Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3411/20.1T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DESPACHO LIMINAR
Nº do Documento: RP202109203411/20.1T8STS.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sempre que os rendimentos auferidos mensalmente pelo devedor fiquem aquém do salário mínimo nacional, não faz qualquer sentido a fixação de um rendimento indisponível superior ao salário mínimo nacional pois que isso constituiria uma fixação de um rendimento mensal indisponível fictício de que o devedor não teria a efetiva disponibilidade, ao longo da generalidade dos meses do ano.
II - O deferimento inicial da exoneração do passivo restante implica para o devedor alguns sacrifícios em ordem a permitir que durante o quinquénio de duração da cessão do rendimento disponível sejam satisfeitos, na maior medida possível, os créditos dos credores afetados pela exoneração definitiva e para que assim se possa, com propriedade, falar em exoneração do passivo restante.
III - O processo de insolvência e o incidente de exoneração do passivo restante não consistem num expediente para manter os rendimentos do devedor em detrimento da satisfação dos créditos dos credores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3411/20.1T8STS.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3411/20.1T8STS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 15 de dezembro de 2020, no Juízo de Comércio de Santo Tirso, Comarca do Porto, comprovando ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono[1], B… veio apresentar-se à insolvência, requerendo a exoneração do passivo restante com fixação do rendimento indisponível no montante de um salário mínimo e meio ou, assim não se entendendo, no montante de um salário mínimo e um quarto, pedindo também autorização de movimentação de conta bancária, oferecendo prova documental e testemunhal, esta última na eventualidade do tribunal a considerar necessária.
Para fundamentar a sua pretensão de exoneração do passivo restante alegou, em síntese, que é casado com C…[2] e que ambos estão reformados; o requerente aufere uma reforma de € 499,56 e exerce de há anos atividade complementar à sua reforma, sendo encarregado de vendas por negociação particular em vários tribunais e, principalmente, no Tribunal Judicial de Matosinhos; essa atividade do requerente tem vindo a ser cada vez mais reduzida, ao longo dos anos, quer devido à intervenção dos Agentes de Execução, quer também devido à situação de saúde do requerente, a quem foi diagnosticado cancro do pulmão em 2015; esta doença conjuntamente com doença do foro cardíaco de que padece confere-lhe uma incapacidade permanente de 66%, presentemente em reavaliação; nos últimos três anos a atividade de encarregado de venda por negociação particular tem-lhe facultado rendimentos residuais; o requerente não dispõe de meios para solver as dívidas que tem face a terceiros e, atenta a sua idade e os rendimentos reduzidos que aufere, não tem possibilidade de recurso a crédito bancário; dado que as dívidas, na sua quase totalidade, foram contraídas pelo requerente e pela sua esposa, esta irá também requerer a sua insolvência; o casal tem como despesas, a renda da casa onde habitam de € 126,02, eletricidade, num valor médio mensal de aproximadamente € 70,00 a € 80,00, água, num valor médio mensal de aproximadamente € 40,00, gás, num valor médio mensal de € 33,00, televisão, net e telefone fixo, no valor mensal € 35,00, comunicações móveis (telemóvel) no valor mensal de € 25,00, despesas medicamentosas que rondam, para o requerente, uma média de não menos de € 60,00 por mês, sendo que o custo de despesas médicas e medicamentosas está sempre dependente da situação de saúde do requerente; o requerente faz quimioterapia e tem um quadro clínico geral debilitado, que lhe acarreta internamento em situações de crise, necessidade de uso diário de oxigénio, à noite e necessidade de acamamento[3] em períodos em que está mais debilitado (nomeadamente após as sessões de quimioterapia), sendo, nessas alturas em que tem de ficar acamado – cada vez mais frequentes – assistido por terceira pessoa, no que tem vindo a despender entre € 150,00 a € 250,00 por mês; atenta essa necessidade, acaba de ser atribuído ao requerente, pela Segurança Social, subsídio por assistência de terceira pessoa no montante de € 110,41; está também, neste momento, a ser reavaliada a sua incapacidade permanente, que poderá atingir percentagem superior; o requerente não dispõe de quaisquer bens que não roupas pessoais, objetos destinados à economia doméstica e ao desempenho da atividade de encarregado de vendas (um computador pessoal e uma impressora), no valor total de não mais de € 1.000,00 e, mesmo esses, acham-se penhorados à ordem de processo judicial, tendo parte deles sido removidos; mesmo tendo começado a receber subsídio por assistência de terceira pessoa, este não cobre os custos que tem de despender com terceira pessoa para que o assista (estes dependem do número de noites que seja necessário, presentemente rondam entre € 150,00 a € 250,00, mas a necessidade de assistência e o inerente custo só aumentará com o tempo); dado o cancro de que padece, tem de ter cuidados especiais de alimentação, que importam custo acrescido (muito embora, por dificuldades financeiras, não consiga cumprir na íntegra esse plano de alimentação); por indicação médica deve comer peixe fresco, não pode comer carne de porco, deve comer legumes frescos, fruta, iogurtes, sendo por isso a sua alimentação mais cara; se estiver desprovido de meios para poder prover às suas despesas de saúde e tomar os cuidados alimentares que a sua doença exige, isso refletir-se-á no seu estado de saúde.
