Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/14.8T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
DIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADE
VIDA PRIVADA
VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
GPS
MEIO DE PROVA
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RP2016120520/14.8T8AVR.P1
Data do Acordão: 12/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 249, FLS.182-226)
Área Temática: .
Sumário: I - A utilização do GPS - como equipamento eletrónico de vigilância e controlo que é - e o respetivo tratamento dos dados recolhidos implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, consignado no art. 26.º, n.º 1, da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores controlados.
II - Estando em causa o tratamento de dados pessoais e recolha de registos através da utilização do GPS, 24 horas por dia, 7 dias por semana, a mesma está sujeita às considerações previstas nos art.20.º e 21.º do Cód. Trabalho.
III - Uma vez que a entidade empregadora não deu cumprimento aos requisitos de utilização previstos nestes normativos, forçoso é concluir que os dados pessoais referentes ao trabalho não foram recolhidos de forma lícita e como tal não poderão ser utilizados como meio de prova em sede de procedimento disciplinar e respetiva impugnação judicial do despedimento.
IV - É comum dizer-se que as presunções não são, propriamente, meios de prova, mas meios lógicos ou mentais ou afirmações formadas em regras da experiência e pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida das quais resulta que um facto é consequência típica de outro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 20/14.8T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro-Aveiro Instância Central 1.ª Secção Trabalho J2.
Relator - Domingos Morais – Registo 560
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. – B…, nos autos identificada, apresentou procedimento cautelar de suspensão preventiva do despedimento – artigo 98.º-C, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho (CPT).
- C… S.A., frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado motivador do despedimento da autora, alegando, em resumo, que, a 4 de Abril de 1988, admitiu a autora ao seu serviço, através de um contrato de trabalho a termo certo, renovado sucessivamente, até que se converteu num contrato sem termo, em vigor até ao despedimento por justa causa; que a autora exercia as funções de Delegada de Informação Médica (DIM); que como DIM, a autora exerceu sempre as suas funções no exterior da empresa, deslocando-se de localidade em localidade, tendo-lhe sido atribuída uma viatura, como instrumento de trabalho, equipada com um dispositivo de GPS, com conhecimento da autora, monitorizado pela empresa D…; que o GPS não reportava diariamente dados para o portal desde novembro de 2013; que, após uma inspecção ao GPS, verificou-se que o cartão GSM estava queimado, a gaveta/entrada do cartão tinha sido mexida e o cartão estava encavalitado; que o cartão GSM foi queimado pela autora e que as despesas com as deslocações indicadas pela autora, nos relatórios mensais, não correspondem aos quilómetros percorridos indicados pelo GPS.
Termina, concluindo: “Termos em que deve a presente acção ser declarada improcedente por não provada e, consequentemente, absolvida a Ré do pedido, sendo o despedimento da A. considerado lícito por provados os seus fundamentos.
Por mera cautela de patrocínio, caso o despedimento venha a ser declarado ilícito, mais se requer que:
a) Fique excluída a reintegração da trabalhadora B….
b) Sejam deduzidas todas as importâncias que a A. não receberia se não fosse o despedimento.”.
2. – Notificada, a autora apresentou contestação, na qual impugna a factualidade que sustenta a motivação do despedimento; invoca a ilegitimidade da prova – aparelho GPS - em que se baseia todo o procedimento disciplinar e a presente acção, mormente, por falta de autorização, para o efeito, da Comissão Nacional de Protecção de Dados, e alega que inexiste justa causa de despedimento.
E, formulando pedido reconvencional, concluiu: “deve a petição inicial ser julgada improcedente por não provada e consequentemente:
b) Ser considerado ilícito o despedimento da Autora por parte da Ré, por falta de motivo justificativo, e, consequentemente, ser declarada a nulidade do mesmo.
c) Ser a Ré condenada a reintegrar a Autora, sem prejuízo de categoria ou antiguidade, ou no pagamento da indemnização prevista no artigo 391º do Código do Trabalho, no caso da Autora optar por esta, conforme supra exposto na contestação.
f) Ser a Ré condenada a pagar as retribuições mensais vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que julgar ilícito o despedimento;
g) Ser a Ré condenada a pagar os juros vencidos e vincendos sobre todas as quantias em dívida, desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento
h) Ser a Ré condenada a devolver à Autora o valor de €35,68, descontados por compensação com os custos de recolha dos instrumentos de trabalho, conforme supra exposto
i) Ser a Ré condenada a pagar uma indemnização no valor de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais infligidos à Autora.”.
3. – A ré respondeu, excepcionando a competência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido da autora, sob a alínea h), e excepcionando a cumulação ilegal de pedidos em razão da espécie de cada um.
Termina, dizendo:
A) Deve ser julgada procedente por provada a excepção dilatória invocada de incompetência material, sendo nesta parte a Ré absolvida da instância,
Ou
B) Mesmo que assim não se entenda, Deve ser julgada procedente por provada a excepção dilatória invocada acerca da inadmissibilidade legal de cumulação sucessiva de pedidos, sendo nesta parte a Ré absolvida da instância,
E
C) Deve o pedido de indemnização a título de danos morais sere julgado improcedente, por não provado, absolvendo-se a Ré do mesmo.”.
4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento, decidida a matéria de facto e fixado o valor à causa, a Mma. Juiz proferiu decisão: “declarando-se lícito o despedimento da A., julgam-se improcedentes todos pedidos pela mesma formulados que assentavam na ilicitude do mesmo, condena-se a R. apenas a restituir-lhe a quantia de de €35,68 (trinta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos) que lhe descontou indevidamente a título de custos com a recolha dos instrumentos de trabalho”.
5. – A autora, não se conformando, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“I. A douta sentença considerou provado que “O GPS é o único meio eficaz para a R. verificar o horário de trabalho efectuado pelos DIM e os percursos e quilómetros pelos mesmos declarados no CRM”, o que não resulta da prova produzida nos autos.
II. Os aparelhos GPS apenas foram instalados em 2011, tendo a Recorrente sido contratada pela Recorrida em 1988, sendo que até à instalação dos equipamentos em causa, a Recorrida nunca necessitou de qualquer “auxiliar” para o exercício eficaz do seu poder de direcção e fiscalização, no que diz respeito à actividade desenvolvida pelos seus Delegados de Informação Médica.
III. A Recorrida continua a ter, muitos outros mecanismos ao seu dispor que permitem avaliar o desempenho da Recorrente, sem que tenha de ser invadida a sua esfera privada, como o número de vendas, o contacto com clínicas e médicos e o acompanhamento no campo feito por chefias da equipa de vendas.
IV. Conforme refere a testemunha E…, os DIMS são acompanhados pelos chefes de venda e chefes regionais de venda pelo menos duas vezes por trimestre, o que se verifica pelo seu depoimento gravado no ficheiro áudio 20150226104056_2890014_2870430, seguinte passagem 00:08:13 a 00:11:09.
V. Semanalmente todos os DIMs ao serviço da Recorrida recebem mapas de produtividade, rankings de vendas, médias de cobertura idas às urgências, consultas externas e frequências de visita, que são enviados pelo chefe nacional de vendas acompanhados de um minucioso e apertado estudo da situação das vendas e da produtividade de cada DIM.
VI. Os mecanismos de fiscalização foram relatados pelos colegas e ex-colegas da Recorrente, ouvidos no âmbito da instrução do processo disciplinar e pela testemunha E…, superior hierárquico da Recorrente, conforme depoimento gravado no ficheiro áudio 20150226104056_2890014_2870430, nas passagens 01:16:42 a 01:17:38 e 01:19:17 a 01:19:38, tendo a mesma testemunha chegado a referir que o controlo que faz da actividade da Recorrente e da restante equipa, se baseia no contacto directo, via telemóvel, conforme consta da passagem 00:21:01 a 01:21:53, tendo ainda afirmado que poderia haver contacto directo com os clínicos visitados, caso tal fosse necessário, conforme 01:23:01 a 01:29:40.
VII. A mesma testemunha, cujo depoimento ficou gravado no ficheiro áudio 20150226104056_2890014_2870430, refere também que nem todos os DIMS utilizam carros com GPS instalado e que, mesmo assim, consegue controlar a sua actividade de forma eficaz, conforme passagens 00:19.a 00:20:15 e 01:30:30 a 01:31:32
VIII. Apenas uma pequena minoria dos laboratórios farmacêuticos e empresas utilizam os GPSs na sua frota, conforme é do conhecimento geral.
IX. Por outro lado, é perfeitamente possível verificar os quilómetros efectivamente percorridos em serviço através da comparação dos quilómetros indicados no conta quilómetros do carro e a distância necessária para fazer os percursos diários que os DIM fazem para realizar as visitas que declaram no sistema CRM.
X. A testemunha F…, cujo depoimento ficou gravado no ficheiro áudio 20150320112610_2890014_2870430, indicou que a verificação dos quilómetros particulares se fazia, normalmente, através da comparação dos valores constantes do velocímetro e os indicados a título profissional nos mapas de despesas, conforme se verifica pelas passagens 00:07:34 a 00:08:37 e 00:16:59 a 00:17:38.
XI. A testemunha G…, cujo depoimento está gravado no ficheiro áudio 20150319164150_2890014_2870430, admitiu que era através dos quilómetros de que se controlavam os quilómetros particulares, conforme se verifica pela passagem 00: 35:08 a 00:36:30.
XII. É errado afirmar que a tecnologia do GPS é indispensável para efectivar o poder de direcção e fiscalização da Recorrida e para verificar os quilómetros particulares que os DIMS faziam e declaravam, sendo esse controlo feito, sim, com base nos quilómetros declarados na altura do abastecimento, existindo muitos outros mecanismos que possibilitavam à Recorrida controlar as visitas efectuadas pela Recorrente, os locais para onde se deslocava e os quilómetros particulares e profissionais que tinha percorrido.
XIII. Em momento algum terá a Recorrente, intencionalmente ou não, impedido a utilização das informações do GPS para que a Recorrida conseguisse verificar o rigor das suas declarações no CRM relativamente às visitas efectuadas e aos quilómetros percorridos.
XIV. Não deve ser dado como provado o facto elencado no ponto 24 da matéria provada.
XV. Mesmo que se considerasse que tinha sido a Recorrente a responsável pelos danos no cartão GSM inserido no aparelho GPS, não se pode atribuir a tal facto o gravidade e o grau de culpa que a decisão recorrida lhe pretende assacar.
XVI. A douta sentença considerou provado que “As informações recolhidas pelos GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas, sem qualquer intervenção humana, para uma plataforma informática inline da H… onde podem ser visualizadas e consultadas em relatórios/mapas, sendo que a essa plataforma apenas têm acesso 3 trabalhadores da R., F…, G… e I…, mediante introdução de uma password e username que só os próprios conhecem”.
XVII. Tal como é do conhecimento geral, qualquer relatório/mapa, ainda que baseado em dados transmitidos, pode ser algo de manipulação, tendo-se assistido nestes mesmos autos a uma situação desse género, conforme se verifica pelos registos de portaria que a Recorrida foi notificada para juntar e que juntou em requerimento de 27-01-2015, na página 1 de 10, de onde foram retiradas diversas entradas, pois a ordem sequencial do código de registo é interrompida várias vezes, podendo, de igual forma alterarem-se os relatórios e os registos retirados do GPS, sendo certo que apenas a Recorrida tinha os meios e o acesso para o fazer, sendo portanto errado afirmar que os dados transmitidos pelos GPS e plasmados em mapas/relatórios não possam ser alvo de intervenção humana, que os adultere ou delapide.
XVIII. Pelo que não deve ser dado como provado o facto elencado no ponto 31da matéria provada.
XIX. A douta sentença considerou provado que “Em data não concretamente apurada, a A., ou alguém a seu mando, mexeu intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM danificou-o, provocando o mau funcionamento do GPS no período de 1.11.2013 a 2.4.2014, que, na maioria dos dias não transmitiu dados e noutros transmitiu dados incompletos”, sustentando o tribunal ab quo a sua decisão na razão de a Recorrente ser a única com acesso ao veículo e que, como tal, poderia ter danificado o cartão GSM, dando como certo que este apenas poderia ter sido danificado de forma dolosa e não por acção de qualquer outro factor externo.
XX. Na verdade, como é do conhecimento geral diversos factores podem interferir no bom funcionamento de qualquer aparelho electrónico que depende de comunicação com satélites que orbitam a Terra, tais como as condições meteorológicas, o local concreto em que se encontra o aparelho, e mesmo diversos fenómenos atmosféricos, como explosões solares.
XXI. O próprio local onde o mesmo está instalado nas viaturas de serviço da Recorrida (nas costas do banco traseiro da viatura e protegido por uma chapa metálica - ponto 20 da matéria de facto dada como provada e conforme se verifica pelo documento nº 1 junto com a petição inicial) poderá ter influído no seu mau funcionamento e mesmo na danificação do cartão GSM, pois aí o aparelho é sujeito a uma trepidação constante, à pressão de caixas e outro material que é carregado para a mala, sendo perfeitamente plausível que, por força da vibração e choques que todos os dias sofria, o cartão GSM se tivesse deslocado e danificado da forma como o foi.
XXII. É do domínio público que, entre os cuidados básicos a ter com os aparelhos GPS, e que estão incluídos em qualquer manual de utilização, constam os de não instalar os mesmos em lugares empoeirados ou que possam estar sujeitos a aquecimento e de deverem ser manuseados com cuidado, não sujeitos a vibrações ou agitações violentas, o que, como é compreensível, não se pode garantir instalando o equipamento na mala do carro, onde são guardas caixas de mercadorias, amostras e materiais promocionais.
XXIII. O do relatório do perito da D… que fez a inspecção ao aparelho GPS no dia 03-04-2015 e que está junto como documento nº 19 da nota de culpa, consta apenas que o GPS “Não comunica -> gaveta do cartão GSM não estava bem colocada Cartão GSM queimado - colocados selos voide, acerto km’s” e do e-mail em que o referido relatório foi enviado aos superiores hierárquicos da Recorrida, em 04-04-2015, e que foi junto como documento nº 20 com a nota de culpa, o funcionário da Recorrida que acompanhou a inspecção refere apenas que “O técnico reportou verbalmente que nunca tinha observado uma situação destas e que é quase impossível o cartão queimar desta maneira”, o que veio a corroborar com o seu depoimento gravado no ficheiro áudio 20150320112610_2890014_2870430, apenas referiu, nas passagens 00:03:19 a 00:04:04 e 00:04:30 a 00:04:46, pelo que momento algum durante a inspecção ao GPS, foi apontada como causa necessária do dano no cartão uma qualquer “intervenção humana”.
XXIV. O técnico que fez a inspecção em causa e que foi ouvido nos presentes autos, cujo depoimento está gravado nos ficheiros áudio 20150226163138_2890014_2870430 e 20150319143517_2890014_2870430, apenas começa a referir a “intervenção humana” e o “vandalismo” em sede de audiência, um ano depois de ter inspecionado o GPS, como se verifica pelas passagens 00:36:27 a 00:36:59 do ficheiro 20150226163138_2890014_2870430 e 00:49:15 a 00:50:00 do ficheiro 20150226163138_2890014_2870430.
XXV. O cartão GSM em causa, que foi fisicamente junto aos próprios autos, no decorrer da audiência de 26-02-2015, conforme consta da respectiva acta, tem um “pinta” escura no centro do chip, não tendo sido adiantado nos 3 relatórios de intervenção do GPS juntos pela Recorrida (cf. documentos nº 19 e 23 juntos com a nota de culpa e nº 19 junto petição inicial) qualquer mecanismo, meio, instrumento, utensílio através do qual fosse possível à Recorrente danificar, daquela forma, o cartão.
XXVI. O próprio técnico, quando questionado sobre esta matéria, conforme consta de depoimento do ficheiro áudio 20150226163138_2890014_2870430, apenas conseguiu dizer que, na sua opinião, o cartão estava queimado pois tinha passado álcool por cima da pinta preta e que esta não tinha saído, conforme se verifica pela passagem 00:50:24 a 00:50:40, sendo que, já na 2ª sessão, no depoimento gravado no ficheiro áudio 20150319143517_2890014_2870430, questionado directamente sobre a forma como o chip do cartão poderia ter sido queimado sem derreter o plástico envolvente, aquele não conseguiu dar uma explicação cabal para tal, acabando até por concluir que o cartão daria apenas a “sensação de queimado”, conforme consta na passagem 00:15:25 a 00:16:42.
XXVII. Tal como é do domínio público, os diversos componentes dum aparelho podem ter diferentes resistências á passagem de corrente, trabalhando um cartão GSM normalmente em aparelhos que usam baterias de 3,6 volts (telemóveis) sendo certo que os aparelhos GPS instalados nas viaturas funcionam numa gama entre os 12 e 24 volts, pois os carros funcionam com12 volts e os camiões funcionam com 24 volts.
XXVIII. A testemunha já referida, F…, cujo depoimento ficou gravado no ficheiro áudio 20150320112610_2890014_2870430, informou que o cartão era igual a um cartão de telemóvel, como de verifica pela passagem 00:04:06 a 00:04:20, sendo que consta do documento nº 10 junto com a nota de culpa, o aparelho instalado no carro da Recorrente também é usado nas frotas de camiões.
XXIX. O fusível instalado no aparelho serve para proteger o aparelho em si e portanto estará dimensionado para cortar correntes acima desta gama, nunca tendo sido verificado que tipo de fusível estava instalado no aparelho, sendo certo que, conforme supra se referiu, o aparelho estava configurado para trabalhar num intervalo de 12 a 24 volts.
XXX. Nunca houve qualquer tentativa de verificar se, tendo em conta que os cartões GSM devem ser usados em aparelhos com baterias de 3,7 volts, não poderá ter existido algum curto-circuito com a passagem de uma corrente inferior àquela para a qual o fusível estava dimensionado, o que poderia ter causado a queimadura no cartão GSM, sem ter danificado qualquer outro componente.
XXXI. A testemunha J…, no depoimento gravado no ficheiro áudio 20150226163138_2890014_2870430, adianta mesmo que pode haver um curto circuito no aparelho em causa, conforme passagem 00:48:57 a 00:49:12.
XXXII. O mau encaixe do cartão GSM na gaveta poderá ser explicado pelo facto de a própria bandeja onde o cartão era encaixado, sendo de plástico, como é do conhecimento geral, poderia deformar com o calor do funcionamento do aparelho e causar o encavalitamento do cartão e, consequentemente, perdas de ligação do mesmo.
XXXIII. Nos relatórios elaborados pela empresa de manutenção dos GPS D… e que constam dos já citados documentos nº 19 e 23 juntos com a nota de culpa, denota-se que não existia informação suficiente para se chegar a qualquer conclusão sobre o mau funcionamento dos aparelhos e que deveria ser feita uma peritagem adicional, a qual nunca foi realizada.
XXXIV. Nunca foram feitas as diligências consideradas suficientes e adequadas pela própria responsável pela manutenção dos GPS a fim de determinar o que estaria, em concreto, a causar o mau funcionamento do aparelho.
XXXV. A sentença recorrida refere que “(…) o que já não fizemos [imputar à Recorrente a autoria dos danos] relativamente ao período posterior porque não foram detectados danos físicos no equipamento e (…) nada de concreto foi apurado que nos permita assacar à A. a responsabilidade pelo mau funcionamento do equipamento”, tendo sido dado como provado que “(…) o GPS instalado no veículo da A. continuava a não transmitir dados completos, existindo discrepâncias com os dados comunicados pela A. (…)” (ponto 57 da matéria de facto dada como provada) e que “Posteriormente à instalação do 2º GPS, verificam-se as seguintes diferenças entre o declarado pela A. e o transmitido pelos dois GPS (…)” (ponto 59 da matéria de facto dada como provada), verificando-se, portanto, que o GPS continuava a apresentar problemas e falhas de transmissão, mesmo depois de ter sido resolvido o aparente problema do dano no cartão GSM, cuja responsabilidade não podia ser assacada à Recorrente.
XXXVI. Tendo-se em conta que os problemas se mantiveram após a intervenção que ocorreu a 03-04-2014, e que está descrita nos documentos 19 e 20 juntos com a nota de culpa e que, conforme consta do relatório junto com a nota de culpa como documento 23, os selos VOID, colocados aquando da intervenção do dia 02-04-2014, não tinham sido violados, por maioria de razão se terá de excluir a sua responsabilidade pelas que anomalias que se verificaram antes de 02-04-2014.
XXXVII. Conclui-se, sim, pela existência de alguma avaria que impediria o aparelho de funcionar correctamente e que não ficou reparada com a intervenção de 03-04-2014.
XXXVIII. Apenas foi ouvido o técnico que fez a inspecção datada de 03-04-2015, sendo de referir que o depoimento deste não deverá ser relevado da forma como o foi pelo tribunal ab quo, pois o mesmo é representante da empresa que fornece e que faz a manutenção aos aparelhos em causa e que, portanto, ficaria prejudicada caso se concluísse por falha técnica ou electrónica dos aparelhos.
XXXIX. Ainda assim acaba por admitir, conforme depoimento prestado na 2ª sessão da audiência, gravado no ficheiro áudio 20150319143517_2890014_2870430, a propósito de provas e evidências encontradas nas inspecções, que não tem qualquer prova sobre o que causou o mau funcionamento do GPS e os danos no cartão, conforme se verifica pelas passagens 00: 05: 24 a 00:06:08.
XL. A testemunha F…, cujo depoimento cujo depoimento ficou gravado no ficheiro áudio 20150320112610_2890014_2870430, afirmou que a Recorrente em momento algum se mostrou ansiosa com a inspecção ao aparelho nem sequer se mostrou preocupada em acompanhar a referida inspecção, como seria normal acontecer caso tivesse tido alguma responsabilidade das falhas de comunicação, conforme passagem 00:29:32 a 00:29:44.
XLI. Face a todas as dúvidas e incertezas sobre a questão, não se deve considerar que tenha sido a Recorrente a dar causa à avaria do aparelho GPS ou aos danos sofridos pelo cartão.
XLII. Pelo que não deve ser dado como provado o facto elencado no ponto 53 da matéria provada.
XLIII. A Recorrente não adoptou nenhuma conduta que fundamente o seu despedimento com justa causa por parte da Recorrida, i.e., que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conforme prescreve o artigo 351.º do CT.
XLIV. A Recorrida não conseguiu provar, como lhe cabia, que fosse a Recorrente a responsável pelos danos no cartão GSM que foram detectados na inspecção de 03-04-2014.
XLV. Viola, assim, nesta parte, a sentença recorrida o disposto no artigo 98º-I/4 do C.P.T. e 342º/1 do C.C.
XLVI. Caso tal tivesse resultado da prova dos autos, nunca teria a Recorrente posto em causa a possibilidade da Recorrida controlar o cumprimento das suas instruções, nomeadamente das visitas efectuadas e dos quilómetros particulares e profissionais percorridos.
XLVII. O GPS não deixava de transmitir localizações, não obstante não transmitir, com exactidão, os quilómetros percorridos, o que facilmente se conclui através do confronto com os documentos n.ºs 12, 13 e 24 juntos com a nota de culpa, as quais coincidiam com as localizações das visitas feitas nesses dias pela Recorrente, conforme se verifica pelos mapas de despesas juntos como documento nº 24 com a nota de culpa.
XLVIII. A Recorrida sempre teve acesso, mensalmente, aos mapas de despesas e comprovativos das mesmas, nomeadamente de pagamento de portagens, que demonstram, igualmente, as deslocações diariamente feitas pela Recorrente no cumprimento das suas funções.
XLIX. E ainda, conforme foi igualmente referido pela testemunha G…, conforme já atrás se transcreveu, os quilómetros particulares eram controlados através dos quilómetros de abastecimento e não através da utilização dos dados recolhidos pelo GPS.
L. Uma eventual conduta, como a que a Recorrente vem acusada, não demonstra uma intenção de obstar ao funcionamento do GPS, pois ainda que tivesse danificado ou de alguma forma impedido a transmissão de dados pelo aparelho GPS instalado no seu carro, em momento algum a Recorrente poderia ter a intenção de impedir que a Recorrida controlasse o cumprimento das instruções relativamente a visitas e os quilómetros profissionais percorridos, pelo simples facto de esta ter ao seu dispor diversos elementos através dos quais poderia exercer o seu poder de fiscalização.
LI. Uma eventual conduta da Recorrente nesse sentido não pode fundamentar o despedimento ilício desta, visto que não se pode considerar que esta tenha colocado em causa a confiança da Recorrida na Recorrente de forma a obstar à manutenção da relação laboral.
LII. A Recorrida, na análise de um caso semelhante, optou por uma sanção disciplinar diferente: a da suspensão do trabalhador por 5 dias, sendo certo que analisando o relatório final e decisão do processo disciplinar do colega da Recorrente K…, o qual foi junto aos autos por requerimento da Recorrida de 27-01-2015, verifica-se que esta imputou àquele praticamente os mesmos factos que imputou à Recorrente e que, apesar do problema no GPS do referido trabalhador não ser da mesma natureza, a Recorrida imputa-lhe exactamente as mesmas consequências: ter sido impedido o controlo das visitas diariamente efectuadas e os quilómetros particulares percorridos, dando igualmente por assente o trabalhador em causa não cumpriu ordens e instruções acerca do local de trabalho, locais de visita e horário de trabalho.
LIII. A mera diferença na “localização do problema”, independentemente da sua causa, não pode fundamentar que, no caso da Recorrente seja aplicada uma sanção tão grave como a do despedimento e que a outro trabalhador, acusado dos mesmos factos e com as mesmas consequências, seja aplicada uma mera suspensão de 5 dias.
LIV. A sanção aplicada à Recorrente, ainda que se considerasse que a mesma causou os danos no cartão GSM o que, repita-se, não se concede, é francamente desproporcional e não implica, de forma alguma, a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
LV. A douta sentença viola, neste aspecto, o disposto no artigo 351º do Código do Trabalho.
LVI. Todo o processo disciplinar movido à Recorrente assenta na utilização de um aparelho GPS, altamente violador dos mais elementares direitos e garantias dos trabalhadores sujeitos a tal controlo.
LVII. O sistema de GPS apurar a localização exacta, em momento determinado, do veículo onde se encontra instalado e, consequentemente, da pessoa que nele se desloca, devendo o mesmo ser considerado um mecanismo de vigilância à distância e passível de interferir com o constitucionalmente consagrado direito de reserva da intimidade e da vida privada (artigo 26.º da CRP), e como tal, ser enquadrado no regime consagrado pelos artigos 20.º e 21.º do CT.
LVIII. Neste mesmo sentido se tem vindo a pronunciar parte da doutrina e jurisprudência, conforme se verifica pelos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22.04.2013 e do Tribunal da Relação de Évora de 08.05.2014, no que vão acompanhados por extensa doutrina na matéria.
LIX. O GPS é um mecanismo de controlo à distância e que deve, portanto, ser enquadrado no regime previsto para estes meios no Código do Trabalho, claro é que é proibido utilizá-lo para controlar o desempenho profissional do trabalhador (Cfr. artigo 20.º, n.º 1 do CT).
LX. Recentemente, a Comissão Nacional de Protecção de Dados publicou a Deliberação n.º 7680/2014, junta aos autos por requerimento apresentado pela Recorrente em 26-12-2014, pronunciou-se no sentido de existir a necessidade de compatabilizar a utilização dos GPS com o direito do trabalhador de exercer a sua actividade sem comprometer a sua dignidade e a protecção dos seus dados pessoais e da sua vida privada, tendo concluído que os dispositivos de geolocalização podem ser permitir um controlo dos movimentos e actividades do trabalhador, ainda para mais se tal controlo se estender ao seu tempo livre e pessoal, tornando-se inadmissível.
LXI. Desta forma, indicou a Comissão um elenco de condições de legitimidade para a instalação, utilização e tratamento dos dados recolhidos por aparelhos GPS, balizando-as pelo disposto no artigo 7º/2 da LPD e 20º do Código do Trabalho, fixando requisitos quanto às finalidades dos tratamentos e quanto à idoneidade dos meios para alcançar os fins pretendidos, defendendo que, em todo o caso, a utilização dos GPS deve ser sujeita a autorização prévia da Comissão, o que não aconteceu no caso da Recorrida, que, desde logo admite, que apenas notificou a instalação dos dispositivos, não tendo tido qualquer autorização para a sua utilização.
LXII. A referida Comissão faz depender a autorização de um apertado elenco de requisitos, começando pela legitimidade dos fins da instalação, os quais se restringem à gestão de frota em serviço externo, nas actividades de assistência técnica externa ou ao domicílio; distribuição de bens; transporte de passageiros; transporte de mercadorias; segurança privada ou a protecção de materiais perigosos ou de valor elevado.
LXIII. No que diz respeito à protecção do veículo automóvel em si, apenas poderá haver acesso aos dados em caso de desaparecimento da viatura.
LXIV. A Recorrida fazia um controlo constante dos dados transmitidos pelos aparelhos GPS, conforme é referido pela testemunha F… na passagem transcrita.
LXV. A própria Comissão afasta expressamente a possibilidade de utilização para prova de cumprimento de qualquer contrato ou de desempenho do trabalhador, sendo que é a própria Ré que declara que uma das finalidades da instalação dos referidos aparelhos foi, precisamente, monitorizar o desempenho dos trabalhadores, que utilizavam os veículos, onde os aparelhos se encontravam instalados, ou seja, para poder visualizar “a hora de início e de fim da viagem, local de partida e local de chegada, distância percorrida em quilómetros, velocidade, tempo de marcha e tempo parado” e, assim, “ O GPS é de facto um instrumento de aferição do cumprimento das ordens e instruções da entidade empregadora”, ou seja, um instrumento que é, na prática, utilizado para controlar o desempenho dos trabalhadores. – cf. Nota de Culpa e respectivo Doc. n.º 1, junta com a petição inicial, bem como o texto desta.
LXVI. Ainda que a finalidade da instalação dos referidos aparelhos não fosse a monitorização do desempenho dos trabalhadores (o que no caso em apreço, repita-se, não se verifica, como a própria Recorrida defende), esta não se poderia socorrer das informações obtidas por aquela- via para outras finalidades que não as permitidas por lei, ou seja, para a protecção ou segurança de pessoas e bens (cf. artigo 20.º, n.º 2 do CT).
LXVII. Este entendimento radica, precisamente, no facto de qualquer meio de vigilância à distância ser necessariamente intrusivo da vida privada, cuja reserva consubstancia um direito de personalidade (cf. artigo 80.º do Código Civil) e um direito constitucionalmente consagrado de qualquer pessoa humana (cf. artigo 26.º da C.R.P.), e que, como tal, em situação de conflito (Cfr. artigo 335.º do C.C.), sempre se sobreporia ao direito do empregador de dirigir e fiscalizar a actividade dos trabalhadores que contrata.
LXVIII. Não se esqueça ainda que a ligação do aparelho de GPS não se limita ao “tempo de trabalho”, mas acompanha o trabalhador “para casa”, ingerindo-se de formas inequívoca e inaceitável na sua esfera privada e no seu dia-a-dia extra laboral, sendo que tanto na Nota de Culpa como também de forma (propositadamente ou não) mais mitigada, a Recorrida confessa até que também controla os seus trabalhadores nos seus dias de folga, inclusivamente fazendo observações sobre as deslocações feitas a título particular pela Recorrente, o que é igualmente admitido pela testemunha F…, cujo depoimento supra se transcreveu.
LXIX. A utilização dos aparelhos GPS feita pela Recorrida é ilegal, contrária à boa-fé e desprovida de qualquer sentido de ética.
LXX. A Comissão Nacional de Protecção de Dados tomado conhecimento da existência de processos disciplinares baseados em dados recolhidos pelo GPS por parte da Recorrida, aprovou a deliberação nº 1015/2015, datada de 23-06-2015, data posterior ao encerramento da discussão nos presentes autos, que se junta ao presente recurso como documento nº 1 ao abrigo do disposto no artigo 425º do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 1.º/2 do Código do Processo de Trabalho.
LXXI. A Comissão Nacional de Protecção de Dados informou a Recorrida que não podia iniciar qualquer tratamento de dados pessoais sem a competente autorização, nos termos do artigo 7.º/1 e 28º/1/a da LPD, autorização essa que ainda não foi concedida, e que, como tal, deveria cessar a utilização dos dados já recolhidos, para qualquer fim.
LXXII. Tendo ainda adiantado, que, tendo em conta que, conforme a Recorrida refere no seu Regulamento sobre o procedimento interno do sistema de localização das viaturas, os dados recolhidos pelos aparelhos GPS são utilizados para controlo do desempenho dos trabalhadores, existem fortes indícios de que a Recorrida não cumpre as condições e limites fixados pela CNPD, pelo que a sua decisão final no que diz respeito à autorização para instalação e tratamento de dados não será, em princípio, concedida.
LXXIII. A instalação e utilização dos GPS por parte da Recorrida é ilegal e abusivo e constitui uma violação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, nomeadamente da Recorrente.
LXXIV. Qualquer trabalhador tem direito, ao abrigo do disposto no artigo 128º/1/e do Código do Trabalho, resistir a qualquer ordem ou instrução da entidade empregadora que colida com os seus direitos e garantias. LXXV. Ainda que se considerasse, o que se faz por mera cautela de patrocínio, que a Recorrente tivesse, de alguma forma, interferido ou danificado o cartão GSM do aparelho GPS, tal conduta terá de ser enquadrada numa acção de legítima defesa contra um ataque abusivo e ilegal aos direitos e garantias daquela, por parte da Recorrida, nos termos do disposto no artigo 128/1/e do Código do Trabalho.
LXXVI. Nunca poderia tal comportamento ser considerado ilícito e, desta forma, consubstanciar uma causa de despedimento com justa causa da Recorrente.
LXXVII. A ser aplicada uma qualquer sanção à Recorrente, esta sempre teria de ser considerada uma sanção abusiva, nos termos do disposto no artigo 331º/1/d do C.T., por ser aplicada a uma trabalhadora que apenas quis exercer o seu legítimo direito (fundamental) à intimidade e reserva da vida privada e de proibição de ser controlada, no seu desempenho, por meios de vigilância à distância.
LXXVIII. Face ao exposto, sentença recorrida não deveria ter confirmado o despedimento da Recorrente, mas sim ter declarado a ilicitude do mesmo, com todas as consequências legais, pois o mesmo se baseou, apenas, em meios de prova ilícitos sendo que uma eventual conduta da Recorrente que impedisse o funcionamento do aparelho GPS sempre teria de se considerar como legítima,
LXXIX. A sentença recorrida viola, portanto, a sentença recorrida o disposto no artigo 26º da C.R.P. e nos artigos 20º/1, 128º/1/e 331º/1/d todos do C.T.
LXXX. Face ao carácter ilícito do despedimento da Recorrente, deverá a Recorrida ser condenada a reintegrar a Recorrente, no posto de trabalho que esta ocupava, na mesma categoria e sem prejuízo da sua antiguidade, auferindo a remuneração, diuturnidades e todas as regalias que vinha auferindo até ao despedimento, bem como ao pagamento de todas as retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento – 09-09-2014 – até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
LXXXI. Devendo igualmente ser condenada no pagamento do montante de €15.000,00 a título de danos morais causados à Recorrente por virtude do despedimento ilícito de que esta foi alvo, tendo ficado provado que conforme consta do ponto 75. E 76. da sentença ab quo, ficou provado que “A A. nasceu em 27- 05-1963, é viúva, e tem a seu cargo dois filhos, estudantes, e o seu pai” e “Devido à sua idade e à actual conjuntura económica, a A. teme não encontrar novo emprego, sentindo-se angustiada e preocupada relativamente ao seu futuro e ao dos seus filhos”.
Nestes termos e nos mais de Direito, revogando a sentença proferida em primeira Instância, na parte em que não considera ilícito o despedimento da Recorrente e absolve a Recorrida dos consequentes pedidos, e, consequentemente, confirmando o carácter ilícito do despedimento da Recorrente e condenado a Recorrida na reintegração daquela, no pagamentos dos salários intercalares e no pagamento de indemnização por danos morais, farão V. Exas. a sempre e habitual Justiça.”.
6. - A ré contra-alegou, dizendo, nomeadamente:
“Acerca do documento que a Recorrente juntou às suas alegações com o número 1, diga-se apenas que a Recorrida não concorda com o seu conteúdo e deu já entrada de uma providência cautelar para ser decretada a suspensão de eficácia da deliberação da CNPD n.º 1015/2015 de 23-06-2015 e para que, consequentemente, seja autorizado o prosseguimento do comportamento que aquela deliberação proibiu e visou impedir.
Tal providência já foi admitida liminarmente e corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, sob o n.º 2738/15.9BESNT, tendo já a CNPD e os demais contra interessados sido notificados para se oporem, se assim entenderem (Doc. n.º 1 que aqui se junta ao abrigo do disposto no artigo 425º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1º/2 do CPT).”.
7. – A autora/apelante juntou, com as alegações de recurso, “a deliberação n.º 1015/2015, da Comissão Nacional de Protecção de Dados, datada de 23.06.2015, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 1.º/2 do Código do Processo de Trabalho, por não ter sido possível a sua junção até ao encerramento da discussão nos presentes autos.”.
8. - O M. Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, não se pronunciando sobre a junção e o teor do documento apresentado com as alegações de recurso da autora.
9. – Por acórdão proferido em 2015.12.16, foi deliberado admitir a junção aos autos, em sede de recurso, do documento que constitui a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, e notificá-la para, no prazo fixado, informar se já proferiu deliberação final no processo n.º 17851/2011, conforme o teor da alínea b) da sua deliberação n.º 1015/2015, de 2015.06.23.
10. - A Comissão Nacional de Protecção de Dados respondeu, apresentando o expediente de fls. 808 a 824, constituído por ofício de apresentação, suas Deliberações n.º 1015/2015 (de 2015.06.23) e n.º 1565/2015, de 2015.10.06, e sua Autorização n.º 11891/2015, de 2015.12.03, todas reportadas à ré/recorrida, C… S.A..
11. - Na sequência desse expediente enviado pela CNPD e nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, o relator proferiu despacho a ordenar a notificação da ré para juntar aos autos cópia certificada do teor das notificações enviadas à CNPD, em 24 de Novembro de 2011 e 18 de Novembro de 2015, respectivamente, relativas à utilização do GPS.
12. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a decisão de facto, que consta da acta de audiência de julgamento, datada de 2015.06.15, nos seguintes termos:
“1. A R. é uma empresa que se dedica ao exercício da indústria e comércio de produtos químicos e farmacêuticos.
2. A R. admitiu a A. ao seu serviço em 4.4.1988 através de contrato de trabalho a termo certo, renovado sucessivamente até que se converteu em contrato sem termo, tendo-se mantido ininterruptamente em vigor até 5.9.2014, data em que foi despedida, com invocação de justa causa.
3. A A. exerceu, sob a autoridade e direcção da R., as funções de Delegada de Informação Médica, que, entre outras, consistem em planear as actividades para a zona de visitas, planear e preparar cada visita, realizar a visita propriamente dita, participar em reuniões, nomeadamente as reuniões de ciclo, e preencher e entregar diversos relatórios e registos acerca das visitas efectuadas.
4. À data da cessação do contrato a A. auferia a remuneração mensal, certa, no valor ilíquido de € 1.960,00, acrescida de diuturnidades no valor de €18,07.
5. A A. exercia as suas funções no distrito de Aveiro, nomeadamente em C1…, C2…, C3…, C4…, C5…, C6…, C7…, C8…, C9…, C10…, C11…, C12…, C13…, C14… e C15….
6. O período de trabalho da A. era de 40 horas semanais, distribuídas em 8 horas diárias de segunda a sexta-feira, com um hora de intervalo para almoço, sendo o horário diário flexível, considerando a R. como período laboral das 7.00 e as 20.00 horas e como período não laboral das 20.00 às 7.00 horas.
7. Para o exercício das suas funções, a A. utilizava os meios e equipamentos postos à sua disposição pela R., designadamente:
- a viatura Renault …, matrícula ..-NM-..;
- computador Portátil Satellite …, serie ………..;
- cartão Unibanco nº…………….;
- Telemóvel: cartão SIM(………) +Vodafone … (Vodafone …) Stealth … ( IMEI ……………) Pen HSPA 3G USB ….. 3,6 Mbps e Cabo USB;
- Conta d e-mail: B1…@grupoC….com.pt.
- material promocional: folder, bloco, amostras de medicamentos e outros.
8. Enquanto DIM a A. integrava a Direcção de Vendas da R., surgindo hierarquicamente na dependência de E…, seu superior hierárquico directo e chefe regional de vendas, e de L…, chefe Nacional de Vendas.
9. A A. é sócia do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente- Norte (adiante designado por Sindicato).
10. À relação laboral entre a A. e R. aplicava-se o CCT outorgada entre a APIFARMA e a FETESE de 8.6.2006, publicado no BTE nº21, cuja última alteração foi publicada no BTE nº21 de 8.6.2010.
11. Este CCT enquadra a categoria de DIM como profissionais altamente qualificados.
12. Em 30.5. 2014, a R. remeteu à A. a nota de culpa cuja cópia se mostra inserta de fls 75 a 84 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade, comunicando-lhe simultaneamente a intenção de proceder ao seu despedimento.
13. Em 17.6. 2014, a A. remeteu à R. a resposta à nota de culpa, inserta de fls 181 a 198 dos autos, cujo teor se dá aqui também como reproduzido na sua literalidade.
14. Em 3.9. 2014, a R. remeteu à A. a decisão disciplinar inserta de fls 247 a 263 dos autos, que se dá aqui igualmente como reproduzida na sua literalidade, que foi recebida por esta no dia 5.9.2014, na qual lhe foi aplicada a sanção de despedimento, com invocação de justa causa.
15. Em 30.9.2014, a R. pagou à A. as quantias constantes do recibo de vencimento inserto a fls 268 dos autos, no valor global líquido de €3.095,00, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade.
16. Em 17.10.2014, a R. procedeu ao reembolso de despesas suportadas pela A. durante a fase final da vigência do contrato, descontando-lhe a quantia de €35, 68 a título de custos de recolha dos instrumentos de trabalho, sendo que a A. sempre mostrou disponibilidade para devolver tais instrumentos junto à sua residência, mas recusou-se a ir entregar os mesmos, a suas expensas, à sede da R. em C16…, tendo sido o chefe regional de vendas E… a ir recolhê-los junto à sua residência no dia 26.9.2014.
17. Um delegado de informação médica (doravante DIM) é um profissional que se dedica a divulgar e promover os produtos da R., entregando também amostras grátis aos visitados.
18. Como DIM, a A. exerceu sempre as suas funções no exterior da empresa, deslocando-se de localidade em localidade, tendo-lhe ultimamente sido atribuída uma viatura da marca Renault modelo …, com a matrícula ..-NM-.. como instrumento de trabalho, sendo que, anteriormente fora-lhe atribuída a viatura com a matrícula ..-GR-...
19. Na viatura atribuída à A. como instrumento de trabalho, a R. instalou um dispositivo de GPS, monitorizado pela empresa D…, tendo a A. tomado conhecimento dessa instalação e do procedimento interno definido pela R. para a sua utilização inserto a fls 93 e dos autos, que recebeu, numa reunião realizada em 5.1.2012, na qual manifestou perante os seus superiores o seu desagrado e desconforto com tal instalação.
20. O aparelho GPS foi colocado nas costas do banco traseiro da viatura e protegido por uma chapa metálica.
21. Todos os DIM que utilizam uma viatura da frota da R. têm GPS instalado, o que só não sucedeu transitoriamente com M… e N…, enquanto utilizaram viaturas alugadas pela R..
22. Os chefes e quadros superiores que trabalhavam fora das instalações da R. também têm GPS instalados nos veículos que utilizam.
23. A R. instaurou o GPS na sua frota automóvel, para tratamento dos seguintes dados: matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura, tendo em vista verificar as declarações efectuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto aos locais das visitas e aos quilómetros efectuados ao serviço da empresa e fora de serviço. Alterado, nos termos infra justificados. [A redacção original era: 23. A A. instaurou o GPS na sua frota automóvel, tendo em vista garantir a segurança das viaturas e dos utilizadores e verificar as declarações efectuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto os locais das visitas e aos quilómetros efectuados ao serviço da empresa e fora de serviço.].
24. – Eliminado, nos termos infra justificados. [A redacção original era: 24. O GPS é o único meio eficaz para a R. verificar o horário de trabalho efectuado pelos DIM e os percursos e quilómetros pelos mesmos declarados no CRM.]
25. A referida instalação de equipamentos de GPS teve lugar em finais de 2011 e foi notificada à CNPD em 24.11.2011, originando o processo 1785/2011.
26. A R. só procedeu à utilização da informação provinda dos GPS a partir da notificação do tratamento à CNPD.
27. Em finais de 2013 houve uma participação à CNPD de que a R. estava a usar um sistema de localização GPS nas viaturas atribuídas aos DIM sem autorização, na sequência da qual a CNPD procedeu a diligências e, em 10.12.2013, emitiu a deliberação nº 1788/2013, inserta a fls 95 e 96 dos autos, no qual concluiu pela inexistência de prova da violação do quadro normativo de proteção de dados, arquivando os autos.
28. O equipamento de GPS instalado pela R. nas viaturas dos DIM transmite as seguintes informações: hora de ignição e paragem do veículo, locais de partida e de chegada, com indicação apenas dos nomes das ruas e localidades, e calcula a distância percorrida, a velocidade média, o tempo de marcha e o tempo parado.
29. O GPS fornece a localização da viatura, mas tal localização nem sempre é exacta porque o equipamento demora alguns segundos a começar a funcionar após a ignição do motor.
30. Tal equipamento não capta som, nem imagem, nem efectua filmagens.
31. As informações recolhidas pelos GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas, sem qualquer intervenção humana, para uma plataforma informática online da H… D… onde podem ser visualizadas e consultadas em relatórios / mapas, sendo que a essa plataforma apenas têm acesso 3 trabalhadores da R. F…, G… e I…, mediante a introdução de uma password e username que só os próprios conhecem.
32. Estes três trabalhadores quando detetam problemas na transmissão de dados ou divergências entre os dados transmitidos pelo GPS e os declarados pelos DIM nos mapas de despesas devem reportar tais problemas aos seus superiores hierárquicos e aos superiores hierárquicos dos DIM visados.
33. Tal situação verificou-se em Março de 2012, tendo o I… enviado o mail inserto de fls 19 a 202 dos autos, a L…, chefe nacional de vendas e O…, na altura chefe de OTC, com conhecimento a P…, administrador, Q…, S… e G…, quadros superiores, expondo as discrepâncias entre os quilómetros particulares declarados por alguns DIM e os dados recolhidos pelo GPS respeitantes aos veículos respectivos, que constam de relatório anexo.
34. O… reencaminhou esse e-mail para os trabalhadores visados para corrigirem eventuais lapsos e o mesmo chegou ao conhecimento de outros colegas, sendo que tal divulgação não voltou a acontecer.
35. A A., tal como os restantes delegados, estava autorizada a usar a viatura da R. nas deslocações particulares, podendo fazê-lo ou não.
36. No cumprimento das suas funções, a A. deve efectuar as suas visitas e registar no sistema CRM toda a sua actividade diária, semanal e mensal, como as visitas efectuadas, ausências ao trabalho e as despesas e o planeamento das suas visitas futuras.
37. A introdução de dados no sistema CRM é manual, sendo o preenchimento feito exclusivamente pela própria A., que não era diariamente acompanhada por qualquer superior hierárquico que conferisse in loco os locais onde ia e as visitas que realizava.
38. Só esporadicamente, cerca de duas vezes por trimestre, os chefes regionais acompanhavam os DIM nas visitas.
39. No que concerne às despesas, a R. definiu em 2002 um procedimento interno que é do conhecimento da A., cuja cópia se mostra junta de fls 127 a 130 dos autos, que regula sua declaração e reembolso aos trabalhadores, tendo tal procedimento sido alterado quanto às deslocações, a título particular, com o veículo da empresa, através do comunicado inserto a fls 132v, segundo o qual, os trabalhadores passaram a custear tais deslocações, pagando até aos 6.600 km/ano 0,15 € por quilómetro e acima dos 6.600 Km/ano 0,40€ por quilómetro.
40. Em Março de 2014, a R. detectou que a A. não tinha declarado 110 km particulares, tendo a A. reconhecido tal omissão no mapa de despesas relativo ao período de 10.1.2014 a 9.2.2014.
41. Em data não apurada, através da leitura do relatório do GPS instalado na viatura da A., a R. constatou que o GPS não reportava diariamente dados para a plataforma/portal desde o início de Novembro de 2013.
42. Na sequência da participação à CNPD ocorrida em finais de 2013, a R. deixou de monitorizar os dados da plataforma durante um período não apurado.
43. A situação de não comunicação regular de dados do GPS da viatura da A. para a plataforma mantinha-se em Março de 2014 e a R. decidiu fazer uma inspecção ao equipamento.
44. Para tal a R. aproveitou a ocasião da reunião de ciclo que ocorreu nos dias 2 a 4 de Abril de 2014, na sua sede em C16….
45. O chefe regional de vendas E… ordenou à A. que levasse a viatura para essa reunião, o que normalmente sucedia para no último dia transportarem material promocional, não lhe dando conhecimento de ia ser realizada uma inspecção ao GPS.
46. A A. no dia 2 Abril deslocou-se na viatura para as instalações da R. e no final do dia levou-a para o parque do Hotel T…, em …, onde ficaram alojados vários DIM.
47. No dia 3 de Abril, como era habitual, a A. deslocou-se para as instalações da R., na viatura do colega K…, como era habitual nas reuniões de ciclo, deixando a sua viatura no Hotel.
48. Durante a manhã desse dia 3 de Abril, foi pedida a chave da sua viatura à A. e um técnico de electrónica da D…, J…, acompanhado de F…, trabalhador do departamento de controlo de gestão da R., foram ao Hotel T…, realizar a inspecção ao GPS da viatura da A.
49. Nessa inspecção, cujo relatório se mostra junto a fls 136 dos autos, o técnico verificou que o equipamento não comunicava, a gaveta do cartão GSM não estava bem colocada e o cartão estava queimado.
50. No decurso da intervenção, foi substituído o cartão GSM, que é semelhante a um cartão de telemóvel, e foram colocados “selos …”, com vista a garantir a inviolabilidade do aparelho, e mantendo-se o restante equipamento o GPS ficou em funcionamento, tendo sido também efectuado o acerto de Kms e solicitado o swap do cartão.
51. No dia 4.4.2014, F… enviou ao administrador P… a L…, director nacional de vendas, o email inserto a fls 136 verso, dando-lhe conhecimento do resultado da inspecção à viatura da A.
52. Durante o período de 1 de Novembro de 2013 a 2 de Abril de 2014, o GPS instalado na viatura da A. transmite para a plataforma da H… o seguinte:
………… …………. ………… ………… …………. …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
53. - Eliminado, nos termos infra justificados. [o teor original era: Em data não concretamente apurada, a A., ou alguém a seu mando, mexeu intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM, danificou-o, provocando o mau funcionamento do GPS no período de 1.11.2013 a 2.4.2014, que na maioria dos dias não transmitiu dados e noutros transmitiu dados incompletos].
54. No período de 4.4.2011 a 27.5.2014, o GPS que continuou instalado na viatura da A. transmitiu os seguintes dados:
………… …………. ………… ………… …………. …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
em que existem registos de quilómetros percorridos transmitidos pelo GPS verificam-se as seguintes diferenças em relação ao declarado pela A. no CRM:
- A 1 de Novembro a A. declarou ter percorrido 196 Km; o GPS transmitiu 7 km.
- A 5 de Novembro a A. declarou ter percorrido 132 Km; o GPS transmitiu 9 km.
- A 21 de Novembro a A. declarou ter percorrido 127 Km – oGPS transmitiu 15km.
- A 26 de Novembro a A. declarou ter percorrido 17 Km; o GPS transmitiu 7km
- A 3 de Dezembro a A. declarou ter percorrido 134 Km – o GPS transmitiu 68km.
- A 4 de Dezembro a A. declarou ter percorrido 15 Km – o GPS transmitiu 4 km.
- A 10 de Janeiro a A. declarou ter percorrido 133 Km – o GPS transmitiu 29km
- A 13 de Janeiro a A. declarou ter percorrido 86 Km – o GPS transmitiu 5 km
- A 14 de Janeiro a A. declarou ter percorrido 12 Km – o GPS transmitiu 1 km.
- A 2 de Abril a A. declarou ter percorrido 272 Km – o GPS transmitiu 53 km.
- A 4 de Abril a A. declarou ter percorrido 273 Km – o GPS transmitiu 69 km.
- A 16 de Abril a A. declarou ter percorrido 100 Km – o GPS transmitiu 40 km.
- A 5 de Maio a A. declarou ter percorrido 122 Km – o GPS transmitiu 7 km.
- A 6 de Maio a A. declarou ter percorrido 92 Km – o GPS transmitiu 37 km.
- A 7 de Maio a A. declarou ter percorrido 107 Km – o GPS transmitiu 41 km.
56. E também se verificam as seguintes divergências entre o último local de trabalho indicado pelo GPS e o último local de trabalho indicado pela A. no CRM:
………… …………. ………… ………… …………. …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
…………. …………. ………… ………… ………… …………
57. Verificando que o GPS instalado no veículo da A. continuava a não transmitir dados completos e existindo discrepâncias com os dados comunicados pela A., a R. mandou instalar um segundo GPS no veículo da A., o que ocorreu em 8.5.2014, tendo nessa data, por precaução, sido igualmente trocada a antena e a extensão de GPS do equipamento e instalado o equipamento iZilight.
58. No dia 13.5. 2014, a D… elaborou o relatório de análise, cuja cópia se mostra junto a fls 148 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor, no qual, além do mais, se refere que os selos void anteriormente colocados estão intactos, não tendo sido encontrado qualquer sinal de violação da integridade do equipamento, e apontam para a existência de uma intervenção externa relacionada com técnicas de “jamming” destinadas a “baralhar” os equipamentos, com o objectivo de bloquear a sua funcionalidade sem deixar rasto, recomendando que fosse tentada a detecção de tais técnicas.
59. Posteriormente à instalação do 2º GPS, verificam-se as seguintes diferenças entre o declarado pela A. e o transmitido pelos dois GPS, sendo que ao primeiro corresponde nos relatórios o código 3000 e ao segundo o código 295:
- No dia 9 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 89 Km; o 1º GPS transmitiu 43 km e o 2º GPS transmitiu 42 km.
- No dia 13 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 33 Km; o 1º GPS transmitiu 9 km e o 2º GPS transmitiu 10 km.
- No dia 14 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 118 Km; o 1º GPS transmitiu 32 km e o 2º GPS transmitiu 34 km.
- No dia 15 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 89 Km; o 1º GPS transmitiu 4 km e o 2º GPS transmitiu 3 km.
- No dia 16 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 95 Km; o 1º GPS transmitiu 62 km e o 2º GPS transmitiu 60 km.
60. A A. tinha flexibilidade de horário desde que cumprisse 8 horas de trabalho diárias e sempre recebeu a retribuição por inteiro.
61. A partir de 30.5.2014 até 9.9.2014, data do despedimento da A., o 2º GPS instalado na sua viatura, passou a reportar diariamente dados completos para portal/plataforma até 9.9.2014, conforme relatório inserto de fls 363 a 390 dos autos.
62. A R. supervisiona e dirige a actividade desenvolvida dos DIM através de estudos de vendas e da produtividade de cada um, bem como de médias de visitas, mapas de produtividade e rankings de vendas.
63. O tempo de trabalho diário dos DIM inclui o tempo das viagens, das visitas e também cerca de 1 hora para realização do trabalho burocrático que normalmente é feito em casa.
64. Por vezes, a jornada de trabalho dos DIM ultrapassa as 8 horas diárias, mas a R. não lhes paga qualquer quantia a título de trabalho suplementar, permite-lhes apenas compensar o tempo noutro dia, de acordo com as suas conveniências.
65. A A. antes do procedimento disciplinar em apreço nunca tinha sido alvo de qualquer queixa por parte da R. no sentido de declarar visitas não realizadas e adulterar os dados relativos ao número de quilómetros em serviço e particulares realizados.
66. A A. foi reconhecida por algumas chefias da R. como uma trabalhadora competente que, algumas vezes, a escolheram para fazer o acompanhamento e formação de DIMs estagiários.
67. A A. era uma das mais antigas DIMs da R. e com um salário base mais alto, e ao longo da sua carreira recebeu diversos prémios de produtividade, mas, nos últimos anos, não estava, por regra, nos primeiros lugares dos rankings elaborados pela R., nem recebia prémios de produtividade muito elevados.
68. A A. sempre assumiu uma postura reivindicativa e nalgumas reuniões questionou aos orientações emanadas dos superiores hierárquicos.
69. Na mesma altura em que instaurou o presente procedimento disciplinar à A., a R. instaurou também procedimentos disciplinares aos seus colegas U… e K… com base em factos semelhantes igualmente relacionados com falhas de comunicação dos respectivos GPS, sendo que ao primeiro foi aplicada a sanção de despedimento e ao segundo uma suspensão pelo período de 5 dias, com perda de retribuição.
70. A decisão disciplinar relativa a K… mostra-se inserta de fls 481 a 497 dos autos, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida.
71. A decisão disciplinar relativa a U… mostra-se junta de fls 499 a 518, dando-se a mesma aqui a mesma igualmente por integralmente reproduzida.
72. Quer o U…, quer o K… são delegados sindicais e dada a sua antiguidade, foram admitidos, respectivamente, em 1994 e 1997, eram a par da A. dos trabalhadores com salários elevados.
73. A A. não tem antecedentes disciplinares.
74. A R. considerou a conduta da A. e do U… mais grave do que a do K… porque no caso deste o aparelho de GPS propriamente dito não foi “mexido”, o que foi encontrado fora do sítio foram fios condutores da energia eléctrica e uma tampa de plástico que o trabalhador confessou ter retirado do lugar quando levou o carro à revisão para se ser arranjada, o que acabou por não suceder.
75. A A., nasceu em 27.5.1963, é viúva, e tem a seu cargo dois filhos, estudantes, e o seu pai.
76. Devido à sua idade e à actual conjuntura económica, a A. teme não encontrar novo emprego, sentindo-se angustiada e preocupada relativamente ao seu futuro e ao dos seus filhos.
77. Com a saída da A., a R. redistribuiu as funções laborais que esta exercia, bem como os seus instrumentos de trabalho a outros trabalhadores, tendo neste momento a sua actividade reorganizada.
Matéria ampliada, nos termos infra justificados:
78. - Na notificação de 24 de Novembro de 2011, que deu origem ao processo n.º 17851/2011, que correu termos na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), sob a rubrica “Lista de dados pessoais tratados”, a ré consignou: “Matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura”.
79. - Na notificação de 24 de Novembro de 2011, sobre a recolha de dados, a ré declarou que a recolha era realizada por via directa, na Internet, através do sítio www.V....com e consignou que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema”.
80. - Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré não forneceu qualquer informação a tal respeito.
81. – Pela Deliberação n.º 1015/2015, de 23.06.2015, a CNPD deliberou:
“a) Proibir temporariamente o tratamento de dados de geolocalização da responsabilidade dos C… S.A., até à pronúncia final da CNPD no processo n.º 17851/2011;
b) Proibir temporariamente a utilização dos dados pessoais até agora recolhidos no âmbito do referido tratamento de dados;
c) Notificar os C… S.A., na pessoa do seu legal representante, para interromper do tratamento, como foi ordenado a abster-se de utilizar a informação nos termos acima referidos”.
82. - No âmbito do processo n.º 17851/2011 foi proferida a Deliberação final n.º 1565/2015, de 06.10.2015, nos seguintes termos:
“(…).
Como é patente pelo exposto, nada resultando de novo na resposta da C… S.A., a CNPD manteria o teor do projecto de decisão notificado. Contudo, a CNPD não está em condições de autorizar o tratamento de dados pessoais em causa, na medida em que o responsável pelo tratamento falhou no cumprimento da obrigação prevista na alínea e) do artigo 29.º da LPDP, mesmo depois de expressamente instado pela CNPD a fazê-lo.
Por conseguinte, sendo inequívoca a existência de processamento externo da informação e por não ter a C…, S.A., identificado a entidade com quem contratualizou a prestação do serviço de geolocalização, delibera a CNPD não autorizar o tratamento de dados pessoais aqui em análise por falta de elementos essenciais à pronúncia.”.
83. – Apôs o encerramento do processo n.º 17851/2011, a ré notificou o CNPD, em 18 de Novembro de 2015, de um novo tratamento de dados, mas agora limitado às finalidades de gestão de frota em serviço externo para transporte de mercadorias e de participação criminal em caso de furto.
84. - A CNPD, através da Autorização n.º 11891/2015, de 03.12.2015, autorizou, à C…, S.A., a utilização do sistema de GPS para (i) a gestão da frota em serviço externo para transporte de mercadorias, excluindo os veículos utilizados pelos delegados de informação médica, e (ii) a participação criminal em caso de furto.
85. – Mas recusou-lhe o uso dos dados obtidos através da utilização do sistema GPS para controlo do desempenho do trabalhador ou para qualquer outra finalidade.
86. – O procedimento cautelar, contra a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, apresentado por C…, S.A., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, sob o n.º 2738/15.9BESNT, foi declarado extinto por inutilidade superveniente, por força da Deliberação n.º 1565/2015, de 06.10.2015, a qual não foi objecto de impugnação.
87. - No “Relatório Final” do procedimento disciplinar instaurado ao trabalhador U… consta nas alíneas:
“PP. A arguente solicitou à empresa D… uma inspecção ao GPS instalado na viatura atribuída ao trabalhador arguido.
QQ. A inspecção foi realizada no dia 3 de Abril de 2014.
RR. A inspecção foi realizada pelo técnico J…, na presença de F….
ZZ. Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.
BBB. Em inúmeras situações o veículo é ligado e aparentemente desligado em 1 ou 2 minutos sem sair do local (quase sempre ao fim de semana).”.
*
Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos:
1- Que o chefe regional de vendas despendeu quatro horas no dia 26.9.2014 para ir recolher os instrumentos de trabalho da A. à residência da A. e que o valor hora do seu vencimento base é de €8,92.
2- Que numa reunião de trabalho tivesse sido comentada a vida amorosa de alguns DIM com base na divulgação de dados recolhidos pelo GPS.
3- Que o GPS deixou de funcionar correctamente e de emitir sinal devido a fenómenos metereológicos e atmosféricos, nomeadamente, explosões solares.
4- Que foi a trepidação constante e a fraca sustentabilidade da placa que suporta o equipamento ou a pressão exercia pelas caixas e outro material colocado na mala do carro que causou o mau funcionamento e a deslocação do aparelho GPS.
5- Que a atribuição da viatura à R. foi limitada às necessidades de serviço.
6- Que tenha sido enviado um e-mail a todos os DIM, referindo os dados do GPS de cada um dos veículos.
7- Que a R. só entregou viaturas com equipamentos de GPS a M… e N… em virtude das questões suscitadas pela A. na resposta à nota de culpa e por outros trabalhadores nos respectivos processos disciplinares.
8- Que a R. impôs a instalação dos dispositivos de GPS aos DIM, sob pena de ficarem impedidos de trabalhar.
9- Que a A. deixou intencionalmente a viatura no Hotel contra as ordens que havia recebido de levar viatura para as instalações da R. para ser sujeita a inspecção.
10- Que a A. tivesse utilizado quaisquer técnicas de “jamming” e impedido o bom funcionamento do GPS a partir do dia 4.4.2014.
11- Que a A. nos dias indicados no art. 139º do articulado de motivação apenas trabalhou nos períodos transmitidos pelo GPS e só efectuou o tempo de trabalho indicado nesse artigo e no art. 142º, no qual são somados 50 minutos para preenchimento do CRM, bem como as conclusões extraídas pela R. no art. 138º do mesmo articulado.
12- Que a A. faltou ao trabalho 149 horas e 76 minutos nos dias em que o GPS registou deslocações.
13- Que os chefes regionais acompanham os DIM no campo com bastante regularidade e contactem com as clínicas e os médicos para verificar as visitas realizadas por aqueles.
14- Que é perfeitamente possível verificar os quilómetros que os DIM percorrem em serviço através da comparação dos quilómetros indicados no conta quilómetros e a distância necessária para fazer os percursos diários correspondentes às visitas que os mesmos declaram no sistema CRM.
15- Que a A sempre inseriu no referido sistema, com exactidão e rigor, todos os dados respeitantes ao exercício da sua profissão e à utilização do veículo fornecido pela R., não tendo inserido qualquer informação falsificada, nomeadamente, no período de 1.11.2013 a 27.5.2014.
16- Que os diversos tickets e talões de pagamento de portagens apresentados pela A. à R. para efeitos de reembolso provam todos os percursos, horas e locais onde o veículo esteve.
17- Que a R. moveu o presente processo disciplinar à A. com o intuito de afastar da empresa em virtude de a mesma auferir um salário elevado e se insurgir contra as instruções da R. que contrariavam as normas e limites legais impostos à actividade de informação médica.
18- Que a R. despediu a A. e o U… por serem trabalhadores “pro-activos e caros”.
19- Que a R. referiu em reuniões com colaboradores, que a A. e o U… deviam ser tomados como exemplo do que acontece aos trabalhadores que não obedecem cegamente às instruções da R.
20- Que a A. devido ao despedimento não tem vontade de conviver com os amigos, filhos e outros familiares.
21- Que na entrevista inserta a fls 333 e 334, o Director Geral da R. afirma expressamente que para assegurar o sucesso da empresa teria de cortar com os custos do trabalho, nomeadamente através da redução de trabalhadores.”
*****
III.Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2. - Objecto do recurso
- A (i)legalidade da utilização do GPS como meio de prova, no caso dos autos.
- A reapreciação da matéria de facto e
- A (in)existência de justa causa de despedimento.

