Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4459/12.5TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
CABEÇA DE CASAL
INVENTÁRIO
PARTILHA EXTRAJUDICIAL
PARTILHA ADICIONAL
Nº do Documento: RP201804114459/12.5TBMAI-A.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º672, FLS.2-10)
Área Temática: .
Sumário: I - Se o processo de inventário aberto por óbito do de cujus, no qual foi nomeado como cabeça de casal o exequente, foi extinto, por inutilidade superveniente da lide, face a acordo extrajudicial de partilha, cessa a função de cabeça de casal e, como tal, é o mesmo parte ilegítima para instaurar acção executiva.
II - Trata-se de uma excepção dilatória típica e insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do executado da instância.
III - O chamamento de todos os herdeiros ao processo executivo, constituiria um acto inútil.
IV - Após a partilha extrajudicial, pode ocorrer uma partilha adicional, quando se venha a ter conhecimento de algum bem omitido, mas o cabeça de casal tem de o fazer observando os requisitos exigidos no artº 2089º do CCivil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 4459/12.5TBMAI-A.P1
Apelação (350)
Sumário
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ACÓRDÃO
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
O executado B… deduziu oposição à execução que lhe move o exequente C…, alegando, em síntese:
1) A ilegitimidade de C… para deduzir a execução. A este propósito refere que correu termos um processo de inventário onde foram habilitados todos os herdeiros do falecido D… e nele figurou como cabeça de casal o ora exequente. Contudo, esse processo de inventário ter-se-á extinto por ter sido feita uma partilha extrajudicial da herança aberta por morte de D… pelo que, se pôs termo à comunhão hereditária operando-se a extinção dessa herança, extinguindo-se também o cargo de cabeça de casal, sendo portanto o exequente, parte ilegítima para os termos da execução, pois o direito emergente desse contrato não podia integrar uma comunhão hereditária extinta.
2) Não estarem reunidos os pressupostos do art. 2089.º do Código Civil e que a haver um exequente seria a herança aberta por óbito de D… caso ela ainda se encontrasse ilíquida, indivisa e não partilhada, em que essa execução teria que ser requerida por todos os titulares da herança nos termos do art. 2091.º
3) Que, o cheque dado à execução não é título executivo pois não está feita a menção da data do saque, por isso, é nulo.
4) E impugna a matéria vertida no requerimento executivo referindo que o cheque em causa se trata de um cheque garantia e que já foi pago.
Conclui, pugnando pela extinção da execução e levantamento imediato da penhora efectuada sob o imóvel do executado.

O exequente contestou alegando, em síntese:
1) Quanto à extinção do processo de partilha, diz ser tal questão bem diferente da conclusão da partilha sendo que, o acordo de transação junto ao processo de inventário não fazia qualquer menção a escritura de partilha nem muito menos que esta estivesse concretizada, porque efectivamente não tinha sido e que não cessou a indivisão quanto ao direito em causa na presente acção o qual não foi adjudicado a nenhum dos herdeiros.
2) Refuta a versão do executado de que o cheque dado à execução tenha sido entregue como garantia do pagamento de uns veículos.
3) Defende a validade do mútuo que o cheque incorpora.

Foi proferida decisão que julgou a presente oposição à execução procedente, declarando o exequente parte ilegítima para instaurar a acção executiva a que os presentes autos estão apensos e, em consequência, absolveu o executado da instância.
Mais determinou a extinção da execução e o levantamento da penhora ordenada nos autos.

Inconformado, apelou o exequente, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
I. No âmbito do presente processo teve lugar a audiência de julgamento no termo do qual após produção de prova, a Mma Juiz do Tribunal “a quo” entendeu que existia questão prévia que obstava ao conhecimento do mérito da causa e que se prendia com a legitimidade do Exequente para instaurar a presente acção.
II. Após produção de prova, a Mma Juiz do Tribunal “a quo” limitou-se a pronunciar-se apenas quanto aos factos que, segundo o seu entendimento, serão os únicos factos que relevam para a decisão da legitimidade activa para instaurar a presente ação.
III. Ora, nos termos do disposto no art. 607º do NCPC, o mesmo resultava do disposto no anterior 659º do CPC, o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; devendo, na fundamentação da sentença, declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
IV. Uma vez realizada audiência de julgamento com produção de prova, a Mma Juiz do Tribunal a quo deveria pronunciar-se, discriminando, todos os factos dados como provados e não provados.
V. A decisão proferida não declara quais os factos que o tribunal julga, face à prova produzida, provados ou não provados.
VI. Ao não se pronunciar sobre questões que deveria conhecer, a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art. 615º nº1 d) do NCPC.
VII. A sentença proferida pela Mma Juiz do Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a matéria de facto, viola o disposto no art. 607º do NCPC.
VIII. Deste modo, a decisão recorrida é ilegal, pelo que deve ser revogada.
IX. A Mma Juíza do tribunal “a quo” declarou que o Exequente carecia de legitimidade activa e consequentemente absolveu o Executado da instância.
X. A sentença deve conter os fundamentos nos quais o Juiz assentou a sua decisão.
XI. Toda e qualquer decisão deve ser fundamentada, no mínimo que seja, por forma a que as partes consigam apreciar as razões que subjazem ao decidido e possam acatar, pelos meios legalmente possíveis, incluindo o recurso, caso se não conformem com ela – cfr. Ac. RL, de 12-12-1990, BMJ, 402-658
XII. A sentença deve constituir um todo que, lógica e coerentemente, conduza ao conhecimento do raciocínio feito pelo julgador para chegar às conclusões a que chegou, cfr. Ac. RC, de 11-07-1997, BMJ, 469-664
XIII. Determina o art. 615º nº1 c) do NCPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (sublinhado nosso)
XIV. Não são perceptíveis os fundamentos que determinaram que a Mma Juíza do Tribunal “a quo” declarasse o Exequente parte ilegítima.
XV. Não conseguindo o Exequente apreender com clareza qual ou quais os efectivos fundamentos que determinaram a sua ilegitimidade.
XVI. A sentença ora posta em causa é nula por não ser perceptível para o Exequente qual ou quais os efectivos fundamentos que determinaram a declaração de ilegitimidade do Exequente pelo Tribunal a quo.
XVII. A sentença proferida pela Mma Juiz do Tribunal a quo, viola o disposto no art. 131º nº3 do NCPC.
XVIII. Deste modo, a decisão recorrida é ilegal, pelo que deve ser revogada.
Sem prescindir,
XIX. Pelo que se consegue extrair da leitura da sentença aqui posta em crise, tal decisão assentará em dois possíveis argumentos:
XX. O primeiro fundamento estaria relacionado com o facto de a Mmª Juíza do tribunal “a quo” ter considerado que a legitimidade do exequente encontrava-se posta em causa por ter concluído pela existência de uma partilha extrajudicial dos bens do falecido o que terá conduzido à extinção do cargo de cabeça de casal.
XXI. O segundo fundamento prende-se com o facto de o cabeça de casal, desacompanhado dos demais herdeiros, não possuir capacidade legitimária para propor judicialmente dívidas não qualificadas como de perigo.
XXII. Impugna-se a decisão recorrida quer com base num fundamento quer com base noutro.
XXIII. Quanto ao primeiro possível argumento, note-se que na matéria dado como assente, com relevância, para a causa, a Mma Juíza deu como provado apenas que:
“Sob o processo nº 964/11.9TBMAI do 1º juízo Cível deste Tribunal correu termos o Inventário (Herança) por óbito de D…, no qual foi nomeado cabeça de casal o aqui Exequente” e que “o referido processo foi extinto por decisão transitada em julgado proferida a 31-05-2012 que declarou extinta por inutilidade superveniente da lide na sequência da apresentação de um requerimento subscrito por todos os herdeiros que declararam “na pendência do presente processo, lograram as partes obter um acordo extrajudicial de partilha, tendo o mesmo já sido formalizado no passado dia 15 de Maio de 2012”.