Em 16 de dezembro de 2020 foi proferido despacho convidando o autor a juntar aos autos certidão de nascimento, convite que o autor acatou[4].
Em 04 de janeiro de 2021 foi proferida sentença que decretou a insolvência do autor, dispensando-se a realização de assembleia para apreciação do relatório do Administrador de Insolvência.
Em 11 de janeiro de 2021, na sequência de novo requerimento do autor no sentido de ser autorizado a movimentar a sua conta bancária até ao montante da sua reforma e do subsídio para assistência por terceira pessoa, foi proferido despacho a deferir este requerimento.
Em 24 de fevereiro de 2021, o Sr. Administrador da Insolvência ofereceu o seu relatório, pronunciando-se favoravelmente ao pedido de exoneração do passivo restante por parte do insolvente, pugnando pela fixação do rendimento indisponível no montante de um salário mínimo nacional e bem assim pelo encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
O D…, S.A. opôs-se ao requerimento de exoneração do passivo restante deduzido pelo autor.
Em 06 de abril de 2021 foi proferido despacho a determinar o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, proferindo-se seguidamente a seguinte decisão[5]:
O Insolvente requereu a exoneração do passivo restante
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O Exmo. Administrador da Insolvência, no relatório a que se refere o artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, formulou parecer no sentido de dever ser tal pedido deferido uma vez que não se verifica qualquer das situações que possam levar ao seu indeferimento.
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Mostra-se junto aos autos o certificado de registo criminal do insolvente, do qual nada consta.
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Apenas foi deduzida oposição ao deferimento do pedido pelos credores E… e D…, S.A. nos termos constantes dos requerimentos de 02.03.2021 e 09.03.2021, que se dão por reproduzidos.
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Com interesse para a decisão a proferir, mostra-se já assente nestes autos que:
1 – O requerente apresentou-se à insolvência no dia 15.12.2020 e, por sentença proferida no dia 04.01.2021 declarou-se tal insolvência;
2 – O requerente tem um passivo de € 122.538,93.
3 – O devedor não tem quaisquer bens.
4 – Aufere a pensão de € 499,56.
5 – Nunca foi condenado pela prática de qualquer crime.
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Motivação:
Os factos acima elencados resultam do teor do CRC junto aos autos, do teor do relatório apresentado pelo Exmo. Administrador de Insolvência e do teor dos documentos juntos aos autos com a petição inicial.
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O Direito:
O artigo 235º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dispõe que “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.
“O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório, ou, no caso de dispensa desta, após os 60 subsequentes à sentença; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio” (cf. artigo 236º/1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Acrescenta o nº 3 do mesmo normativo que “do requerimento consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes”.
No que se refere à oposição dos credores importa considerar que o art. 238º/1/d) do CIRE, estabelece que o pedido de exoneração será indeferido liminarmente se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica”.
Assim, para ser negado o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento nesta alínea, necessário se torna que se mostrem preenchidos os três requisitos cumulativos aí previstos, a saber:
1. Incumprimento do dever de apresentação à insolvência no prazo de seis meses a contar do dia em que se verifique a situação de insolvência;
2. Que, desse incumprimento, decorra ou advenha, para os credores, um prejuízo;
3. Se conheça da inexistência de qualquer perspetiva séria de melhoria da situação económica.
Vejamos.
Como resulta dos factos provados, o processo de insolvência iniciou-se por iniciativa da requerente sendo que o incumprimento das suas obrigações ocorreu em data anterior aos seis meses que precederam a apresentação à insolvência.
Assim, se bem que o devedor só se tenha apresentado à insolvência depois de decorridos mais de seis meses desde que verificou a sua impossibilidade de pagar os créditos, é igualmente certo que o caso em concreto não nos fornece elementos necessários ao estabelecimento do nexo causal que a lei exige por não se ter demonstrado qualquer ato que equivalha a dissipação do património relevante para pagamento aos credores.
É inegável que o incumprimento do dever de apresentação à insolvência por parte do devedor provocou, no mínimo, que as dívidas se avolumassem porque continuaram a vencer-se juros sobre o capital em dívida.
Porém, o Tribunal da Relação do Porto tem vindo a entender de forma praticamente unânime que o mero vencimento de juros não preenche o pressuposto do prejuízo causado aos credores com o atraso da apresentação à insolvência, a que alude o art. 238º/1/d) do CIRE.
Não se verificando, pois, na nossa perspetiva, a verificação deste último pressuposto, não fica preenchida esta condição que levaria ao pretendido indeferimento liminar.
Tendo em conta que o devedor atestou preencher os requisitos de que depende o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, o Exmo. Administrador de Insolvência nada apurou que leve a que se indefira tal pedido e nenhum dos demais credores se opôs, sendo certo que dos autos não resultam quaisquer indícios que possam levar ao indeferimento liminar do pedido formulado, decide-se admitir liminarmente o pedido de exoneração de passivo restante formulado.
Quanto ao rendimento disponível a ceder:
O rendimento disponível do devedor objeto da cessão ao fiduciário, nos termos do artigo 239º/2 e 3 do C.I.R.E., é integrado por todos os rendimentos que ao devedor advenham, a qualquer título com exclusão, e no que à economia da presente decisão importa, do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (artigo 239º/3, b), i) do C.I.R.E.) e do que seja razoavelmente necessário para outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor (artigo 239º/3, b), iii) do C.I.R.E.).
No caso do devedor, sabemos que não possui qualquer bem e que aufere € 499,56.
O montante equivalente ao salário mínimo nacional deve ser o montante tido em consideração como o indispensável à sobrevivência de qualquer pessoa.
Nesta medida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 239º do CIRE, determina-se que o rendimento da devedora que ultrapasse o equivalente a 1 salário mínimo nacional por mês, seja cedido ao Exmo. Administrador de Insolvência que neste ato se nomeia para exercer as funções de fiduciário.
Notifique, Registe e Publicite.
Em 27 de abril de 2021, inconformado com a decisão que precede, no segmento referente ao rendimento disponível a ceder, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata[6], nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Atendendo a que as questões recursórias são essencialmente jurídicas, não envolvendo a reapreciação de prova gravada e bem assim a natureza urgente destes autos, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto;
2.2 Da fixação do rendimento indisponível.
3. Fundamentos
3.1 Da necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto
O recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto da decisão recorrida por, na sua perspetiva, omitir factualidade relevante que enuncia na conclusão oitava do seu recurso, matéria que considera imprescindível para a fixação do montante do rendimento indisponível.
Apreciemos.
De acordo com o disposto no artigo 17º, nº 1, do CIRE[7], os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.
Nos termos da alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar a ampliação da matéria de facto, sempre que o considere indispensável, decisão que implicará a anulação da decisão recorrida sempre que o tribunal ad quem não tenha ao seu dispor todos os elementos tal como previsto no nº 1, do mesmo preceito[8].
A primeira questão a que esta instância deve responder é a seguinte: é indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto?
A resposta implica a aferição da pertinência da matéria que o recorrente pretende ver incluída na base instrutória à luz do direito aplicável e tendo sobretudo em atenção a sua pretensão de que o complemento por dependência acresça ao salário mínimo nacional que a decisão recorrida fixou como rendimento indisponível e também que o rendimento indisponível seja fixado em uma vez e meia ou uma vez e um quarto do salário mínimo nacional.
Ora, o que o recorrente pretende é a fixação de um valor fictício de rendimentos pois que auferindo mensalmente uma pensão no montante de € 499,56, adicionando-se-lhe o valor mensal de € 105,90 correspondente ao complemento por dependência, obtém-se o valor de € 605,46, montante que fica aquém do salário mínimo nacional que é neste momento de € 665,00[9].
Neste contexto, ao contrário do que afirma o recorrente, o complemento que lhe foi atribuído pela Segurança Social[10] ser-lhe-á pago juntamente com a pensão e só assim não sucederá, nos meses em que por força do pagamento de subsídio de férias ou de Natal, o valor abonado ao recorrente a título de pensão e de complemento exceder o salário mínimo nacional.
Por outro lado, sempre que os rendimentos auferidos mensalmente pelo devedor fiquem aquém do salário mínimo nacional, como se verifica no caso em apreço, não faz qualquer sentido a fixação de um rendimento indisponível superior ao salário mínimo nacional pois que isso constituiria uma fixação de um rendimento mensal indisponível fictício de que o devedor não teria a efetiva disponibilidade, ao longo da generalidade dos meses do ano[11]. E sublinhe-se que o apuramento do rendimento indisponível deve ser feito em cada mês, como se tem vindo a pronunciar a jurisprudência dominante[12], questão que aliás o recorrente não coloca no recurso.
Finalmente, alguns dos valores das despesas que o recorrente pretende ver discriminados na factualidade assente, como sucede com a renda de casa, com os gastos com eletricidade, água, gás, televisão, telefone fixo e internet não devem ser computadas como despesas exclusivamente suas, mas antes como despesas do casal que devem ser divididas em duas partes iguais. De todo o modo, o cômputo das despesas só teria efectivo relevo se acaso os proventos do recorrente excedessem um salário mínimo nacional.
Assim, tudo sopesado, à luz do direito aplicável e tendo em conta a inocuidade da generalidade das alterações factuais que pudessem vir a ser introduzidas, conclui-se que, com exceção da indicação do montante auferido a título de complemento por dependência de primeiro grau, a pretensão de ampliação da decisão da matéria de facto formulada pelo recorrente é no restante impertinente, pelo que se indefere, improcedendo parcialmente esta questão recursória e aditando-se à decisão da matéria de facto do tribunal recorrido o aludido montante.
3.2 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida e que com o aditamento supra enunciado se mantêm pelas razões que precedem
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
O requerente apresentou-se à insolvência no dia 15.12.2020 e, por sentença proferida no dia 04.01.2021 declarou-se tal insolvência.
3.2.1.2
O requerente tem um passivo de € 122.538,93.
3.2.1.3
O devedor não tem quaisquer bens.
3.2.1.4
Aufere a pensão de € 499,56 e um complemento por dependência de primeiro grau no valor mensal de € 105,90.
3.2.1.5
Nunca foi condenado pela prática de qualquer crime.
4. Fundamentos de direito
Da fixação do rendimento indisponível
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, na parte da fixação do montante do rendimento indisponível, pretendendo que o mesmo seja fixado em um salário mínimo e meio ou um salário mínimo e um quarto, excluindo-se, em todo o caso do rendimento disponível o complemento por assistência de primeiro grau que lhe foi atribuído pela Segurança Social.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 239º do CIRE, o despacho inicial que defere o incidente de exoneração do passivo restante determina que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário.
Por sua vez, o nº 3, do mesmo artigo concretiza que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) dos créditos a que se refere o artigo 115º do mesmo diploma cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) do que seja razoavelmente necessário para:
i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) o exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
Por razões de coerência normativa (artigo 738º, nº 3, do Código de Processo Civil), quando o devedor não tenha outros rendimentos além dos provenientes do trabalho ou de pensão, o salário mínimo nacional[13] deve considerar-se o patamar mínimo para determinação do sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, sendo caso disso, assim se tutelando o princípio constitucional da dignidade humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa).
A determinação do sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar opera num quadro de interesses divergentes: o interesse do devedor em pelo menos manter o seu nível de vida, de um lado; os interesses dos credores na máxima satisfação do passivo, de outro lado.
Neste contexto de interesses divergentes, o legislador recorreu a um conceito relativamente indeterminado para aferir o montante que deve manter-se incólume à cessão de rendimentos, optando por que esse valor corresponda ao mínimo necessário para um sustento digno do devedor.
O montante que a recorrente pretende que seja fixado como rendimento indisponível, a título principal e subsidiário, excede os rendimentos que mensalmente aufere e que são no montante global de € 605,46.
Deste modo, o montante de rendimento indisponível fixado pelo tribunal recorrido corresponde ao mínimo necessário para um sustento digno do devedor e até excede na generalidade dos meses os rendimentos que o recorrente efetivamente aufere.
O complemento por dependência de primeiro grau atribuído pela Segurança Social é um subsídio e não uma despesa que deva ser ressalvada nos termos previstos na subalínea iii) da alínea b), do nº 3, do artigo 239º do CIRE.
Na perspetiva que temos do instituto da exoneração do passivo restante, a sua concessão implica para o devedor alguns sacrifícios[14] em ordem a permitir que durante um quinquénio sejam satisfeitos na maior medida possível os créditos dos credores afetados pela sua concessão definitiva e para que assim se possa, com propriedade, falar em exoneração do passivo restante.
O processo de insolvência e o incidente de exoneração do passivo restante não consistem num expediente para manter inalterados os rendimentos do devedor em detrimento da satisfação dos créditos dos credores.