3. - A (i)legalidade da utilização do GPS como meio de prova
3.1. - Na fundamentação da decisão de facto, a Mma Juiz consignou:
(…). Com efeito, com base nos documentos juntos, designadamente no procedimento interno inserto a fls 93 e na deliberação nº 1788/2013 da CNPD, inserta a fls 95 e 96 dos autos, vemos que a R. definiu a regras para a utilização dos dados recolhidos pelo GPS e deu conhecimento das mesmas aos trabalhadores, implementou um modelo de acesso restrito a 3 trabalhadores, que os mesmos confirmaram nos seus depoimentos, e fez a notificação devida à CNPD, sendo que, esta entidade chamada a averiguar em finais de 2013 se a R. estava a actuar dentro do quadro normativo de proteção de dados, depois de fazer uma peritagem ao sistema e demais diligências que entendeu necessárias, concluiu não haver prova do contrário, sabendo que os dados transmitidos pelo sistema de GPS eram mapeados e comparados com os inseridos pelos colaboradores no “relatório mensal de despesas”, pois tal consta dos factos aí mencionados.
Pelo exposto, entendemos ser lícita a instalação pela R. do sistema de GPS nas viaturas atribuídas aos DIM, bem como a utilização dos dados recolhidos para aferir do cumprimento por estes do respectivo período normal de trabalho e da veracidade das declarações pelos mesmos inseridas no CRM relativas aos locais visitados e aos quilómetros percorridos, pois se empregador no âmbito do seu poder directivo pode conformar a actividade do trabalhador ditando-lhe ordens, tem de poder igualmente verificar o cumprimento de tais ordens, tendo ficado demonstrado que sem o GPS a R. não consegue controlar de modo eficaz o período de trabalho dos DIM, nem as informações pelos mesmos inseridas no CRM, designadamente as visitas efectuadas e os quilómetros percorridos, pois o delegado regional de vendas só esporadicamente os acompanha e não é exequível para a R. contactar todos os médicos ou farmácias para conferir se os mesmos fizeram ou não as visitas declaradas, nem os talões de portagens de despesas permitem verificar todos os percursos, sendo que, ao longo dos anos, a R. foi aceitando as declarações feitas pelos DIM, com base numa relação de confiança, que se quebrou em 2010, porque, como referiu a testemunha I…, responsável do controlo de gestão, nesse ano foram detectados cerca de 8.000 quilómetros não declarados. O único aspecto que pode suscitar algumas dúvidas é a verificação dos dados fora do período normal de trabalho que é necessário porque os DIM devem custear esses quilómetros e a R. não dispõe de outro meio eficaz de os contabilizar.
Por sua vez, a autora alega que:
LVI. Todo o processo disciplinar movido à Recorrente assenta na utilização de um aparelho GPS, altamente violador dos mais elementares direitos e garantias dos trabalhadores sujeitos a tal controlo.
LVII. O sistema de GPS apurar a localização exacta, em momento determinado, do veículo onde se encontra instalado e, consequentemente, da pessoa que nele se desloca, devendo o mesmo ser considerado um mecanismo de vigilância à distância e passível de interferir com o constitucionalmente consagrado direito de reserva da intimidade e da vida privada (artigo 26.º da CRP), e como tal, ser enquadrado no regime consagrado pelos artigos 20.º e 21.º do CT.
LXXI. A Comissão Nacional de Protecção de Dados informou a Recorrida que não podia iniciar qualquer tratamento de dados pessoais sem a competente autorização, nos termos do artigo 7.º/1 e 28º/1/a da LPD, autorização essa que ainda não foi concedida, e que, como tal, deveria cessar a utilização dos dados já recolhidos, para qualquer fim.
LXXIII. A instalação e utilização dos GPS por parte da Recorrida é ilegal e abusivo e constitui uma violação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, nomeadamente da Recorrente.”

3.2. - Quid iuris?
3.2.1. - A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, sob a epígrafe “LEI DA PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS (TRANSPÕE PARA A ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA A DIRECTIVA 95/46/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 24 DE OUTUBRO DE 1995, RELATIVA À PROTECÇÃO DAS PESSOAS SINGULARES NO QUE DIZ RESPEITO AO TRATAMENTO DOS DADOS PESSOAIS E À LIVRE CIRCULAÇÃO DESSES DADOS)”, dispõe no seu artigo 1.º:
A presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”.
O artigo 2.º - Princípio geral – estatui: “O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
E o artigo 3.º define:
“Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Dados pessoais»: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;
b) «Tratamento de dados pessoais» («tratamento»): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;
c) «Ficheiro de dados pessoais» («ficheiro»): qualquer conjunto estruturado de dados pessoais, acessível segundo critérios determinados, quer seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico”.
Já o artigo 7.º - Tratamento de dados sensíveis – prevê:
1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.
2 - Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º.
Por sua vez, o artigo 21.º estabelece:
1 - A CNPD é uma entidade administrativa independente, com poderes de autoridade, que funciona junto da Assembleia da República.
2 - A CNPD, independentemente do direito nacional aplicável a cada tratamento de dados em concreto, exerce as suas competências em todo o território nacional.
3 – (…).
4 – (…).”
E o artigo 22.º - Atribuições -:
1 - A CNPD é a autoridade nacional que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de protecção de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.
2 - A CNPD deve ser consultada sobre quaisquer disposições legais, bem como sobre instrumentos jurídicos em preparação em instituições comunitárias ou internacionais, relativos ao tratamento de dados pessoais.
3 - A CNPD dispõe:
a) De poderes de investigação e de inquérito, podendo aceder aos dados objecto de tratamento e recolher todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções de controlo;
b) De poderes de autoridade, designadamente o de ordenar o bloqueio, apagamento ou destruição dos dados, bem como o de proibir, temporária ou definitivamente, o tratamento de dados pessoais, ainda que incluídos em redes abertas de transmissão de dados a partir de servidores situados em território português;
c) – (…).
E ainda o artigo 27.º - Obrigação de notificação à CNPD -:
1 - O responsável pelo tratamento ou, se for caso disso, o seu representante deve notificar a CNPD antes da realização de um tratamento ou conjunto de tratamentos, total ou parcialmente automatizados, destinados à prossecução de uma ou mais finalidades interligadas.
Já o artigo 28.º - Controlo prévio – consagra:
1 - Carecem de autorização da CNPD:
a) O tratamento dos dados pessoais a que se referem o n.º 2 do artigo 7.º e o n.º 2 do artigo 8.º;
b) O tratamento dos dados pessoais relativos ao crédito e à solvabilidade dos seus titulares;
c) A interconexão de dados pessoais prevista no artigo 9.º;
d) A utilização de dados pessoais para fins não determinantes da recolha.”.

