Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1076/07.5TASTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: INFRAÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RP201601131076/07.5TASTS.P2
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 981, FLS.3-21)
Área Temática: .
Sumário: I – O pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente como causa de pedir o facto ilícito criminal.
II – Se o facto integra um incumprimento contratual e a violação do dever geral de não causar dano a outrem existe um concurso de responsabilidades.
III – Apesar de absolver o arguido (e demandado civil) da prática do crime de infração de regras de construção, do art. 277.º, do Cód. Penal, o tribunal pode condená-lo no pedido de indemnização civil fundado na responsabilidade civil extracontratual ainda que, no caso, se invoque a responsabilidade contratual decorrente do regime da empreitada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordão n.º 1076/07.5TASTS.P2

Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

No processo comum [com intervenção do Tribunal Coletivo] n.º1076/07.5TASTS da Comarca do Porto, Instância Central de Vila do Conde, 2ªsecção criminal, j6, por acórdão proferido em 2/2/2015 e depositado na mesma data, foi decidido:
«julgar improcedente por não provada a acusação criminal e parcialmente procedente por provado o pedido cível em função do que:
A)Absolve o arguido B… da autoria material de um crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art.277º, nº 1 a) do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos e a que corresponde a actual redacção dada pela Lei 59/2007 de 4.09.
B) Absolve o arguido C… da autoria material de um crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277º, nº 1 a) do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos e a que corresponde a actual redacção dada pela Lei 59/2007 de 4.09.
C) Absolve o arguido D… da autoria material de um crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277º, nº 1 a) do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos e a que corresponde a actual redacção dada pela Lei 59/2007 de 4.09.
D) Julga parcialmente procedente o pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante E…, e condenar o demandado B… a pagar-lhe o a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de 71.884,66€ (setenta e um mil oitocentos e oitenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), dos quais 5.000€ apenas vencem juros a partir da prolação deste Acórdão enquanto o restante valor vence juros desde a notificação do pedido civil, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, absolvendo do remanescente do pedido.
E) Absolve os demandados C… e D…, do pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante E….»
Inconformado com a decisão, o assistente/demandante E… interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1 – No âmbito de e para a absolvição dos arguídos C… e D…, o Tribunal a quo:
- deu por provados factos que na realidade não se provaram nos autos – nomeadamente que “o assistente não anuiu a que o demandado C… fizesse a fiscalização da obra”;
- Não valorizou devidamente determinados elementos probatórios (documentos juntos aos autos e depoimentos em audiência);
- Empreendeu uma errónea apreciação crítica dos factos elencados a p.p. 2 a 15 do Acórdão (que aqui se dão por reproduzidos);
- Violou, nomeadamente, os Art.os 483.o, 486.o e 497.o do Código Civil, e as regras da experiência comum, e bem assim as numerosas regras legais e regulamentares citadas no n.o 7, infra, destas conclusões;

I – Quanto ao demandado C…

2 – O depoimento em audiência, do demandante, apoiado na troca de correspondência (“e-mails”) com o demandado C… (e só contrariado pelo depoimento deste) e a testemunha F…, mostra que com o mesmo demandado C… acordou uma verdadeira fiscalização da obra, para além da direcção técnica que lhe cabia por lei e que assumiu formalmente, e que, inclusive, procurou, o demandante, reforçar essa fiscalização, pedindo-lhe e pagando-lhe mais três visitas do que as que haviam sido contratadas com os projectos da casa;

3 - O demandado C… validou os trabalhos executados (só não tendo assinado a declaração final de conformidade porque a obra não chegou a ser concluída, mas que assinaria, não obstante todas as desconformidades – cfr. o próprio declarou em audiência - p. 3 da acta de 15.12.2014);

4 – Sendo que o preenchimento, por si efectuado, do livro de obra (a fls. 370 a 372 dos autos) como director técnico da obra, constitui verdadeiras declarações de conformidade da execução, parcelar, da estrutura, com total ausência de qualquer reparo ou denúncia de qualquer desconformidade;

5 – De acordo com o facto provado n.º 24 existem desconformidades, que não apenas relativas à falta de resistência do betão, susceptíveis de por si só comprometerem a segurança da construção, e mesmo quanto a este (vide transcrição dos depoimentos das testemunhas G… e H…, na p. 22 do Ac.), era manifesto que o seu aspecto/textura do cimento suscitava a dúvida quanto à sua conformidade/resistência, o que o demandado C…, negligentemente, também não valorizou;

6 – O Tribunal a quo debruçou-se apenas sobre a perspectiva activa da conduta do demandado C…, e quanto a esta somente a que decorre de negócio jurídico (contratação da direcção de fiscalização que no seu entender não se verificou), não considerando que a responsabilidade civil também tem lugar relativamente às condutas omissivas (art.o 486.o do C. C.) de deveres radicados na lei, e não só no negócio jurídico;

7 – Sendo certo que com a sua conduta omissiva o demandado C… violou a obrigação de garantir que a execução da obra cumpria as regras legais, regulamentares e técnicas de construção, de impedir que essas regras não fossem cumpridas, provendo pela defesa dos interesses públicos e privados na execução da edificação que o empreiteiro levava a cabo, regras essas constantes do DL n.o 555/99, de 16/12, na redacção do DL n.o 177/2001, de 04/07, da Portaria n.o 1105/2001, de 18/09, do RGEU (DL n.o 38382, de 07/08/1951 – preâmbulo), e ainda o Regulamento Municipal de Edificações Urbanas do Concelho de Santo Tirso, de 19/03/1963, (nomeadamente no seu Art.o 15.o), bem assim o Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo DL n.º 349-C/83 de 30 de Julho, designadamente os seus artigos 13.º, 148.º, 174.º, a Norma Portuguesa NP EN 206-1-2005 e NP ENV206 (actualmente NP EN206:2007) Betão, parte 1 e Art.º 1.º do DL 330/95 de 14 de Dezembro do Regulamento de Betões de Ligantes Hidráulicos, aprovado pelo DL n.º 445/89 de 30 de Dezembro;

8 - No mesmo sentido de quanto vem de dizer-se, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.o 1801/08.7/TBCBR.C1, de 26/01/2010, decidindo sobre situação idêntica ocorrida no ano de 2005, e os Acórdãos TRL de 03/02/2009 no Proc. n.o 7/04.9TAPVC.L1-3 e TRL de 23/05/2003 no Proc. n.o 9923/2005, onde se decide expressa e inequivocamente pela responsabilização penal dos engenheiros que, nomeadamente por virtude de assinarem o “termo de responsabilidade”... assumiram também a responsabilidade pela direcção técnica da obra;

9 – Concluindo-se, pois, que por ter faltado aos seus deveres legais, regulamentares e profissionais, adoptou o demandado C… uma conduta omissiva ilícita (na modalidade doutrinária de violação de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios) e adequada à produção dos danos sofridos pelo demandante,

II – Quanto ao demandado D…

10 – O depoimento da testemunha I…, sobre que fundamentalmente se apoia a absolvição de seu filho, D…, não pode ser considerado credível, já que, nomeadamente, o meio de pagamento recebido por seu filho, para pagamento dos serviços prestados ao demandante, fora um cheque cruzado que, como se sabe, e ao contrário do declarado pela testemunha, não pode ser endossado;

11 - Na formação do acordo entre os demandados C… e D… e o demandante, as declarações de qualquer daqueles declarantes só podem ter valido para o declaratário com o sentido que por este foi deduzido do comportamento daqueles;

12 - Na altura dos factos o demandado D… era licenciado em engenharia civil (assumia-se como Engenheiro) e acordou com o demandante, conjuntamente com o demandado C…, e por via desse acordo assumiu a direcção e “fiscalização” da obra e as correspondentes obrigações profissionais e legais que não cumpriu ilícita e culposamente (por omissão);

13 – Pelo que adoptou também o demandado D…, uma conduta omissiva dos seus deveres contratuais/profissionais e legais e regulamentares, designadamente os que decorrem das responsabilidades que assumiu para com o dono da obra, e do RGEU e demais legislação citada supra, n.º 7 (destas conclusões), cuja violação deu causa aos prejuízos sofridos pelo demandante;

Pelo exposto,

14 – Constituíram-se C… e D…, como responsáveis civis, solidários, por factos ilícitos, com a correspectiva obrigação de indemnizar o demandante pelos prejuízos sofridos por este, nos termos dos Artºs 483.º. 486. e 497.º do Código Civil;

TERMOS EM QUE, e nos mais de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso e substituir-se o Acórdão recorrido por outro que além de condenar o primeiro demandado B…, a indemnizar o demandante pelos prejuízos sofridos, no montante liquidado, condene também os segundo e terceiro demandados, C… e D…, solidariamente, entre si e com o anterior B…, a indemnizar o demandante pelos mesmos prejuízos e no mesmo montante e com os juros calculados nos termos fixados pelo Tribunal a quo.

Igualmente inconformado com a decisão condenatória, o demandado B… interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcritas]:
I - Tendo o Tribunal Recorrido absolvido o demandado do tipo legal de crime porque se encontrava acusado não o podia condenar no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais com fundamento na responsabilidade civil por factos ilícitos.
II - Resulta dos autos que entre demandante e demandado, foi celebrado, um contrato de empreitada, sendo que os factos em análise nos autos foram praticados pelo demandado, no âmbito da execução desse contrato.
III - Entre demandante e demandado existe é uma relação contratual obrigacional, decorrente do aludido contrato de empreitada.
IV - O demandante sustentou o pedido cível formulado na circunstância do demandado e ora Recorrente não ter, na execução da obra, respeitado as regras de segurança, tendo direito a ser ressarcido pelos danos que alega ter sofrido nos termos dos artigos 483º, 486º e 490º do C.C. ou seja o demandante fundamenta o pedido cível que formulou na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.
V - Os factos apurados, não foram suficientes para integrar a prática do um ilícito penal, por parte do recorrente, pelo que não podem servir para sustentar a sua responsabilidade extra contratual por factos ilícitos, na medida em que esses factos estão cobertos pela relação jurídica contratual existente entre Recorrente e Demandante.
VI - Se a conduta do arguido/ demandado não integra crime só pode ser alvo de condenação civil no âmbito do processo penal se a sua obrigação de indemnizar não estiver abrangida pela responsabilidade contratual no âmbito do contrato celebrado entre demandante e demandado.
VII - O Tribunal a quo decidiu mal ao assentar a condenação em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por “violação das regras legais, técnicas, regulamentares ou da arte”, apesar de ter absolvido o recorrente da responsabilidade penal, pois esqueceu-se que a situação dos autos estava a coberto de um contrato e que o demandante se podia socorrer do instituto da responsabilidade civil contratual.
VIII - O equívoco do Tribunal a quo, foi não atentar que na ausência de crime a relação jurídica entre demandante e demandado se circunscreve aos limites da responsabilidade contratual e que esta tem primazia sobre a responsabilidade extracontratual que tem caracter residual.
IX - Neste sentido vai o Assento n.º 7/99 de 03.08 do Supremo Tribunal de Justiça, também referido pelo Tribunal a quo na decisão de que agora se recorre, bem como entre outros os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, n.º1922/08.6TVLSB-A.L1-2, datado de 17/12/2009 e n.º 10341/2004-7.
X - No primeiro dos citados arestos da Relação de Lisboa refere-se que: “…se determinado facto é susceptível de violar, simultaneamente, uma relação de crédito e um direito absoluto, nomeadamente, o direito ao bom nome de outrem, i.e, seja susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos regimes da responsabilidade contratual e extracontratual, será de afastar o sistema de cúmulo das duas variantes da responsabilidade civil, de acção híbrida ou da teoria da opção, antes se preconizando a aplicação do princípio da consumpção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual “consome” o da extracontratual.”.
XI - No segundo, citando o Professor Almeida Costa, refere-se que: “se de um vínculo negocial resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma directriz impõe-se quando o facto que produz a violação do negócio jurídico – ou melhor, da relação que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana. Esta solução mostra-se correcta no plano sistemático e no da justiça material”.
XII - Pelo que, no caso em apreço nos autos, demonstrada que está a relação contratual existente entre demandante e demandado e que a mesma se subsume ao regime da empreitada, não podia o Tribunal condenar o Recorrente com base na responsabilidade civil extracontratual, única onde o demandante sustenta o pedido cível e única que permite a condenação civil em processo penal.
XIII - Acresce que sendo causa da obrigação de indemnização, a violação das obrigações decorrentes de um contrato de empreitada, o regime especifico deste contrato impõe que, o dono da obra, terá de respeitar, a prioridade dos direitos consagrados nos artigos 1221º e 1222º do C.C., podendo cumulá-los com um pedido de indemnização nos termos gerais, de harmonia com o preceituado no artigo 1223º.
XIV - Por último cumpre ainda dizer que em sede de responsabilidade civil contratual, o demandado podia chamar a juízo quem lhe forneceu os materiais que podem estar na origem da fraca qualidade do betão e como tal responsabiliza-los pelo menos parcialmente pelos danos que para si advieram de tal facto.
XV - Pelo que tendo o demandado José de Sousa Barros sido absolvido do crime, não podia ser condenado no pedido cível com fundamento na responsabilidade civil aquiliana, porquanto esta está consumida pela responsabilidade civil contratual, decorrente do contrato de empreitada celebrado entre demandado e demandante e que resulta provado nos autos.
XVI - Ao decidir como decidiu violou-se no douto acórdão proferido, por erro de interpretação e aplicação o preceituado nos artigos 377º nº 1 do C.P.C. e 129º do C.P. e 483º, 1221º, 1222 e 1223º do C.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se o douto acórdão recorrido na parte em que condena o recorrente no pedido de indemnização cível pelos fundamentos que se expuseram.
O assistente respondeu ao recurso interposto pelo arguido/demandado B…, concluindo pela confirmação da decisão recorrida na parte em que a este se refere [fls.1478 a 1481].
Os demandados D… e C… não responderam ao recurso interposto pelo assistente.
Os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação, onde o Ministério Público não emitiu parecer dado o objeto dos recursos versar apena matéria cível.
Efetuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respetiva motivação:
«2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Da discussão da causa resultou provado que:
1. Em 12.01.2001 e por meio de procuração irrevogável, J…, L…, M…, N…, O… constituíram, além de outros, seu procurador, o ofendido/assistente E… a quem concederam poderes para, além do mais, e com referência ao prédio rústico sito no lugar da …, freguesia de …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, de que eram proprietários, os representar junto da Câmara Municipal de Santo Tirso, requerer licenças, alvarás, vistorias, proceder à sua venda pelo preço e condições que julgasse conveniente e praticando e assinando tudo o que fosse necessário ao desempenho dos indicados fins.
2. No dia 8 de Agosto de 2007, E… adquiriu por escritura pública de compra e venda o prédio referido em 1.
3. Por sua vez, o arguido C… é o único sócio gerente da sociedade P…, L.da, com o NIPC … … … e sede na Rua…, Vila Nova de Gaia, que tem como objecto social estudos e projectos de arquitectura, engenharia e ambiente, consultadoria, fiscalização e gestão de obras e empreendimentos, gestão ambiental e coordenação de segurança e saúde em obra, desde 09.02.2006 até à presente data, onde também desempenha a sua actividade profissional enquanto engenheiro civil.
4. Em 2006, o arguido D… acompanhava em serviço o arguido C…, pois licenciado desde 2005 em Engenharia civil, sendo por este orientado pois aguardava a sua inscrição na Ordem dos Engenheiros Técnicos, o que aconteceu a partir de 6.09.2006.
5. O arguido B… dedicava-se à construção civil há pelo menos 20 anos, sendo titular do alvará de construção nº….., e tinha pelo menos cinco funcionários ao seu serviço, sendo no entanto o único responsável pela direcção e execução dos trabalhos que a título de empreitada ou subempreitada realizava, quer seja sob o ponto de vista técnico quer ainda sob o ponto de vista organizacional e operacional, sendo ainda ele quem se reservava a definição do quadro de trabalhadores que tinha e mantinha ao seu serviço, recrutando-os, distribuindo e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhe também o aprovisionamento dos equipamentos e materiais necessários à boa execução dos trabalhos.
6. Em 18.12.2003 e no uso dos poderes que lhe foram conferidos, E… apresentou na Câmara Municipal de Santo Tirso um pedido de licença para realização de operação urbanística – construção de uma vivenda unifamiliar no terreno indicado em 1. e respectivo projecto, vindo a dar origem ao processo de licenciamento nº …./03, tendo sido emitido em 09.03.2005 o respectivo alvará de construção com o nº …/2005.
7. Sucede que, em data não concretamente apurada mas anterior a Junho de 2006, foi decidido proceder a alterações a tal projecto, designadamente no que concerne à implantação da referida vivenda, dimensão e configuração, tendo para o efeito o assistente E…, celebrado com a sociedade P…, L.da, um contrato para elaboração do projecto de alterações ao projecto inicial e referido em 6.
8. A concretização do acordo indicado em 7 ficou a cargo do arguido C… que para aquela sociedade exercia a sua actividade profissional enquanto engenheiro, assumindo a responsabilidade pela realização dos projectos de alteração que ficaram a seu cargo, o que aceitou.
9. O arguido C…, por força do acordo identificado em 7 e 8, assumiu a responsabilidade pela direcção técnica da obra, obrigando-se a verificar a implantação arquitectónica da obra e de que na sua execução fosse cumprindo o projecto licenciado.
10. Tudo mediante o pagamento de preço acordado e integralmente pago pelo assistente.
11. Assim, na concretização do acordado e acima indicado o arguido C… assumiu a responsabilidade pela elaboração dos projectos de alterações ao projecto inicial e pela direcção técnica da obra, o que fez assinando os respectivos termos de responsabilidade do projecto de arquitectura, de estabilidade e pela direcção técnica da obra o que foi junto ao respectivo processo de licenciamento.
12. No projecto inicial da moradia unifamiliar do assistente que estava na Câmara Municipal de Santo Tirso bem assim como nas alterações elaborado pelo arguido C… e no respectivo projecto de estabilidade previa-se na memória de cálculos de estabilidade uma descrição geral da estrutura, onde eram referidos os elementos estruturais, as acções e a metodologia usada na obtenção dos esforços de dimensionamento das armaduras, as fundações, os materiais estruturais (B25 e A400NR) e algumas recomendações, onde se incluía:
- a aplicação de betão, para toda a estrutura da obra, da classe B25. –, a que corresponde a um valor de resistência à rotura de 25MPa (Mpa = Megapascal), sendo que neste tipo de construção e de acordo com a regulamentação em vigor, a respectiva estrutura de betão armado não deve ter uma resistência à compressão inferior a 15MPa.
13. Á memória descritiva dos projectos indicados em 12, encontravam-se anexadas ainda quadros de cálculo das lajes, quadros com a definição das vigas e plantas estruturais, onde se encontram numeradas os pilares da estrutura de P1 a P26.
14. No quadro das vigas são referidas as dimensões das suas secções e as respectivas armaduras.
15. Em 22 de Maio de 2006, o assistente E…, adjudicou ao arguido B…, na sequência da celebração de um acordo entre ambos de empreitada, a execução da construção “em grosso”, - a construção das sapatas, cintas, pilares, vigas, 3 placas, cobertura, paredes exteriores em tijolo com isolamento, paredes interiores em tijolo, 3 pilares quadrados em pedra, chaminés, passeios, da referida vivenda unifamiliar, nos exactos termos do referido projecto e anexos inicial com as alterações do projecto elaborado pelo arguido C…, que lhe foram fornecidos, onde se incluíam os projectos das especialidades, pelo preço global de 52.380,00€ acrescido de I.V.A. à taxa em vigor;
16. Assim e na sequência da celebração pelo assistente dos acordos acima identificados este em 8.06.2006, este requereu à Câmara Municipal de Santo Tirso e no âmbito do referido processo de licenciamento, autorização para substituição do empreiteiro e técnico responsável pela direcção técnica da obra, juntando para o efeito e além do mais, o alvará de empreiteiro do arguido B… e declaração do novo técnico subscrita pelo arguido C…, e em Agosto de 2006 apresentou na referida Câmara o pedido e respectivo projecto de alterações elaborado pelo arguido C….
17. Em data não concretamente apurada, mas em Junho de 2006, pelo arguido B… e os trabalhadores que tinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção, foram iniciados os trabalhos com vista à preparação e execução da construção da moradia em causa de que assumira a responsabilidade, tendo a mesma sido por ele entregue ao assistente como concluída em Outubro/Novembro de 2006.
18. Sucede que, na execução da construção da vivenda em causa e em relação à estrutura de betão armado do edifício - fundações, pilares, vigas e lajes -, o arguido B… e os seus trabalhadores a seu mando, não obstante a sua experiência profissional e de ser conhecedor quer das regras de arte da construção civil, quer do teor do projecto e das respectivas regras legais, regulamentares e técnicas em vigor, não a executou em conformidade, uma vez que:
a) pelo menos as armaduras longitudinais de 2 pilares não foram executadas em conformidade com o projecto;
b) pelo menos 9 vigas foram construídas com menos armaduras e/ou menos dimensões da secção transversal do elemento estrutural do que o previsto no projecto;
c) algumas das lajes de pisos e escadas foram construídas com espessura menor do que a projectada.
d) não produziu nem aplicou na referida estrutura o betão da classe B25 previsto no projecto, nem efectuou ou adoptou qualquer procedimento com vista a certificar-se que o betão que estava a aplicar estava em conformidade com o projecto aprovado ou com a legislação em vigor;
Com efeito:
I - Os pilares 12 r/c e 14 r/c não foram executados em conformidade com o que está previsto no projecto, principalmente no que diz respeito às armaduras longitudinais, conforme se alcança do teor do quadro que se segue:



- Pelo menos 9 vigas foram construídas com menos armaduras e/ou menos dimensões a secção transversal do elemento estrutural, conforme se alcança do teor do quadro que se segue:




Algumas das lajes de piso e escadas foram construídas com menos espessura do que a constante do projecto, conforme se alcança do teor do quadro que se segue:



- A qualidade do betão aplicado na obra é de mais baixa resistência que a prevista no projecto - que previa betão da classe B25 segundo a classificação do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado - o que corresponde a um valor de resistência à rotura de 25MPa.
De resto, nos pilares e vigas que suportam maiores cargas a obra já executada apresenta um nível de resistência de betão B8 a B10 e as classes B3 a B5 nas sapatas.
…sendo que o betão aplicado nos diversos elementos estruturais, apresentam apenas uma resistência que varia entre os 3,7 e 10,8MPa.
...na verdade, os pilares apresentam uma resistência de 8MPa; as vigas 10MPa; 10MPa em lintéis e nas fundações. 4MPa, conforme se alcança do teor do quadro que se segue:



19. Por sua vez, o arguido C… autor das alterações ao projecto inicial, dos demais projectos e responsável pela direcção técnica da obra é um profissional experiente e conhecedor regras de construção civil, legais, regulamentares e técnicas em vigor, deslocou-se por exigência sua e para fazer a direcção técnica da obra pelo menos uma vez em cada mês o que se verificou em 14.06.2006, 31.07.2006, 30.08.2006, 18.09.2006, 06.10.2006 conforme certificado no livro de obra pelo arguido C…, uma vez que o assistente não anuiu a que este fizesse a fiscalização técnica da obra, o que importaria uma maior permanência em obra, isto é, a deslocação àquela mais que uma vez por semana com os inerentes custos.
20. Ora durante os períodos em que o arguido B… levantava (construindo) a moradia unifamiliar, mais concretamente as estruturas de ferro que iam ser cheias depois com o betão armado, (designadamente armaduras, vigas, lajes de piso e escadas), as deslocações do arguido C… nunca coincidiram com a feitura do betão (que era feito em obra e não comprado a uma central de betão) nem ao enchimento daquelas estruturas com o betão feito, pelo empreiteiro, pelo que, nunca se lhe suscitou ao arguido C… pedir que fosse retirada qualquer amostra do betão aplicado, para se certificar da sua qualidade e conformidade com a classe de betão que previu no projecto, (apesar desta diligencia não lhe competir por não ter a direcção de fiscalização da obra) daí que não fez qualquer exigência – ordem ou instrução- quanto ao mesmo.
21. Acontece ainda que visto pelo arguido C…, o betão feito por B…, para este encher as estruturas, aquele não lograria, à vista desarmada verificar que este não era da qualidade que foi prevista no projecto, naquela fase da obra, e assim pudesse aconselhar o assistente a parar a obra, por falta de qualidade do betão usado por B… no carregamento das estruturas, ou por falta de correspondência ao previsto no projecto aprovado, ou em violação de normas legais, regulamentares e técnicas em vigor.
22. Na fase de “pedreiro” da moradia do assistente o arguido B… fabricou betão que aplicou, em obra, em desconformidade com o projecto aprovado e das regras que regem o seu fabrico, o qual integra uma classe inferior a B15.
23. Ora, logo que o assistente foi conhecedor do estado da obra construída por B…, e que acima se indicou, decidiu parar a construção o que aconteceu em Fevereiro de 2007, pelo que, desde então que a mesma está por acabar.
24. Assim e ainda que as diferenças de armaduras nos pilares não constituam um erro de construção que se possa considerar, por si só, preocupante, na medida em que, apesar de tais armaduras serem de menor secção que as previstas em projecto, não comprometem a segurança da construção, já não é assim em relação a outros elementos estruturais, no que à segurança futura respeita desde logo:
- no que às vigas respeita e em consequência de o arguido B… ter procedido a reduções na altura da secção e/ou armadura das vigas, sobretudo na viga entre os pilares P12 e P13 no tecto do R/ch, na padieira da garagem e na viga-padieira da janela da sala, entre o P7 e o P8 estas são aptas a originar danos/fendas na obra, sendo que já surgiram na padieira da garagem, onde existe “fendilhação” exagerada;
-no que respeita às lajes e em consequência destas terem sido construídas com menor espessura que a projectada são adequadas a causar deformações na obra, e a causar “fendilhações” em paredes divisórias, que mesmo reparadas podem voltar a aparecer;
-a falta de laje no piso térreo e contemplada no projecto e a sua substituição por betonilha é causa adequada de assentamentos importantes com consequente “fendilhação” nas divisórias do r/ch;
-mas é a falta de qualidade do betão aplicado na obra que dificultada qualquer intervenção no sentido de a reabilitar uma vez que qualquer tentativa de o fazer teria de incidir na generalidade da estrutura, com particular incidência nas fundações, o que para além de se apresentar de complexa exequibilidade não é economicamente viável, uma vez que o seu custo será superior ao custo da demolição da obra já existente, que importou 52.380,00€ acrescido de IVA e o valor de construção de uma nova moradia unifamiliar que respeite o projecto e a regras em vigor.
25. Cabia ao arguido C…, nos termos acordados com o assistente a implantação da obra de acordo com o projecto e a sua observância, enquanto competia ao arguido B…, a execução da obra no cumprimento do acordo da empreitada feito com base no projecto, e nas regras legais, regulamentares e técnicas, bem assim como nas “legis artis” da construção civil.
26. Os arguidos C… e B… sabiam que nos elementos estruturais do referido edifício – sapatas, pilares, vigas e lajes não são estruturas de pequena importância, - não poderia ser aplicado, como foi, betão de classe inferior a B15, além de que tal betão estava em desconformidade com o projecto onde se previa betão da classe B25, como o 1º arguido projectou.
27. O arguido B… devia executar a obra no que respeita à altura total das vigas e lajes, largura (e espessura de alma) de vigas, dimensões de secções de pilares de modo a satisfazer as tolerâncias previstas no projecto o que não foi respeitado nem executado na referida obra.
28. O arguido B… obrigou-se a realizar a obra do assistente de acordo com projecto aplicando e executando as estruturas como ali previstas e aplicando os materiais indicados.
29. O arguido C… estava obrigado a cumprir os deveres decorrentes do acordo que fez com o dono da obra.
30. Os arguidos B… e C… obrigaram-se perante o assistente a cumprir os acordos que com este celebraram e que se mostram em conformidade com as regras da arte da construção civil, o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Santo Tirso, construindo a estrutura do edifício em conformidade com o mesmo e ainda de acordo com as regras legais, regulamentares e técnicas então em vigor.
31. O arguido C… nunca passou qualquer declaração de conformidade da obra com o projecto, onde aliás o assistente junto do empreiteiro pediu alterações em elementos estruturais, sem a sua consulta prévia.
32. O arguido B… não utilizou areia de rio para fazer o betão, mas um material que denominou de “sucedâneo”, conhecido por pó de pedra ou areão, que utilizou no fabrico do betão em obra e no qual aplicou as mesmas proporções de cimento e dos demais compostos, como se tivesse usado areia de rio, procedimento que confirmou errado depois dos resultados dos testes que fez à sua conta e que confirmam os acima indicados.
33. O arguido B… ao utilizar no fabrico do betão um “sucedâneo” que não areia de rio, ao ter procedido a reduções na altura da secção e/ou armadura das vigas, nos pilares P12 e P13 no tecto do R/ch, na padieira da garagem e na viga-padieira da janela da sala, entre o P7 e o P8, ao ter construído as lajes com menor espessura que a projectada e ao omitir a laje do piso térreo que substituiu por betonilha, não procedeu com a prudência e diligência a que de acordo com as circunstâncias da sua acção estava obrigado e de que era capaz.
34. O arguido B… não representou ao agir como descrito em 33 a possibilidade de uma potencial, (que no caso existe) falta de segurança da construção, por esta ter “fendilhações” e poder vir a ter deformações e ainda de que o betão por ele feito e aplicado nos elementos estruturais integrasse uma classe inferior a B15.
35. O serviço acordado com a P…, L.da, importou o valor de 1.421,50€, que foi pago.
36. O preço indicado em 15, foi pago pelo assistente ao que acresceu o pagamento de trabalhos a mais não previstos no orçamento que importaram o pagamento realizado de 895,80€.
37. O assistente fez acordos para a instalação eléctrica, de água e de gás e para o acompanhamento da execução da obra, respectivamente com a Q… no valor de 7.000€ e com S…, no valor de 8.150€, com F… uma vez que tinha a sua residência em Macau e aos quais pagou por referencia a tais valores 2.500€ e 2.300€ e 2.500€ respectivamente.
38. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido B… o demandante/assistente não pode prosseguir com a construção da sua moradia unifamiliar por a mesma não reunir as condições mínimas para a sua recuperação que é economicamente inviável, tendo que proceder à sua demolição e consequente perda de tudo que ali despendeu.
39. O assistente com toda esta situação vivenciou sentimentos de mágoa, desgosto e incerteza como a situação e o seu desfecho.
40. Em consequência directa e necessária da conduta de B… o assistente suportou o valor de 1.308,86€ com o estudo realizado pelo T….
41. Em consequência directa e necessária da conduta de B… o assistente suportará o valor de 5.000€.
42. O arguido B… encontra-se emigrado na Aústria onde reside e trabalha na construção civil.
43. O arguido C… é divorciado, tem um filho a cargo, aufere 1.000€ mensais, reside em casa própria adquirida com recurso ao crédito pela qual paga valor mensal de 500€. Como habilitações literárias tem a licenciatura em Engenharia Civil.
44. O arguido D… exerceu o seu direito ao silêncio sobre os factos, sendo solteiro e a residir em casa de familiares, trabalha em part-time por conta de outrem e aufere 500€. Como habilitações literárias tem a licenciatura em Engenharia Cível.
43. Dos CRC dos arguidos juntos aos autos nada consta.
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2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Da discussão da causa não se logrou provar que:
a) O arguido D… até Setembro de 2006 esteve ao serviço da sociedade P…, aí desempenhando a sua actividade profissional enquanto engenheiro civil.
b) O arguido D… assumiu por si ou enquanto prestador de serviços da P…, a responsabilidade pela realização e concretização do acordo aludido em 6 e 7 isto é dos projectos de alterações o que aceitou.
c) A direcção técnica da obra aludida em 9 e as responsabilidades daí mencionadas foram ainda assumidas pelo arguido D….
e) Na sequência do aludido contrato, os arguidos C… e D… assumiram ainda a responsabilidade pela direcção de fiscalização da obra.
f) Na concretização do indicado em 11 o arguido D… executou ou assumiu alguma das responsabilidades ali indicadas designadamente assinando qualquer dos projectos ou termo.
g) As alterações aludidas em 12 foram feitas pelo arguido D….
h) Os projectos entregues ao empreiteiro identificado em 15 e depois entregues à Câmara Municipal de Santo Tirso indicados em 16 foram feitos e da responsabilidade do arguido D….
i) O arguido D… interveio nos projectos e na direcção técnica da obra como assente em 19.
j) A desconformidade do betão aplicado e aludido em 22 ficou a dever-se à actuação dos arguidos C… e D….
k) Nas circunstâncias em que a obra se encontra esta coloca em risco e criando perigo concreto para a vida ou integridade física de todos quantos ali possam permanecer.
l) Os problemas da obra existentes nas vigas, lajes e piso identificados nos factos assentes são de natureza iminente.
m) O betão aplicado na obra do assistente pode ser escavado e esmagado com as mãos.
n) O arguido D… assumiu participação relevante e activa nos acordos feitos com o assistente para a realização da moradia unifamiliar em causa nos autos.
o) Todos os arguidos ao empreenderem a condutas como indicadas nos assentes fizeram-no de forma deliberada, livre e consciente de como:
- engenheiros D… e C… serem os responsáveis pelo planeamento e fiscalização da execução da obra que assumiram;
- de como empreiteiro/construtor B… e como tal responsável pela execução/construção da moradia em causa que assumiu;
bem sabendo
- que punham em risco, como puseram, a própria segurança da estrutura da futura moradia, e bem assim desta, conformando-se com esse facto.
- e que punham em risco, como puseram, a integridade física ou mesmo a vida de todas as pessoas que ali trabalharam e que nela permaneceram e que punham em risco a integridade física ou mesmo a vida daqueles que viessem a efectuar os restantes trabalhos de acabamento da mesma ou que a viessem a habitar ou nela permanecer.
p) Os arguidos D… e C… ao empreenderem as condutas a estes respeitantes nos factos assentes não procederam com a prudência e diligência a que de acordo com as circunstâncias da sua acção estavam obrigados e de que eram capazes, o que os levou a que nem tivessem representado a possibilidade de alguma das desconformidades afectar a segurança da obra não representando a possibilidade:
- que desse modo colocavam em risco a segurança da estrutura da futura moradia.
-e ainda que punham em risco a integridade física, a vida de todas as pessoas que ali trabalhavam e nesta permaneceram ou dos que ali viessem a efectuar os restantes trabalhos de acabamento, a habitar ou permanecer.
q) O arguido B… ao empreender as condutas a ele respeitante nos factos assentes tivessem representado a possibilidade de que desse modo colocava em risco a segurança da estrutura da construção e ainda que punham em risco a integridade física, a vida de todas as pessoas que ali trabalhavam e nesta permaneceram ou dos que ali viessem a efectuar os restantes trabalhos de acabamento, a habitar ou permanecer.
r) Os factos vertidos em 38 a 41 foram consequência directa e necessária das condutas dos arguidos C… e D….
s) Em 2006 rareou no mercado areia de rio.
t) O sucedâneo adquirido pelo arguido B… era uma mistura de pico de pedra e brita.
u) O sucedâneo adquirido pelo arguido B… não era uma mistura de pico de pedra e brita.
v) O aglomerado usado por B… para fazer o betão impunha que este tivesse usado na sua fabricação mais cimento, o que desconhecia por não ter sido alertado á data para tanto, estando este convencido o fabrico do betão se fazia do mesmo modo.
x) O arguido B… não poupou nos materiais aplicados.
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2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO E ANALISE CRITICA
Nos termos do artº 374º, nº2 CPP, na elaboração da sentença, a seguir ao relatório, “… segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Ora salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – art. 127º, do CPP.
A propósito deste princípio o Prof. Figueiredo Dias não deixa de salientar: “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo...” – cfr. Direito Processual Penal, 1º vol., Coimbra Editora Ldª, 1974, págs 202/203.
Também Marques Pereira, a propósito do mesmo princípio, refere: “Permite-se às diversas entidades que apreciem a prova existente nos autos ou produzida perante si com base exclusivamente na livre valoração destas e na sua convicção pessoal.
O citado art. 127º, impõe que a apreciação se faça segundo as regras da experiência (...) Significa, por um lado, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova.
Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova”.
E prossegue o mesmo autor “...a mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação” – cfr. Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, “ Meios de Prova”, Livraria Almedina, págs. 227/228.
Ora, in casu, o Tribunal apreciou toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento conjugada e de forma critica de acordo com as induções e deduções resultantes das regras da experiencia comum, resultando a prova do facto 1, da analise de fls. 3 e 4 da certidão de 30.09.11, apensa aos autos sob a letra B, que alicerçou a convicção do Tribunal atenta a força probatória dos mesmos, o facto 2 do documento junto a fls. 26 a 29 da certidão de 30.09.11, apensa aos autos sob a letra B; no que respeita ao facto 3 relevou a certidão junta aos autos principais de fls. 178 a 179, cujo conteúdo renovado em audiência pelas declarações do arguido C…, Engenheiro civil, sócio gerente daquela sociedade; a prova do facto 4 e não prova da al. a) resultou da análise crítica e conjugada dos depoimentos do arguido C… e da testemunha I…, que não obstante as respectivas qualidades, depuseram de molde a alicerçar a convicção do Tribunal no sentido assente, e de onde resulta que o arguido D… apenas acompanhou o serviço do Eng.º C… em causa nos autos, a fim de ir adquirindo experiencia profissional, uma vez que foi a AF… sociedade de Topógrafos, de que o pai de D... era sócio que “trouxe” o serviço para a P…, com que têm uma parceria, e que pediu a elaboração dos projectos e a autorização para que D… acompanhasse o desenrolar dos mesmos, os quais foram feitos pelo Eng.º C…, sendo que qualquer correspondência trocada respeitante a este serviço foi feita com o seu conhecimento e a seu mando. Por sua vez, o contacto com a U… deveu-se à relação de amizade de I… com F…, pessoa a quem o assistente pediu que lhe indicasse quem poderia fazer a alteração ao projecto inicial da moradia e os projectos da especialidade, o que foi confirmado pela testemunha F…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e cujo depoimento, neste particular aspecto alicerçou a convicção do Tribunal, por ter sido convincente. O arguido D…, no que aos factos em discussão se refere exerceu o direito ao silêncio, não contribuindo para a formação da convicção do Tribunal, não tendo resultado provado que tenha em 2006 prestado serviços na P… como engenheiro civil, apesar de licenciado como tal.
A prova do facto 5 resulta da análise fls. 140 da certidão de 30.09.11, apensa aos autos sob a letra B, de fls. 23 e 24 dos autos principais e da confissão de B… sobre os termos do acordo celebrado com o assistente, que não mereceu controvérsia, e que se conjugou; a prova do facto 6, 7 e 8 resultou da análise critica e conjugada de fls. 10 a 26 da certidão de 30.09.11, apensa aos autos sob a letra B, conjugado com fls. 77, 78, factura dos honorários, e 83 a 87 com as declarações em audiência dos arguidos C… e B…, que relevaram neste particular aspecto e de onde não resulta qualquer intervenção relevante do arguido D…, daí a não prova do facto b), pois que os meios de pagamento estão endossados em branco e cujo recebimento se deveu ao facto do serviço ter sido solicitado e dever ser pago à U…, de que o seu pai era sócio, que intermediou o serviço e que trabalha em parceria com a P…, relevando nesta parte, por isso, o depoimento de I…, que foi fiável e convincente.
A prova dos factos 9 e 11 resultou da análise conjugada das declarações de C…, enquadradas ao tempo da realização do serviço, isto é em 2006, com a troca de emails com o assistente e a distinção à data não prevista pela lei, entre direcção técnica e direcção de fiscalização, exigindo esta ultima uma permanência em obra e ainda a gestão financeira da mesma (o que era feito nas obras publicas) mas não nas particulares, pelo que o que foi acordado com o arguido C…, foi apenas a direcção técnica da obra, que resulta de ter realizado os projectos licenciados, e que a legislação obrigava para o licenciamento da obra, mas que se restringia depois da elaboração e licenciamento dos projectos à confirmação da correta implantação da obra a executar e a correta interpretação do projecto na execução da obra para corresponder ao licenciado, e se não seria propostas ulteriores alterações - aditamentos, (cf fls. 79 a 87, e de fls. 16 a 21 da certidão anexa no apenso B aos autos). Em 2006 a fiscalização da obra era a cargo do dono da obra, que não anuiu a que o arguido C… a fizesse, pois quem iria acompanhar a obra era F… que dava conta ao assistente com uma regularidade quase diária do seu andamento e dos pagamentos a efectuar. Neste particular aspecto, as declarações do assistente não foram de molde a convencer o Tribunal colectivo pois que contrariadas pelo número de visitas pagas à obra, feitas pelo arguido C… de fls. 78 no âmbito do acordo de prestação de serviço cf. fls. 829 a 833, pela P…. A direcção técnica da obra e a direcção de fiscalização da obra são coisas distintas em termos de serviço a prestar e responsabilidades a assumir, onde quem tem a direcção de fiscalização faz um acompanhamento com carácter de permanência da obra, dos materiais a aplicar e sua qualidade, pois tal passa pela empreitada contratada com o empreiteiro. A direcção técnica é a execução da obra em conformidade com o projecto licenciado e que para o caso o dono da obra contratou uma visita mensal do Engenheiro C… mas por imposição deste ultimo e não do assistente. Aliás a prova do facto 10 e 36 resulta da análise crítica e conjugada dos documentos de fls. 64 a 65, de onde constam os meios de pagamento entregues a D…;
No que tange á concretização do que seja a direcção técnica da obra e a direcção de fiscalização da obra ficou claro pelas declarações do arguido e das testemunhas engenheiros ouvidos em audiência e infra identificados, que sempre foram tratadas como serviços diferentes a prestar, cuja diferenciação e concretização de responsabilidades veio ulteriormente a ser distinguida pela lei que passou a exigir que a obra para além de ter um director técnico tivesse uma direcção fiscal da obra distinto do primeiro. O que foi esclarecido ao Tribunal pelo fiscal de obras particulares da Câmara Municipal de Matosinhos U…, Eng.º V…, W…, empresário da construção civil, Eng.ª X…, Eng.º Y… e até o Pro. Engenheiro Z…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que prestaram depoimentos coerentes, lógicos e fiáveis e que foram no sentido de indicar que em 2006 as obras particulares deste jaez- moradias unifamiliares- não eram obrigadas a ter fiscalização e se o dono a quisesse ter teria de contratar quem executasse tais funções. As moradias unifamiliares eram construídas com base na confiança do dono da obra na seriedade do empreiteiro, em relação ao modo como executava a empreitada, designadamente no que respeita à aplicação de materiais não sendo normalmente controlado a qualidade de betão feito em obra.
O tribunal formou a sua convicção no que respeita aos factos como assentes de 12 a 14 na conjugação de toda a prova produzida e renovada em audiência mas particularmente da análise de fls. 32, 83 a 87 dos autos, que não mereceu controvérsia. A prova da adjudicação da construção da obra de “pedreiro” ao arguido B…, o seu inicio e pagamento, assente nos factos 15, 16, 17 e 36 resultou da confissão deste arguido e da prova constante nos documentos de fls. 23 a 24 e 59, 61, 62 a 68, 70 a 72, e 35, onde para além do valor inicial pagou por trabalhos não previstos no orçamento no valor de 895,80€, relevando ainda as declarações do assistente que concretizou toda a factualidade como assente, e que foi fiável. Ainda no que respeita a pagamentos efectuados e no que respeita à prova do facto 37 o mesmo resultou da análise crítica e conjugada dos documentos de fls. 584 a 590, 591 a 595 e 63 e 69, 67 e 66, conjugadas com o depoimento de F…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que prestou um depoimento confirmativo do valor recebido e do acompanhamento feito da obra, negando quaisquer funções de fiscalização por alegadamente não ter competências para tanto e à data ser decorador de interiores (no que não convenceu o Tribunal pois para além de a fiscalização não ter de ser acometida a um técnico esta testemunha na actualidade é técnico fiscal de obras públicas) e que descreveu o acompanhamento e as informações enviadas ao assisente para dar pagamentos, o que fez sem que detectasse qualquer desconformidade na obra e com o betão. Relevaram ainda as declarações do assistente que procedeu aos pagamentos indicados que os concretizou.
A prova do facto 18, 22 e 24 resultou da análise do relatório e estudos de fls. 25 a 32, 407 a 427, 454 a 455, 471 a 473, elaborado pelo T… que não foram colocados em causa pelos arguidos e que conjugados com as declarações do assistente que o pediu e contextualizou e com o depoimento do Prof. Eng.º Z…, que fez o estudo e que o renovou esclarecendo-o em audiência de julgamento, o que alicerçou a convicção deste Tribunal, por isento e relevante, do qual cumpre salientar que a desconformidade dos pilares e do ferro não trazem risco atento que o seu cálculo é feito com uma ampla zona de conforto, as desconformidades das vigas levaria ao aparecimento futuro de fissuras, as desconformidades das lajes das escadas e de piso, favorecem fissuras, a qualidade do betão a isto associado e que é pobre, compromete de futuro a construção a qual não estando numa situação de ruptura ou ruina iminente, tira qualidade á casa pois tem betão aplicado em elementos estruturais de classe B8 e 9 não podendo afirmar categoricamente a causa, mas da sua analise constata-se que o que foi retirado das sapatas tem para além de cimento outros agregados, desde logo terra e não só areia e brita, pelo que o leva a aconselhar a sua demolição por a sua reparação ser complexa e importar maiores custos. Não pode afirmar que a construção coloque em perigo quem lá esteja ou trabalhe, pelo que ali se deslocaria as vezes necessárias, mas avançando a obra e uma vez que vai levar mais materiais em cima de futuro aparecem as fissuras e a construção ficará comprometida. À vista desarmada ninguém, nem o técnico pode dizer que a qualidade do betão era “pobre”, pois este até é capaz de se apresentar mais bonito, em termos de coloração, só quem o fez sabe o que misturou com o cimento e as quantidades usadas e se dali poderá de futuro fazer com que apodreça. No caso não houve e ainda não há risco evidente de ruina da construção, ou perigo para a integridade física ou para a vida das pessoas, diferente será no fim da obra, resultando daqui igualmente a não prova dos factos j) e k) o que se conjugou com a demais prova produzida em audiência. Mais relevou o depoimento da testemunha AB…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que prestou um depoimento isento, coerente e lógico sobre as recolhas de “carotes” feitas em obra que foram para analisar no laboratório e cujos resultados submeteu à apreciação do Prof. Eng.º Z…, conforme boletim de ensaio de fls. 28 a 32, dos autos que foram examinados, estando o custo confessado pelo arguido B… que era o orçamentado e foi pago.
Por sua vez a prova dos factos 19 a 21 assentaram nas declarações do arguido C…, não obstante a sua qualidade, conjugados com os depoimentos do fiscal de obras particulares da Câmara Municipal de Matosinhos U…, Eng.º V…, W…, empresário da construção civil, Eng.ª X…, Eng.º Y…, que conhecem o arguido C… como profissional experiente e zeloso, conjugado com os projectos licenciados e exigências para se deslocar á obra, o que fez registando no respectivo livro de obra, cf. fls. 370 a 372, e ainda nos esclarecimentos da diferença entre direcção técnica da obra e direcção de fiscalização da obra. Tendo o arguido a direcção técnica da obra mas não a direcção de fiscalização da mesma, nos termos do acordado com o assistente e uma vez que a direcção de fiscalização exige permanência na obra e para tal serviço o assistente tinha F… ao seu serviço para acompanhar a obra, daí não ter anuído à proposta do arguido C… para a fazer, o que resulta da correlação de toda a prova produzida em audiência de julgamento, com o que presidiu à intencionalidade do assistente ao pretender primeiro até apenas quatro visitas do arguido C… por se sentir acompanhado por aquele Sr. F… no serviço que este lhe prestou. E que não detectou qualquer desconformidade, (lembre-se que actualmente esta testemunha é fiscal de obras públicas) já que as alterações introduzidas foram a pedido do assistente e seriam objecto de aditamento ao projecto e que ainda esclareceu que foram feitas alterações na obra pelo seu irmão que era desenhador, a pedido do assistente, desconhecendo qualquer contacto com o engenheiro. O arguido B… confirmou a presença em obra de C… para ver o ferro, não para a betonagem (confirmando a versão do arguido C… de não ter visto a fazer o betão nem a encher as estruturas) indicando antes que o assistente teve presente uma das vezes em Agosto ao carregar com betão e o sr. F… ia com muita regularidade á obra, pelo que via o que era feito, não tendo fugido a materiais. E de facto todos os engenheiros ouvidos em audiência e acima indicados bem assim como o Eng.º G…, que se deslocou á obra alertado já para ver o betão, sendo esta a sua razão de ciência, bem assim como o Prof. Eng.º Z…, foram coincidentes ao asseverar a impossibilidade de determinar a qualidade do betão à vista desarmada, por quem quer que seja, daí que nem o F… com regularidade na obra tenha visto ou se apercebido, e por via desse acompanhamento alertado o assistente, não sendo habitual nas construções unifamiliares retirar amostras ao betão quando nada suscite que o sujeite a testes laboratoriais, uma vez que o empreiteiro é que domina as regas da arte na feitura do betão.
O Tribunal alicerçou no que respeita ao facto 23, nas declarações do assistente que foram fiáveis explicando quem lhe suscitou o problema e como procurou averiguar o mesmo, no que se relevou ainda o depoimento de H…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que depôs com fiabilidade que chamado à obra por lhe ter sido entregue a fase de “trolha”, por duvidas suscitadas pelos electricistas e canalizador que andavam a fazer os “roços, sobre a qualidade do betão que se desfazia, pelo que aconselhou que um Engenheiro visse a obra, indicando no caso o Eng.º G…, confirmando o relato do assistente. Como interesse ainda indicou que sempre houve areia de rio para fazer cimento, ainda que mais cara do que antes da queda da Ponte de Entre-os Rios, e como empreiteiro não aplica pó de pedra na feitura de argamassas e não utiliza sucedâneos de areia por da sua experiencia estes não conferirem a resistência exigida aos materiais, aludiu que quer o pico de pedra quer o pó de pedra são aptos a dar um aspecto bonito ao betão, mas não os aplica por lhe tirar resistência. No caso desconhece o que foi aplicado sendo a areia de pedra diferente do sucedâneo com aqueles aditivos que indicou. Ora esta testemunha G…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada, prestou um depoimento coerente, deslocando-se à obra por duas vezes, verificou que o betão da obra apresentava aspecto poroso, mas sumariamente e visualmente nada podia afirmar de concreto sobre a sua qualidade pelo que aconselhou o assistente a realização de exame ao betão no T…. Nunca se sentiu em perigo na obra, esta não ameaça ruína iminente e não receia de lá ir, após estes anos, já que a mesma contínua de pé. Ora só quem fez o betão é que sabe o que misturou, o técnico nada detecta à vista desarmada. As vigas do tecto mostravam-se alteradas em relação ao projecto mas não sabe se por instruções do assistente, (o que sustenta o arguido B… e C…, este ultimo que se deparou com o seu aligeiramento e interpelou o empreiteiro que lhe avançou com aquela explicação, o que levou a que se tomassem os procedimentos que indicou para compensar a alteração).
O Tribunal firmou a sua convicção no que respeita ao facto 25 na conjugação de toda a prova produzida em audiência de julgamento e acima indicada de onde resultou a concretização e densificação do conteúdo dos acordos feitos entre o assistente e os arguidos B… e C…. No que respeita ao acordo com o arguido B… para a levar a cabo a “fase de pedreiro” da moradia unifamiliar do assistente não se levantou controvérsia, já no que respeita ao acordo feito entre o assistente e o arguido C…, remetemo-nos para o que se consignou ao fundamentar os factos 9 a 11.
A prova do facto 26 a 30 resulta da análise objectiva do conhecimento dos arguidos B… e C…, quer porque este último indicou no projecto licenciado que a classe do betão é B25 e cumprir o acordo feito com o assistente nos termos em que foi estabelecido entre ambos, e já acima indicado para onde nos remetemos, quer porque o arguido B…, orçamentou a obra com base do projecto que conhecia e ia executar e por isso sabia qual a classe do betão ali previsto, bem assim como devia executar as a obra em conformidade com o projecto.
A prova do facto 31, radica nas declarações do arguido C…, que não foram contraditadas por quem quer que seja e que relevaram, aliado ao facto de terem sido introduzidas alterações na obra pelo B… a pedido do assistente e que implicavam alterações ao projecto licenciado, já que o irmão de F…, conforme relato desta testemunha desenhou-as, sem consulta prévia a arguido C….
O Tribunal firmou a sua convicção sobre o facto 32 a 34 na análise critica e conjugada das declarações do arguido B…, dos seus operários AC… e AD…, dos exames do T… à qualidade do betão e no depoimento do Prof. Eng.º Z…, renovados e prestadas em audiência de julgamento.
O arguido B…, e as testemunhas AC… e AD…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que trabalharam na obra em causa, confirmaram ter feito o fabrico do betão em obra sem utilização de areia de rio. Solicitados a concretizar o que foi utilizado em substituição daquela indicaram ter usado areia de pedra, mas ao descrevê-la disseram tratar-se de uma mistura de areia de rio com pedra pequena – cascalho. Estas testemunhas vieram dizer que fizeram o betão sempre com as mesmas porções apesar de não terem usado areia de rio, revelando a preocupação de negar o uso no fabrico do betão de areão ou pó de pedra.
O Tribunal ficou ciente que areia de pedra não foi usada para fazer o betão em obra, pelo arguido, pois de outro modo quer ele quer os seus trabalhadores não teriam qualquer dificuldade em identificar correctamente este material por ser à vista desarmada completamente diferente da areia de rio e que não leva misturada areia de rio, por isso estes depoimentos não relevaram.
Por sua vez o arguido B… alegando a falta de areia sustentou ter usado inicialmente brita, (o que sempre teria de ser usado para o fabrico de betão) e depois aludiu a um sucedâneo de areia de rio (apesar de em momento anterior ter feito juntar aos autos as facturas fls. 657 a 666, respeitantes à aquisição de areia de rio para a obra do assistente que em audiência reconheceu não ter sido usada na obra) que tinha na sua composição pó de pedra e que depois de feito o betão este ficava igual ao outro. Depois disse que para ele o material em causa com que fez o betão parecia-lhe “areia grossa”.
Ora criticamente apreciando para o Tribunal o arguido B… utilizou esta argumentação no exercício do seu direito de defesa. A alegação deste arguido de ter sido mal informado pelo vendedor do produto que usou não se mostrar corroborada por qualquer prova, designadamente pela certificação do sucedâneo como apto para utilização em substituição de areia de rio e no fabrico de betão para elementos estruturais de construções, já que era esta a utilização que o B… ia dar ao aglomerado e deu. O B… sabia que tinha que fabricar um betão da classe B25 para as estruturas e ao contrário fabricou um betão pobre abaixo do B15, apesar de ter a seu cargo a obra de pedreiro. Esta era a nosso ver a única forma de podermos entender que um empreiteiro com vinte anos de experiência abandonasse o lado da boa tradição do fabrico do betão com areia de rio e utilizasse outro material alegadamente para si desconhecido no fabrico de tais elementos.
Por outro lado, ditam as regras da prudência e da diligência a que B… está obrigado, como empreiteiro experiente e conhecedor das regras da arte, atentas as concretas circunstâncias da situação que não deveria ter usado um novo aglomerado sem o experimentar, tanto quanto é certo que estava capaz de o fazer e assim estava obrigado, por não conhecer a sua reacção com os demais componentes.
Igualmente o arguido não usou da prudência e diligencia devida a que estava obrigado e de que era capaz, atentas as concretas circunstancias do caso quando procedeu à redução na altura da secção e/ou armadura das vigas, - sobretudo na viga entre os pilares P12 e P13 no tecto do R/ch, na padieira da garagem e na viga-padieira da janela da sala, entre o P7 e o P8 (pois estas são aptas a originar danos/fendas na obra, tendo já surgidas fendilhação na padieira da garagem) ao ter construído as lajes com menor espessura que a projectada (que é capaz de causar deformações, “fendilhações” nas paredes divisórias, que mesmo reparadas podem voltar a aparecer) na falta de laje no piso térreo e contemplada no projecto e a sua substituição por betonilha que é causa adequada de assentamentos importantes com consequente “fendilhação” nas divisórias do r/ch, o que não contesta por verificado no relatório do T…. Uma vez que não qualquer relação de subordinação com o dono da obra, qualquer alteração a fazer na obra devia ser por este ponderada no sentido de averiguar se não era afectada a segurança, falando com os Engenheiros e apresentando outras propostas.
Aliás o arguido B… não representou ao agir como descrito a possibilidade de uma potencial (já evidenciada) falta de segurança da construção, por esta vir a padecer de fendilhações e deformações ou ainda de que o betão por ele feito e aplicado nos elementos estruturais integrasse uma classe inferior a B15, tanto assim que fez exames à sua conta (à construção para verificar) e que juntou aos autos os quais são confirmativos dos feitos pelo T… (aceitando os mesmos), resultando a sua acção de inconsciência e não previsibilidade de uma potencial falta de segurança. Nas concretas circunstâncias era exigido ao arguido B…, que é empreiteiro de construção civil, pelas regras profissionais, que tivesse previsto, pelo que aceita a existência dos problemas na construção.
Ponderou-se no que aos prejuízos diz respeito as declarações do assistente que relevaram na demonstração dos dispêndios feitos, os quais estão corroborados por outra prova e ainda sobre o estado de espirito vivenciado com a situação, e que foi de molde a alicerçar a convicção do Tribunal nos termos dos factos assentes sob os nºs 38 a 41 conjugados com a prova documental de fls. 25, e 638. Valorou-se ainda para prova do estado de espirito do assistente o depoimento da testemunha AE…, cuja razão de ciência foi devidamente controlada e que convivendo com o assistente percepcionando o seu estado de espírito, nos termos dados como assentes, pois que quanto ao demais não tem conhecimento directo dos factos.
No que respeita aos factos não provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova do seu contrário ou na ausência de prova que os permitissem dar por assentes tais factos apesar de sindicados, tendo resultado da prova produzida, que a presença do arguido D… na situação que nestes autos julgamos resulta do facto de este na altura estar a fazer o seu processo formativo, dando os primeiros passos na Engenharia Civil (já que sendo à data licenciado aguardava a sua inscrição na ordem dos Engenheiros Técnicos), estando autorizado pelo Engenheiro C... a acompanhar o projecto, numa perspectiva de aprendizagem tutelada por aquele e ainda em razão do facto de ter sido por via da parceria da P… com a AF… que a primeira prestou o serviço ao assistente por intermédio do arguido C..., mas onde os pagamentos foram dirigidos para esta ultima em razão da predita parceria daí a não prova dos factos que importem a sua responsabilização.
No que concerne à desconformidade do betão, provou-se que a tais factos os arguido C… e D… são estranhos, provando-se a versão da defesa pela prova por estes carreada para os autos, sobre diferença entre a direcção técnica e direcção de fiscalização da obra.
Por outro lado quer o relatório do T… e o depoimento do Prof. Eng. Z…, foi esclarecedor sobre a inexistência de perigo iminente, isto é concreto para os bens jurídicos visados pela incriminação, mas antes de perigos abstractos e futuros na medida em que a construção como se encontra não tem a virtualidade de poder desempenhar a sua finalidade.
Sobre a intencionalidade que presidiu às acções apuradas não se provou o dolo configurado na acusação em relação à acção e ao perigo em relação a todos os arguidos, nem a neglicência em relação aos arguidos C… e D….
Em relação ao arguido B… não se provou que este criou ao praticar os factos assentes um perigo concreto os bens jurídicos que aqui protegidos, o que resulta quer do exame realizado pelo T… quer do depoimento do Prof. Eng. Z…, ao negarem a iminência de ruina ou desabamento e colocação em perigo concreto os trabalhadores ali a trabalhar, já que o perigo é potencial é ainda abstracto e futuro só susceptível de se tornar concreto no caso de a construção vir a suportar cargas que façam este aparecer.
Em relação aos demais factos não se logrou estabelecê-los com a certeza constitucionalmente exigida, daí a sua não prova.
Relevaram as declarações dos arguidos sobre a sua situação económica e familiar e os CRC sobre os antecedentes criminais.»

Apreciação dos recursos
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as quais devem sintetizar as razões do pedido sem prejuízo do tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal.
No caso em apreço, face às conclusões apresentadas, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
recurso interposto pelo assistente
-preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos quanto aos demandados D… e C…,
recurso do arguido/demandado B…
-impossibilidade do tribunal condenar o recorrente com base na responsabilidade civil extracontratual, quando existe uma responsabilidade contratual que se subsume ao regime da empreitada.
Comecemos por apreciar o recurso interposto pelo demandado B….
Sustenta o recorrente B… que, não tendo a sua conduta integrado a prática de um crime, não podia ser condenado com base na responsabilidade civil extracontratual dado existir uma relação contratual entre ele e o demandado, por força do contrato de empreitada celebrado, a qual tem primazia sobre aquela.
O art.71.º do C.P.Penal dispõe: «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.», consagrando, assim, o princípio da adesão obrigatória da ação civil ao processo penal, mitigado pelas exceções previstas no art.72.º do C.P.Penal.
Apesar da consagração do regime da ação civil conexa com a penal, a indemnização mantém a natureza civil - art. 129 do C. Penal - e não a de uma consequência da condenação penal.
Daí a possibilidade de o pedido poder ser formulado por simples lesados [art.74.º, n.º 1 do C.PPenal], ou mesmo contra pessoas com responsabilidade meramente civil [art. 73, n.º1 do C.P.Penal], bem como a obrigação de a indemnização ser arbitrada mesmo em caso de sentença penal absolutória - desde que verificados os pressupostos da responsabilidade civil conexa com a criminal.
Nesta conformidade, estabelece o art.377.º, n.º1 do C.P.Penal: «a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 2.»
Como se afirma no Assento n.º7/99, «o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal. E assim se compreende que é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que o Tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil. Só que esta última é a responsabilidade emergente do facto ilícito criminal, ou seja, a responsabilidade a que se refere o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. Esta responsabilidade vem assim definida: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.» Desta forma, o n.º 1 do artigo 377.º do Código de Processo Penal, quando manda condenar na indemnização civil, tem como pressuposto que esta indemnização resulte de um facto ilícito criminal e, no fundo, tendo como base o já citado artigo 483.o do Código Civil. Daí a alusão a que o pedido seja fundado: não é qualquer pedido, mas sim o fundado na responsabilidade aquiliana.» Nesta decorrência foi fixada a seguinte jurisprudência « «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º , n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.»
No caso vertente, o demandante, não obstante existir uma relação contratual entre ele e o demandado B…, deduziu o pedido de indemnização civil contra este, com fundamento no não cumprimento das regras de segurança, de que resultaram danos e dos quais pretende ser ressarcido.
A causa de pedir baseia-se indubitavelmente na responsabilidade civil extracontratual, aliás, a única que podia ser invocada no âmbito do processo penal.
«O regime de adesão não implica uma acção cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime. Essa dependência da acção civil perante a acção penal deriva, no fundo, de ambas provirem da mesma causa material.
O pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal.» - Ac.R.Évora de 17/1/2006, proc. n.º2618/05.1, relatado pelo Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso.
Na responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos ilícitos que causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual). «Apesar de nítida distinção conceptual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (…) a verdade é que elas não constituem, sobretudo na prática da vida, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspectos, responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes» - Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, 7ª ed., 509 e 511.
Tal como se afirma no Ac.R.Coimbra de 16/12/2009, proc.5/05.5TBHP, citado pelo ora recorrido, se o mesmo facto integra um incumprimento contratual e a violação do dever geral de não causar dano a outrem, existe um concurso de responsabilidades, devendo adotar-se a «teoria da opção», conferindo-se ao lesado a possibilidade de escolher, pois «(…) a solução que se afigura preferível é a de que são aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a solução contrária representaria para este um prejuízo grave quando as normas da responsabilidade extracontratual lhe fossem mais favoráveis, e não é de presumir que ele tenha querido, com o contrato, afastá-las, não sendo mesmo válida uma convenção prévia de exclusão de algumas delas (…)» -, Vaz Serra, RLJ ano 102, pág.312.
No caso em apreço, tratando-se de um pedido de indemnização civil deduzido no processo crime, o demandante só poderia fundamentá-lo na responsabilidade civil extracontratual, como fez, e absolvido o arguido do crime que lhe era imputado, nos termos do art.377.º, n.º1 do C.P.Penal, foi condenado no pedido de indemnização, fundado na responsabilidade civil extracontratual.
Não assiste, assim razão ao recorrente, ao pretender dar primazia à responsabilidade civil contratual, esquecendo-se que estamos no domínio do processo crime, em que vigora o princípio da adesão obrigatória consagrado no art.71.º do C.P.Penal e por isso o pedido de indemnização deduzido tinha de se fundar na responsabilidade aquiliana.
Nesta conformidade, improcede o recurso interposto pelo demandado B….
Atentemos agora no recurso interposto pelo assistente/demandante, em que pretende a condenação dos demandados D… e C… no pedido de indemnização civil contra eles formulado.
As questões suscitadas neste recurso são as seguintes:
-impugnação da matéria de facto,
-preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil
O recorrente impugna a matéria de facto, concretamente, o ponto 19 dos factos provados, assim como a factualidade dada como não provada, embora quanto a esta não a identifique expressamente, referente à responsabilidade dos demandados C… e D… pela fiscalização da obra. Invoca para tanto documentação junta aos autos e depoimentos prestados em audiência, mencionando, por referência à ata, onde estão gravados, mas sem especificar quais as passagens concretas dos depoimentos que impõem que se conclua pelo erro na apreciação da prova.
Tendo sido documentadas, mediante gravação, as declarações prestadas em audiência de julgamento, este tribunal pode conhecer amplamente da decisão de facto, uma vez cumprido o disposto no art.412.º n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal
Preceitua o art.412.º n.º3 do C.P.Penal «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente provados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
E o n.º4 do mesmo dispositivo estabelece «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação
A impugnação ampla da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, uma reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, destinando-se tão-só a corrigir erros manifestos de julgamento quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como escreveu Germano Marques da Silva, in Fórum Justitiae, Maio 1999, «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios de julgamento em primeira instância».
«Por isso é que as als. a) e b) do nº 3 do art. 412 do C.P.Penal dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos «concretos» pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados. Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa e em que sentido devia ter sido a decisão.» – Ac.R.Guimarães de 16/11/2009, proc. 30/02.8GEGMR, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, disponível in www.dgsi.pt.
Analisando o recurso interposto, verifica-se que o recorrente não deu cumprimento ao ónus de especificação previsto nos n.º3 e 4 do art.412.º, uma vez que, com exceção do ponto 19 da factualidade dada como provada, não discriminou cada um dos factos que considera incorretamente julgado nem relativamente a cada um dos factos as concretas passagens em que se funda a impugnação e que impõem uma decisão diversa da recorrida. Limita-se a impugnar genericamente a factualidade dada como não provada e que, caso provada, atribuía aos recorridos a responsabilidade pela direção e fiscalização da obra, assim como quanto ao ponto 19 dos factos provados, faz referência a vários depoimentos na sua globalidade, remetendo para a ata onde estão consignado os respetivos início e termo.
Mas ainda que tivesse sido dado cumprimento ao ónus de especificação previsto nos n.º3 e 4 do art.412.º do C.P.Penal, sempre a impugnação ampla da matéria de facto não procedia, pois o recorrente questiona a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, contrapondo a sua própria apreciação da prova produzida, defendendo que as declarações do demandado C… e o depoimento da testemunha I…, não são credíveis.
O recorrente não invoca erros de julgamento, pretendendo tão-só que a sua versão dos factos mereça credibilidade, esquecendo-se, porém, que é ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente. «A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24/11/2004, disponível in www.tribunalconstitucional.pt.
Atentando na fundamentação da matéria de facto, está explicitado de forma minuciosa e coerente o raciocínio que o tribunal fez para formar a sua convicção, designadamente as funções que cabiam a cada um dos demandados, explicitando a destrinça a efetuar entre direção técnica e fiscalização de uma obra.
Improcede, assim, a impugnação ampla da matéria de facto e não se verificando qualquer dos vícios da sentença previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal, vícios, aliás, de conhecimento oficioso, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto.
Sustenta ainda o recorrente que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, no que se refere aos recorridos C… e D…, dado que este, estando-lhes adstritas as funções de direcção e fiscalização da obra, não diligenciaram pela execução da obra segundo as regras legais, regulamentares e técnicas da construção.
O art. 483.º, n.º 1, do C.Civil prescreve que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»
«As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido» [artigo 486º do C.Civil].
Na classificação do Professor Antunes Varela, os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito são:
a) o facto [facto humano controlável ou dominável pela vontade];
b) a ilicitude do facto [nas modalidades de violação de direitos subjetivos ou de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios];
c) o nexo de imputação do facto ao agente [que coenvolve a imputabilidade e a culpa];
d) o dano;
No caso concreto, não tendo resultado provado que os demandados C… e D… tivessem assumido a responsabilidade pela fiscalização da obra [alínea e) dos factos não provados], não se mostra verificada a ilicitude da sua conduta, uma vez para a afirmar impunha-se que se provasse que aos mesmos cabia fiscalizar a execução da obra e por força de não cumprimento de tais funções, não detetaram que o betão e ferro aplicados não obedecia às exigências legais.
Não se mostram, assim, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil quanto aos demandados C… e D…, pelo que não merece censura a decisão recorrida.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar os recursos improcedentes, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

[texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias]

Porto, 13/1/2016
Maria Luísa Arantes
Ana Bacelar