XXIV. Ora, para que pudesse proceder o argumento da ilegitimidade do Exequente em virtude de ter existido uma partilha extrajudicial era essencial que a Mmª Juíza tivesse dado como provado que o bem aqui em causa foi objecto de partilha.
XXV. Não podia a Mm Juíza do Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do Exequente com fundamento na existência de uma partilha extrajudicial sem se ter pronunciado sobre a existência de partilha do bem aqui em causa.
XXVI. Pelo que a sentença ora posta em causa é nula por a Mmª Juíza do tribunal a quo não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado, nos termos do disposto no art. 615º, nº1 d) do NCPC.
XXVII. A sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a matéria de facto, viola o disposto no art. 607º do NCPC.
XXVII. Deste modo, a decisão recorrida é ilegal, pelo que deve ser revogada.
Sem prescindir,
XXIX. Quanto ao possível segundo argumento, isto é, a ilegitimidade do Exequente resultar do facto de não poder intentar a presente acção desacompanhado dos demais herdeiros, impugna-se também a sentença recorrida.
XXX. Ora, no caso em apreço, e conforme resulta da sentença aqui posta em causa, estamos perante uma ação que deveria ser intentada por todos os herdeiros, ou seja, trata-se de um caso de litisconsórcio necessário.
XXXI. Nos casos de legitimidade plural, em que a ilegitimidade deriva da falta de intervenção de terceiro litisconsorte necessário, a ilegitimidade é sempre suprível, como decorre do disposto nos artigos 269º e 325º do Código de Processo Civil.
XXXII. Dispõe o artigo 6º nº 2 do NCPC, sob a epigrafe de “Dever de gestão processual”, que “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização de atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
XXXIII. Trata-se de um verdadeiro dever e não de uma mera faculdade concedida aos juízes.
XXXIV. Caso se considere que o preceito ora invocado, não se aplica aos presentes autos face ao disposto no nº 4 do art. 6º da lei 41/2013, o que só por mera cautela e dever de patrocínio se equaciona, o mesmo dever já resultava do anterior CPC.
XXXV. Tal norma, embora aparentemente nova, coincide com o art. 265º e 265º-A do CPC.
XXXVI. Determinava o art. 265º do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei 180/96, de 25-09, que “o Juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação
subjectiva da instância convidando as partes a praticá-los”.
XXXVII. Ora, considerando a Mm Juíza a quo que, o Exequente não tinha legitimidade para, desacompanhados dos demais herdeiros, propor a presente acção deveria ter determinado que o Exequente suprisse a falta de pressuposto processual, convidando-o a chamar ao processo os demais herdeiros, evitando assim a absolvição da instância e uma eventual renovação do processado. – cf. Ac. RE, de 15-04-1999:BMJ, 486-377
XXXVIII. A sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo que, declarou o Exequente parte ilegítima viola o disposto no art. 6º do NCPC, que como vimos já resultava do art. 265º do anterior CPC.
XXXIX. Deste modo, deve ser revogada a sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo que declarou o Exequente parte ilegítima e, em sua substituição ser proferida decisão que convide o Exequente a fazer intervir na acção os demais herdeiros.

Foram apresentadas contra-alegações pelo executado, cujas conclusões são as seguintes:
1ª Resulta claramente das conclusões do Recorrente que ele reconhece que o caso dos autos não é subsumível ao disposto no art.º 2089.º do C.C, não sendo assim parte legítima para os termos da presente acção.
2.ª Atento o valor da execução, o Juiz só toma conhecimento da posição de ambas as partes após a penhora, citação, oposição e contestação da oposição perante o Exequente.
3.ª No caso dos autos, o Tribunal não conheceu, no despacho saneador, da ilegitimidade do Exequente para os termos desta execução, invocada pelo
Executado, relegando esse conhecimento para a decisão final, onde reconheceu a existência dessa excepção, absolvendo o Executado da instância.
4.ª O Recorrente insurge-se contra tal decisão, alegando que deveria ter especificado os factos julgados provados e não provados, e que deveria ter convidado o Recorrente a requerer a intervenção dos outros herdeiros.
5.ª O Recorrente não tem razão em ambos os aspectos.
6.ª Julgando procedente a arguida ilegitimidade do Recorrente, ao Tribunal estava vedado conhecer dos demais factos julgados provados ou não provados, porque respeitantes ao mérito da causa, que não teriam qualquer efeito jurídico. Seriam, por isso, actos inúteis.
7.ª Atenta a natureza do processo executivo, e o facto do Exequente se bater expressamente pela sua legitimidade até ao termo da audiência de discussão e julgamento, só mudando agora de opinião, não podia o Tribunal fazer um “pré-julgamento”, para poder dizer ao Exequente que ele não tinha razão, ao mesmo tempo que o convidava a regularizar a instância executiva e a instância de oposição à execução.
8.ª Todavia, caso o Tribunal assim tivesse decidido, e o Exequente tivesse acedido ao convite de requerer a intervenção das irmãs que, com ele, foram herdeiras de uma herança liquidada e partilhada, como o foi, no entender do Recorrido, teríamos mais uma fonte de discussão, fosse de aceitação ou rejeição da chamada, por parte das chamadas, dessa requerida intervenção, porque sempre o Tribunal, antes ou após a formulação do requerimento de intervenção, teria que decidir qual era o título por que as outras herdeiras intervinham: se como titulares de um quinhão hereditário ou se como contitulares (de uma quota) de um crédito.
9.ª Tal situação colocaria até uma outra questão, esta atinente à forma de processo, cujo requerimento foi formulado em nome da herança. Ora, caso o Tribunal aderisse à tese do recorrido, não se vê como o Exequente, que é uma herança, seria substituído por outras pessoas.
10.ª Estes aspectos demonstram que o Tribunal nunca podia ter feito o convite de que o Exequente só agora dele se lembrou.
11.ª A pretensão do Recorrente viola assim as próprias normas que invoca, bem como as que, com propriedade foram invocadas na sentença recorrida, que deverá ser mantida.

Foram colhidos os vistos legais.
II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Novo Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
1. Saber se a sentença recorrida é nula nos termos do artº 615º nº 1, als. c) e d) do CPCivil.
2. Saber se a sentença recorrida ao ter declarado o exequente parte ilegítima, viola o disposto no artº 6º do CPC.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A execução de que os presentes autos são apensos tem por título executivo um cheque n.º ………. sacado sobre a E… no valor de 7.800,00€, emitido e assinado por B… à ordem de D… - cfr. cópia do documento junto aos autos principais a fls. 5 e cujo teor no demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada por C… que, no requerimento executivo consignou:
1º O Exequente é Cabeça de Casal da Herança aberta por óbito de D….
2º O Sr. D… e o Executado celebraram um contrato de mútuo, através do qual o Sr. D… emprestou ao Executado o montante de 7.800,00€ e este se obrigou a restituir.
3º Para pagamento da quantia supra referida o Executado emitiu e entregou a D… o cheque nº ……….., no valor de 7.800,00€, sacado s/ E…., - cf. doc.1 que ora se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4º Apresentado a pagamento o referido cheque, o mesmo veio devolvido - cf. doc.1 já junto e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5º Deste modo, o Executado encontra-se em débito no montante de 7.800,00€.
6º A esta quantia acrescem ainda juros de mora vencidos à taxa legal, juros que, na presente data, perfazem a quantia de 2.461,81€.

(a sentença recorrida é omissa quanto ao subponto 7º, desconhecendo-se se, por lapso ou se o exequente no seu requerimento executivo o apresentou desde logo mal numerado)

8º Pelo que, o Executado se encontra em dívida no montante de 10.261,81€.
9º A esta quantia devem ainda acrescer juros de mora vincendos desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
3. Sob o processo n.º 964/11.9TBMAI do 1.º Juízo Cível deste Tribunal correu termos o Inventário (Herança) por óbito de D…, no qual foi nomeado como cabeça de casal, o aqui Exequente.
4. O referido processo foi extinto por decisão transitada em julgado proferida a 31.5.2012 que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na sequência da apresentação de um requerimento subscrito por todos os herdeiros que declararam “na pendência do presente processo, lograram as partes obter um acordo extrajudicial de partilha, tendo o mesmo já sido formalizado no passado dia 15 de Maio de 2012” – cfr. documento junto aos autos a fls. 29 e ss. E cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
IV – FUNDAMENTAÇÂO DE DIREITO
1.Saber se a sentença recorrida é nula nos termos do artº 615º nº 1, als. c) e d) do CPCivil.
O exequente/recorrente sustenta que a decisão recorrida é nula, nos termos da al. c) do nº 1 do citado artº 615º do CPC, por ser ambígua e obscura, já que não são perceptíveis os fundamentos que determinaram, em seu entender, na decisão recorrida, que se declarasse o exequente parte ilegítima.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O normativo adjectivo civil relativo às causas de nulidade da sentença – artº 615º do CPC - estabelece no seu nº. 1 alínea c) que é nula a sentença quando, para além do mais, ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A este propósito, consta da decisão recorrida, a seguinte fundamentação:
“A questão que se impõe apreciar, desde logo, nos presentes autos é, a de saber se o Exequente tem ou não legitimidade para instaurar a presente execução.
Entendemos que não.
Expliquemos porquê.
C… instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa alegando fazê-lo na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, D….. O título executivo é um cheque passado pelo executado em nome do de cujus.
Resultava já dos documentos juntos aos autos que fora instaurado processo de inventário judicial o qual culminou na extinção por inutilidade superveniente da lide na sequência de ocorrência de acordo extrajudicial entre os herdeiros.
Nos termos do estatuído no art. 2079.ºdo Código Civil, o cabeça de casal tem a seu cargo a administração da herança até, à sua ultimação e partilha, a qual respeita aos bens próprios do falecido.
A função de cabeça de casal extingue-se assim após a conclusão da partilha, sempre sem prejuízo de se levar a cabo uma ulterior partilha adicional.
Significa isto que a legitimidade de C… encontra-se desde logo posta em causa quando se conclui ter existido uma partilha extrajudicial dos bens do falecido, pelo que não goza o exequente da legitimidade activa para em nome da herança – que foi partilhada – vir aduzir a presente execução.
Mas mesmo a entender-se existir um bem de conhecimento ulterior à partilha que urja agora partilhar, sempre o exequente não estaria dotado de legitimidade para o fazer cobrar na presente acção, decorrendo a falta deste pressuposto processual do estatuído no disposto no art. 2089.º do Código Civil.
De facto, compete também ao cabeça de casal o exercício dos direitos judiciais atinentes com os bens que compõem o património da herança, como seria o cheque dado à execução caso se concluísse ser o mesmo válido e permanecer em dívida o montante nele incorporado.
Dentro do exercício desses direitos judiciais integra-se o direito a propor acções destinadas a cobrar as dívidas activas da herança, como seria a acção ora em análise.
Acontece que a legitimidade do cabeça de casal para instaurar este tipo de acções está condicionada aos requisitos impostos no citado art. 2089.º do CC. ou seja, o cabeça de casal apenas pode cobrar as dívidas da herança quando essa cobrança possa perigar com a demora ou quando o pagamento seja feito espontaneamente, o que manifestamente não foi alegado, por um lado, nem aconteceu, por outro, no caso concreto.
Este poder dever do cabeça de casal visa garantir a salvaguarda de certa espécie de bens da herança cujo risco de perda se afigura como mais iminente e que, ao cabeça de casal, cumpre especificadamente defender na sua qualidade de administrador.
Mas como explica INOCENCIO GALVAO TELES “só essas e não as que não periguem se explica e é justo (sucessões – Parte Geral, 2004, pág. 98/99 poder o cabeça de casal, cobrar.
Cunha Gonçalves menciona casos em que pode resultar perigo da demora na cobrança os seguintes: a) se o devedor decair de fortuna e houver receio da insolvência; b) se o devedor for executado por outro credor e for necessário entrar em concurso de credores; c) se o devedor pretender ausentar-se para o estrangeiro e a divida não se achar devidamente garantida; d) se o devedor estiver dissipando ou alienando real ou simultaneamente os seus bens” – Cfr. Cunha Gonçalves Tratado DCivil, X 669., factos estes que não foram minimamente aflorados ao longo de todo o processado.
Concluindo, mesmo a entender-se que C… mantinha a qualidade de cabeça de casal, antes extinta por força da partilha de bens alcançada extrajudicialmente, e agora “renascida” por força da administração de bens ulteriormente conhecidos, sempre o mesmo padecia de ilegitimidade para instaurar a presente acção executiva pois que não possui capacidade legitimária para propor judicialmente dívidas não qualificadas como de perigo.
Defende inclusive F… que esta ilegitimidade só seria sanada caso obtivesse “para tanto autorização da conferência de interessados sob pena de ilegitimidade (cfr. Partilhas Judiciais Volume I, pág, 363), o que, consigne-se foi manifesto não existir atenta a discordância das demais herdeiras inquiridas em audiência sobre a presente dívida.
Já na anotação que ao art. 2089.º fazem Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, Volume VI pá. 149, referem “A cobrança de dívidas activas deve, em princípio ser feita, pelos herdeiros em cujos quinhões os créditos tenham vindo a caber. (…)
Se o pagamento da dívida é feito espontaneamente pelo devedor, que pretende liberar-se espontaneamente, com a possível pontualidade, das dívidas que o oneram, nenhuma razão existe para negar ao cabeça de casal legitimidade para receber o pagamento e ter a coisa entregue.”, o que manifestamente não aconteceu no presente caso. A regra é a de que “a cobrança dos créditos (dívidas activas) da herança não cabe no pelouro do cabeça de casal atento o carácter temporário bastante limitado da sua função. Só nas circunstâncias especiais destacadas no art. 2089.º é natural e legítima a sua intervenção nesse foro” – cfr. obra citada.
A ilegitimidade do cabeça de casal para propor a presente acção vem também defendida na jurisprudência, ainda que antiga, mas que mantem a sua actualidade, pois que se defende que a conjugação do art. 2088.º e 2091.º ambos do CC demonstra que o cabeça de casal é parte ilegítima para, desacompanhado dos demais interessados na herança, propor as acções de execução para cobrança de dívidas do cujus e herança. Veja-se neste sentido Acórdão do STJ 27.10.1998 BMJ 480-392.
Nos presentes autos, o Exequente não alega em parte alguma quaisquer factos que se subsumam no perigo de demora, nos termos acima assinalados.
Foi ainda evidente, em sede de julgamento, inexistir consenso entre os demais herdeiros na instauração da presente demanda.
Assim sendo, impõe-se concluir, pelas razões acima expostas, ser C…, parte ilegítima para a instauração da acção executiva a que os presentes autos estão apensos.
Procede, pois, a excepção de ilegitimidade invocada, impondo-se a extinção da execução”.
Ora, analisada a fundamentação da decisão recorrida facilmente se constata não assistir qualquer razão ao apelante, pois a mesma é inteligível no seu todo e, nomeadamente quanto à declaração de ilegitimidade do cabeça de casal.
Do que se trata, pura e simplesmente é da discordância do recorrente relativamente à solução jurídica encontrada.
Certamente o apelante esquece que as causas da nulidade da sentença, taxativamente enumeradas no citado artº 615º do CPC, não incluem no seu elenco, um eventual erro de julgamento.
Se a matéria foi bem ou mal apreciada é questão que se situa a outro nível, nada tendo a ver com os vícios previstos naquele normativo legal.

Sustenta ainda o recorrente que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artº 615º nº 1 al. d) do CPCivil, porque após a produção de prova não discrimina todos os factos provados e não provados.
Certamente, por lapso, o recorrente integra esta alegada omissão da sentença recorrida na al. d) do mencionado preceito legal quando a mesma deve integrar-se na al. b).
Efectivamente, nos termos da lei adjectiva civil (artº. 615º do CPC) é nula a sentença quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (nº. 1 b) do artº. 615º do CPC).
A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Na verdade, a fundamentação das sentenças/despachos é uma exigência constitucional - artº. 205º nº.1 da Constituição da República Portuguesa - e legal – artºs. 154º e 607º do CPC.
É através da fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos (de facto e de direito), gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado artº. 615º do Código Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença e/ou despacho, sujeita-a(o) ao risco de ser revogada(o) ou alterada(o) em recurso, mas não produz nulidade.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença e/ou despacho, nos termos enunciados correspondem a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação).
São vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
Vejamos, então, se a decisão recorrida enferma da apontada nulidade.
Analisando a sentença recorrida, verificamos que, na mesma se elencou a factualidade provada necessária e suficiente atinente à decisão sobre a ilegitimidade activa para instaurar a execução por parte do exequente, circunstancialismo, de resto, que se fez consignar antes de se elencar a factualidade provada.
Poder-se-iam (ou não) ter provado outros factos em audiência de julgamento.
No entanto, para a decisão a proferir sobre a ilegitimidade activa do exequente, entendemos que os factos que foram descritos são os necessários e suficientes para se proferir decisão nesse sentido e, nessa medida, pode-se concluir inexistir a invocada omissão da factualidade provada e não provada.
Por isso, concluímos pela não ocorrência da apontada nulidade da sentença recorrida, não se mostrando violado o invocado artº 607º nº 4 do CPC (artº 615º nº 1 al. b) do CPC).

2.Saber se a sentença recorrida ao ter declarado o exequente parte ilegítima, viola o disposto no artº 6º do CPC.

Alega o exequente/apelante que o T. a quo deveria ter determinado que, este suprisse a falta do pressuposto processual – ilegitimidade do cabeça de casal - in casu, convidando o exequente a chamar aos autos, os demais herdeiros.
Ora, perante a oposição à execução, o juiz recebe-a, nos termos do artº 817º do CPC (actualmente artº 732º do CPC) e declara suspensa a execução, nos termos do artº 818º/2 do CPC (actualmente artº 733º/2 do CPC) e determina que o exequente seja notificado para contestar.
Foi isso que foi feito por despacho de fls. 34 dos autos.
O exequente, cabeça-de-casal contestou, conforme consta de fls. 38 e segs. dos autos.
No despacho saneador, o Mmº Juiz a quo entendeu que, em face das excepções invocadas na oposição à execução, haveria que efectuar prova, pelo que, relegou para momento ulterior a decisão sobre as mesmas.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e quando o Mmº Juiz se preparava para responder à matéria de facto, proferiu o seguinte despacho:
“…
Acontece que, depois de melhor analisada a matéria em causa nos autos e de consultado o processo 964/11.9TBMAI que correu termos no 1º juízo cível deste tribunal (que se consigna ter sido consultado pela signatária via citius) entendemos que existe questão prévia que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que contende com a legitimidade do exequente para instaurar a presente acção e que urge conhecer de imediato.
Porque assim é, consignar-se-ão infra os únicos factos que relevam para a decisão da legitimidade activa para instaurar a presente execução, a qual se trata de questão prévia que ainda não está decidida e que se passará a proferir, de seguida e de imediato, pois que obstaculiza ao conhecimento da restante factualidade”.
E, de seguida passaram a enunciar-se os factos provados e respectiva fundamentação, proferindo-se a sentença, de imediato.
Assim, tendo em conta a posição das partes, em que o exequente entende ser parte legítima e o executado entende que aquele é parte ilegítima, o recorrente entende que o Mmº Juiz a quo deveria tê-lo convidado a, no saneador ou antes da audiência de julgamento, suprir tal falta, assegurando tal legitimidade com a intervenção dos demais herdeiros.
Será assim?
De acordo com o artº 6º/2 do CPC, “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
É verdade que o dever de gestão processual tem de ser exercido com conta, peso e medida e não de forma discricionária, porquanto tem como limites inultrapassáveis o respeito pelos princípios da igualdade das partes e do contraditório, da aquisição processual de factos e da admissibilidade dos meios probatórios de tal modo que, ultrapassada qualquer destas barreiras o seu exercício torna-se ilegítimo e, como tal motivador de recurso (anotação ao artº 6º do Novo Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, 3ª ed. Revista e ampliada).
No entanto, atendendo ao que dispõe o artº 2091º do CCivil, é óbvio que o cabeça de casal, ora apelante, não poderia propor a acção de execução para cobrança de dívida do de cujus desacompanhado dos demais herdeiros e, por isso, o T. a quo poderia, de facto, ao abrigo da supra citada disposição legal – artº 6º do CCivil – convidar o exequente/apelante a sanar a sua ilegitimidade activa, chamando aos autos os demais herdeiros, não fosse dar-se o caso, tal como decorre da matéria de facto provada, de a função de cabeça de casal se encontrar extinta.
Com efeito, atento o disposto no artº 2079º do CC, o cabeça de casal tem a seu cargo a administração da herança até, à sua ultimação e partilha, a qual respeita aos bens próprios do falecido.
Ora, como decorre da factualidade provada, o processo de inventário aberto por óbito de D…, no qual foi nomeado como cabeça de casal o exequente, foi extinto, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que se obteve acordo extrajudicial de partilha (decisão transitada em julgado, proferida em 31/05/2012).
Deste modo, tendo ocorrido partilha extrajudicial dos bens do falecido, a função de cabeça de casal de que o exequente agora se arroga mostra-se extinta, nos termos da citada disposição legal, ficando, assim, o mesmo destituído de legitimidade activa para instaurar a acção executiva, o que se traduz numa excepção dilatória típica e insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do executado da instância (artºs 278º nº 1 al. d), 576º nº 1 e 2, 577º al. e), 578º, 591º nº 1 al. b) todos do CPCivil) e, como tal o pretendido chamamento de todos os herdeiros a este processo constituiria um acto inútil, o que como se sabe é proibido por lei (artº 130º do CPCivil).
Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a presente acção estaria votada ao insucesso.
Com efeito, pode, de facto, ocorrer uma partilha adicional quando após a partilha extrajudicial se venha a ter conhecimento de algum bem omitido (artº 2122º do CCivil), in casu, seria um alegado activo da herança – o cheque dado à execução.
Só que o cabeça de casal tem de o fazer observando os requisitos exigidos no artº 2089º do CCivil, ou seja, o cabeça de casal apenas pode cobrar as dívidas da herança quando essa cobrança possa perigar com a demora ou quando o pagamento seja feito espontaneamente.
Ora, nem tal foi alegado nem tal se provou em audiência de julgamento, como vem referido na sentença recorrida, atenta a discordância dos demais herdeiros inquiridos sobre essa mesma dívida.
E daí, também que, com este fundamento se considere o cabeça de casal, parte ilegítima para propor a acção executiva.
Por isso, conclui-se, in totum, pela improcedência da apelação.
V – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)
Porto, 11/04/2018
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho