em sentido oposto, CAROLINA CUNHA, “Manual de Letras e Livranças”, Almedina, 2016, pág. 168, 170, 171 e 178, para quem a letra em branco apenas exige a emissão voluntária de um título incompleto (com ou sem pacto de preenchimento), com intenção de deixar o seu posterior preenchimento a outrem.
[7] Vide, neste sentido, por todos, ABEL DELGADO, “LULL Anotada”, Livraria Petrony, 6ª edição, pág. 73.
[8] AC STJ de 25.05.2017, Processo n.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, relator FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt.
[9] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos…”, cit., pág. 67-68.
Em sentido distinto, refere CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 180 que as condições de preenchimento do título não decorrem de um pacto formal mas da “vontade do subscritor tal como foi manifestada e que se pode apurar ou reconstruir retrospectivamente “, sendo essa a vontade que importará reconstituir, a partir de um eventual pacto de preenchimento ou de outro suporte e nos termos objectivistas legalmente prescritos, tanto no que toca à configuração das menções a inserir no título como à própria oportunidade da sua inserção.”
[10] CAROLINA CUNHA, “Letras e Livranças: Paradigmas Actuais, Recompreensão de um Regime”, Almedina, 2012, pág. 620.
[11] Vide, neste sentido, por todos, CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 179 e, na jurisprudência, AC STJ de 22.02.2011, Processo n.º 31/05-4TBVVD-B-G1.S1, relator SEABASTIÃO PÓVOAS, AC STJ de 25.05.2017, já citado, e, ainda, AC STJ de 28.09.2017, Processo n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, relator TOMÉ GOMES, todos in www.dgsi.pt.
[12] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos …”, cit., pág. 85-86 e FERRER CORREIA, op. cit., pág. 521-528.
[13] Vide, neste sentido, por todos, J. PINTO FURTADO, op. cit., pág. 153-154.
[14] Vide, neste sentido, por todos, FERRER CORREIA, op. cit., pág. 449-450 e J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos …”, cit., pág. 103-106.
[15] A letra ou livrança encontra-se no domínio das relações imediatas quanto está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares (ou relação subjacente). Não sendo esse o caso, por exclusão, a letra ou livrança está no domínio das relações mediatas; Vide, neste sentido, por todos, J. ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 105, FERRER CORREIA, op. cit., pág. 450 e ABEL DELGADO, op. cit., pág. 108.
[16] Vide, neste sentido, por todos, MANUEL de ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II volume, Almedina, 1987, pág. 445.
[17] Vide, neste sentido, MANUEL de ANDRADE, op. cit., pág. 446 e PEDRO PAIS de VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 7ª edição, 2014, pág. 327.
[18] Vide, neste sentido, por todos, MANUEL de ANDRADE, op. cit., pág. 448-449, ou, ainda, L. CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, UCP, 5ª edição, 2014, pág. 699.
[19] Vide, neste sentido, por todos, ABEL DELGADO, op. cit., pág. 346; Na jurisprudência, vide, por todos, AC STJ de 9.09.2008, Processo n.º 08A1999, relator AZEVEDO RAMOS, AC RP de 19.12.2012, relator TELES MENEZES e AC RP de 28.06.2013, relator JOSÉ MANUEL ARAÚJO de BARROS, todos in www.dgsi.pt.
[20] Sobre as várias modalidades de vencimento, vide, por todos, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos …”, cit., pág. 89-90.
[21] Vide, nesta matéria, por todos, P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, II volume, Coimbra Editora, 3ª edição, 1986, pág. 29-31.
[22] Que corresponde, grosso modo, ao artigo 151º, n.º 1, do anterior CPEREF e ao artigo 1196, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil, na sua redacção original.
[23] Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “Direito da Insolvência”, Almedina, 3ª edição, 2011, pág. 177 e ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2015, pág. 133-134.
[24] Vide, neste sentido, com menção das soluções encontradas nessa matéria, no direito italiano e no direito inglês, CAROLINA CUNHA, “Letras e Livranças …, cit., pág. 604 ou, ainda, da mesma Autora, “Manual …”, cit., pág. 200, nota 544, ou, ainda, da mesma Autora, “ Aval e Insolvência ”, Almedina, 2017, pág. 80, nota 203.
[25] Vide, neste sentido, AC STJ de 16.06.1967, Processo n.º 061692, relator GONÇALVES PEREIRA, disponível (à presente data) in www.dgsi.pt, citado por CAROLINA CUNHA, “Letras e Livranças …”, cit., pág. 605, nota 194.
[26] Dizemos unânime porque mesmo a jurisprudência que a Autora convoca em abono da sua posição, com o devido respeito, não a adopta; De facto, em qualquer dos arestos citados pela Autora (AC RL de 10.11.2015, AC STJ de 30.04.2002 e AC STJ de 20.06.2006, todos disponíveis in www.dgsi.pt) – vide “Letras e Livranças …”, cit., pág. 609 ou “Manual …”, cit., pág. 206, nota 559 -, é possível, a partir apenas do pacto de preenchimento acordado e da sua interpretação objectiva, alcançar-se, como ali se alcançou, que a data de vencimento do título naqueles casos específicos deveria corresponder a uma certa e determinada data, correspondente ao evento previsto, seja a data da mora do devedor, a resolução do contrato ou o encerramento da conta corrente.
[27] Vide, neste sentido, por todos, AC RL de 19.04.2012, Processo n.º 27827/05.4YYLSB-A, relator TERESA PRAZERES PAIS, AC RP de 19.01.2015, Processo n.º 7460/10.0TBMTS-A.P2, relator JOSÉ EUSÉBIO de ALMEIDA, AC RP de 24.03.2015, Processo n.º 60/10.6TBMTS.P1, relator FRANCISCO MATOS e AC STJ de 20.10.2015, Processo n.º 60/10.6TBMTS.P1.S1, relator GARCIA CALEJO (que confirmou o AC RP de 24.03.2015, antes referido), todos in www.dgsi.pt.
[28] CAROLINA CUNHA, “Letras e Livranças …”, cit., pág. 607-608.
[29] CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 204.
[30] CAROLINA CUNHA, “Aval…”, cit., pág. 81-82.
[31] Sobre os critérios de interpretação da declaração negocial, vide, neste sentido, por todos, EVARISTO MENDES, FERNANDO SÁ, in “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, UCP, 2014, pág. 540 e P. LIMA, A. VARELA, “ Código Civil Anotado ”, I volume, Coimbra Editora, 4ª edição, 1987, pág. 223.
[32] Vide, neste sentido, com maior desenvolvimento, AC STJ de 19.10.2017, Processo n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, relator ROSA TCHING, disponível in www.dgsi.pt.
[33] Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, III volume, Almedina, 5ª edição, 2008, pág. 474 e P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, II volume, cit., pág. 734.
[34] P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, II volume, cit., pág. 731. No mesmo sentido, vide, por todos, AC STJ de 30.05.2017, Processo n.º 4891/11.1TBSTS.P1.S1, relator ALEXANDRE REIS, in www.dgsi.pt.
[35] Processo n.º 4720/10.3T2AGD-A.C1, relator ALVES VELHO; Vide, ainda, no mesmo sentido, AC RP de 29.06.2015, Processo n.º 549/13.5TBGDM-A.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

(O presente acórdão não segue na sua redacção o novo acordo ortográfico)