Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DE JESUS PEREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL AGENTE DE EXECUÇÃO PRESCRIÇÃO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO PRAZO | ||
Nº do Documento: | RP20160628517/14.0T8AMT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 725, FLS.187-190) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Prescreve no prazo de três anos uma acção de indemnização interposta contra o AE. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Pc.517/14.0T8AMT-A.P1 (Apelação) Relatora Maria de Jesus Pereira Adjuntos: Des. José Igreja Matos Des. Rui Moreira Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1-Relatório. B…, casado, residente na Rua …, nº …, …, Amarante, intentou acção declarativa de responsabilidade civil, com processo comum, contra C…, Agente de Execução, e Seguradora D…, SA, com sede na Avenida …, nº …, Lisboa, alegando, fundamentalmente, que: -em 08 de Maio de 2008, intentou contra a firma “E…-Sociedade de Construções Lda” acção executiva para cobrança do remanescente da dívida de 10.000,00 euros, da qual era credor e demais encargos, que, inicialmente, indicou como bens à penhora os bens móveis que fossem encontrados na sede da executada; -posteriormente, veio indicar diversos veículos à penhora, mas sobre um dos veículos incidia uma reserva (referindo que dois deles já haviam sido vendidos) e estava registado em nome de F…, mas sucede que a primeira ré não havia cruzado nos autos o cumprimento do disposto no artigo 119 e, emitida certidão para conversão do registo, esqueceu-se de remeter a certidão para a CRP e, por tal facto, não chegou a ser registado em nome do autor. Conclui pela procedência da acção e, em consequência, as rés condenadas solidariamente a pagar à autora a quantia de 6.045,75 euros, correspondente à parte do crédito do autor, 344,46 euros referente a despesas e honorários, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a extinção da instância executiva a 10 de Janeiro de 2012 até efectivo e integral pagamento. Citados os réus, a primeira ré contestou, invocando - no que aqui interessa- a prescrição do direito peticionado, nos termos do artigo 498,nº1, do CC Dispensada a audiência prévia, fixado o objecto do litígio, foi proferido despacho saneador, que, conhecendo da invocada excepção de prescrição, a julgou improcedente e Absolveu a segunda ré do pedido, prosseguindo os autos contra a primeira ré aqui apelante. Inconformada a primeira ré interpôs recurso de apelação ora em apreciação com as seguintes conclusões: A) A presente ação funda-se na alegada responsabilidade civil do agente de execução pela prática de atos/omissões no exercício dessas funções; B) O Autor, na qualidade de exequente veio reclamar o pagamento à aqui Ré e à companhia de seguros o montante € 6.045,70. C) Alegou o Autor que, pelo facto da agente de execução não ter promovido, em tempo, a conversão de um registo provisório em definitivo, de um veículo automóvel penhorado não permitiu que este recebesse o seu crédito perante a executada; D) A aqui Recorrente apresentou a sua contestação, invocando em primeiro lugar a exceção de prescrição, alegando que o Autor fundamenta a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade civil por factos ilicitos, na vertente omissão e que sendo a responsabilidade por factos ilicitos, o lesado está sujeito ao prazo de prescrição de três anos - art. 498º, nº1, do Código Civil. E) Apesar de o Autor não alegar em que data teve conhecimento dos factos, a verdade é que os mesmos se reportam ao ano de 2009, e as certidões permanentes dos veículos penhorados foram juntas aos autos em 14-06-2010, pelo que a partir desta data, pelo menos, teve o Autor conhecimento através da sua ilustre mandatária. F) Ora, tendo a presente ação dado entrada em juízo, em 02 de dezembro de 2014, ainda que existisse algum direito, o que não concede a Ré, o mesmo estaria prescrito. G) No que concerne à invocada exceção de prescrição o Tribunal “a G… quo” refere que apesar de nada ter a apontar ao raciocínio da Ré, “estamos perante a responsabilidade contratual visto que a relação entre exequente se estabelece de forma consensual, sendo que foi o próprio autor que o indicou no requerimento executivo o que a 1.ª ré aceitou.” H) Para apoiar este entendimento, o Tribunal a quo socorreu-se essencialmente do estatuto dos solicitadores, mormente das alíneas g) e l) do artigo 109º epigrafado de Deveres dos solicitadores: g) Recusar mandato ou nomeação oficiosa para causa que seja conexa com outra em que representem ou tenham representado a parte contrária; l) Diligenciar no sentido do pagamento dos honorários e demais quantias devidas aos colegas ou aos advogados que os antecederam no mandato que lhes venha a ser confiado. I) Sustentou o Tribunal “a quo” que decorre das alíneas g) e l) que o Solicitador exerce um mandato e por isso nos termos do art. 309º do CC, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos. J) Ora, com o devido respeito, labora em erro o Tribunal, uma vez que se socorre de regras do estatuto dos solicitadores na parte geral do exercício da solicitadoria, que são comuns ao estatuto dos Advogados, para qualificar a alegada relação jurídica. K) Contudo, as regras do estatuto dos solicitadores, referidas pelo Juíz a quo, aplicam-se quando o solicitador exerce mandato judicial, em representação de clientes, à semelhança do advogado, e não quando exerce as funções de agente de execução, pois o este pode ser nomeado pelo exequente para uma execução e aceitar tal nomeação e, ao mesmo tempo, aceitar a nomeação para ser agente de execução numa outra execução contra o mesmo exequente, pois o agente de execução deve ser imparcial, cumprir a legalidade e tratar ambas as partes de igual forma. L) O agente de execução também não tem que diligenciar pelo pagamento de honorários aos agentes de execução que o antecederem no processo. Este dever só tem aplicação no exercício de mandato e não no desempenho da função pública de Agente de Execução. M) O Agente de Execução não atua como mandatário das partes e está sujeito a um tarifário pelos honorários. O que não acontece se o solicitador estiver mandatado para defender interesse de uma das partes. N) Uma outra diferença fundamental entre o exercício do mandato forense do solicitador e o da função agente de execução é o facto deste não poder livremente renunciar à nomeação, como o pode fazer no mandato, uma vez que nos termos do artigo 122º do Estatuto dos solicitadores na parte destinada ao agente, estipula as apertadas situações em que o agente pode pedir escusa da nomeação. O) Na verdade, o agente de execução exerce verdadeiros poderes de autoridade, encontrando-se sujeito a deveres de legalidade, de imparcialidade e independência, em conformidade com a natureza pública da função da administração da justiça em que participa, o que não se coaduna com o entendimento de que entre este e o exequente existe uma relação de mandato. P) Embora a designação pelo exequente tenha de ser aceite pelo agente de execução (nº8 do artigo 720º), não se encontra sujeito a um poder de orientação por parte do exequente que o designou, não se obrigando a agir de acordo com as instruções deste, mas, tão só, segundo estritos critérios de legalidade, independência e imparcialidade. Q) A Constituição da República Portuguesa (CRP), no nº4 do art. 20º, consagra o direito a um processo equitativo, enquanto uma das múltiplas dimensões em que se concretiza o princípio fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. R) Por sua vez, nos seus arts. 202 e 203º, a CRP consagra ainda o princípio da imparcialidade dos tribunais, garantido pelo seu estatuto de independência. S) Todo o processo – desde o momento do impulso da ação até ao momento da execução – deve estar informado pelo princípio da equitatividade. T) A imparcialidade pressupõe, necessariamente e antes de mais, uma independência funcional relativamente a ambas as partes, para além de uma postura de neutralidade e de equidistância relativamente a estas. U) Aceitar a existência de mandato por parte do exequente violaria os referidos preceitos constitucionais. V) A responsabilidade civil do agente de execução perante exequente, executado ou terceiros, trata-se da responsabilidade por factos ilícitos preenchidos que sejam os pressupostos do artigo 483º do C.C. Nestes termos, nos Melhores de direito que V. Excia sabiamente suprirá deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro, que julgue procedente a excepção da prescrição por aplicação do artigo 483 e 498 do CC e absolvo a ré do pedido, assim se fazendo Inteira e Sã Justiça. O recorrido nas contra-alegações pugna pela manutenção do decidido. 2-Objecto do recurso. Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões a questão colocada e este Tribunal da Relação consiste em saber se, em caso de responsabilidade do AE no exercício da sua actividade, o prazo de prescrição é de 3 anos como referido nas alegações do recurso ou de 20 anos como referido na decisão recorrida. 3-Na decisão que ordenou o prosseguimento dos autos, foram considerados provados os factos seguintes: A-A ré C… é agente de execução e exerce a sua actividade no escritório sito na Rua …., nº …, Lousada. B-O autor em 08 de Maio de 2008 intentou acção contra a firma “ E…-Sociedade de Construções, Lda” acção executiva, a qual correu termos no 3º Juízo do tribunal Judicial de Amarante, sob o número de processo 988/08.3TBAMT, para cobrança da quantia de €10.000,00, da qual o autor B… era credor, e demais encargos, conforme declaração de dívida de fls. 4 que foi dada à execução como título executivo. C-Inicialmente o autor indicou como bens à penhora, os bens móveis que fossem encontrados na sede da executada e no estaleiro da mesma sito no Lugar …, …, Amarante. D-Posteriormente veio a indicar como bens à penhora diversos veículos automóveis, nomeadamente QP-..-.., QQ-..-.., ..-..-SF e ..-..-FF. E-Em relação aos veículos SF e FF, o autor informou a ré C… que não pretendia a sua penhora, o primeiro porque não pertencia à executada, o segundo porque sobre o mesmo já incidiam diversos ónus. F-O autor, a 30 de Dezembro de 2008, requereu a penhora de veículos automóveis QP-..-.., QQ-..-.. e do veículo da marca Audi com a matrícula ..-..-TM. G-Quanto ao Audi ..-..