Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2687/10.7TBVLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM DIFERENTE ESTABELECIMENTO DO INML
Nº do Documento: RP201805302687/10.7TBVLG-B.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 829, FLS 210-216)
Área Temática: .
Sumário: - A lei processual não prevê a possibilidade de realização de terceira perícia.
- As perícias singulares de clínica médico-legal solicitadas pelas autoridades judiciárias de uma determinada comarca são obrigatoriamente realizadas nas instalações dos serviços médico-legais cuja área de atuação engloba essa comarca, não podendo o juiz determinar a sua realização em diferente estabelecimento desses mesmos serviços médico-legais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2687/10.7 TBVLG-B.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 1
Apelação (em separado)
Recorrente: B...
Recorrida: “C... – Companhia de Seguros, S.A.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora B..., residente na ..., ..., cave direita, ... intentou ação declarativa, com forma de processo ordinário, contra a ré “C..., Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no ..., nº .., Lisboa, pedindo a condenação desta a reconhecer a responsabilidade do seu segurado no acidente de viação descrito nos autos, devendo indemnizá-la por danos não patrimoniais em quantia não inferior a 20.000,00€ e também pela perda de capacidade de ganho que lhe vier a ser reconhecida e cuja quantificação remete para depois do conhecimento do resultado pericial.
Requereu a realização de perícia médico-legal ao estado psíquico da autora, devendo o mesmo declarar se existe nexo causal entre o acidente e as perturbações descritas, bem como a data provável do conhecimento das mesmas. Deve ainda a perícia verificar se o estado da autora é incapacitante para a sua vida profissional, social e familiar, e em que grau.
Efetuou-se perícia médico-legal à autora na Delegação do Norte do INML (Instituto Nacional de Medicina Legal), cujas conclusões, constantes de relatório datado de 10.12.2015 e subscrito pelo perito médico Dr. D..., foram as seguintes:
“- A data da cura das lesões é fixável em 02-12-2004.
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 5 dias.
- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período de 5 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 1/7.
- Não há lugar à atribuição de parâmetros de dano permanente.”
A autora, ao abrigo do art. 487º do Cód. do Proc. Civil, veio requerer, em 11.1.2016, segunda perícia com os seguintes fundamentos:
“1. O relatório médico ora notificado à A. é subscrito por um Sr. Perito Médico, assistente de medicina legal, que não tem a especialidade de psiquiatria. Por outro lado, tratando-se de queixas psiquiátricas aquelas de que sofre a A. (e que o relatório não nega), mais se afigura a necessidade da existência de um parecer da especialidade.
2. A causa de pedir da acção fundamenta-se em danos de índole psiquiátrica, ocorridos já depois do prazo prescricional dos 3 anos, e portanto não parece despiciendo o recurso a um médico com a especialidade de psiquiatria para fundamentar o nexo de causalidade entre a sequela de que a A. se queixa e o acidente em que a funda.
3. O relatório enviado a tribunal não revela que o Sr. Perito Médico o tenha suscitado; e ele era tão necessário quanto é o próprio perito a emitir um parecer de índole condicional por não lhe ter sido apresentado “documentação original que colmate a lacuna de informação entre a data do acidente e os anos de 2009/2010 (ou seja registos clínicos deste período)”.
4. Por outro lado há um parecer do Dr. E... (Relatório – B. Dados Documentais), existente nos autos, que não deixa de referir o nexo de causalidade entre as queixas e o acidente. Portanto, mais um facto a exigir do Sr. Perito Médico o recurso à especialidade de psiquiatria para fundadamente emitir o parecer final do IML. É de resto a prática conhecida do IML e a que o senso comum recomenda.
5. Por se figurar que o relatório padece de uma forte lacuna que lhe retira consistência, e ao tribunal se impõe que use dos meios necessários para a descoberta da verdade, impõe-se que seja levado a cabo um novo exame pericial em instituto diferente.
6. Nestes termos, requer-se a V. Exª se digne ordenar a realização de 2ª perícia no IML de Coimbra, com o mesmo objecto da 1ª, remetendo-se os dados documentais seguintes:
a) Relatórios médico hospitalares pedidos pelo tribunal e enviados pelas respectivas entidades
b) Documentos juntos com a petição inicial.”
A Delegação do Norte do INML, em 29.6.2016, apresentou o seguinte esclarecimento:
“Não foi solicitado “relatório psiquiátrico” à examinada dado que o Perito, mediante análise dos elementos disponíveis, apurou não estarem cumpridos critérios essenciais para o estabelecimento do nexo de causalidade entre o acidente e os danos psíquicos alegados pela examinada. Na ausência desse nexo, toda a análise posterior de tais danos torna-se inválida.
As razões para não estabelecer o nexo de causalidade encontram-se explicadas no relatório final, ponto 3. b) e 3. c) do capítulo “Discussão” (página 7)”
Por requerimento de 15.7.2016 a autora veio novamente requerer 2ª perícia no INML de Coimbra com os seguintes fundamentos:
“1. Por discordar do relatório do IML enviado a tribunal, pelas razões apontadas no requerimento de 11-01-2016, a A. pediu uma 2ª perícia.
2. O tribunal, parecendo aderir aos fundamentos da discordância da A., oficiou em 12-02-2016 o IML da razão de não se ter socorrido de um exame psiquiátrico, pois parecem desta índole as queixas da A. e a causa de pedir da acção.
3. Depois de uma insistência do tribunal, dignou-se o Sr. Perito dar uma resposta (em vez de um esclarecimento fundado), que salvo melhor opinião é “pior emenda que o soneto”.
4. