Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2750/14.5T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
TRANSPORTES PÚBLICOS
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RP201604072750/14.5T8MAI.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.241-250)
Área Temática: .
Sumário: I - No caso de transferência do local de trabalho do trabalhador por decisão unilateral do empregador, este é obrigado a compensar o acréscimo de despesas de transportes que o trabalhador passou a suportar por causa daquela transferência, devendo para o efeito considerar-se, apenas, aquelas que um bom pai de família razoavelmente faria nas circunstâncias e, existindo várias alternativas, todas elas compatíveis com a inexistência de prejuízo sério, a mais económica de entre elas, incluindo a proporcionada pelos transportes públicos.
II - O que releva para efeitos da quantificação da compensação a suportar pelo empregador que muda unilateralmente o local de trabalho do trabalhador, não é a distância percorrida entre a residência do trabalhador e o seu novo posto de trabalho e o custo a suportar por essa deslocação, mas sim a diferença entre aquela distância (e respectivo custo de deslocação) e a outra que o trabalhador já percorria para o seu originário posto de trabalho (e correspondente custo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 2750/14.5T8MAI.P1

Autor: B…
: C…, S.A.

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Jerónimo Joaquim Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa, com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja a ré condenada:
a) a pagar ao autor o acréscimo de despesas que este teve com a transferência do seu posto de trabalho de Estarreja para a Maia e com a viatura própria que passou a usar a partir de 4/8/2008 para efeitos das deslocações entre aqueles dois locais, no valor diário de € 30,96 e num total, até Novembro de 2014, de € 44.750,04, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) subsidiariamente, a pagar ao autor, pelo menos, o custo mínimo dos transportes públicos que ligam aquelas duas localidade, no montante mensal de € 125,30;
c) em qualquer caso, a pagar ao autor, para o futuro e enquanto se mantiverem as deslocações entre aquelas duas localidades, uma das duas verbas diária ou mensal referidas nas antecedentes alíneas a) ou b).
Alegou, em resumo, que sendo trabalhador da ré com o seu posto de trabalho sito em Estarreja, foi transferido em Março de 2007 para um outro posto de trabalho sito na Maia/…; em Agosto de 2008, a ré retirou-lhe a faculdade de utilizar uma viatura de serviço que até então lhe tinha disponibilizado para as deslocações entre a sua residência e o local de trabalho, por consequência do que passou a utilizar utilizar veículo próprio para realizar aquelas deslocações, pois não dispõe de transportes públicos que as assegurem em termos compatíveis com seu horário de trabalho; nessas deslocações percorre 430 quilómetros semanais, durante 11 meses em cada ano, devendo cada quilómetro ser remunerado à razão de € 0,36; o passe mensal para utilização de transportes públicos entre a sua residência e a Maia tem um custo mensal de € 125,30.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou, sustentando que “… deve o Tribunal:
a) Julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a R. de todos os pedidos formulado pelo A. na sua p.i., com as devidas consequências legais;
b) Caso assim não se entenda, e sem conceder, julgar a presente acção parcialmente improcedente, apenas sendo devida ao A. a diferença entre o valor do subsídio de transporte (€ 100,00) e o valor dos transportes públicos entre a sua residência e o Terminal de …, nos termos acima expostos;
c) E mesmo que assim não se entenda, igualmente sem conceder, deverá também a presente acção ser julgada parcialmente improcedente, sendo somente devida ao A. a diferença de quilómetros entre a distância anteriormente por si percorrida para o Terminal de Estarreja e aquela que agora é percorrida até ao Terminal de …, deduzido do valor do subsídio de transporte (€ 100,00), nos termos atrás vertidos.
Alegou, em resumo, que: na altura da transferência do posto de trabalho do autor foi-lhe dada a faculdade de fazer cessar o contrato de trabalho, no que não acordou; a cedência ao autor de uma viatura de serviço que o mesmo também usava nas deslocações entre a sua residência e o posto de trabalho apenas ocorreu por o autor ter aceitado executar tarefas adicionais às suas funções; tendo cessado tal execução deixou de se justificar a cedência de tal veículo que, por isso, também cessou; existem transportes públicos que ligam o local da residência do autor ao do seu novo posto de trabalho, de forma compatível como o seu horário de trabalho, devendo o autor utilizar esses transportes para efeitos das deslocações entre tais locais, por ser a solução mais económica de entre as possíveis para o efeito (€ 106,75 mensais em 2008; € 108,45 mensais em 2009 e 2010; € 111,60 mensais entre Janeiro e Julho de 2011 e € 119,20 mensais a partir de Agosto; € 124,65 mensais em 2012; € 125,35 mensais em 2013; € 125,45 mensais em 2014), não podendo a ré ser responsabilizada pelos custos das deslocações do autor em viatura própria; a ré apenas é responsável pela diferença entre os custos das deslocações em transporte público entre a residência do autor e o seu anterior posto de trabalho, por um lado, e entre a sua residência e o seu novo posto de trabalho, por outro lado (€ 23,80 mensais em 2008; € 25,50 mensais em 2009 e 2010; € 28,65 mensais entre Janeiro e Julho de 2011 e € 36, 25 mensais a partir de Agosto; € 41,70 mensais em 2012; € 42,40 mensais em 2013; € 42,50 mensais em 2014); no limite, a ré apenas pode ser responsabilizada pelos custos das deslocações em transporte público entre a residência do autor e o seu novo posto de trabalho; em qualquer caso, após a cessação da utilização do veículo de serviço por parte do autor, a ré tem vindo a pagar-lhe um acréscimo de € 100 mensais para o compensar de acréscimos de despesas de deslocação, quantia essa que deve ser deduzida à que, porventura, for considerada como devida ao autor.
Saneado o processo e dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância dos formalismos legais, logo após o que foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.
Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
1º.
A Recorrida desde o inicio da relação laboral com o Recorrente, em Janeiro de 2000, que lhe atribuía um veiculo para que este se deslocasse de casa para o emprego e vice-versa.
2º.
Com a transferência do local de trabalho de Estarreja para …, em Março de 2007, a Recorrida continuou a, até Agosto de 2008, atribuir-lhe o veículo para aquelas deslocações.
3º.
Por razões não concretizadas nem ligadas com a razão contratual inicial na atribuição do veículo automóvel, a Recorrida retirou-lho da finalidade inicialmente atribuída.
4º.
Passando o Recorrente a deslocar-se no seu transporte privado para o novo local de trabalho,
5º.
Sendo o acréscimo de despesas que passou a ter o inerente aos 86 Km diários que passou a fazer no seu automóvel, sendo este valor em que se deve condenar a Recorrida num total já liquidado de € 44 750,04.
6º.
Em alternativa, que só hipoteticamente se admite, o Recorrente em transportes públicos passa a despender mais de 4 horas diárias.
7º.
O valor dos passes sociais desde a residência do Recorrente e o seu local de trabalho em …, é de um total de € 125,45 mensais.
8º.
O Recorrente desde o início da sua relação laboral, em Janeiro de 2000, nunca gastou um cêntimo sequer nos transportes de sua casa para o seu local de trabalho e volta.
9º.
Com a retirada do veículo automóvel que o Recorrente usava, passa este a gastar € 125,45 mensais nos passes sociais a mais do que gastava.
10º.
Como a Recorrida lhe paga para transportes apenas € 100,00 mensais terá o Recorrente, pelo menos, direito à diferença de € 25,45 mensais.
11º.
Razões pelas quais se deve revogar a Douta Sentença por violação da Lei, mais concretamente do Artº. 194 do Código do Trabalho 2010, antigo Artº. 315 do Código do Trabalho 2003.
Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Exmo. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder (fls. 139 a 143).
Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se o autor deve ser compensado pelas despesas com as suas deslocações entre a sua residência e o seu posto de trabalho em …/Maia e, na afirmativa, se é titular sobre a ré de qualquer crédito que a mesma ainda não tenha satisfeito.
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III – Fundamentação

A) De facto

O tribunal recorrido deu como provados, sem discordância das partes, os factos seguidamente transcritos:
1. Autor e ré celebraram, entre si, um contrato de trabalho que teve o seu início em 01 de Janeiro de 2000.
2. Por esse contrato comprometeu-se o autor a prestar à ré, sob a sua vigilância, controle e instrução, as suas funções, pelo período de 35 horas semanais.
3. Em contrapartida a ré remunera o autor à razão de €631,00 (Seiscentos e trinta e um euros) ilíquidos mensais.
4. O autor foi contratado inicialmente e prestou as suas funções em Estarreja, até 1 de Março 2007, quando por determinação da ré, foi transferido para a Maia.
5. O autor residia em …, que distava do seu inicial local de trabalho cerca de 25 minutos e utilizava um carro da empresa facultado pela ré.
6. Para a Maia, até às instalações da ré por detrás do E…, demora pelo menos cerca de 2h00m em transportes públicos ou cerca de uma hora de automóvel,
7. O horário de trabalho do autor é de segunda-feira a sexta-feira das 9h00 às 18h00.
8. Em 4 de Agosto 2008 a ré retirou ao autor a faculdade de utilizar a viatura de casa para o emprego.
9. O autor desloca-se no seu carro particular para ir de sua casa ao emprego.
10. Após o autor ter deixado de utilizar o veículo da empresa nas suas deslocações, a ré passou a pagar-lhe a quantia de €85,00 como subsídio de transporte, que depois passou para €100,00 com efeitos retroactivos a Agosto de 2008.
11. Na data referida em 1. o autor foi contratado pela ré para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções de 2.º Contínuo (internamente denominado Estafeta/Courier).
12. Tendo o autor e a ré acordado que aquele exerceria a sua actividade nas instalações da R. sitas no … Estarreja.
13. A 1 de Março de 2007, e em virtude do encerramento das instalações da ré em Estarreja por motivos operacionais e de escassez de clientela, a ré transferiu o local de trabalho dos trabalhadores afectos a tais instalações (entre eles o autor) para as instalações localizadas na Rua … Maia (o denominado Terminal de …).
14. Posteriormente, por missiva datada de 22 de Fevereiro de 2012 (junta aos autos a fls. 10), a ré comunicou ao autor a mudança da morada do seu local de trabalho, tendo afirmado que:
“Na sequência do já verbalmente comunicado, cumpre-nos informar V. Exa. que por motivos de mudança da Operação de transporte por via área (TD) para o novo Terminal nas imediações do E… do Porto, a C… vem pela presente informar V. Exa. que, a partir de 27 de Fevereiro de 2012, passará a exercer as suas funções no novo estabelecimento Operacional da E… do Porto, sito em: E…, Lote 2 e 3 E…, Maia, Portugal, …..”
15. Aquando desta mudança da morada do seu local de trabalho, o autor veio alegar prejuízos pessoais, tendo nessa altura decorrido negociações entre a ré e o autor para pôr termo – por acordo – ao seu contrato de trabalho.
16. E tendo inclusivamente a ré., a 12 de Novembro de 2012, apresentado uma proposta de cessação por acordo do contrato de trabalho do autor, a qual este rejeitou.
17. Tendo avaliado as alternativas internas tendentes a minimizar o impacto associado às situações de natureza pessoal invocadas pelo autor na sequência da mudança de morada do seu local de trabalho, e por forma a tentar ir ao encontro do interesse do autor, a ré decidiu, com efeitos a 1 de Fevereiro de 2013, reintegrar o autor nas anteriores instalações em que prestou trabalho (entre Março de 2007 e Fevereiro de 2012), ou seja, no Terminal de …, sito na Rua… Maia.
18. Tendo o autor passado a desempenhar no Terminal de … as funções inerentes ao cargo/função de Terminal Operator, correspondentes à categoria profissional de Conferente de Armazém/1.º Contínuo, únicas existentes naquele local de trabalho compatíveis com a sua experiência e categoria profissional, em cumprimento do mesmo horário de trabalho que vinha cumprindo no anterior local.
19. Mantendo-se o autor, desde então, com a sua concordância, a desempenhar tais funções no Terminal de ….
20. A utilização de veículo da empresa que a ré chegou a facultar ao autor destinava-se a facilitar o exercício da prestação de trabalho do autor, encontrando-se associada ao desempenho de determinadas funções por parte do mesmo.
21. Ao abrigo de um esquema de incentivos em vigor à data na ré, no final do dia, alguns trabalhadores, entre eles o autor, ficavam nas instalações alguns minutos (cerca de 30 minutos) para ajudar nas tarefas de “sorting” do material, antes de o mesmo ser expedido do Terminal,
22. E, por vezes, ainda no caminho entre o Terminal e casa, o autor poderia ter que efectuar alguma entrega ou recolha especial – daí a necessidade de utilizar viatura de serviço.
23. Aquando da transferência de local de trabalho do autor, de Estarreja para …, foram apresentadas as seguintes opções àquele relativamente à viatura de serviço: (a) continuar a utilizar a viatura de serviço diariamente para …, devendo em contrapartida continuar a executar as mesmas tarefas adicionais, ou, (b) em alternativa à utilização da viatura de serviço, deixar de exercer as mencionadas tarefas adicionais, passando a ser-lhe atribuído um subsídio de transporte compatível.
24. Confrontado com estas alternativas, o autor escolheu continuar a utilizar a viatura de serviço, comprometendo-se a executar as referidas tarefas adicionais de “sorting” e “Labor Reporting Tool” - Relatório Laboral Informático diário da actividade operacional (cerca de 30 a 45 minutos diários).
25. Por ter a ré entendido que no final de Julho de 2008, o autor deixou de cumprir de forma adequada as referidas funções adicionais, e para uma melhor gestão de recursos, em Agosto de 2008 a ré decidiu retirar a utilização da viatura de serviço ao autor.
26. E disso deu conta ao próprio autor na missiva de 08/09/2008 (junta aos autos a fls. 24 e 25): “Sucede que V. Exa. efectivamente não tem vindo a desempenhar estas tarefas com a pontualidade acordada nem da forma adequada, obrigando a que as mesmas passassem a ser desempenhadas por outros Colegas.
Assim sendo, não é mais requerido que continue a realizar aquelas tarefas adicionais, ficando das mesmas doravante isento, razão pela qual não se justifica a manutenção da utilização da viatura nas condições previamente acordadas”.
27. Como também foi expressamente referido ao autor na mesma comunicação, “(…) para o exercício das suas funções normais de Courier/Estafeta, cumprindo o horário normal em vigor, a empresa decidiu atribuir-lhe um subsídio que cobre totalmente as despesas inerentes à deslocação de e para o local de trabalho, considerando cumpridas todas as obrigações legais vigentes neste domínio”,
28. Subsídio de transporte esse que, à data, a ré encontrou por referência ao valor típico do passe social de transportes públicos para interligar o local da residência do autor (então na Rua …) e o Terminal de … da ré.
29. Relativamente ao transporte ferroviário, entre a actual residência do autor, em …, e a estação de comboios de Espinho, sita na Avenida … distam cerca de 8 quilómetros
30. Percorrendo tal distância em viatura automóvel, o autor poderia poderia apanhar o comboio na estação de Espinho às 7:18h, que chega a Campanhã às 7:45h e, seguidamente, apanhar o metro em direcção à Póvoa às 8:02h, que chega a … às 8:30h.
31. Ou, em alternativa, apanhar o comboio na estação de Espinho às 7:44h, que chega a Campanhã às 8:11h e, seguidamente, apanhar o metro em direcção ao E…, que chega à estação de … às 8:51h.
32. Existe ainda, diariamente, um autocarro que parte de … (paragem “… - Igreja …”) às 7:15h e chega ao Porto (paragem “Porto-…”) às 8:15h.
33. Chegando à paragem “Porto-…”, o autor deve deslocar-se a pé até à estação de metro de …, que fica a uma distância de cerca de 300 metros.
34. Na estação de … o A. deverá apanhar o metro (Linha D) até à estação da …, onde deverá apanhar o metro que aí passa às 8:29h e seguir até à estação do E…, onde chegará às 8:56h.
35. No regresso a casa, o autor deverá efectuar o percurso inverso, deslocando-se de metro até à estação de …, e podendo apanhar o autocarro da empresa I… que sai às 18:50h da paragem “Porto-…” e chega à paragem “… - Igreja …” às 19:43h
36. O valor mensal dos transportes públicos entre a anterior residência do autor, em …, e o seu anterior local de trabalho, no Terminal de Estarreja é de € 82,95, que inclui os seguintes transportes:
- Transporte rodoviário de … até Espinho, através da empresa F…, Lda., com o preço mensal de € 38,10;
- Transporte ferroviário de Espinho até Estarreja, através da empresa CP – Comboios de Portugal, E.P.E., com o preço mensal de € 44,85 (passe 4 zonas – Espinho/Estarreja).
37. No que respeita ao custo dos transportes públicos entre a actual residência do autor em … e o local de trabalho para o qual foi transferido, no Terminal de …, foi a seguinte a evolução do custo do passe mensal da empresa I… para o percurso …-Porto:
- (até) 2010: € 69,50;
- 2011: € 72,65 (Janeiro) – € 74,60 (Agosto);
- 2012: € 77,65;
- 2013: € 78,35;
- 2014: € 78,35.
38. Por sua vez, foi a seguinte a evolução do custo do passe mensal do metro do Porto (passe ..):
- € 37,25 a partir de 31 de Julho 2008;
- € 37,25 a partir de Setembro de 2009;
- € 37,65 a partir de Julho 2010;
- € 38,95 a partir de Janeiro de 2011;
- € 44,60 a partir de Agosto de 2011;
- € 47,00 a partir de Fevereiro de 2012;
- € 47,10 a partir de Janeiro de 2014.
39. A ré é associada da G….
40. O autor é sindicalizado no H….”.
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B) De Direito

Questão única: saber se o autor deve ser compensado pelas despesas com as suas deslocações entre a sua residência e o seu posto de trabalho em …/Maia e, na afirmativa, se é titular sobre a ré de qualquer crédito que a mesma ainda não tenha satisfeito
Comece por referir-se que o que verdadeiramente está em causa no âmbito desta acção é a pretensão do autor no sentido de que a ré lhe pague determinadas quantias pecuniárias que considera serem-lhe devidas a título de compensação pelo acréscimo dos custos de deslocação que passou a suportar a partir de Agosto de 2008 em consequência do facto de a ré ter transferido, em Março de 2007, o posto de trabalho do autor de Estarreja para a Maia (terminal de …), associado ao facto de a ré ter retirado ao autor, em Agosto de 2008, uma viatura de serviço que lhe era facultado pela ré.
De notar, por outro lado, que não foi colocada à discussão do tribunal recorrido qualquer questão referente à licitude da decisão da ré privar o autor, a partir de Agosto de 2008, da utilização da viatura de serviço e/ou ao incumprimento, total ou parcial, do acordo entre o autor e a ré que estava subjacente à utilização pelo autor, em Agosto de 2008, da referida viatura, do mesmo modo que não se divisa a esse nível qualquer questão que seja de conhecimento oficioso.
Nada a apontar, pois, à legitimidade e licitude dessa decisão por parte da ré, sem prejuízo do dever deste tribunal ponderar e decidir sobre se essa decisão tem ou não relevo para efeitos de se determinar se a mesma implica, conjugadamente com a decisão de deslocalização do posto de trabalho do autor, uma qualquer obrigação da ré pagar ao autor determinadas quantias a título da supra aludida compensação.
Importa, assim, começar por determinar o regime legal aplicável, em Março de 2007, à decisão da ré de transferência do posto de trabalho do autor de Estarreja para a Maia (terminal de …).
Em 2007, aplicava-se à relação de trabalho entre o autor e a ré a Convenção Colectiva de Trabalho (CCT) celebrada entre a G…, e o SIMAMEVIP - Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, publicado no BTE, 1ª série, nº 1, de 8/1/2005, com as alterações publicadas no BTE, 1ª série, nº 10, de 15/3/2006, por força da Portaria de extensão nº 718/2006, de 17/7, que estendeu as condições de trabalho dessa CCT: i) às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade transitária de organização do transporte e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções; ii) às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade referida na alínea i) e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não representados pelas associações sindicais outorgantes.
Prescrevia a cláusula 16ª dessa CCT, o seguinte:
1 — O empregador só é autorizado a transferir o trabalhador para outro local de trabalho desde que se verifique uma das seguintes condições: a) Acordo escrito do trabalhador; b) Mudança total ou parcial da dependência onde presta serviço, sem prejuízo sério para o trabalhador.
2 — Caso não se verifique nenhuma das condições expressas no n.º 1, o trabalhador, querendo, pode rescindir imediatamente o contrato, tendo direito à indemnização prevista neste CCT.
3 — Nos casos de transferência que implique prejuízo para o trabalhador, o empregador custeará todas as despesas, devidamente comprovadas, feitas pelo trabalhador, bem como as do seu agregado familiar, aquando da transferência, que sejam resultantes desta.
4 — Para os efeitos consignados nesta cláusula, considera-se transferência a mudança de local de trabalho: a) Por um prazo de tempo superior a três meses; b) Para uma localidade diversa daquela onde se situa o estabelecimento onde o trabalhador presta serviço.”.
O assim estatuído manteve-se na CCT celebrada entre a G…, e o SIMAMEVIP - Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, publicada no BTE, 1ª série, nº 19, de 22/5/2009, com Portaria de Extensão publicada no BTE, 1ª série, n.º 38 de 15/10/2009.
Em 2007, prescrevia o art. 315º do CT/2003, o seguinte:
1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador.
2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço.
3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores.
4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.
5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.”.
Finalmente, prescreve o art. 194º do CT/2009, o seguinte:
1 – O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:
a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;
b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.
2 – As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3 – A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
4 – O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.
5 – No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366º[1].
6 – O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
7 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos nºs 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no nº 3.”.
Em face do estatuído na citada cláusula 16ª/1/b e no art. 315º/2 do CT/2003 e tendo em conta que a ordem de transferência do autor foi determinada pelo encerramento do estabelecimento onde desempenhava funções (pontos 12º e 13º dos factos dados como provados), nenhuma dúvida suscita a licitude da ordem da ré de transferência de local de trabalho do autor de Estarreja para ….
Por outro lado, nenhuma questão foi submetida à apreciação jurisdicional do tribunal recorrido e deste tribunal e que se relacionasse com eventual prejuízo sério que a deslocalização do posto de trabalho tivesse causado ao autor e que este pretendesse enquadrar juridicamente numa pretensão de resolução do contrato de trabalho.
Não obstante, face ao estatuído na cláusula 16ª/3 e no art. 315º/5 do CT/2003, ficou a ré constituída na obrigação de custear as despesas devidamente comprovadas suportadas pelo autor em resultado da transferência do seu posto de trabalho, designadamente as despesas do autor impostas pela transferência e decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação para o seu novo posto de trabalho.
Até 4 Agosto de 2008, o problema referente ao custeio efectivo, em dinheiro, dessas despesas relativas ao acréscimo de custos de deslocação não se colocou, pois, como resulta dos factos descritos nos pontos 8º, 21º a 24º dos factos dados como provados, as deslocações do autor para o seu novo posto de trabalho eram efectuadas em viatura de serviço disponibilizada e custeada pela ré.
Sucede que em 4/8/2008, a ré deixou de disponibilizar ao autor tal viatura de serviço, sendo a partir dessa data que efectivamente surge aquele problema.
Pretende o autor que a ré lhe pague, em dinheiro, os custos com a deslocação para o seu novo posto de trabalho em …, em viatura própria que passou a utilizar em substituição da viatura de serviço até então cedida pela ré.
Comece por dizer-se que tal como decidido pelo tribunal recorrido, também nós consideramos que não resulta dos factos provados que a ré alguma vez tenha assumido contratualmente a obrigação de custear as deslocações do autor, para o seu novo posto de trabalho ou para o anterior, em viatura particular, seja própria do autor, seja de serviço cedida pela ré.
Na verdade, o que a este respeito se provou foi, apenas, o seguinte: i) a utilização de veículo da empresa que a ré chegou a facultar ao autor destinava-se a facilitar o exercício da prestação de trabalho do autor, encontrando-se associada ao desempenho de determinadas funções por parte do mesmo (ponto 20º dos factos provados); ii) ao abrigo de um esquema de incentivos em vigor à data na ré, no final do dia, alguns trabalhadores, entre eles o autor, ficavam nas instalações alguns minutos (cerca de 30 minutos) para ajudar nas tarefas de “sorting” do material, antes de o mesmo ser expedido do Terminal (ponto 21º dos factos provados); iii) por vezes, ainda no caminho entre o Terminal e a sua casa, o autor poderia ter que efectuar alguma entrega ou recolha especial – daí a necessidade de utilizar viatura de serviço (ponto 22º dos factos provados); iv) aquando da transferência de local de trabalho do autor, de Estarreja para …, foram apresentadas as seguintes opções àquele relativamente à viatura de serviço: (a) continuar a utilizar a viatura de serviço diariamente para …, devendo em contrapartida continuar a executar as mesmas tarefas adicionais, ou, (b) em alternativa à utilização da viatura de serviço, deixar de exercer as mencionadas tarefas adicionais, passando a ser-lhe atribuído um subsídio de transporte compatível (ponto 23º dos factos provados); v) confrontado com estas alternativas, o autor escolheu continuar a utilizar a viatura de serviço, comprometendo-se a executar as referidas tarefas adicionais de “sorting” e “Labor Reporting Tool” - Relatório Laboral Informático diário da actividade operacional (ponto 24º dos factos provados).
De tudo flui, assim, que o autor e a ré acordaram em que esta cederia ao autor uma viatura de serviço para que este executasse determinadas funções relacionadas com o desempenho profissional, representando o desempenho efectivo das mesmas o sinalagma da disponibilização de viatura de serviço assumida pela ré.
Diga-se, a este respeito, que não acompanhamos o autor na afirmação contida nas alegações no sentido de que só em 2008 é que passou a existir uma associação entre o desempenho efectivo de determinadas funções e a utilização de viatura de serviço.
Em primeiro lugar porque tal afirmação é contrariada pela matéria descrita no ponto 20º e 22º/a dos factos provados, da qual flui que a associação entre a utilização de veículo cedido pela ré por parte do autor sempre esteve associada a um dado desempenho profissional por parte do autor, reportado à execução de tarefas que já se registava quando o autor trabalhava em Estarreja, sendo explícito o ponto 22º/a no sentido de que a continuidade da utilização da viatura de serviço para … era condicionada pela contrapartida de continuar a executar as mesmas tarefas adicionais que já eram executadas em Estarreja.
Em segundo lugar porque a expressão “Terminal” utilizada nos pontos 21º) e 22º) dos factos provados não tem de reportar-se, necessariamente e ao contrário do pretendido pelo autor, ao Terminal de … para onde o autor foi transferido em 2007, podendo perfeitamente admitir-se que o estabelecimento da ré em Estarreja também fosse um “Terminal”[2] do tipo dos referidos naqueles pontos, no qual e a partir do qual já desempenhava, mesmo antes da transferência de posto de trabalho, as tarefas adicionais como contrapartida do que lhe era cedido um veículo de serviço.
Por consequência, não pode deixar de considerar-se que esta obrigação de disponibilização de viatura de serviço e a sua subsistência estavam causalmente associadas ao mencionado desempenho de tarefas adicionais por parte do autor, implicando a cessação desse desempenho a extinção daquela obrigação.
E, como emerge dos factos provados, a partir de 4 de Agosto de 2008 o autor deixou de exercer as funções que representavam a contrapartida da disponibilização pela ré de uma viatura de serviço (pontos 8º e 25º dos factos provados), por consequência do que deixou de subsistir essa obrigação de disponibilização.
Importa então determinar, à face do regime jurídico vigente em 2007, que tipo de custos com que tipo de deslocações ficou a ré constituída na obrigação de suportar por causa da transferência do autor de posto de trabalho, obrigação essa cujo termo inicial deve fazer-se coincidir com a data de 4/8/2008, aquela a partir da qual a ré deixou de suportar em espécie os custos de deslocação do autor para ….
Comece por dizer-se que não fica na inteira disponibilidade do trabalhador a escolha do meio de transporte a utilizar para o seu novo posto de trabalho e, por inerência, a determinação dos custos acrescidos de deslocação a suportar pelo empregador.
Na verdade, como escreveram Júlio Gomes e Agostinho Guedes a propósito da deslocalização do posto de trabalho do trabalhador à face da legislação anterior ao CT/2003, a referência da lei (art. 24º/3 da LCT) às despesas “directamente impostas”[3] pela transferência encontrava-se intimamente associada ao que vulgarmente se designa “nexo de causalidade”, ou seja, as despesas “directamente impostas” pela transferência “…deverão considerar-se apenas aquelas que um bom pai de família razoavelmente faria nas circunstâncias e, existindo várias alternativas, todas elas compatíveis com a inexistência de prejuízo sério, a mais económica de entre elas.” - Algumas Considerações Sobre a Transferência do Trabalhador, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Junho, 1991, Ano XXXIII, n.os 1-2, pp. 122 e ss.
No mesmo sentido acabado de enunciar decidiram o STJ no seu acórdão de 14/12/2006, proferido no âmbito do processo 06S1826, disponível no sítio da DGSI, e o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 12/4/1999, proferido no processo 122/99, disponível em Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/1999.
Por seu turno, como escreveu Albino Mendes Baptista já a propósito do art. 315º do CT/2003, “Estão assim incluídas, agora mais claramente, nos casos em que não há mudança de residência, as despesas decorrentes do agravamento do custo de transportes quando o trabalhador prefira manter a sua antiga residência ou não consiga habitação tão próxima do local de trabalho como a anterior.
(…)
A expressão «directamente impostas» (que existia na legislação pré-codicista de 2003) não foi substituída por qualquer expressão que pudesse significar custeamento de todos os encargos.” – A mobilidade geográfica dos trabalhadores à luz do Novo Código do Trabalho, in Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, pp. 98 e 99.
Ou seja, apesar do artigo 315º do CT/2003 e do art. 194º do CT/2009 terem tornado inequívoco, designadamente pela eliminação de referência a despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência, que o empregador também é responsável pelo pagamento de despesas indirectas ocasionadas com a mudança do local de trabalho, designadamente as despesas de deslocação, não pode deixar de considerar-se tal responsabilidade não é ilimitada, não abrangendo, por exemplo, os elementos difusos: por exemplo, o agravamento do custo de vida no novo local de trabalho – Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, 2010, p. 497, em anotação ao artigo 194.º do CT/2009.
Por seu turno, este Tribunal da Relação já decidiu, em plena vigência do CT/2003, que “…as despesas a pagar deverão ser aquelas que um bom pai de família realizaria e, dentro de um princípio de justo equilíbrio das prestações a que as partes se vincularam e de um critério de razoabilidade, pelo que, não estando provada a impraticabilidade do uso dos transportes públicos, o empregador deve compensar o trabalhador através do pagamento das despesas que ele está obrigado a fazer com a utilização desses transportes e que anteriormente não tinha que fazer.” – acórdão de 9/7/2014, proferido no processo 2126/10.3TTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, dos factos descritos como provados nos pontos 29º a 35º da matéria de facto provada, resulta que o autor pode deslocar-se em transportes públicos, da sua residência e até ao posto de trabalho para onde foi transferido, em termos compatíveis com o seu horário de trabalho.
Por outro lado, o tempo de deslocação superior entre aqueles dois pontos com utilização de transportes públicos, no confronto daquele que se regista com utilização de viatura particular, é factor que não pode ser ponderado para os efeitos de determinação do valor a pagar ao trabalhador pelo empregador a título de acréscimo de despesas de deslocação, pois que: i) esse tempo de deslocação superior não pode ser contabilizado como tempo de trabalho e apenas poderá ser ponderado para efeitos de eventual integração do prejuízo sério que o trabalhador invoque como fundamento de resolução contratual[4]; ii) a compensação por acréscimo de despesas por deslocação deve determinar-se em função do aumento das despesas com os custos da deslocação em face dos quilómetros que o trabalhador fizer a mais em consequência da transferência do seu local de trabalho[5], destinando-se essa compensação, também, a ressarcir o trabalhador da penosidade da viagem, pelo sacrifício do tempo livre que perdeu devido ao acréscimo gasto no trajecto[6], que, assim, não são passíveis de autónoma ponderação para efeitos da quantificação daquela compensação.
Face ao exposto, não pode deixar de soçobrar, tal como decidido pelo tribunal recorrido, a pretensão do autor no sentido de que a ré lhe pague as despesas com a utilização de viatura própria entre a sua residência e o seu novo local de trabalho.
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Importa agora apurar, subsidiariamente, se, como sustenta o autor, este tem direito, pelo menos, a ser compensado pela totalidade do custo a suportar pelo mesmo nas deslocações em transporte público entre a sua residência e o seu novo local de trabalho, ou se, pelo contrário, tem apenas direito a ser compensado pela diferença entre esse custo e aquele que com utilização dos mesmos meios suportaria para se deslocar da sua residência para o seu anterior local de trabalho, tal como sustentam o tribunal recorrido e a recorrida.
A divergência de que acabámos de dar conta resulta, apenas, do facto do autor considerar, ao contrário do sustentado na sentença recorrida e pela recorrida, que não devem ser contabilizados quaisquer custos de deslocação entre a sua residência e o seu anterior posto de trabalho (Estarreja), pois que no âmbito dessas deslocações sempre utilizou a viatura de serviço disponibilizada pela ré, a qual lhe viria a ser retirada em Agosto de 2008, quando já tinha sido transferido de Estarreja para …, em resultado do que passou a ter de suportar, pelo menos, a totalidade dos custos de transporte público entre … e a sua residência, quando nada suportava nas deslocações a partir da sua residência para Estarreja.
Afigura-se-nos que decidiu acertadamente a decisão recorrida, com aplauso da recorrida.
Com efeito, importa a este respeito não perder de vista uma distinção que deve fazer-se entre o custo do transporte entre a residência do trabalhador e o seu local de trabalho, por um lado, e as despesas impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos da deslocalização do posto de trabalho do autor, por outro lado.
Quanto ao primeiro, não se conhece dispositivo legal ou convencional, nem usos, que imponham ao empregador o seu custeio, apesar do que o empregador o pode assumir discricionariamente e com carácter de liberalidade.
Quanto às segundas, por força do art. 315º/3 do CT/2003 e do art. 194º/4 do CT/2009, o empregador terá que suportar o acréscimo dos custos de deslocação apenas nos casos em que o valor mais reduzido dos custos de deslocação para o novo posto de trabalho (incluindo em transportes públicos, se for essa a solução mais económica) é superior ao dos custos mínimos de deslocação para o anterior local de trabalho, medindo-se a medida da responsabilidade do empregador, justamente, por essa diferença.
Na verdade, como decorre do acórdão do STJ proferido no processo 34/13.5TTCLD.C1.S1 e acima citado, confirmando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nesses mesmo processo em 6/2/2015, do qual se desconhece publicação, o que releva para os efeitos em apreço e para a quantificação da compensação a suportar pela empregadora que muda unilateralmente o local de trabalho do trabalhador, não é a distância percorrida entre a residência do trabalhador e o seu novo posto de trabalho e o custo a suportar por essa deslocação, mas sim a diferença entre aquela distância (e respectivo custo de deslocação) e a outra que o trabalhador já percorria para o seu originário posto de trabalho (e correspondente custo).
Como assim, apenas relevam para os efeitos em análise a diferença entre as deslocações (e respectivos custos mínimos) da residência do autor até Estarreja, por um lado, e até …, por outro lado.
Nesse enquadramento, tendo em conta o subsídio de deslocação pago pela ré ao autor a partir do momento em que o privou da viatura de serviço (€ 100 – ponto 10º dos factos provados) e as diferenças entre aquelas deslocações e respectivos custos (€ 23,80 em 2008; € 25,50 em 2009; € 25,50 em 2010; € 28,65 entre Janeiro e Julho de 2011; € 36,25 entre Agosto e Dezembro de 2011; € 41,70 em 2012; € 42,40 em 2013; € 42,50 em 2014 – pontos 36º a 38º dos factos provados), evidente é a conclusão no sentido de que o autor está completamente ressarcido do acréscimo de despesas motivadas pelas suas deslocações para o seu novo posto de trabalho.
Considera o recorrente, todavia, que até à sua deslocalização nunca suportou quaisquer despesas com as suas deslocações para o seu posto de trabalho em Estarreja, pois que nessas deslocações utilizava a viatura de serviço cedida pela ré; por isso, os custos mínimos das deslocações (em transporte público) entre a sua residência e Estarreja não deviam ser contabilizados para os efeitos em análise, tudo se passando, assim, como se o acréscimo de custos das deslocações para … correspondesse à totalidade dos custos mínimos de deslocação para essa localidade.
Sem razão, a nosso ver.
Com efeito, tal entendimento equivaleria, na prática, a impor à ré uma obrigação que pagar as despesas de deslocação entre a residência do autor e o seu posto de trabalho, o que, como visto, não tem cobertura legal, convencional ou usuária, dado que o empregador apenas está obrigado a suportar o acréscimo dos custos de deslocação para o seu novo posto de trabalho.
Por outro lado, deve aqui recordar-se o já supra sublinhado a propósito do fundamento da utilização pelo autor da viatura de serviço cedido pela ré, a saber: i) não resulta dos factos provados que a ré alguma vez tenha assumido contratualmente a obrigação de custear as deslocações do autor para o seu posto de trabalho em Estarreja; ii) o autor e a ré acordaram em que esta cederia ao autor uma viatura de serviço para que este executasse determinadas funções relacionadas com o desempenho profissional, representando o desempenho efectivo das mesmas o sinalagma da disponibilização de viatura de serviço assumida pela ré; iii) a obrigação de disponibilização de viatura de serviço e a sua subsistência estavam causalmente associadas aquele desempenho de tarefas por parte do autor, implicando a cessação desse desempenho a extinção daquela obrigação.
Assim sendo, não pode deixar de concluir-se que a utilização que o autor fizesse da viatura de serviço nas deslocações entre a sua residência e Estarreja decorria, de forma meramente acessória, da mera discricionariedade, tolerância e gratuitidade da ré em tolerar tal utilização particular se e enquanto se mantivesse a execução de funções relacionadas com o desempenho profissional, representando o desempenho efectivo das funções o real sinalagma da disponibilização da viatura; cessado tal desempenho, cessava sinalagmaticamente a utilização da viatura para fins profissionais e, por via disso, de forma automática e consequencial, para as deslocações entre a residência do trabalhador e Estarreja, cessando igualmente o direito do autor a ver contabilizado na sua esfera jurídica o direito ao benefício económico para si decorrente da utilização da viatura de serviço nas deslocações para e do seu local de trabalho.
Logo, se o autor não suportava quaisquer despesas nas suas deslocações de e para o serviço, tal não ficava a dever-se a qualquer obrigação assumida pela ré no sentido de custear aquelas deslocações e de um autónomo e correspondente direito do autor ao benefício económico decorrente da utilização da viatura de serviço naquelas deslocações, mas tão só ao efectivo desempenho da sua parte de um conjunto de funções adicionais, em rigorosa contrapartida do que a ré disponibilizava o veículo de serviço e sem a qual tal disponibilização não se registaria.
Por tudo isso, não tem o autor direito a que não seja contabilizado, para efeitos da eventual compensação a atribuir-lhe por acréscimo de despesas decorrentes da sua deslocalização para …, o custo mínimo que deveria ser suportado, não fora aquela cedência pela ré de viatura de serviço, por deslocações em transportes públicos entre a sua residência e o seu anterior local de trabalho.
Ao não se entender assim, daí resultaria para o autor, na concreta situação em apreço, um benefício injustificado[7], a saber: desoneração da obrigação de execução das funções adicionais que constituía o sinalagma do direito à utilização da viatura de serviço, que igualmente cessava como mera decorrência da cessação da execução dessas funções adicionais, com rigorosa observância a esse nível do princípio da equivalência das prestações a que as partes se obrigaram e nos exactos termos por elas definidos, continuando a contabilizar-se na esfera jurídica do autor, apesar disso, o direito a um dado valor económico correspondente às vantagens de utilização da viatura de serviço para fins pessoais, sem sujeição do autor a qualquer obrigação de contraprestação e sem qualquer outro fundamento factual gerador para a ré de qualquer obrigação de continuar a suportar a cedência de utilização de veículo em que anteriormente aquiescera.
Soçobra, igualmente, a pretensão do autor a receber da ré qualquer compensação por qualquer acréscimo de custos com deslocações decorrente da sua transferência de local de trabalho.
*
IV- DECISÃO

Acordam os juízes desta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo autor, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Porto, 7/4/2016
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
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[1] Redacção dada pela Lei 23/2012, de 25 de junho.
[2] A identificação do estabelecimento da ré em Estarreja como sendo um Terminal é, de resto, feita no ponto 36º dos factos dados como provados.
[3] Para uma elucidação sobre os termos divergentes com que era interpretada esta expressão e, por consequência, delimitado o âmbito de responsabilidade do empregador, podem consultar-se, para além do texto de Júlio Gomes e Agostinho Guedes citado no corpo deste acórdão, por exemplo, os acórdãos do STJ de 10/1/1986 (BMJ nº 353, p. 266) e de 27/1/2005 (proferido no processo 924/04, sumariado em www.stj.pt – Boletim Interno), Abílio Neto, Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 1981, p. 99, Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1996, p. 355, Pedro Madeira de Brito, Local de Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume I, Almedina, 2001, pp.383-384.
[4] Catarina Carvalho, A mobilidade geográfica dos trabalhadores no Código do Trabalho, in VII Congresso Nacional do Direito do Trabalho, Memórias - Coordenação do Prof. Doutor António Moreira, Novembro de 2004, Almedina, p. 67; Pedro Madeira de Brito, Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2004, p. 483; Acórdão da Relação do Porto de 21/9/2015, proferido no processo 409/12.7TTMTS.P1, relatado pelo aqui segundo adjunto, e acórdãos da Relação de Lisboa de 25/1/2012 e de 8/2/2012, proferidos no processos 221/10.8TTBRR.L1-4 e 138/11.9TTBRR.L1-4, disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do STJ de 16/9/2015, proferido no processo 34/13.5TTCLD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Acórdãos do STJ de 16/9/2015 e de 12/1/1998, proferidos nos processos 34/13.5TTCLD.C1.S1 e 98S158, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] No reverso do que a ré sofreria um equivalente e injustificado prejuízo.
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Sumário:

I. No caso de transferência do local de trabalho do trabalhador por decisão unilateral do empregador, este é obrigado a compensar o acréscimo de despesas de transportes que o trabalhador passou a suportar por causa daquela transferência, devendo para o efeito considerar-se, apenas, aquelas que um bom pai de família razoavelmente faria nas circunstâncias e, existindo várias alternativas, todas elas compatíveis com a inexistência de prejuízo sério, a mais económica de entre elas, incluindo a proporcionada pelos transportes públicos.
II. O que releva para efeitos da quantificação da compensação a suportar pelo empregador que muda unilateralmente o local de trabalho do trabalhador, não é a distância percorrida entre a residência do trabalhador e o seu novo posto de trabalho e o custo a suportar por essa deslocação, mas sim a diferença entre aquela distância (e respectivo custo de deslocação) e a outra que o trabalhador já percorria para o seu originário posto de trabalho (e correspondente custo).

Jorge Loureiro