Assim, tudo sopesado, deve manter-se a decisão recorrida que fixou o rendimento indisponível do recorrente em montante equivalente a um salário mínimo nacional, improcedendo o recurso, não obstante o aditamento factual referente ao complemento por dependência de primeiro grau e que nenhum relevo teve para a pretensão final do recorrente de revogação da decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente pois que decaiu (artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 248º do CIRE).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B…, não obstante o aditamento factual referente ao complemento por dependência de primeiro grau e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 06 de abril de 2021, nos restantes segmentos impugnados.
Custas do recurso a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 248º do CIRE).
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O presente acórdão compõe-se de treze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 20 de setembro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Não obstante, intentou a presente ação especial com advogado constituído.
[2] Foi oferecido assento de casamento civil no regime imperativo de separação de bens em razão do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 1720º do Código Civil, na sua redação primitiva, de B… e de C…, em 09 de setembro de 1977, ambos no estado civil de divorciados, adotando a nubente os apelidos “de F…”.
[3] O autor alegou “alectoamento”, vocábulo desconhecido na língua portuguesa e que se cré ter sido utilizado com o sentido de acamamento.
[4] Ofereceu certidão de nascimento que comprova que nasceu no dia 12 de junho de 1945.
[5] Notificada mediante expediente eletrónico elaborado em 07 de abril de 2021.
[6] Inexiste no actual Código de Processo Civil a distinção entre recursos com subida diferida e imediata, relevando sim a distinção entre decisões que são passíveis de recurso autónomo e aquelas que o não são (artigo 644º, nºs 1, 2 e 3º do Código de Processo Civil). No entanto, o nº 6, do artigo 641º do Código de Processo Civil alude a decisão que retenha a subida de recurso, alusão que também se colhe do nº 4, do artigo 643º do Código de Processo Civil. Estas referências têm sido doutrinalmente entendidas como referidas aos casos em que o juiz a quo, ilegalmente, retém a subida do recurso (neste sentido veja-se Recursos em Processo Civil, 6ª Edição Atualizada, Almedina 2020, António Santos Abrantes Geraldes, página 220, segundo parágrafo da anotação 8).
[7] Acrónimo com que doravante se designará o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[8] Esta questão da consequência jurídica nos casos de ampliação da decisão da matéria de facto não é pacífica pois enquanto alguns entendem que nesta eventualidade há sempre anulação da decisão proferida em primeira instância, cumprindo ao tribunal recorrido proceder à ampliação da decisão da matéria de facto em conformidade com o determinado em segunda instância, outros sustentam que a anulação só ocorre quando o tribunal ad quem não tem ao seu dispor os elementos necessários para proceder à necessária ampliação da decisão da matéria de facto (no primeiro sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 de março de 2020, proferido no processo nº 713/10.9TBFIG.C2, acessível na base de dados da DGSI; no último sentido vejam-se: O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, Almedina 2020, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, página 826, anotação 14; Recursos em Processo Civil, 6ª Edição Atualizada, Almedina 2020, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 353 a 354). O relator tem sempre seguido esta última orientação.
[9] Veja-se o decreto-lei nº 100-A/2020, de 31 de dezembro de 2020.
[10] Complemento que não constitui uma despesa mas antes um subsídio. O recorrente afirma ter despesas com assistência de terceira pessoa mas não ofereceu qualquer prova documental disso, oferecendo apenas uma testemunha, sua esposa, também insolvente e que apenas não está em coligação com o recorrente nestes autos por força do regime de bens do casamento de ambos (veja-se o artigo 264º, nº 1, do CIRE).
[11] Só assim não sucederia pontualmente quando fossem abonados ao devedor os subsídios de férias e de Natal, como já se referiu anteriormente.
[12] Vejam-se os seguintes acórdãos todos acessíveis na base de dados da DGSI: o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de março de 2017, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Emídio Francisco Santos, no processo nº 178/10.5TBNZR.C1; o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07 de maio de 2018, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Augusto Carvalho, no processo nº 3728/13.1TBGDM.P1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de outubro de 2019, relatado de novo pelo Sr. Juiz Desembargador Emídio Santos, no processo nº 2455/11.9TJCBR.C1.
[13] Presentemente de € 665,00 por força do decreto-lei nº 100-A/2020, de 31 de dezembro de 2020.
[14] Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31 de janeiro de 2012, relatado pelo então Juiz Desembargador Barateiro Martins, no processo nº 3638/10.4TJCBR-G.C1, acessível no site da DGSI.