Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1399/19.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PERDA DO DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÔNJUGE DA VÍTIMA
CÔNJUGE SEPARADO
FILHO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202302271399/19.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não merece acolhimento a pretensão da recorrente de ver aplicado o preconizado na portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, já que esta contempla apenas as situações em que a regularização do sinistro ocorre no âmbito extrajudicial, sendo certo que na hierarquia das normas tal fonte legislativa sempre seria insuscetível de se sobrepor ao critério fixado no Código Civil.
II - Fixada indemnização com base na equidade, só é de alterar esta quando os montantes fixados sejam dissonantes dos que vêm sendo jurisprudencialmente fixados, já que o tribunal de primeira instância beneficia de uma proximidade relativamente ao caso concreto que se perde por via de recurso.
III - O decurso dos anos e o intenso fenómeno inflacionista em curso menos devem fazer propender para a diminuição de valores indemnizatórios.
IV - Tendo a vítima do acidente de viação 61 anos de idade, estando socialmente inserida e sendo próximo dos filhos e netos, afigura-se adequada uma indemnização de € 70 000, 00 pela perda do direito à vida.
V - A indemnização por danos não patrimoniais do cônjuge da vítima deverá levar em consideração a circunstância de o casal estar separado de facto.
VI - Embora o vínculo do matrimónio se mantivesse, a ausência do dia-a-dia e a inobservância dos deveres de cooperação e de assistência entre os membros do casal já se verificavam, o que conduz a uma diminuição do valor a atribuir, que se considera adequado fixar no montante de € 10.000,00.
VII - É proporcionada e em consonância com os valores jurisprudenciais correntes a indemnização de € 20.000,00 pelos danos de natureza não patrimonial dos filhos do sinistrado maiores de idade, que com ele conviviam regularmente.
VIII - Inexiste objeção jurídica a que o valor indemnizatório seja fixado reportado ao dia do óbito do sinistrado, incidindo os juros de mora sobre esta quantia desde essa data.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1399/19.0T8PVZ.P1

Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
AA, BB e CC intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A... Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” e “B..., S.A.”.
Pedem a condenação da primeira R. a pagar-lhes:
a) € 70.000 a título de indemnização pela violação do direito à vida do sinistrado;
b) à primeira A.: € 30.000 para compensação dos danos morais sofridos aquando e por causa do acidente e € 73.834,80 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro de perda de alimentos;
c) ao segundo A.: € 20.000 para compensação dos danos morais sofridos aquando e por causa do acidente;
d) à terceira A.: € 20.000 para compensação dos danos morais sofridos aquando e por causa do acidente;
e) juros de mora legais vencidos sobre aquelas quantias ou as que vierem a ser fixadas, desde 26 de Abril de 2017 até efetivo e integral pagamento;
f) € 500 a título de indemnização pelo dano da perda total do veículo PG-..-...
Caso venha a entender-se que a responsabilidade pela repartição dos danos recai sobre a segunda R., pedem a sua condenação no pagamento das quantias peticionadas nas anteriores alíneas.
Caso recaia sobre a primeira e a segunda RR., pedem a condenação solidária de ambas na medida ou proporção da responsabilidade de cada uma, no pagamento das quantias peticionadas nas referidas alíneas.
Caso recaia sobre a primeira e a segunda RR., sem conseguir apurar-se a quota parte de responsabilidade de cada uma, pedem a condenação solidária de ambas no pagamento das quantias peticionadas nas mesmas alíneas.
Alegam que em 25 de Abril de 2017 DD, marido da primeira A. e pai dos restantes, conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula PG-..-.. na Estrada Nacional ..., no sentido ... - ..., que no mesmo sentido, circulavam os veículos ligeiros de matrícula ..-NR-.., tripulado por EE, com seguro na primeira R. e ..-IO-.., conduzido por FF, com seguro na segunda R. e que houve lugar a embate imputável aos aludidos condutores, em virtude do qual DD veio a falecer.
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As RR. contestaram, teve lugar saneamento do processo, julgaram-se verificados os pressupostos processuais e realizou-se julgamento, após o qual foi proferida sentença que:
- absolveu a R. “B..., S.A.” dos pedidos formulados;
- condenou a R. “A... Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” a pagar:
a) aos AA. AA, BB e CC € 70.000 a título de compensação pela perda do direito à vida do marido e pai;
b) aos AA. AA, BB e CC o que viesse a ser liquidado relativamente ao valor venal do veículo Renault modelo ..., matrícula PG-..-.. até ao limite máximo peticionado de € 500;
c) à A. AA € 30.000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais próprios;
d) a cada um dos AA. BB e CC a quantia de € 24.333,15 a título de compensação pelos danos não patrimoniais próprios;
e) juros à taxa legal de 4% sobre os montantes identificados em a), b) e c) desde a data da sentença até integral e efetivo cumprimento;
Bem assim, a sentença absolveu a R. “A... Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” do pedido de indemnização por dano patrimonial correspondente a perda de alimentos formulado pela A. AA.
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Inconformada, a R. “A... Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.” interpôs o presente recurso.
As suas conclusões são as que se seguem.
1. A douta decisão recorrida não poderá manter-se uma vez que a decisão nele inserta consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se, pois, como injusta.
2. A tarefa de determinação/fixação indemnizatória (rectius da compensação) devida por danos não patrimoniais, deverá sempre ser orientada segundo critérios de equidade.
3. Devido à sempre delicada e complicada tarefa de fixar quais os danos relevantes e qual a indemnização que lhes corresponderá, o legislador sentiu a necessidade de recorrer a um conjunto de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e que sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a decidir.
4. É neste contexto que surge a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio.
5. A mesma veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.
6. Constitui um instrumento legislativo de enorme utilidade para, juntamente com outros critérios, avaliar do quantum indemnizatório a ser atribuído em sede de indemnizações, quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais.
7. Para se proceder à determinação do montante da indemnização a estabelecer nos presentes autos, e por forma a uniformizar cada vez mais as decisões dos Tribunais nesta matéria, princípio que se retira do art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil, parece à Recorrente que as tabelas constantes da Portaria 377/08, de 26 de Maio, entretanto alteradas pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho - diplomas que fixam os “critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização conforme o artigo 1º, n.º 1 - deverão ser utilizadas como ponto de referência para os nossos cálculos.
8. Estamos perante uma posição clara tomada pelo legislador no sentido de uniformizar critérios, permitindo assim objectivar um pouco as margens onde deve intervir a equidade.
9. Tendo ainda em conta a necessidade de, em princípio, o Tribunal actualizar a quantia a fixar a título de indemnização pelos danos não patrimoniais tendo em conta a data da sentença, não deixa de ser relevante, como ponto de referência, as tabelas em causa.
10. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio tem a grande virtualidade de indicar o sentido da fixação da indemnização uma vez que ali estão estabelecidas as regras de cálculo para efeitos de determinação da indemnização devida ao lesado, no caso de este ficar afectado de incapacidade permanente, com repercussão na sua vida laboral.
11. Aquilo que é estabelecido na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio apresenta-se como justo e correcto - daí a opção clara do legislador.
12. O Tribunal a quo não procedeu à utilização destas tabelas ou sequer, à utilização das mesmas como auxiliar relevante para apuramento de danos patrimoniais e não patrimoniais, afastando, liminarmente, a utilização das mesmas.
13. Na verdade, por forma a uniformizar cada vez mais as decisões dos Tribunais nesta matéria, princípio que se retira do art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil, as tabelas constantes da Portaria n.º 377/08, de 26 de Maio, entretanto alteradas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho – diplomas que fixam os “critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização” conforme o art.º 1.º, n.º 1 – deverão ser utilizadas como ponto de referência para os cálculos a efectuar nos autos.
14. Estamos perante uma posição clara tomada pelo legislador no sentido de uniformizar critérios, permitindo assim objectivar um pouco as margens onde deve intervir a equidade.
15. Tendo ainda em conta a necessidade de, em princípio, o Tribunal actualizar a quantia a fixar a título de indemnização pelos danos não patrimoniais tendo em conta a data da sentença, não deixa de ser relevante, como ponto de referência, as tabelas em causa.
16. Para além destas tabelas são essenciais as decisões mais recentes tomadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) por forma a se alcançar aquele objectivo de aproximação das decisões tomadas perante casos semelhantes.
17. Tem sido esse o entendimento da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
18. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre os lesados e a entidade que deverá pagar, servirão como uma referência, como um valor tendencial a ter em conta.
19. A proposta razoável é, a par da prontidão de resposta, um dos deveres da empresa de seguros, em geral.
20. No que diz respeito ao dano morte o valor atribuído pelo Tribunal a quo – €70.000,00 – é desajustado em face daquelas que têm vindo a ser as mais recentes decisões neste sentido.
21. É fundamental levar em consideração as decisões mais recentes do STJ nesta matéria, por forma a se alcançar o tão desejado objectivo de aproximação das decisões tomadas perante casos semelhantes.
22. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (como,
por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, etc.).
23. Não devem confundir-se com os danos patrimoniais indirectos, isto é, aqueles danos morais que se repercutem no património do lesado, como o desgosto que se reflecte na capacidade de ganho diminuindo-a, pois esta constitui um bem redutível a uma soma pecuniária.
24. O chamado dano de cálculo não serve para aqui pelo que a lei lançou mão de uma forma genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º n.º 1 do Código Civil), gravidade que deve ser apreciada objectivamente.
25. Por outro lado, a lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (art. 496.º, n.º 3 do Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494.º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
26. O julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.
27. Hoje, não sofre dúvida a indemnização do dano não patrimonial, como claramente resulta do art.º 496.º do Código Civil.
28. Ponto essencial é que, pela sua gravidade, medida por padrões objectivos, tal dano mereça a tutela do direito.
29. Em caso de morte da vítima, há, normalmente, vários danos a ressarcir, tanto patrimoniais como não patrimoniais, e várias pessoas com direito a indemnização, como sucede no caso dos autos.
30. No tocante aos danos não patrimoniais – os que, aqui importa ter presentes – há que considerar os danos sofridos pelos Autores – art.º 496.º, n.º 3, in fine e
31. Considerando os parâmetros acabados de traçar e tendo presente a matéria de facto dada como provada, a Recorrente considera, como já salientou anteriormente, que a decisão do Tribunal a quo merece censura, quando fixou a indemnização pela supressão do direito à vida em €70.000,00!
32. Trata-se de um montante indemnizatório que não se inscreve nos padrões de cálculo mais recentes quer dos Tribunais da Relação quer deste Supremo Tribunal de Justiça.
33. São os próprios Tribunais superiores que apontam como valor razoável e justo, em caso de perda da vida, o valor de €60.000,00 (e, até, valores inferiores!).
34. Deste modo, deverá ser este o montante – €60.000,00 – atribuído aos Recorridos em virtude da supressão do direito à vida que os mesmos peticionaram nos autos uma vez que, de acordo com o disposto no art.º 494.º do Código Civil, este é o montante que se afigura como razoável e justo.
35. Também no que aos danos patrimoniais sofridos pelos Recorridos diz respeito, o valor de €30.000,00 atribuído à Autora AA e €24.333,15 a cada um dos filhos afigura-se como exagerado, isto se tivermos por base aquele que tem sido o padrão utilizado pelos Tribunais Superiores para casos similares e as concretas circunstâncias do caso concreto.
36. A Recorrente não nega que esta, como infelizmente muitas outras situações, envolve um grande drama familiar.
37. Este género de situações que não têm, muitas vezes, um relato fiel nos factos provados nos diferentes processos judiciais.
38. Tratam-se de sentimentos, dores, comoções que não encontram adjectivação possível.
39. Ao julgador cabe abstrair-se e decidir com base em critérios racionais e não emocionais.
40. Se assim não fosse qual o motivo pelo qual não atribuir um valor superior a €100.000,00 pelo direito à vida ou aos €50.000,00/60.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos herdeiros?
41. Trata-se, mais do que uma pura e simples indemnização, de uma compensação pelos danos sofridos pelos progenitores.
42. Ora, tendo em conta aquelas que têm sido as decisões dos Tribunais Superiores quer em situações idênticas quer na atribuição de valores indemnizatórios noutro tipo de danos não patrimoniais, entende a Recorrente que deverá ser atribuído aos Autores, a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte do infeliz sinistrado, a quantia de €10.000,00 para a Autora e de €15.000,00 para os filhos.
43. A propósito do valor atribuído à Autora AA importa salientar que, como resulta dos FACTOS PROVADOS nos presentes autos, o sinistrado e a Autora estavam separados de facto na data em que se verificou o sinistro dos autos, com o resulta das declarações de parte do BB e das declarações de testemunha GG.
44. Seria chocante e manifestamente injusto que a Autora, tendo em consideração esta realidade, fosse “beneficiada” comparativamente com os seus filhos;
45. A propósito dos danos não patrimoniais próprios dos filhos do sinistrado importa salientar que os próprios apenas peticionam a quantia de €20.000,00 por cada um!
46. O Tribunal a quo, considerando que tal pedido pecou por escasso, decidiu arbitrar a quantia de €24.333,15.
47. Até por este prisma carece de fundamentação o valor agora encontrado pelo Tribunal a quo para atribuir esta indemnização aos filhos do sinistrado.
48. Acresce referir que sendo o valor de €20.000,00 peticionado pelos Autores filhos do sinistrado nos autos, o valor do pedido em sede de juros fica, de igual modo, sujeito ao pedido formulado por estes.
49. O valor dos juros apenas poderá, no máximo, ser calculado sobre o montante máximo peticionado pelos Autores (€20.000,00) e desde a data da prolação da sentença em primeira instância.
50. Atente-se no facto de que no que diz respeito aos danos não patrimoniais próprios da Autora AA, o Tribunal a quo utiliza esta metodologia referida pela Recorrente pelo que não se compreende a decisão no que diz respeito aos danos patrimoniais próprios dos filhos do infeliz sinistrado.
51. Assim, os juros deverão ser contabilizados desde a prolação da decisão e não desde a data indicada pelos Autores no petitório.
52. É este o entendimento unânime da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
53. Só assim se estará a respeitar o espírito subjacente ao art.º 494.º do Código Civil bem como a seguir-se o padrão que tem vindo a ser seguido pelos nossos Tribunais Superiores.
54. Termos em que a douta sentença do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art.ºs 494.º, 496.º, 563.º e 564.º do Código Civil.
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As questões trazidas à apreciação do tribunal são as seguintes:
- fixação do valor indemnizatório do dano morte do sinistrado;
- fixação do valor indemnizatório dos danos não patrimoniais de cada um dos AA. pela morte daquele e
- determinação do momento a partir do qual devem ser contabilizados os juros dos danos não patrimoniais dos AA. filhos do sinistrado.
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Fundamentação de facto
A sentença sob recurso considerou provados com interesse para a decisão os factos que se enunciam.
1. No dia 25 de Abril de 2017, pelas 7h15, circulavam na Estrada Nacional ..., no sentido norte - sul, em ..., freguesia ..., concelho da Maia, os veículos automóveis ligeiros:
a) de mercadorias da marca Renault ..., com a matrícula ..-IO-..;
b) de passageiros da marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-NR-..;
c) de passageiros da marca Renault modelo ..., com a matrícula PG-..-.. [resposta ao artigo 1º da petição inicial, 1º, 2º, 12º, 13º da contestação da primeira Ré].
2. No referido momento, o IO era conduzido por FF [resposta ao artigo 4º da petição inicial, 2º da contestação da primeira Ré].
3. O IO pertencia a C..., Ld.ª [resposta ao artigo 2º da contestação da primeira Ré].
4. O condutor do IO tripulava-o no seu horário de trabalho e em cumprimento de tarefas determinadas pela sociedade referida em 3) [resposta ao artigo 2º da contestação da primeira Ré].
5. No referido momento, o NR era conduzido por EE [resposta aos artigos 5º da petição inicial, 2º da contestação da primeira Ré].
6. No referido momento, o PG era conduzido por DD, a quem pertencia [resposta aos artigos 2º, 3º da petição inicial, 2º da contestação da primeira Ré].
7. Ao km 7,7 a EN ... apresenta dois sentidos de circulação, ... – ... e ... – ... [resposta ao artigo 3º da contestação da primeira Ré].
8. No sentido ... – ..., a via apresenta duas faixas, tendo 10,20 metros de largura total [resposta aos artigos 7º da petição inicial, 4º da contestação da primeira Ré].
9. O limite de velocidade é de 50 km/h [resposta aos artigos 10º da petição inicial, 8º da contestação da primeira Ré].
10. A via apresenta-se como uma reta com visibilidade superior a 200 metros nos dois sentidos de marcha [resposta aos artigos 7º da petição inicial, 7º da contestação da primeira Ré].
11. O pavimento da via era em asfalto e encontrava-se em regular estado de conservação [resposta ao artigo 10º da contestação da primeira Ré].
12. No momento era dia e fazia bom tempo [resposta aos artigos 8º da petição inicial, 2º da contestação da primeira Ré].
13. O NR circulava na faixa da esquerda referida em 8) [resposta ao artigo 14º da contestação da primeira Ré].
14. O IO circulava na faixa mais à direita referida em 8) [resposta ao artigo 15º da contestação da primeira Ré].
15. O PG circulava na faixa mais à esquerda referida em 8) à frente do NR [resposta aos artigos 13º da petição inicial, 16º da contestação da primeira Ré].
16. Ao km 7,7 da EN ..., a faixa da direita tem assinaladas no pavimento três setas direcionais para a esquerda, termina com o sinal B1, passando, mais à frente, a existir uma única faixa [resposta ao artigo 5º da contestação da primeira Ré].
17. A mais de 28 metros antes do surgimento da primeira das setas direcionais referidas em 16), o condutor do IO foi surpreendido por um toque de raspão da lateral direita do NR em toda a lateral esquerda daquele [resposta aos artigos 10º da petição inicial, 7º, 8º da contestação da segunda Ré].
18. No momento referido em 17), o NR passou a ocupar com a lateral direita parte da faixa da direita [resposta ao artigo 10º da petição inicial].
19. O IO circulava a velocidade inferior a 50 km/h [resposta ao artigo 6º da contestação da segunda Ré].
20. O NR circulava a velocidade superior a 90 km/h [resposta ao artigo 10º da contestação da segunda Ré].
21. Após raspar no IO, o NR foi embater com a lateral esquerda no rail de separação das faixas dos dois sentidos [resposta aos artigos 11º da petição inicial, 11º da contestação da segunda Ré].
22. Ato contínuo, o NR entrou em despiste, colidiu com a traseira do PG, que empurrou contra duas caixas com base em betão situadas na berma direita [resposta aos artigos 14º da petição inicial, 12º da contestação da segunda Ré].
23. Após, o NR capotou ficando com o tejadilho pousado no pavimento e as rodas viradas para cima [resposta aos artigos 12º da petição inicial, 13º da contestação da segunda Ré].
24. O NR ficou imobilizado a 34,60 metros do ponto referido em 21) [resposta ao artigo 15º da contestação da segunda Ré].
25. Com o impulso referido em 22), o PG imobilizou-se junto dos rails de proteção lateral situados na berma direita, com a traseira a 23,50 metros da lateral esquerda do NR [resposta aos artigos 15º da petição inicial, 16º da contestação da segunda Ré].
26. DD foi projetado para a berma ficando a 2,10 metros da traseira do PG [resposta ao artigo 16º da petição inicial].
27. Devido aos ferimentos, EE não realizou teste de alcoolímetro, mas, tendo sido transportado para o Hospital ... no Porto, foi-lhe colhido sangue pelas 10h20, a fim de ser submetido a análise toxicológica, que levou à deteção de uma TAS de 0,89 gramas/litro de sangue [respostas aos artigos 17º, 19º da contestação da segunda Ré].
28. O álcool ingerido por EE causou-lhe perda de reflexos, de capacidade de raciocínio e de concentração [resposta aos artigos 24º, 25º da contestação da segunda Ré].
29. Provocou-lhe diminuição do campo visual e alterações motoras, designadamente, na coordenação de movimentos, impedindo-o de manter o NR na via onde seguia [resposta aos artigos 21º, 26º da contestação da segunda Ré].
30. Deixou-o num estado de euforia e falta de perceção do perigo [resposta ao artigo 27º da contestação da segunda Ré].
31. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ... C..., Ld.ª transferiu para a Ré B..., S.A. a responsabilidade pelos danos provocados pela circulação do veículo matrícula ..-IO-.. [resposta aos artigos 97º da petição inicial, 3º da contestação da segunda Ré].
32. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ... HH transferiu para a Ré A... Companhia de Seguros, S.A. a responsabilidade pelos danos provocados pela circulação do veículo matrícula ..-NR-.. [resposta aos artigos 87º da petição inicial, 11º da contestação da primeira Ré].
33. Em consequência do acidente, o PG ficou destruído [resposta ao artigo 57º da petição inicial].
34. O PG é do ano de 1988 [resposta ao artigo 58º da petição inicial].
35. Devido ao estado referido em 33), o PG foi para abate [resposta ao artigo 61º da petição inicial].
36. Em consequência do acidente, DD sofreu lesões traumáticas meningo-encefálicas, torácicas e abdominais que causaram a sua morte [resposta ao artigo 19º da petição inicial].
37. Os resultados dos exames químicos e toxicológicos para pesquisa de álcool estupefacientes e substâncias medicamentosas no sangue de DD foram negativos [resposta ao artigo 21º da petição inicial].
38. Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Dr.ª II, sito na Rua ..., ..., Maia, a Autora AA, invocando a qualidade de cabeça de casal declarou que DD falecera no dia 25 de Abril de 2017, no estado de casado consigo, em primeiras núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe a esposa e os filhos BB e CC, sem preferência nem concorrência de outrem [resposta ao artigo 22º da petição inicial].
39. DD nasceu a .../.../1954 [resposta ao artigo 23º da petição inicial].
40. À data do falecimento, estava reformado, auferindo a pensão mensal de € 349,51 e o total anual de € 4.893,19 [resposta ao artigo 23º da petição inicial].
41. A Autora AA e DD casaram a 23 de Março de 1977 [resposta ao artigo 35º da petição inicial].
42. O casamento referido em 41) foi dissolvido com a morte do cônjuge marido [resposta ao artigo 35º da petição inicial].
44. Os Autores sofreram choque emocional com a notícia da morte de DD [resposta ao artigo 33º da petição inicial].
45. Os Autores sentem a falta de DD, sofreram desgosto e tristeza pela sua morte [resposta aos artigos 45º, 48º, 49º, 51º, 52º da petição inicial].
46. Os Autores evitam falar da morte de DD entre si [resposta ao artigo 53º da petição inicial].
43. Os Autores BB e CC nasceram, respetivamente, a .../.../1978 e .../.../1985 [resposta ao artigo 36º da petição inicial]”.
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Não se provaram os seguintes factos:
a) no local onde o PG foi embatido a via só tem uma faixa de trânsito no sentido norte – sul;
b) o condutor do IO seguia a uma velocidade de 30 km/h;
c) o NR foi embater, de frente, com as caixas elétricas referidas em 22);
d) o NR ficou imobilizado a mais de 63,80 metros do ponto onde foi embater no rail de proteção localizado no eixo da via;
e) o PG ficou a mais de 90 metros do local referido em d);
f) a faixa da esquerda media 6 metros e a da direita 4,10 metros;
g) o condutor do NR imprimia ao mesmo uma velocidade não superior a 50 km/h;
h) o JI [NR] circulava a cerca de 50 cm da linha delimitadora (traço descontínuo) que separava a faixa de rodagem por onde circulava da faixa de rodagem direita;
i) quando o condutor do NR se aprestava para ultrapassar o IO, o condutor deste invade a faixa de rodagem esquerda cerca de 50 cm;
j) o embate entre o NR e o IO deu-se na parte frontal esquerda (zona do espelho retrovisor esquerda e da porta lateral esquerda, zona do condutor) do segundo;
k) à data do acidente o valor venal do PG era de € 500;
l) DD era saudável;
m) a Autora AA e DD eram um casal feliz vivendo um casamento harmonioso;
n) DD era um pai e um avô que acompanhava a vida dos filhos e dos netos e procurava suprir as suas necessidades;
o) festejavam sempre juntos os seus aniversários e as épocas festivas, como Natal, Páscoa e outras festas religiosas;
p) formavam uma família muito unida, feliz, nutrindo grande amor e carinho uns pelos outros;
q) DD vivia com a Autora AA e também com o Autor BB e a neta, filha deste;
r) as pessoas referidas em q) faziam companhia diária uns aos outros, conviviam, confortavam-se, amparavam-se mutuamente, nos bons e nos maus momentos do dia a dia;
s) até à data da morte do marido, a Autora era uma mulher forte e saudável;
t) a Autora AA ficou privada da pessoa que amava e por quem era amada;
u) DD provia ao sustento da sua família;
v) em consequência da sua morte, DD deixou de prover o sustento da Autora AA;
w) a Autora tinha necessidade de receber de DD quantias para o seu sustento;
x) o condutor do IO não se assegurou, antes de mudar para a faixa de trânsito à sua esquerda, que o podia fazer em segurança;
y) o IO embateu contra a lateral esquerda do NR.
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Subsunção jurídica
Na sentença recorrida fixou-se o valor do dano morte de DD em € 70.000,00. A R. Seguradora considera que este valor é exagerado em face das circunstâncias do caso concreto e dos valores que vêm sendo jurisprudencialmente fixados.
O art.º 495.º/3 do Código Civil dispõe que têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Prevê o n.º 2 do art.º 496.º do C.C.: por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
E o n.º 3: O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
A recorrente não põe em crise que a supressão da vida de uma pessoa constitui um dano passível de indemnização, representando a vida uma vantagem, um bem, amplamente protegido pelo direito.
Discute-se, pois, e apenas, nesta parte, o montante indemnizatório fixado.
A R. inicia o seu périplo argumentativo chamando a atenção para a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que fixou critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal. Enfatizando que constitui um instrumento legislativo de enorme utilidade para avaliar do quantum indemnizatório a ser atribuído em sede de indemnizações, quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais, não obnubila que deverão ser atendidos outros critérios, como o da equidade e das orientações jurisprudenciais.
A verdade, porém, é que na portaria aludida estão apenas contempladas as situações em que a regularização do sinistro ocorre no âmbito extrajudicial, o que, como é bom de ver, não é o caso (neste sentido, veja-se o ac. do S.T.J. de 20-02-2020, proc. n.º 4926/17.4T8VIS.C1.S1, Maria da Graça Trigo, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa).
Escreve Laurinda Gemas (Revista Julgar n.º 8, 2009, nota de rodapé 57): a quase estagnação dos montantes indemnizatórios atribuídos a título de danos não patrimoniais não é fácil de ultrapassar, para ela contribuindo, por um lado, o baixo valor dos pedidos formulados (registando-se, por razões sociológicas, um certo “pudor em pedir dinheiro” para compensar uma dor que é irreparável, sendo frequentes as decisões judiciais que reconhecem a moderação do pedido); por outro lado, o não reconhecimento pelos tribunais da relevância da função punitiva da responsabilidade civil no âmbito dos acidentes de viação (uma vez que a condenação recai, em regra, sobre a seguradora) e também a necessidade de recurso comparativo às decisões proferidas em casos idênticos. Por isso, embora frequentemente invocada a necessidade de tendencial ampliação dos montantes indemnizatórios, essa subida não tem sido generalizada, por forma a acompanhar a subida do custo de vida e o mais amplo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais (vida, integridade física e saúde). A Portaria n.º 377/2008, ao invés de promover um salto quantitativo a este nível, cingiu-se a valores que, globalmente considerados, se afiguram moderados, podendo contribuir, se não for alvo de sucessivas actualizações, para agravar o problema.
Por outra parte, uma fonte legislativa como a portaria, atenta a hierarquia das fontes de direito, é insuscetível de se sobrepor ao critério legal fixado no Código Civil. As portarias integram o conceito de ato regulamentar do governo e visam pormenorizar e complementar as leis, no intuito de viabilizar a sua aplicação ou execução (art.º 112.º/1/2/6 da Constituição da República Portuguesa).
Inexistindo, assim, uma tabela a aplicar pelos tribunais que fixe, quer o montante correspondente à perda da vida, quer os quantitativos adequados a indemnizar danos de natureza não patrimonial, a fim de tornar as indemnizações tão equilibradas quanto possível, e com vista a introduzir segurança no sistema, há que proceder a uma análise comparativa (leia-se no ac. da Relação do Porto de 24-2-2022 - proc. 2374/20.8T8PNF.P1, Judite Pires: a determinação da compensação pecuniária devida pelo dano morte e correspondente lesão do direito à vida deve fazer-se com recurso à equidade, ponderando critérios de uniformidade na jurisprudência para situações similares, sem descurar, todavia, a especificidade do caso concreto.
Tomemos em atenção que a vida é um bem para o próprio, mas também, dada a natureza intrinsecamente social do homem, um bem para todos os elementos da comunidade, principalmente para os que lhe são mais próximos, normalmente os pais, o cônjuge, os filhos.
Nessa dimensão social o bem vida é também tutelado.
No que diz respeito ao dano perda do direito à vida pela vítima e para efeitos de cálculo em concreto da indemnização, discute-se se haverá que atender a critérios tais como a idade, a saúde, o valor da vítima em termos de vida social e familiar.
Procederemos a um breve excurso do que de mais substancial tem vindo a ser a evolução jurisprudencial neste capítulo.
No ac. da Relação de Lisboa, de 18-6-2009 (proc. 337/2007-8, Bruto da Costa) expendeu-se que na violação do direito à vida estão em causa danos não patrimoniais que são relativamente pouco influenciados pela idade da vítima e que sendo mais chocante ver um jovem de 20 ou 30 anos morrer, a sua morte e principalmente o valor do bem supremo que lhe foi subtraído (a vida) é basicamente o mesmo do que o de uma pessoa idosa. Conclui que se deve levar em conta o critério dominante para a fixação da indemnização para qualquer idade, admitindo-se uma maior severidade desse critério nos casos em que a vítima é ainda jovem, mas não parecendo admissível a mitigação ou desvalorização da indemnização apenas porque a vítima é uma pessoa idosa.
No ac. do S.T.J. de 14-7-2009 (proc. 1541/06.1TBSTS.S1, Sebastião Póvoas) defendeu-se que tendo a vida um valor absoluto, o seu valor para efeitos indemnizatórios não depende da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde da vítima.
A corrente que se foi, porém, firmando foi no sentido que entender que pese embora o facto de a vida ser um direito absoluto, tal não dever ser impeditivo de, em concreto e por razões de equidade, serem ponderados factores como a idade, a condição sócio-cultural ou o estado de saúde da vítima, na determinação do montante da indemnização (Dário Martins de Almeida, in Manual de acidentes de viação, Almedina, 1980, p. 186).
No ac. do S.T.J. de 3-11-2016 (proc. 492/10.0TBBAO.P1.S1, António Joaquim Piçarra), citando extensa jurisprudência, constata-se que a reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos até €100.000,00. Neste acórdão, para um homem de 52 anos, fixou-se uma indemnização de € 60.000,00.
No ac. do S.T.J. de 02-02-2017 (proc. 658/07.0TBBRR.L2.S1, Abrantes Geraldes, in O dano morte na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - Sumários de Acórdãos de 2016 a dezembro de 2021, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/03/danomorte.pdf), tendo o sinistrado 78 anos, considerou-se que tinha já esgotada a esperança de vida, entendendo-se como equilibrada in casu a fixação da indemnização de € 40.000 aos autores a título de direito à vida da vítima.
No ac. do S.T.J. de 01-06-2017 (proc. 1112/15.1T8VCT.G1.S1, Lopes do Rego, nos mesmos Sumários de Acórdãos) lê-se: I- O fundamento e o objectivo da indemnização pela perda do direito à vida não é o mesmo que preside à indemnização por danos não patrimoniais de que beneficia o próprio lesado. II - Embora seja exacto que o direito à vida é o mais valioso de todos os direitos, os valores indemnizatórios que os tribunais vêm atribuindo por morte – que, na maioria dos casos, oscilam entre os € 50.000 e os € 80.000 – não são limitativos das indemnizações fixadas por danos não patrimoniais, nomeadamente, em casos em que os lesados sobreviveram com lesões de extrema gravidade e fortemente incapacitantes. II - O recurso à equidade para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais nos termos do art. 496.º, n.os 1 e 3, do CC, não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
No ac. do S.T.J. de 08-06-2017 (proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S2, Maria dos Prazeres Beleza, nos mesmos Sumários de Acórdãos) consta: em sede de indemnização por danos não patrimoniais, o critério à adotar, à luz do disposto no art. 494.º ex vi do art. 496.º, n.º 4, do CC, é o da compensação do lesado em termos de lhe proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, relevando ainda como sanção à conduta culposa do agente na produção do dano.
No ac. do S.T.J. de 08-06-2017 (proc. n.º 1524/10.7TBOAZ.P1.S1, Tomé Gomes, nos mesmos Sumários de Acórdãos) sumariou-se: I - O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualística, generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
No ac. do S.T.J. de 28-09-2017 (proc. 1181/05.2TBFND.C2.S1, Távora Victor, nos mesmos Sumários de Acórdãos) enuncia-se: considerando a idade da vítima, à data do acidente (32 anos), bem como o sentido da jurisprudência do STJ em casos análogos, entende-se adequado o montante de € 70.000 a título de indemnização pela perda da vida.
No ac. do S.T.J. de 05-06-2018 (proc. 370/12.8TBOFR.C1.S2, Salreta Pereira, nos mesmos Sumários de Acórdãos) : a reparação do dano da morte, na jurisprudência do STJ, situa-se, em regra entre € 50.000 e € 80.000 ou, em alguns arestos mais recentes, € 100.000. Tendo a vítima, à data da morte, 78 anos de idade, mas gozava de boa saúde e grande vitalidade, garantindo, com autonomia, o desenvolvimento de múltiplas atividades económicas, não se considera excessivo o montante de € 60.000, arbitrado para reparação do dano de morte.
E ainda:
- no ac. do S.T.J. de 06-12-2018 (proc. 1685/15.9T8CBR.C1.S1, Hélder Almeida, nos mesmos Sumários de Acórdãos): na fixação da indemnização decorrente da perda do direito à vida pesam as circunstâncias de cada caso, sendo que, no caso de uma vítima de 61 anos de idade, estimada e inserida no meio em que vivia e susceptível de ganhar o seu sustento, mostra-se adequado fixar a indemnização a título do dano morte no montante de € 60.000,00;
- no ac. S.T.J. de 11-04-2019 (proc. 465/11.5TBAMR.G1.S1, Oliveira Abreu nos mesmos Sumários de Acórdãos): provando-se que a vítima, à data da morte, tinha 72 anos, era uma pessoa activa, gozava de boa saúde, era sociável e alegre, dedicava-se a uma agricultura para consumo familiar, sendo estimado e considerado no meio onde vivia, fazendo parte de uma tuna, e era bom marido, pai e avô, deverá ser fixado em € 70.000,00 o montante (anteriormente fixado em € 60.000,00) pela perda do direito à vida;
- no ac. S.T.J. de 19-05-2020 (proc. 572/09.4TBVLN.G1.S1, Maria Olinda Garcia nos mesmos Sumários de Acórdãos): em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que o falecido marido da autora tinha 53 anos e se dedicava à sua atividade profissional, quando foi vitimado por um acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na ré, à luz dos parâmetros mais recente da jurisprudência do STJ, tem-se por razoável arbitrar a quantia de € 80.000,00;
- no ac. S.T.J. de 11-02-2021 (proc. 625/18.8T8AGH.L1.S1, Abrantes Geraldes, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima de 53 anos, atribuiu-se uma indemnização de € 80.000,00;
- no ac. do S.T.J. de 03-03-2021 (proc. 3710/18.2T8FAR.E1.S1, Maria do Rosário Morgado, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima 45 anos, atribuiu-se uma indemnização no valor de € 80.000,00;
- no ac. do S.T.J. de 17-12-2020 (proc. 5306/16.4T8GMR.G2.S1, Jorge Dias, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima 7 anos de idade, fixou-se uma indemnização de € 100.000,00;
Atente-se em que fixada indemnização com base na equidade, o tribunal de recurso só deve intervir quando os montantes fixados estejam em dissonância com aqueles que vêm sendo jurisprudencialmente fixados. O tribunal de primeira instância beneficia de uma imediação, de uma proximidade do caso concreto, que se perde por via de recurso.
Na situação que ora nos ocupa, levando em linha de conta o facto de à data do óbito se tratar de um homem de 61 anos, reformado, cuja perda e ausência foi sentida pela mulher e pelos filhos, o valor adotado está em linha com as indemnizações que vêm sendo atribuídas. O decurso dos anos - o acidente data 2017 - e o acentuado o fenómeno inflacionista em curso menos devem fazer propender para a diminuição de valor propugnada pela recorrente.
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Do direito a indemnização dos AA. por danos de natureza não patrimonial.
Estando também configurado o direito à indemnização pelo desgosto e abalo sofridos pelos recorridos pela perda do marido da 1.ª A. e pai dos demais AA. por força dessa perda (art.º 496.º/3, 2.ª parte) cabe, dentro do limite estabelecido pelo pedido (art.º 609.º/1 do C.P.C.), proceder ao cálculo do montante indemnizatório, sendo certo que no âmbito da indemnização por danos não patrimoniais assume fundamental relevo a equidade.
A reparação de um dano deve, em princípio, como já se disse, servir para reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562.º do C.C.).
A indemnização pode ser alcançada de duas formas: ou através da reconstituição natural, em espécie ou específica, ou mediante uma compensação monetária, em dinheiro.
O nosso Código Civil, como se viu, consigna o princípio geral da indemnização em espécie.
Esta reconstituição, obviamente, é impossível quanto aos danos não patrimoniais em geral e no tocante ao dano morte em particular.
Trata-se, por isso, de impor ao ofensor uma sanção em benefício do ofendido, sanção, que, pela própria natureza das coisas, só poderá consistir em facultar a este um substituto pecuniário.
É que, fora das hipóteses em que a infração cometida tivesse carácter criminal ou disciplinar e não existindo danos patrimoniais, o infrator escaparia a toda e qualquer sanção, sem embargo da lesão causada na esfera pessoal de outros, o que só é aceitável para quem tenha uma visão inteiramente não punitiva da responsabilidade civil.
Por outra parte, entende-se que determinadas satisfações de ordem material, intelectual ou espiritual, proporcionadas por um maior bem-estar económico poderão, de algum modo, ainda que imperfeitamente, minorar o dano não patrimonial sofrido.
Dispõe o art.º 496.º/1 do C.C. que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela de direito. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (art.º 496º, nº 1 do Código Civil).
E o n.º 3 deste mesmo art.º que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º.
O art.º 494.º para o qual este último remete estabelece que quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
No art.º 496.º apela-se a um conceito normativo de dano (normativer Schadensbegriff). O dano não é qualquer prejuízo sentido ou afirmado por alguém como tal. Apesar de a ordem jurídica o não definir em geral, ele deve justificar-se por aplicação de critérios normativos, alicerçar-se numa ponderação da ordem jurídica. Para o Direito releva aquele dano que outrem deva suportar segundo valorações jurídicas; as normas que fundamentam a responsabilidade podem restringi-la em relação a certos tipos de danos, e afirmá-la com respeito a outros (Frada, Manuel Carneiro da, Direito Civil Responsabilidade Civil O Método do Caso, Almedina, 2006, pp. 89-90).
A compensação por danos não patrimoniais, para responder atualizadamente ao comando do art.º 496.º do C.C. e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Não está em causa uma verdadeira indemnização, mas apenas encontrar o montante adequado de uma compensação por danos não patrimoniais, de acordo com o disposto nos arts. 494.º e 496.º do C.C..
À semelhança do que ocorre quanto à fixação de um montante indemnizatório para o dano morte, torna-se forçoso encontrar um quantitativo dentro dos padrões jurisprudenciais em vigor, que possa, porventura, servir para suportar o custo de lenitivos do sofrimento.
Antes de mais, sempre se repetirá que os danos não patrimoniais em questão são obviamente de molde a merecer a tutela do direito. Está em causa não só o sofrimento experimentado no momento pela mulher e pelos filhos de DD, ao aperceberem-se da sua perda e do modo brutal como morreu, mas a perda e a privação que irremediavelmente se seguiram e que continuarão na sua vida futura.
Tendo em conta aquelas que têm sido as decisões jurisprudenciais, entende a recorrente que deverá ser atribuído aos AA., a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte do sinistrado, a quantia de €10.000,00 para a A. e de € 15.000,00 para os filhos.
Salienta que a A. AA e o cônjuge estavam separados de facto e que os AA. BB e CC pediram € 20.000,00 cada um, tendo o tribunal recorrido arbitrado indevidamente a quantia de € 24.333,15, já que o valor dos juros devidos apenas poderia ser calculado sobre o montante máximo peticionado pelos AA. desde a data da prolação da sentença em primeira instância.
Vejamos, antes de mais, alguns valores que vêm sido fixados pelos tribunais nesta sede.
No ac. da Relação de Évora de 3-12-2015 (proc. 5425/13.9TBSTB.E1, Elizabete Valente) fixou-se a indemnização devida ao cônjuge em € 12.500,00 e ao filho menor em € 25.000,00.
No ac. do S.T.J. de 27-09-2016 (proc. n.º 245/11.8T2AND.P1.S1, Helder Roque): confirmou-se a indemnização no montante de € 25.000 a cada uma das autoras, cônjuge e filha que viviam com o falecido, e de € 20.000 ao filho.
No ac. da Relação de Lisboa de 26-01-2017 (2922/14.2TBOER.L1-2, Jorge Leal) fixou-se a indemnização a favor do filho menor em € 25.000,00, que viu o seu pai, em consequência de sinistro que lhe causou grave lesão cranioencefálica, ficar em estado semivegetativo.
No ac. da Relação de Évora de 24-9-2020 (proc. 3710/18.2T8FAR.E1, Albertina Pedroso) fixou-se a indemnização em € 30.000,00 para o filho menor, tendo o pai € 33 anos de idade aquando do óbito.
No ac. da Relação do Porto de 24-2-2022 (proc. 2374/20.8T8PNF.P1, Judite Pires) fixou-se em € 25.000,00 a indemnização devida a cada um dos filhos.
Na situação concreta, cremos assistir razão à apelante ao chamar a atenção para a circunstância de DD e AA viverem separados. Dos factos não provados consta que não se demonstrou que vivessem juntos. Tal não significa que se tenha provado que não vivessem juntos. Ocorre, porém, que em sede de fundamentação consta explicitamente o seguinte: nas declarações de parte, o Autor BB falando sobre o relacionamento dos pais afirmou que “eram felizes à maneira deles” desenvolvendo que “tinham pequenas chatices” e que o pai costumava, desde há muitos anos, ir para casa da Mãe 1 ou 2 semanas “arejar a cabeça” e para lhe dar apoio mas regressava para estar com a família, o que é absolutamente contrário à informação que se extrai das declarações de rendimento da Autora AA, onde se encontra assumida uma separação de facto. E mais adiante: a ocultação da verdade relativamente ao relacionamento conjugal (separação de facto) (…).
Dispõe o art.º 5.º/1 do C.P.C. que compete às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Nos termos da alínea a) do n.º 2 do mesmo art.º, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa.
Os factos instrumentais são considerados pelo julgador independentemente da posição das partes sobre os mesmos, conforme decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, estando o seu relevo limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos (cf. ac. da Relação de Lisboa de 24-3-2022; 7960/14.2T8LSB-A.L1-2, Carlos Castelo Branco).
Temos, pois, que embora o vínculo do matrimónio se mantivesse, a ausência do dia-a-dia e a inobservância dos deveres de cooperação e assistência entre os membros do casal já se verificava. O casamento encontrava-se desprovido de vertentes fundamentais, o que deve conduzir a uma diminuição do valor a atribuir. Considera-se, desta forma, adequado fixar o montante indemnizatório devido à A. AA em € 10.000,00.
No tocante aos filhos, maiores de idade, tem-se como proporcionada e em consonância com os valores jurisprudenciais correntes a indemnização de € 20.000,00 pedida por estes AA..
E ao contrário do propugnado pela apelante inexiste objeção jurídica a que o valor indemnizatório seja fixado reportado à data indicada pelos AA., a saber, o dia subsequente ao do acidente, 26-4-2017. É certo que o sofrimento a indemnizar não se consubstanciou nesse dia, mas é também verdade que se trata de uma dor prolongada no tempo, que previsivelmente perdura.
O tribunal recorrido arbitrando a indemnização aos filhos à data de 26-4-2017, não adota procedimento idêntico no que se reporta à mulher do falecido. Nem por isso os valores indemnizatórios deixam de parecer adequados, não merecendo, por isso, censura.
É certo que o acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2022, de 9-5 dita que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.
O que se verifica, porém, é que o tribunal a quo não fixou a indemnização atualisticamente, antes remeteu para a data indicada pelos AA., o que, não sendo o procedimento mais comum, não lhe está vedado.
Em conclusão, a R. deverá ser condenada a pagar à A. AA € 10 000, 00 pela perda do direito à vida de DD, fixados atualisticamente à data desta decisão, sobre os quais incidem juros à taxa legal de 4% ao ano.
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Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso quanto aos danos de natureza não patrimonial da A. AA, reduzindo-se estes à quantia de € 10.000,00 fixados atualisticamente, a que acrescem juros de mora à taxa legal e improcedente no que se refere à fixação do dano pela supressão do direito à vida do sinistrado e aos danos de natureza não patrimonial dos AA..
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Custas por apelante e apelados na proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto 27/02/2023
Teresa Fonseca
Maria José Simões
Augusto de Carvalho