-TM, efectuada a busca constatou a ré C… que sobre o veículo incidia unicamente uma reserva a favor do Banco H…, SA e estava registado em nome de I…. H-Após a citação do titular inscrito para os termos do artigo 119,nº1, do CRP a 9 de Fevereiro de 2009, I…, veio ao processo declarar via electrónica, dirigido à Exma. Solicitadora que os veículos ..-..-TM e QP-..-.., já haviam sido vendidos apesar de desconhecer a quem, porque assinou a declaração de venda em branco. I-Por sentença notificada a 10 de Janeiro de 2012, foi a execução julgada extinta por ausência de bens. 4-Fundamentação de direito. Considerou o Tribunal recorrido que a relação entre exequente e Solicitador de Execução se estabelece de forma consensual em que uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem, nos termos do artigo 1157 do CC para concluir que o prazo de prescrição é de vinte anos, nos termos do artigo 309 do CC. Insurge-se a apelante contra o assim decidido por entender que as regras do mandato só se aplicam quando o Solicitador exerce mandato em representação de clientes e não quando exerce funções de agente de execução para concluir pela aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual. Vejamos então se a razão está do lado da recorrente. Antes, porém, convém referir que, em face dos factos acima transcritos, a figura jurídica do Agente de execução tem de ser aquilatado no seu Estatuto antes da alteração introduzida pela Lei nº154/2015, bem como no campo da sua actuação permitida pelo D-L 38/2003 com as alterações introduzidas pelo D-L nº 226/2008, de 20-11, na parte aplicáveis, de acordo com o disposto no artigo 23 do referido diploma- disposições transitórias- Como sabido o D-L nº 38/2003, de 08-03 introduziu no nosso sistema jurídico a figura de l’Huissier tendo em vista reduzir a excessiva jurisdicionalização dos anteriores actos de execução, libertando, assim, o juiz de tarefas que não envolvam a pura função jurisdicional, ficando, deste modo, a cargo do agente de execução a penhora e todas as diligências subsequentes como notificações, citações e registos. – cfr. artigos 832, 833 e 838 – Aquando da entrada em juízo do requerimento executivo, o exequente não estava obrigado a designar o solicitador de execução tal como decorre do preceituado no artigo 811-A, nº1, do CPC na redacção dada pelo D-L nº 38/2003, sendo que aquele, na ocasião, era considerado um profissional liberal independente, sujeito a um específico regime de incompatibilidades e impedimentos chamado a colaborar com o Tribunal na realização de todos os actos do processo executivo não cometidos ao juiz ou à secretaria de acordo com os normativos legais acima mencionados e de acordo com o seu Estatuto aprovado pelo D-L nº 88/2003, de 26 de Abril artigos 116 e seguintes – neste sentido vide Acórdão do STJ de 06-07-2011- Relator Fonseca Ramos- disponível em DGSI, hoje com a alteração introduzida pela Lei nº 154/2015 (que não tem aqui aplicação) coloca-se a questão de saber se ele não representa antes um interesse público na realização da justiça em face do artigo 162 desse mesmo Estatuto- Neste contexto, importa desde já referir que, salvo sempre o devido respeito, não vislumbramos que se apliquem as regras do mandado com referido na decisão recorrida uma vez que a recorrente não se obrigou a praticar actos jurídicos por conta do exequente/recorrido, mas, sim, a colaborar com o Tribunal nos termos sobreditos não violando, assim, nenhum vínculo contratual. E se assim é a prática de algum acto ilícito, quer por omissão, quer por acção, só pode ser analisado pelo lado da responsabilidade aquiliana tal como vem sendo defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Acórdão de 06-07-2011 acima citado e Acórdão de 11-04-2013- Relatado por Abrantes Geraldes, também disponível em DGSI-, sendo que o prazo prescricional do direito de indemnização é de 3 anos, nos termos do artigo 498,nº1, do CC como referido nas conclusões das doutas alegações de recurso (no direito francês o prazo é de dois anos conforme decorre da Lei nº 2008-561, de 17-06-2008). Este prazo apenas se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprime, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente- cfr. artigo 323 do CC- Dos elementos solicitados ao tribunal recorrido, cuja junção aos autos se ordena, verificamos que a recorrente foi citada a 14-12-2014 – e não a 14-11-2014 como por lapso foi referido pela recorrente - conforme certidão de citação junta, elaborada via citius a 03-12-2014 cuja acção deu entrada a 02-12-2014. Reportando-nos aos autos, os factos elencados sob os temas de prova dizem respeito ao período compreendido entre Março de 2009 a Setembro do mesmo ano. Ante isto fácil é de concluir que quando a acção entrou em tribunal o invocado direito se encontrava há muito prescrito estando fora de questão – em face dos mesmos factos – que se aplique ao caso em análise o prazo mais longo de 5 anos. Donde decorre que procedem as doutas conclusões das alegações do recurso, impondo-se, assim, a revogação do decidido. Decisão Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, absolvem a ré C… do pedido, revogando a decisão recorrida. Custas pelo recorrido. Porto, 28-06-2016 Maria de Jesus Pereira José Igreja de Matos Rui Moreira |