3.2.2. - Como supra referido, a deliberação n.º 1788/2013 da CNPD, junta a fls. 95-96 dos autos, constituiu um dos fundamentos para a Mma Juiz considerar “lícita a instalação pela R. do sistema de GPS nas viaturas atribuídas aos DIM”.
Sucede que, à data da decisão sobre a matéria de facto, em 2015.06.15, e em data anterior à prática dos factos descritos na nota de culpa notificada à autora, já decorria na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) o processo n.º 17851/2011, referenciado no ponto 25 da matéria de facto, aberto na sequência da notificação à CNPD, pela ré, em 24 de Novembro de 2011, de “um tratamento de dados pessoais com a finalidade declarada de ““gestão de serviços de GPS””.
Nessa notificação, sob a rubrica “Lista de dados pessoais tratados”, está averbado: “Matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura”.
E do expediente remetido pela CNPD, consta que a ré “declarou tratar as seguintes categorias de dados: dados relativos à identificação do veículo (“matrícula da viatura”); dados de geolocalização da viatura (localização, “data, hora e velocidade da viatura”); e dados de identificação dos trabalhadores (“nome do empregado”).
No âmbito do processo n.º 17851/2011, e após queixas à CNPD, contra a ré, sobre a existência de um tratamento de dados pessoais de geolocalização, por GPS, instalado em viaturas automóveis, que efectuava o controlo dos delegados de informação médica, a CNPD emitiu a Deliberação n.º 1015/2015, de 23 de Junho de 2015, na qual deliberou:
a) Proibir temporariamente o tratamento de dados de geolocalização da responsabilidade dos C… S.A., até à pronúncia final da CNPD no processo n.º 17851/2011;
b) Proibir temporariamente a utilização dos dados pessoais até agora recolhidos no âmbito do referido tratamento de dados.
c) Notificar os C… S.A., na pessoa dp seu legal representante, para interromper do tratamento, como foi ordenado a abster-se de utilizar a informação nos termos acima referidos” – cf. ponto 78) da matéria de facto provada. (negrito nosso).
Dito de outro modo: a CNPD, no uso da sua competência legal, não só proibiu a ré do tratamento de dados de geolocalização, como também a proibiu de utilizar os dados pessoais recolhidos após a notificação de 24 de Novembro de 2011, isto é, no âmbito do processo n.º 17851/2011.
Na notificação de 24 de Novembro de 2011, a ré declarou ainda que a recolha de dados era realizada por via directa, na Internet, afirmando que não recorria a serviços externos para o processamento da informação, mas indicava que o sítio de recolha de dados era www.V....com e que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema” (negrito nosso).
Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré, pura e simplesmente, não forneceu qualquer informação a tal respeito.
Ora, o artigo 29.º, da Lei n.º 67/98, de 26.10, sob a epígrafe “Conteúdo dos pedidos de parecer ou de autorização e da notificação”, prescreve:
Os pedidos de parecer ou de autorização, bem como as notificações, remetidos à CNPD devem conter as seguintes informações:
a) Nome e endereço do responsável pelo tratamento e, se for o caso, do seu representante;
b) As finalidades do tratamento;
c) Descrição da ou das categorias de titulares dos dados e dos dados ou categorias de dados pessoais que lhes respeitem;
d) Destinatários ou categorias de destinatários a quem os dados podem ser comunicados e em que condições;
e) Entidade encarregada do processamento da informação, se não for o próprio responsável do tratamento; (negritos e sublinhados nossos).
f) Eventuais interconexões de tratamentos de dados pessoais;
g) Tempo de conservação dos dados pessoais;
h) Forma e condições como os titulares dos dados podem ter conhecimento ou fazer corrigir os dados pessoais que lhes respeitem;
i) Transferências de dados previstas para países terceiros;
j) Descrição geral que permita avaliar de forma preliminar a adequação das medidas tomadas para garantir a segurança do tratamento em aplicação dos artigos 14.º e 15.º.
Resulta deste normativo que a indicação da entidade encarregada do processamento da informação, juntamente com a notificação à CNPD, prevista no artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 67/98, não é uma faculdade, mas sim um dever do requerente responsável pelo tratamento dos dados.
Ora, tal dever é imposto para que o CNPD possa avaliar da idoneidade, das garantias de segurança e da confidencialidade dos dados recolhidos, pela entidade encarregada do processamento da informação obtida.
No caso em apreço, a ré, na notificação de 24 de Novembro de 2011, indicou que o sítio de recolha de dados era o endereço electrónico acima mencionado e que havia um utilizador e uma senha de acesso ao sistema fornecido pela empresa contratualizada.
Sucede que dos factos 31 a 34 da matéria de facto provada resulta, precisamente, o contrário, isto é, o acesso à plataforma foi entregue a 3 (três) trabalhadores da ré, sendo que, um deles, através de e-mail, deu a conhecer a L…, chefe nacional de vendas e O…, na altura chefe de OTC, com conhecimento a P…, administrador, Q…, S… e G…, quadros superiores da empresa, expondo as discrepâncias entre os quilómetros particulares declarados por alguns DIM e os dados recolhidos pelo GPS respeitantes aos veículos respectivos, que constam de relatório anexo. E O… reencaminhou esse e-mail para os trabalhadores visados para corrigirem eventuais lapsos e o mesmo e-mail chegou ao conhecimento de outros colegas.
Conclusão: a ré, não só não cumpriu o dever de informar, correctamente, o CNPD sobre a entidade encarregada do processamento da informação, como os dados recolhidos pelo sistema GPS deixaram de ser confidenciais.

Apôs o encerramento do processo n.º 17851/2011, com a deliberação n.º 1565/2015, de 06 de Outubro de 2015, a não autorizar o tratamento de dados pessoais, a ré notificou o CNPD, em 18 de Novembro de 2015, de um tratamento de dados, mas agora limitado às seguintes finalidades: (i) gestão de frota em serviço externo para transporte de mercadorias e (ii) participação criminal em caso de furto. Esta notificação foi objecto de autorização n.º 11891/2015, de 03 de dezembro de 2015.
Ou seja, a própria ré reconheceu que foi “longe de mais”, na recolha de dados pelo sistema GPS, na sequência da notificação à CNPD, de 24 de Novembro de 2011.

3.2.3. - Sobre os meios de vigilância à distância, o artigo 20.º, do Código do Trabalho (CT) dispõe:
“1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
4 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.”.
Por sua vez, sobre a utilização de meios de vigilância a distância, o artigo 21.º estabelece:
“1 – A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
2 – A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.
3 – Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.
4 – O pedido de autorização a que se refere o n.º 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.
5 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 3.”.

É consabida a controvérsia que a interpretação do artigo 20.º do CT (desde a versão do CT de 2003) tem gerado na doutrina e na jurisprudência, sobre o conceito de meios de vigilância à distância.
No dizer de Maria Regina Redinha, Direitos de Personalidade, Anotação ao Código do Trabalho de 2003, pág. 11, o artigo 20.º do CT contempla “qualquer forma de controlo e/ou fiscalização à distância do trabalhador através de equipamentos técnicos”, pressupondo “a monitorização não presencial do trabalhador ou do seu desempenho por quaisquer meios técnicos, de natureza electrónica ou não”.
E considerando integrar o conceito de meios de vigilância a distância a “videovigilância, obviamente, mas também, entre muitos outros, dos sistemas de recolha de som no posto de trabalho, dos métodos de controlo electrónico da prestação de trabalho, através de software que permita registos quantitativos e descritivos das tarefas realizadas no computador do trabalhador, dos programas que registam o tráfico na internet, dos sensores de cadeira que registam o tempo durante o qual o trabalhador permanece sentado no seu posto de trabalho, dos mecanismos dos automóveis que gravam as distâncias percorridas ou o consumo de combustível ou das placas de identificação dos trabalhadores com chip incorporado que permitem reconstituir o percurso dos trabalhadores nas instalações da empresa”.
Teresa Alexandra Coelho Moreira, Novas Tecnologias: um admirável mundo novo do trabalho?, Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n.º 11, p. 15-52, jan./jun. 2012, pp- 29-31 e 37, refere que o poder de controlo pelo empregador, com as novas tecnologias de informação e comunicação, conheceu uma “nova realidade e uma nova actualidade, na medida em que a evolução tecnológica e a mutação das formas de organização das empresas contribui para criar novos momentos de tensão entre o legítimo poder de controlo do empregador e os direitos fundamentais dos trabalhadores. Aquele não é novo nem proibido, sendo que a questão que se coloca não é a da legitimidade desse poder mas a dos seus limites, tendo em consideração que com estas novas tecnologias ressurgiu o clássico debate entre o equilíbrio do direito fundamental à privacidade dos trabalhadores e os legítimos direitos dos empregadores de os dirigir e de controlar as suas tarefas.
A incidência das novas tecnologias nas relações laborais tem precisamente uma das suas manifestações mais visíveis nas novas dimensões que as mesmas podem ter na fiscalização da actividade laboral do trabalhador, o que cria a necessidade de proceder ao seu adequado enquadramento jurídico.
(…).
A inovação tecnológica permite e favorece mesmo, através de instrumentos como as videocâmaras, ou a monitorização dos computadores, nas vertentes de controlo dos programas de computadores, de controlo da world wide web e de controlo dos e-mails, das redes sociais, dos telefones e dos samrtphones, de controlo através de badges, de smartcards, de chips incorporados na roupa de trabalho dos trabalhadores, de RFID, de GPS instalados na viatura, de controlo através de dados biométricos, da áudio, vídeo e webvigilância, entre outras formas de controlo, a vigilância da actividade dos trabalhadores contínua e centralizada, transformando assim, por um lado, uma das máximas básicas do taylorismo e da direcção cientifica da empresa relacionada com a supervisão e controlo do trabalhador através da observação do comportamento laboral do trabalhador de forma imediata e pessoal. Assim, a transformação operada pelos novos modos de vigilância e controlo origina uma complexa concepção deste poder de controlo do empregador já que este se renova, inclusive dando lugar a novas formas, e chegando a originar, (…) um “taylorismo de diverso modo”, diferente, que aumenta, e muito, este poder de controlo.”
Acrescentando que “embora estes meios tragam inúmeras vantagens para a relação de trabalho, há que ter algumas cautelas na sua aplicação pois poderão conduzir, se não forem devidamente aplicadas e reguladas, ao parcial desaparecimento de alguns direitos fundamentais no âmbito da empresa, como o da privacidade, liberdade e dignidade dos trabalhadores. A vigilância impessoal, sub-reptícia e constante, que os novos meios de controlo proporcionam, converte-se num substituto perfeito dos tradicionais meios de controlo, directos e pessoais, contribuindo para um aumento da dimensão desumana do poder de controlo e que pode originar o quase total desaparecimento da privacidade dos trabalhadores. O enorme aumento do poder de controlo pode levar ao adormecimento e, mesmo, ao esquecimento de que a liberdade pessoal dos trabalhadores e os seus direitos fundamentais são limites infranqueáveis a este poder do empregador. Esta dimensão desumana do poder ao permitir um controlo potencialmente vexatório, contínuo e total, pode inclusivamente, comportar riscos para a saúde dos trabalhadores, tanto físicos, como psíquicos, nomeadamente por saber ou sentir-se constantemente vigiado, o que pode provocar, inter alia, uma grande pressão psicológica que poderá conduzir a casos de assédio moral e doenças como depressões e stress.”
E conclui que “o trabalhador não é um vassalo do empregador e assiste-lhe sempre o direito à sua vida privada, sem ingerências ilegítimas deste e a não estar a ser constantemente controlado.”.
Por sua vez, F…, O Procedimento Disciplinar Laboral, 2016, págs. 172 e 173, escreve: “Entendemos que o legislador laboral não pretendeu limitar o conceito de meio de vigilância à distância aos registos de videovigilância, antes englobando os mecanismos tecnológicos que permitam controlar o desempenho profissional do trabalhador nas suas mais variadas dimensões. Os meios de vigilância à distância não se circunscrevem a registos de som e/ou imagem, estendendo-se a todos os mecanismos tecnológicos que permitam à entidade empregadora controlar, à distância, ou seja, sem a intervenção do trabalhador e de forma relativamente contínua e indiscriminada, a quantidade, o modo, o conteúdo ou o local em que o trabalho é prestado. Esse controlo não terá necessariamente de ser global, isto é, de abranger simultaneamente todas aquelas dimensões da prestação de trabalho, podendo limitar-se à monotorização apenas de uma ou de algumas das referidas parcelas.
Concretamente, discute-se a qualificação do sistema de GPS – Sistema de Posicionamento Glogal – enquanto meio de vigilância à distância para efeitos do artigo 20.º do CT”.
Sobre a qualificação do sistema de GPS como meio de vigilância à distância, para efeitos do artigo 20.º do CT, já se pronunciou, no sentido afirmativo, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), em acórdão de 2013.04.22, proferido no processo n.º 73/12.3TTVNF.P1, dizendo, em síntese:
“(…).
Por outro lado, deveremos considerar que o elemento teleológico do artigo 20º do Código do Trabalho é a proibição da utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, sob pena de violação do direito à reserva da vida privada do trabalhador. Esta protecção vai muito para além do direito à imagem, a qual justificaria que o âmbito da norma ficasse restrito à videovigilância, abrangendo a própria dignidade do trabalhador dado que o poder legítimo de controlo do empregador não justifica uma vigilância permanente e contínua sobre toda a actividade daquele.
Ora, a geolocalização mediante a utilização do GPS pode ser utilizada com o objectivo de “protecção de pessoas e bens”, mas não pode servir de meio de controle desempenho profissional do trabalhador, uma vez que a respectiva utilização com esses objectivos comprime o direito à reserva da vida privada do trabalhador.
Parece-nos ser patente que a utilização do GPS – como equipamento electrónico de vigilância e controlo que é – e o respectivo tratamento, implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no artigo 26.º n.º 1 da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores.
Assim sendo, é nossa firme convicção de que, estando em causa o tratamento de dados pessoais e recolha de registos através da utilização do GPS, a mesma está sujeita às considerações previstas nos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho.
Sucede que este acórdão do TRP foi revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 2013.11.13, que acompanhou o decidido no acórdão do mesmo STJ, de 2007.05.22, o qual entendeu que “Não se pode qualificar o dispositivo de GPS instalado no veículo automóvel atribuído a um técnico de vendas como meio de vigilância a distância no local de trabalho, já que esse sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes.”.
Entretanto, a CNPD emitiu a Deliberação n.º 7680/ 2014, “Aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral”, designadamente GPS, estações de base GSM e WI-FI, na qual se considera que essas tecnologias, em contexto laboral, configuram verdadeiramente meios de vigilância à distância.
Além do mais, o CNPD afirma que o quadro interpretativo, sobre os meios de vigilância à distância, mudou pela rápida evolução deste tipo de tecnologia, quanto à sua precisão e valências associadas, sublinhando que a tecnologia GPS permite georreferenciar pessoas ou objectos com 1-2 metros de diferença em relação ao posicionamento real e que a “tecnologia que até há poucos anos apenas possibilitava conhecer a área aproximada onde se encontrava uma determinada pessoa e/ou objecto e que apenas funcionava em zonas ao ar livre, actualmente permite determinar a localização quase exacta da pessoa, mesmo que esta esteja dentro de portas. A precisão da georreferenciação diz-nos se uma pessoa está em casa, no centro comercial, na pastelaria, no cinema ou no mercado, no jardim ou na rua em frente a um número de porta concreto. Acresce ainda que as diferentes tecnologias podem ser combinadas de modo a potenciar um melhor serviço. (…).
Os dispositivos de geolocalização, como qualquer sistema de vigilância, envolvem restrições de direitos fundamentais pelo que, em caso de conflito de direitos, as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses fundamentais, de acordo com o princípio da proporcionalidade, na sua tripla vertente de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, implicando uma ponderação dos interesses fundamentais em conflito.”.
E no que reporta à intrusão na esfera privada, é afirmado na Directiva que “Os dispositivos de geolocalização facultam a obtenção de um vasto manancial de dados relativos ao utilizador, os quais permitem, consoante a extensão de dados a tratar, elaborar perfis comportamentais ao rastrear as movimentações realizadas e, nessa medida, identificar hábitos de vida pelos percursos efetuados, pelos locais frequentados, pelos tempos de permanência. Os dispositivos de geolocalização, em particular o GPS, são comummente definidos como sistemas de rastreamento de objetos e/ou pessoas e, nessa medida, constituem uma ingerência na vida privada.”. (negritos e sublinhado nossos).
Mas mais: a CNPD considera que, no contexto laboral, o uso de dispositivos de geolocalização, instalados em veículos automóveis ou em dispositivos móveis inteligentes usados pelos trabalhadores, constitui um sério risco de invasão da privacidade, entrando na esfera da sua vida pessoal e da sua privacidade. E, por isso, constitui um tratamento de dados pessoais.
E esses dados, por dizerem respeito à vida privada dos trabalhadores, enquadram-se no conceito de dados sensíveis, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Dados.
Assim, no Considerando VIII da referida Deliberação, “A CRP determina ainda que são nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

3.2.3. – O caso dos autos.
Está provado, nomeadamente, que:
1. A R. é uma empresa que se dedica ao exercício da indústria e comércio de produtos químicos e farmacêuticos.
3. A A. exerceu, sob a autoridade e direcção da R., as funções de Delegada de Informação Médica, que, entre outras, consistem em planear as actividades para a zona de visitas, planear e preparar cada visita, realizar a visita propriamente dita, participar em reuniões, nomeadamente as reuniões de ciclo, e preencher e entregar diversos relatórios e registos acerca das visitas efectuadas.
6. O período de trabalho da A. era de 40 horas semanais, distribuídas em 8 horas diárias de segunda a sexta-feira, com um hora de intervalo para almoço, sendo o horário diário flexível, considerando a R. como período laboral das 7.00 e as 20.00 horas e como período não laboral das 20.00 às 7.00 horas.
7. Para o exercício das suas funções, a A. utilizava os meios e equipamentos postos à sua disposição pela R., designadamente:
- a viatura Renault …, matrícula ..-NM-..;
17. Um delegado de informação médica (doravante DIM) é um profissional que se dedica a divulgar e promover os produtos da R., entregando também amostras grátis aos visitados.
18. Como DIM, a A. exerceu sempre as suas funções no exterior da empresa, deslocando-se de localidade em localidade, tendo-lhe ultimamente sido atribuída uma viatura da marca Renault modelo …, com a matrícula ..-NM-.. como instrumento de trabalho, sendo que, anteriormente fora-lhe atribuída a viatura com a matrícula ..-GR-...
19. Na viatura atribuída à A. como instrumento de trabalho, a R. instalou um dispositivo de GPS, monitorizado pela empresa D…, tendo a A. tomado conhecimento dessa instalação e do procedimento interno definido pela R. para a sua utilização inserto a fls 93 e dos autos, que recebeu, numa reunião realizada em 5.1.2012, na qual manifestou perante os seus superiores o seu desagrado e desconforto com tal instalação.
20. O aparelho GPS foi colocado nas costas do banco traseiro da viatura e protegido por uma chapa metálica.
23. A R. instaurou o GPS na sua frota automóvel, para tratamento dos seguintes dados: matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura, tendo em vista verificar as declarações efectuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto aos locais das visitas e aos quilómetros efectuados ao serviço da empresa e fora de serviço.
28. O equipamento de GPS instalado pela R. nas viaturas dos DIM transmite as seguintes informações: hora de ignição e paragem do veículo, locais de partida e de chegada, com indicação apenas dos nomes das ruas e localidades, e calcula a distância percorrida, a velocidade média, o tempo de marcha e o tempo parado.
30. Tal equipamento não capta som, nem imagem, nem efectua filmagens.
31. As informações recolhidas pelos GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas, sem qualquer intervenção humana, para uma plataforma informática online da H… D… onde podem ser visualizadas e consultadas em relatórios / mapas, sendo que a essa plataforma apenas têm acesso 3 trabalhadores da R. F…, G… e I…, mediante a introdução de uma password e username que só os próprios conhecem.
32. Estes três trabalhadores quando detetam problemas na transmissão de dados ou divergências entre os dados transmitidos pelo GPS e os declarados pelos DIM nos mapas de despesas devem reportar tais problemas aos seus superiores hierárquicos e aos superiores hierárquicos dos DIM visados. 33. Tal situação verificou-se em Março de 2012, tendo o I… enviado o mail inserto de fls 19 a 202 dos autos, a L…, chefe nacional de vendas e O…, na altura chefe de OTC, com conhecimento a P…, administrador, Q…, S… e G…, quadros superiores, expondo as discrepâncias entre os quilómetros particulares declarados por alguns DIM e os dados recolhidos pelo GPS respeitantes aos veículos respectivos, que constam de relatório anexo.
34. O… reencaminhou esse e-mail para os trabalhadores visados para corrigirem eventuais lapsos e o mesmo chegou ao conhecimento de outros colegas.
35. A A., tal como os restantes delegados, estava autorizada a usar a viatura da R. nas deslocações particulares, podendo fazê-lo ou não.
78. - Na notificação de 24 de Novembro de 2011, que deu origem ao processo n.º 17851/2011, que correu termos na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), sob a rubrica “Lista de dados pessoais tratados”, a ré consignou: “Matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura”.
79. - Na notificação de 24 de Novembro de 2011, sobre a recolha de dados, a ré declarou que a recolha era realizada por via directa, na Internet, através do sítio www.V....com e consignou que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema”.
80. - Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré não forneceu qualquer informação a tal respeito.

Em primeiro lugar, resulta da factualidade provada que a ré violou o disposto no artigo 29.º, alínea e), da Lei n.º 67/98, de 26.10, numa dupla vertente:
a) - Declarou um facto à CNPD e praticou outro, ou seja, declarou que a recolha dos dados era realizada por via directa, na Internet, através do sítio www.V....com e que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema”, e, afinal, os dados recolhidos pelo GPS eram enviados para uma plataforma informática online da H… D…, plataforma essa à qual tinham acesso 3 (três) trabalhadores da ré: F…, G… e I…, mediante a introdução de uma password e username que só os próprios conheciam; e
b) - Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré não forneceu qualquer informação a tal respeito.
Tal comportamento da ré permitiu que, num determinado momento, fosse violado o dever de confidencialidade sobre os dados recolhidos – cf. os artigo 14.º a 17.º da Lei n.º 67/98, de 26.10.
Daqui se conclui que a referida violação é grave, não só porque, inicialmente, a ré sonegou à CNPD a verdadeira entidade encarregada do processamento dos dados recolhidos pelo GPS - que violou o dever de confidencialidade -, como, quando notificada, expressamente, para o efeito, pura e simplesmente, nada disse.

Em segundo lugar, também resulta da factualidade provada, que a ré, através do dispositivo de geolocalização GPS, podia localizar, 24 horas por dia e 7 dias por semana, os veículos usados pelos delegados de informação médica, incluindo a autora, desde que, para tanto, usasse a viatura, que lhe estava destinada, para fins particulares, como lhe era permitido, fora do seu horário de trabalho flexível, isto é, entre as 20.00 e as 7.00 horas da manhã (período não laboral – cf. ponto 6. da matéria de facto provada), ou durante a pausa para a toma de refeições.
Bastava, para tanto, accionar a ignição do veículo, que o GPS indicava os locais de partida e de chegada, com a indicação dos nomes das ruas e localidades, mesmo durante os fins de semana, como é admitido, expressamente, pela ré no ponto BBB) do relatório final do procedimento disciplinar, instaurado ao trabalhador U… – cf. ponto 87 da matéria de facto – e resulta, claramente, dos pontos 52. e 54. da matéria de facto provada: “sábado e domingo – nada registado” ou “8 e 9 de Abril de 2014 – 9.36h a 10.36h - sem Km percorridos - só tempo parado – com morada”.
Ou seja, sabendo a ré qual é a residência da autora (e dos outros trabalhadores), através do GPS instalado na viatura que lhe era permitido usar para fins particulares, fica a saber, por exemplo, se a autora (ou outro qualquer trabalhador) pernoitou ou não em casa e, se não, qual a localidade e rua onde a pernoita ocorreu e a que distância da sua residência. O mesmo pode suceder durante as pausas para a toma das refeições, isto é, a ré, através do dispositivo de geolocalização GPS podia elaborar os perfis comportamentaisdiurnos e nocturnos - dos seus trabalhadores e, dessa forma, ao rastrear as movimentações realizadas, identificar os hábitos de vida dos trabalhadores, pelos percursos efectuados, pelos locais frequentados e pelos tempos de permanência.
E estes factos, diga-se o que se disser, argumente-se o que se quiser argumentar, respeitam, com toda a clarividência, à vida privada dos trabalhadores, pelo menos, quando ocorridos fora do horário de trabalho, e enquadram-se no conceito de dados sensíveis, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Dados, por força do artigo 26.º da Lei Constitucional (CRP):
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.”. (negritos nossos).
E da lei ordinária vertida no artigo 16.º do Código do Trabalho - Reserva da intimidade da vida privada -:
1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.” (negritos nossos).
No tempo hodierno, ignorar o avanço tecnológico do sistema de geolocalização GPS, que permite um controlo cada vez maior e preciso sobre o alvo que se vigia, é potenciar um certo voyeurismo, social e democraticamente reprovável.
E não se diga, com todo o respeito, que o trabalhador é livre de usar a viatura, com o GPS instalado, para fins particulares, fora do horário de trabalho, pois, tal significaria prescindir de um direito contratual para defesa da sua privacidade, quando esta constitui um direito constitucional, que o empregador não deve violar de forma alguma, incluindo através do sistema de geolocalização GPS.
Por todo o exposto, concluímos que, no caso concreto dos autos, a utilização do GPS - como equipamento electrónico de vigilância e controlo que é - e o respectivo tratamento dos dados recolhidos, implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada da autora (restantes trabalhadores da ré), consignada no artigo 26.º n.º 1 da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores controlados.
Assim sendo, estamos convictos de que, estando em causa o tratamento de dados pessoais e recolha de registos através da utilização do GPS, 24 horas por dia, 7 dias por semana, a mesma está sujeita às considerações previstas nos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho.
Ora, concluindo nós que, no caso sub judice, o dispositivo de geolocalização GPS está abrangido pelo âmbito dos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho, e que a ré não deu cumprimento aos requisitos de utilização previstos nesses mesmos normativos, avaliemos quais as consequências jurídicas daí advenientes.
E a principal consequência jurídica, sendo clarividente que os dados pessoais referentes à autora não foram recolhidos de forma lícita e em obediência aos imperativos legais, é que não poderão ser utilizados pela ré como meio de prova, em sede de procedimento disciplinar, e respectiva acção de impugnação judicial de despedimento.

3.2.4. - Os factos considerados provados pelo Tribunal de 1.ª instância que tiveram o seu fundamento nos registos do GPS.
Tais factos são os descritos nos pontos 41., 52., 54., 55., 56., 57., 58. e 59. da matéria de facto provada.
Deste modo, como todos estes factos derivam de um meio de prova ilícito, os mesmos não podem ser considerados, conforme supra expusemos, nem valorados em sede de procedimento disciplinar e respectiva acção de impugnação judicial de despedimento.

4. - A reapreciação da matéria de facto
4.1. – Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
A autora/apelante entende que os factos dados como provados, sob os pontos 24, 31 e 53 da matéria de facto, devem ser dados como não provados, por insuficiência de prova bastante para serem considerados provados, nos termos em que o foram na decisão sobre a matéria de facto, indicando como prova os depoimentos das testemunhas E…, F…, G…, J… (com indicação das passagens da gravação) e o documento n.º 5, junto com a resposta à nota de culpa.
Deste modo, estão reunidos os requisitos previstos no artigo 640.º do CPT para conhecer da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
E para conhecer dessa impugnação, procedemos à audição de toda a prova testemunhal gravada na audiência de discussão e julgamento.

4.2. - Sobre a parte da decisão da matéria de facto impugnada pela autora, a Mma Juiz de Direito fundamentou-a no uso “lícito do GPS”, nos depoimentos das testemunhas J..., F... e I..., nos documentos juntos a fls. 136 e 148 dos autos, e no regime das presunções, previsto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, em particular no que reporta ao ponto 53) da matéria de facto.

4.2.1. - No ponto 53) da matéria de facto consta:
53. Em data não concretamente apurada, a A., ou alguém a seu mando, mexeu intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM, danificou-o, provocando o mau funcionamento do GPS no período de 1.11.2013 a 2.4.2014, que na maioria dos dias não transmitiu dados e noutros transmitiu dados incompletos.”.
Na respectiva motivação, a Mma Juiz escreveu:
“Mas a principal questão de facto que constitui o cerne do litígio nos presentes autos é saber se esse mau funcionamento do GPS é imputável a uma falha técnica do equipamento, como sustenta a A., ou é imputável a uma intervenção intencional da A., como defende a R.
Apreciando a prova produzida a esse propósito, nomeadamente, os relatórios das inspecções realizadas ao equipamento do GPS instalado na viatura da A., juntos a fls 136 e 148 dos autos, conjugados com o depoimento das testemunhas, designadamente J…, que realizou a inspecção do dia 3.4.2014, e F…, que o acompanhou, concluímos que, os danos que o dispositivo de GPS apresentava no dia 3.4.2014, que constam no respectivo relatório e foram confirmados pelo referido técnico, «gaveta do cartão mal colocada e cartão GSM, danificado, queimado», são consequência de uma intervenção humana intencional e não decorrentes de quaisquer fenómenos atmosféricos ou devidos à trepidação do veículo ou à pressão da bagagem colocada na mala do carro, pois o técnico referiu que todos os equipamentos da frota se encontram instalados da mesma forma, na parte de trás do banco traseiro, rodeados por uma chapa metálica que os protege, e nunca viu nenhum naquele estado, tendo afirmado que para danificar o cartão GSM foi necessário abriu o aparelho, retirar o cartão, danificá-lo e voltar a introduzi-lo. Mais referiu, que nesse dia substituiu o cartão GSM e o equipamento ficou a funcionar, tendo colocado selos de segurança, o que foi corroborado pela testemunha F… que esteva presente.
Como assim, tendo-se como certo que o aparelho de GPS foi danificado por intervenção humana atribuímos essa intervenção à A. ou a alguém a seu mando, pois era ela a responsável pelo veículo e só ela tinha habitualmente acesso ao mesmo, já que trabalhava sozinha na região de Aveiro e, além disso, mais ninguém tinha interesse em que o GPS não funcionasse bem. Apurou-se que a R. tinha uma chave do veículo na sede, mas esta não tinha qualquer interesse em danificar o GPS e nem no dia da inspecção a usou, tendo ido pedir a chave à A.
Neste contexto, cremos ser legítimo presumir, nos termos dos arts 349º e 351º do Civil, ser a A. a responsável pelos danos verificados pelo GPS no dia 3.4.2014 e pelo mau funcionamento do mesmo no período anterior de 1.11.2013 a 2.4.2014, como demos como assente no art. 53º dos factos provados.”.

- Quid iuris?
O artigo 349.º do Código Civil (CC) estipula que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo que, nos termos do disposto no artigo 351.º do mesmo diploma, as presunções judiciais só são admissíveis nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal, ou seja, não são permitidas relativamente aos factos cobertos pela força plena dos documentos.
As presunções judiciais, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela (vide Código Civil Anotado, vol. I, pág. 312), inspiram-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidades, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, isto é, as presunções judiciais fundam-se nas regras práticas da experiência e nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos.
Nelas estão presentes as máximas da experiência, os juízos correntes de probabilidade, os princípios da lógica, os próprios dados da intuição humana.
Embora, aparecendo no Código Civil, no capítulo das provas, é comum dizer-se que as presunções não são, propriamente, meios de prova, mas meios lógicos ou mentais ou afirmações formadas em regras da experiência e pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o Julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida, das quais resulta que um facto é consequência típica de outro (vide Vaz Serra, Rev. Leg. e Jurisprudência, n.º 108; pág. 352).
No caso dos autos, a Mma Juiz, partindo do facto que a viatura Renault …, matrícula ..-NM-.., tinha sido atribuída à autora, para uso exclusivo no exercício das suas funções - base da presunção -, concluiu que o dano causado no cartão GSM foi obra da autora, ou de alguém por ela, - facto presumido -.
Sucede, porém, que nesse silogismo falta uma premissa essencial: não está provado que mais ninguém teve acesso ao interior da referida viatura, para além da autora.
Vejamos.
A testemunha J…, técnico de electrónica, declarou, na audiência de julgamento, que efectuou a intervenção ao dispositivo GPS, instalado na viatura atribuída à autora, “acompanhado por F…”, quando a mesma se encontrava estacionada “no parque do Hotel T…, em …, onde ficaram alojados vários DIM”. Declarou ainda que “o cartão GSM estava danificado, queimado”, que “não viu ninguém a queimar o cartão” e que “não foi feita peritagem ao cartão queimado”. Disse ainda que concluiu que o cartão estava queimado, porque apresentava “uma parte negra, que não saiu quando a passou com álcool”.
Por sua vez, a testemunha F…, trabalhador da ré, declarou que a inspecção ao dispositivo do GPS, instalado na viatura usada pela autora, “decorreu no parque de estacionamento do Hotel”, onde pernoitavam os trabalhadores da ré, incluindo a autora, reunidos para uma acção de formação; que “a autora não assistiu a essa inspecção”; que “pediu à secretária da empresa para pedir à autora (na acção de formação) a chave da viatura, com a qual a abriram”; que “não assistiu à inspecção do dispositivo do GPS, limitando-se a abrir a porta da viatura”; que “a viatura tem duas chaves, estando a segunda chave à guarda da gestora de frota, sediada na sede da empresa, em C16…” e que “é possível o uso da segunda chave por outrem, que não a autora”.
A testemunha I… também afirmou que “a segunda chave da viatura está na empresa”.
Aliás, a autora não só não assistiu a inspecção do dispositivo GPS, como não lhe foi dado conhecimento que ia ser realizada essa inspecção durante a reunião dos DIMs – cf. ponto 45. da matéria de facto provada.
Ora, não tendo nenhuma das testemunhas, ouvidas em audiência de julgamento, afirmado ter visto a autora a danificar o dispositivo do GPS, fica a dúvida de saber como terá ocorrido tal danificação.
Dos depoimentos das testemunhas J… e F…, essencialmente desta, tanto se pode concluir, como concluiu a 1.ª instância, como se pode concluir o seu contrário, isto é, que poderá não ter sido a autora a danificar o tal dispositivo, precisamente, porque era “possível o uso da segunda chave por outrem, que não a autora”, para aceder ao interior da referida viatura.
Para além disso, está ainda provado que:
57. Verificando que o GPS instalado no veículo da A. continuava a não transmitir dados completos e existindo discrepâncias com os dados comunicados pela A., a R. mandou instalar um segundo GPS no veículo da A., o que ocorreu em 8.5.2014, tendo nessa data, por precaução, sido igualmente trocada a antena e a extensão de GPS do equipamento e instalado o equipamento iZilight.
58. No dia 13.5. 2014, a D... elaborou o relatório de análise, cuja cópia se mostra junto a fls 148 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor, no qual, além do mais, se refere que os selos void anteriormente colocados estão intactos, não tendo sido encontrado qualquer sinal de violação da integridade do equipamento, e apontam para a existência de uma intervenção externa relacionada com técnicas de “jamming” destinadas a “baralhar” os equipamentos, com o objectivo de bloquear a sua funcionalidade sem deixar rasto, recomendando que fosse tentada a detecção de tais técnicas.”.
Ou seja, o dispositivo de GPS instalado no veículo atribuído à autora, continuou a ser “atacado”, agora do exterior, mas sem que fosse atribuído à autora esse “ataque”, como é reconhecido na sentença final.
Mas mais curiosa é a circunstância de a ré, no “Relatório Final” do procedimento disciplinar, instaurado ao trabalhador U…, datado de 02 de Setembro de 2014 (a mesma data do “Relatório Final” reportado à autora), ter dado como provado na alínea ZZ.: “Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.”.
Tal facto, para além de contraditório em relação ao comportamento que é atribuído à autora, amplia a dúvida de saber a quem deve ser imputado o não funcionamento do GPS instalado no veículo conduzido pela autora.
Daí que, a prova de que mais ninguém, para além da autora, poderia ter tido acesso ao interior da referida viatura era essencial para a presunção judicial funcionar a favor da parte onerada com o ónus da prova, neste caso, a ré empregadora.
Uma vez que a ré empregadora não provou tal facto, perde, em absoluto, consistência o processo volitivo da 1.ª instância, precisamente, por falta dessa premissa essencial: a prova do acesso exclusivo, da autora, ao interior da viatura em causa.
Deste modo, outra solução não resta do que considerar como não provada a factualidade inserida no ponto 53. da matéria de facto, por falta absoluta de prova.

4.2.2. - No ponto 24) da matéria de facto consta:
“24. O GPS é o único meio eficaz para a R. verificar o horário de trabalho efectuado pelos DIM e os percursos e quilómetros pelos mesmos declarados no CRM.”.
Sobre esta matéria depuseram as testemunhas:
- E…, chefe regional de vendas ao serviço da ré e superior hierárquico da autora, que afirmou: “as oito horas diárias, do horário de trabalho, são ajustadas às necessidades das visitas a efectuar pelos DIMs. Pode ser às 08.30 h ou às 19.30 a 20.00h, conforme a marcação da clínica ou médico a visitar”; “há flexibilidade no horário de trabalho em função das visitas agendadas”; o controlo “em termos de horário só através do relatório diário do DIM”; acompanhava a autora nas suas visitas “em média uma a duas vezes por trimestre, a cada dois meses uma vez, diria eu que seria essa a média.”.
- G…, técnico administrativo ao serviço da ré, declarou: “O GPS é um dos meios de controlo dos quilómetros percorridos”; outro meio é pela “verificação do sistema de abastecimento mensal da viatura”;
- P…, membro do Conselho de Administração da ré, afirmou: outro meio de controlo, para além do GPS, “são os relatórios diários – CRM – que os DIMs são obrigados a apresentar na empresa”; “há valores médios obtidos através dos CRM”; pelas “rotas estabelecidas, ao longo de anos, foram encontrados os tais valores médios”; para “a verificação do desempenho e indicadores de performance, sim, temos outros meios. Para horário de trabalho, não”; os DIMs têm de efectuar, no mínimo, “oito visitas diárias”.
- W…, DIM ao serviço da ré, desde 2000 a 2014, declarou: há “várias formas de controlo: registo de visitação médica, cartão galp frota com o registo dos quilómetros da viatura, consumo do gasóleo”; “a lei diz 8 visitas diárias, a ré queria 10/11 visitas dia”.
Dos mencionados depoimentos podemos concluir que:
a) - O GPS não era o único meio de controlo dos percursos e quilómetros percorridos pelos DIMs;
b) – Os relatórios diários apresentados pelos DIMs e o sistema de registo do abastecimento mensal de cada viatura eram outros meios de controlo, usados antes da instalação dos GPSs, no ano de 2011. O acompanhamento pessoal dos DIMs, pelo chefe regional, continuou a ser outro meio de controlo da sua actividade.
c) – No que reporta ao controlo do horário de trabalho, bastava que as oito visitas diárias tivessem sido efectuadas, para o mesmo se considerar cumprido, tanto mais que o horário de trabalho dos DIMs era flexível, em função da hora de cada visita marcada e, por conseguinte, não era, certamente, através do GPS que a ré contava o número de visitas efectuado, diariamente, por cada um desses trabalhadores. E se o era, então, o GPS tem uma capacidade de controlo e vigilância muito superior àquela que é admitida pela ré nos autos!
Em conclusão: perante a prova produzida em sede de julgamento, outra solução não resta do que considerar como não provado o ponto 24. da matéria de facto.

4.2.3. - No ponto 31) da matéria de facto consta:
31. As informações recolhidas pelos GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas, sem qualquer intervenção humana, para uma plataforma informática online da H… D… onde podem ser visualizadas e consultadas em relatórios / mapas, sendo que a essa plataforma apenas têm acesso 3 trabalhadores da R. F…, G… e I…, mediante a introdução de uma password e username que só os próprios conhecem.
A autora/recorrente, para fundamentar a impugnação deste ponto da matéria de facto, apenas indicou os “registos de portaria que a Recorrida foi notificada para juntar e que juntou em requerimento de 27-01-2015”.
Ora, tais “registos de portaria” constituem documento de natureza particular, com o valor probatório que decorre do artigo 376.º do Código Civil.
Na “Fundamentação” da decisão de facto, a Mma Juiz consignou: “A convicção do Tribunal alicerçou-se, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos infirmados, na valoração global dos documentos carreados aos autos e dos depoimentos produzidos na audiência, estes últimos apreciados segundo as regras da experiência comum, passando a salientar-se os aspectos que constituem o cerne do litígio.
Daqui resulta que a livre convicção da 1.ª instância, na decisão sobre a matéria de facto, assentou na conjugação de dois meios de prova: documental e testemunhal.
Assim sendo, o meio de prova documental, indicado pela autora para impugnar o ponto 31, é manifestamente insuficiente para que este Tribunal de recurso possa formar qualquer convicção, quer positiva, quer negativa, sobre a pretendida alteração do ponto 31 da matéria de facto.
Assim, nesta parte, improcede o recurso da autora.

4.3.Ampliação da matéria de facto.
4.3.1. - Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, ampliar a matéria de facto, quando o considere indispensável.
Essa ampliação pode ocorrer de duas formas:
a) Anulando a decisão proferida na 1.ª instância, quando não constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, ou
b) A própria Relação proceder à ampliação da matéria de facto, se dos autos constarem os elementos que a permitam fazer, sem recurso à anulação da decisão recorrida, mais que não seja, por razões de economia processual.
Como consta no relatório supra, na sequência da junção aos autos, em sede de recurso, pela autora, do documento que constitui a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, foi este notificado para informar o Tribunal de recurso, nos termos determinados no acórdão de 2015.12.16, transitado em julgado.
A CNPD respondeu, remetendo o expediente de fls. 808 a 824, constituído por ofício de apresentação, suas Deliberações n.º 1015/2015 (de 2015.06.23) e n.º 1565/2015, de 2015.10.06, e sua Autorização n.º 11891/2015, de 2015.12.03, todas reportadas à ré/recorrida, C… S.A.
Na sequência desse expediente, e nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, o relator proferiu despacho a ordenar a notificação da ré para juntar aos autos cópia certificada do teor das notificações enviadas à CNPD, em 24 de Novembro de 2011 e 18 de Novembro de 2015, respectivamente, relativas à utilização do GPS, instalado nas viaturas dos Delegados de Informação Médica.
Tanto o expediente enviado, directamente, pelo CNPD, como o enviado pela ré, não foram objecto de impugnação.
Além disso, através do requerimento de 27 de Janeiro de 2015, a ré juntou a fls. 498-518 dos autos o “Relatório Final” e “Decisão” referentes ao procedimento disciplinar, instaurado ao trabalhador U…, datados de 02 de Setembro de 2014.
Desse “Relatório Final” consta, além do mais, nas alíneas:
PP. A arguente solicitou à empresa D… uma inspecção ao GPS instalado na viatura atribuída ao trabalhador arguido.
QQ. A inspecção foi realizada no dia 3 de Abril de 2014.
RR. A inspecção foi realizada pelo técnico J…, na presença de F….
ZZ. Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.
BBB. Em inúmeras situações o veículo é ligado e aparentemente desligado em 1 ou 2 minutos sem sair do local (quase sempre ao fim de semana).”.
O “Relatório Final” e “Decisão” referentes ao procedimento disciplinar, instaurado ao trabalhador U…, documentos não impugnados pela autora, estão datados com a mesma data - 02 de Setembro de 2014 - do “Relatório Final” e “Decisão” referentes ao processo disciplinar instaurado à autora, juntou a fls. 5-21 dos autos.
Deste modo, atenta a necessidade do apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, e nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, decide-se ampliar a matéria de facto, nos seguintes termos:
78. - Na notificação de 24 de Novembro de 2011, que deu origem ao processo n.º 17851/2011, que correu termos na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), sob a rubrica “Lista de dados pessoais tratados”, a ré consignou: “Matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura”.
79. - Nessa mesma notificação de 24 de Novembro de 2011, sobre a recolha de dados, a ré declarou que a recolha era realizada por via directa, na Internet, através do sítio www.V....com e consignou que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema”.
80. - Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré não forneceu qualquer informação a tal respeito.
81. – Pela Deliberação n.º 1015/2015, de 23.06.2015, a CNPD deliberou:
a) Proibir temporariamente o tratamento de dados de geolocalização da responsabilidade dos C… S.A., até à pronúncia final da CNPD no processo n.º 17851/2011;
b) Proibir temporariamente a utilização dos dados pessoais até agora recolhidos no âmbito do referido tratamento de dados;
c) Notificar os C… S.A., na pessoa do seu legal representante, para interromper do tratamento, como foi ordenado a abster-se de utilizar a informação nos termos acima referidos”.
82. - No âmbito do processo n.º 17851/2011 foi proferida a Deliberação final n.º 1565/2015, de 06.10.2015, nos seguintes termos:
“(…).
Como é patente pelo exposto, nada resultando de novo na resposta da C… S.A., a CNPD manteria o teor do projecto de decisão notificado. Contudo, a CNPD não está em condições de autorizar o tratamento de dados pessoais em causa, na medida em que o responsável pelo tratamento falhou no cumprimento da obrigação prevista na alínea e) do artigo 29.º da LPDP, mesmo depois de expressamente instado pela CNPD a fazê-lo.
Por conseguinte, sendo inequívoca a existência de processamento externo da informação e por não ter a C…, S.A., identificado a entidade com quem contratualizou a prestação do serviço de geolocalização, delibera a CNPD não autorizar o tratamento de dados pessoais aqui em análise por falta de elementos essenciais à pronúncia.”.
83. – Apôs o encerramento do processo n.º 17851/2011, a ré notificou o CNPD, em 18 de Novembro de 2015, de um tratamento de dados, mas agora limitado às finalidades de gestão de frota em serviço externo para transporte de mercadorias e de participação criminal em caso de furto.
84. - A CNPD, através da Autorização n.º 11891/2015, de 03.12.2015, autorizou, à C…, S.A., a utilização do sistema de GPS para (i) a gestão da frota em serviço externo para transporte de mercadorias, excluindo os veículos utilizados pelos delegados de informação médica, e (ii) a participação criminal em caso de furto.
85. – Mas recusou-lhe o uso dos dados obtidos através da utilização do sistema GPS para controlo do desempenho do trabalhador ou para qualquer outra finalidade.
86. – O procedimento cautelar, contra a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, apresentado por C…, S.A., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, sob o n.º 2738/15.9BESNT, foi extinto por inutilidade superveniente, por força da Deliberação n.º 1565/2015, de 06.10.2015, a qual não foi objecto de impugnação.
87. - No “Relatório Final” do procedimento disciplinar instaurado ao trabalhador U… consta, além do mais, nas alíneas:
PP. A arguente solicitou à empresa D… uma inspecção ao GPS instalado na viatura atribuída ao trabalhador arguido.
QQ. A inspecção foi realizada no dia 3 de Abril de 2014.
RR. A inspecção foi realizada pelo técnico J…, na presença de F….
ZZ. Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.
BBB. Em inúmeras situações o veículo é ligado e aparentemente desligado em 1 ou 2 minutos sem sair do local (quase sempre ao fim de semana).

4.3.2. – Alteração do ponto 23. da matéria de facto
O ponto 23. dos factos provados tem a seguinte redacção:
“A A. instaurou o GPS na sua frota automóvel, tendo em vista garantir a segurança das viaturas e dos utilizadores e verificar as declarações efectuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto os locais das visitas e aos quilómetros efectuados ao serviço da empresa e fora de serviço.
Como resulta do despacho de fundamentação da decisão de facto, a Mma Juiz não fundamentou especificadamente, ponto por ponto ou por grupos de pontos (com excepção dos pontos 34., 52. e 53.), mas de modo global, pelo que se desconhece quais os elementos de prova, em concreto, que sustentam a redacção do ponto 23..
No entanto, face à notificação ao CNPD, de 24 de Novembro de 2011, verifica-se que a finalidade da instalação do GPS, nas viaturas dos DIMs, é a que consta do ponto 78. da matéria de facto provada.
Assim, para evitar equívocos ou contradições o ponto 23. passa a ter a seguinte redacção: “A R. instaurou o GPS na sua frota automóvel, para tratamento dos seguintes dados: matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura, tendo em vista verificar as declarações efectuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto os locais das visitas e aos quilómetros efectuados ao serviço da empresa e fora de serviço.

5. – Consigna-se que todas as alterações à decisão de facto, supra referenciadas, foram averbadas no ponto II.1. - Fundamentação de facto.

6. - A (in)existência de justa causa de despedimento
6.1. - No âmbito do Código do Trabalho (CT), caso, na decisão final do procedimento disciplinar, o empregador aplique a sanção de despedimento ao trabalhador, a regularidade e licitude desse despedimento “só pode ser apreciada por tribunal judicial”, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 387.º (negrito nosso).
Por sua vez, o artigo 357.º, n.º 4, consagra: “Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.” (negrito nosso).
E o n.º 3, do artigo 387.º acrescenta: “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”, recaindo sobre o empregador o ónus da prova dos factos imputados ao trabalhador na nota de culpa.
Tal ónus constava, expressamente, no artigo 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89, de 27.02, que dispunha: “Na acção de impugnação judicial de despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10.º, competindo-lhe a prova dos mesmos.
O Código do Trabalho, não contendo o último segmento do citado artigo 12.º, remete-nos para as regras do ónus da prova prescritas no artigo 342.º e segs. do Código Civil.

6.2. - Na fundamentação de direito, a Mma Juiz escreveu:
No que concerne à falta de declaração de 110 km particulares no mapa de despesas relativo ao período de 10.1.2014 a 9.2.2014, detectada pela R. em Março de 2014, tal omissão infringia o procedimento interno da R. definido em 2002 e alterado por comunicado de Junho de 2011, segundo a qual, a partir desse mês, os trabalhadores passaram a custear os quilómetros particulares efectuados com a viatura de serviço- nº 39 dos factos provados.
Tal conduta implicaria, de facto, um prejuízo de para a R., que deixava de receber o custo dos quilómetros não declarados, pelo menos, €16,50 (110 km x 0,15€), mas quando foi detectada pela R. a A. reconheceu-a de imediato, pelo que, ignorando-se se se tratou de um comportamento negligente ou doloso, apesar de envolver o incumprimento de uma ordem legítima da R., não lhe podemos atribuir particular gravidade. (negrito nosso).
Outro tanto, já não sucede relativamente com a conduta da A. relativamente ao equipamento GPS instalado pela R. na sua viatura.
Com efeito, o trabalhador está obrigado a velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador- al.g) do art. 128º do C.Trab.
E a A., ao invés, danificou ou mandou danificar o aparelho de GPS instalado na sua viatura, provocando o mau funcionamento do mesmo no período de 1.11.2013 a 2.4.2014.
É que a A. era a única responsável pelo veículo, se os danos fossem na parte externa do aparelho podiam ter ocorrido sem uma intervenção intencional, mas o que se provou foi que a gaveta onde se encontrava o cartão GSM foi aberta e o cartão danificado, o que implica uma acção dolosa para impedir o regular funcionamento do equipamento.
Daí que, relativamente aos danos verificados na vistoria do dia 2.4.2014, não tivemos dúvidas de imputar a sua autoria (imediata ou mediata) à A., o que já não fizemos relativamente ao período posterior porque não foram detectados danos físicos no equipamento e embora a vistoria realizada em 13.5.2014 aponte para a utilização de técnicas de “jamming” que bloqueiam a funcionalidade do aparelho, nada de concreto foi apurado que nos permita assacar à A. a responsabilidade pelo mau funcionamento do equipamento.
Mas, a danificação pela A. do equipamento de GPS verificada em 2.4.2014, reveste-se, em nosso entender, de particular gravidade, não pelos danos em si, mas porque revela a intenção da A. de obstar ao regular funcionamento do GPS, bem sabendo que desse modo impedia a R. de usar as informações deste para verificar com rigor as suas declarações no CRM relativamente às visitas efectuadas e aos quilómetros percorridos.
Com efeito, os delegados de informação médica no seu dia-a-dia desenvolvem sua actividade sozinhos, sem supervisão directa, pelo que tem de existir uma particular relação de confiança entre eles e o empregador e os seus representantes.
Ora, a conduta da A. evidencia má-fé, quebrando necessariamente a relação de confiança imprescindível ao exercício das suas funções.
Na verdade, cremos que não é exigível a um empregador normal manter ao seu serviço um trabalhador que danificou o equipamento de GPS, com o intuito de impedir a verificação da sua actividade.
Em suma, tal comportamento doloso da A. pela sua gravidade e consequências tornou impossível a manutenção da relação de trabalho, constituindo justa causa para ao despedimento, nos termos do disposto no art. 351º do C.Trabalho.
Da transcrita fundamentação de direito da sentença recorrida, resulta que apenas foi considerada a violação do dever inscrito no artigo 128.º, n.º 1, alínea g) do CT, quando a ré imputou à autora a violação dos deveres previstos nas alíneas b), c), e), g) e h) do citado normativo.
6.3. - A ré acusou a autora de ter violado os deveres previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas b), c), e), g) e h) do C.T., e enquadrou tal comportamento no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), d), e) e g) do mesmo diploma, com base nos factos descritos na nota de culpa, notificada à autora, em tempo oportuno.
O artigo 128.º, n.º 1, do CT, enumera os deveres do trabalhador, e, por sua vez, o artigo 351.º, n.º 1, do CT, dispõe que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;”.
O conceito de justa causa, formulado no citado artigo 351.º, compreende, de harmonia com o entendimento generalizado tanto na doutrina como na jurisprudência, três elementos:
a) Um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador,
b) Outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação laboral e
c) Na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Além disso, o n.º 3, do artigo 351.º, dispõe que “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
No dizer de A. Mota Veiga, Direito do Trabalho, 2.º vol., 1987, pág. 218, “a gravidade do comportamento deve ser apreciada em termos objectivos e concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal. Assim, a gravidade deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do trabalhador, dentro do ambiente da própria empresa”.
Para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências.
Tanto a gravidade como a culpa devem ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
Como escreve Jorge Leite, in Direito do Trabalho, Lições policopiadas, FDUC, pág. 417, “A gravidade do comportamento é um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a valoração do comportamento não deve ser feita segundo os critérios subjectivos do empregador ou do juiz, mas segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza deste tipo de relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença”.
Por fim, a impossibilidade, tomado este termo no sentido de inexigibilidade, e não a simples dificuldade, de subsistência da relação laboral deve, também, ser valorada perante o condicionalismo da empresa e ter em vista o critério acima referido, de não ser objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave.
No seu estudo subordinado ao título “Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova”, publicado na Revista Direitos e Estudos Sociais, Ano XXX, Janeiro/Março de 1988, págs. 1 a 68, Bernardo Lobo Xavier formula as seguintes conclusões: “feita a necessária averiguação, o Juiz só poderá dar o despedimento como válido se considerar provados os factos susceptíveis de - num critério de normalidade - implicarem a impossibilidade prática da relação, em termos, portanto de não poder fazer um juízo de inadequação, entre o quadro de facto e a rescisão do contrato. É claro que o Juiz considerará o despedimento como nulo quando não se apurem os factos suficientes para fazer supor a impossibilidade das relações ou quando se comprovem outros factos capazes de descaracterizar os factos apurados como aptos a conduzir a essa impossibilidade ou, de qualquer modo, possa emitir um prognóstico de viabilidade da relação”.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve “um juízo de prognose” sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, seja de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador (cf. Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 8.ª edição, vol. I, págs. 461 e segs.; Menezes Cordeiro, em "Manual de Direito do Trabalho", 1991, págs. 822; Lobo Xavier, em "Curso de Direito do Trabalho", 199, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, págs. 249; Mota Veiga, em "Direito do Trabalho", II, págs. 128).
A jurisprudência tem considerado verificar-se a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador (cf., entre outros, Acórdãos Doutrinais n.º 360/1421; Acórdãos S.T.J., CJ, ano II, tomo III, pág. 303 e o ano III, tomo III, pág. 277; Acórdão do STJ, de 2014.11.19, base de dados DGSI).
Na verdade, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos reveste-se, neste campo, de especial significado, por estar em causa o desenvolvimento de um vínculo caracterizado pela natureza duradoura e pessoal das relações dele emergentes, relações essas que devem desenvolver-se em ambiente de confiança recíproca entre o trabalhador e o empregador.
Deste modo, é necessário que o comportamento do trabalhador não seja susceptível de destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta.
Avaliemos o caso dos autos, à luz das normas e da doutrina citadas.

6.4.O caso dos autos.
Como supra transcrito, a Mma. Juiz apenas enquadrou a justa causa de despedimento na violação do dever previsto na alínea g), do n.º 1 do artigo 128.º do CT: “1 – Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve, g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;”.
Para tal conclusão, a Mma Juiz apoiou-se na factualidade inserida no ponto 53. da matéria de facto, que dera como provado com recurso ao regime jurídico da presunção judicial.
Ora, na sequência da impugnação sobre a matéria de facto, deduzida pela autora no âmbito do recurso em apreciação, e considerando não verificados os requisitos para que pudesse funcionar tal regime da presunção judicial, dê-mos como não provada a matéria do referido ponto 53. da matéria de facto.
Assim sendo, fica sem qualquer suporte fáctico a alegada violação do dever previsto na alínea g), do n.º 1 do artigo 128.º do CT e, por consequência, o fundamento para a justa causa de despedimento.
Na verdade, da restante factualidade provada nada se pode concluir pela violação, culposa e grave, de qualquer outro dever com relevância disciplinar, que possa fundamentar a sanção de despedimento aplicada à autora.
Deste modo, não estando provados factos integradores da justa causa invocada pela ré, outra solução não resta do que declarar ilícito o despedimento comunicado à autora – cf. artigo 381.º, alínea b), do CT.

6.5.Os efeitos da declaração de ilicitude do despedimento.
6.5.1. - Sobre os efeitos da ilicitude de despedimento, o artigo 389.º do CT dispõe:
“1 – Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos no artigo 391.º e artigo 392.º.”.
E o artigo 390.º - Compensação em caso de despedimento ilícito -, acrescenta:
1 – Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 – Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.”.
Compulsados os autos, não encontramos qualquer declaração da autora a optar pela indemnização em substituição da reintegração, prevista no artigo 391.º do CT, razão pela qual se mantem o pedido de reintegração na empresa ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

6.5.2. – No entanto, nos artigos 171.º a 177.º do seu articulado, a ré “declara expressamente que se opõe à reintegração da A.”, alegando, em resumo, que “a relação entre a A. e a Ré sempre estará afetada pelo presente litígio! E A relação de confiança entre a A. e a Ré, necessária à relação laboral, está irremediavelmente destruída. Fica, deste modo, claro que a manutenção do vínculo laboral entre A. e R. é gravemente perturbador do funcionamento da empresa, no termos do artigo 392.º, n.º 1 CT, pelo que é inexigível à R. que promova a sua reintegração.”.
O artigo 392.º - Indemnização em substituição de reintegração a pedido do empregador – dispõe:
“1 - Em caso de micro empresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.”. (negrito nosso).
Ora, é manifesto que a ré não invocou, nem provou, nenhum dos dois requisitos previstos no artigo 392.º que poderiam fundamentar a sua oposição à reintegração: ser uma microempresa ou a autora ocupar cargo de administração ou de direcção na empresa ré.
Assim sendo, mais não resta do que julgar improcedente tal pretensão da ré.

6.5.3. - No que reporta ao direito a receber as retribuições que a autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, e considerando que se desconhece se a autora recebeu, ou não, subsídio de desemprego, relega-se para a fase de liquidação, o seu montante.

6.5.4. - Os danos não patrimoniais.
A autora pede a condenação da ré no pagamento de €15.000,00, a título de danos não patrimoniais, “causados por virtude do despedimento ilícito de que foi alvo, tendo ficado provado que conforme consta do ponto 75. e 76. da sentença ab quo, ficou provado que “A A. nasceu em 27-05-1963, é viúva, e tem a seu cargo dois filhos, estudantes, e o seu pai” e “Devido à sua idade e à actual conjuntura económica, a A. teme não encontrar novo emprego, sentindo-se angustiada e preocupada relativamente ao seu futuro e ao dos seus filhos”.”.
O artigo 496.º (Danos não patrimoniais) dispõe:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”.
E o artigo 494.º (Limitação da indemnização no caso de mera culpa) prescreve:
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…).
Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.”.
Ora, a factualidade provada nos pontos 75. e 76. da sentença é, a nosso ver, insuficiente para justificar o reconhecimento do direito aos danos não patrimoniais pretendidos pela autora, pois, a hipótese do desemprego é, com todo o respeito, uma contrariedade que resulta das condições e leis que regulam o trabalho subordinado, comum a qualquer cidadão nessas situações, e não, propriamente, a um comportamento grave e culposo da ré empregadora, no âmbito da previsão do artigo 496.º do Código Civil.
A declaração de ilicitude do despedimento tem as suas consequências próprias, nomeadamente, as supra mencionadas e, em situações que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito civil, então sim, poderá ser reconhecido o direito a danos não patrimoniais. Não é, certamente, o caso dos autos.
Deste modo, improcede, nesta parte, o recurso da autora.

IV.A decisão
Atento o exposto, julga-se:
1. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta à impugnação da matéria de facto, alterando-se a mesma, nos termos supra descritos, ou seja, dão-se como não provados os pontos 24. e 53. da matéria de facto da sentença e altera-se a redacção do ponto 23.
2. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta ao mérito da causa, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:
- A reconhecer a ilicitude do despedimento da autora;
- A reintegrá-la na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- A pagar-lhe as retribuições que a autora deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, a liquidar em execução de sentença.
- A pagar-lhe os juros de mora, vencidos e vincendos, sobre todas as quantias em dívida, desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.
3. – No mais, mantém-se a sentença recorrida.

As custas do recurso de apelação são a cargo da autora e da ré, na proporção de 15% e 85%, respectivamente.

Porto, 5 de Dezembro de 2016
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas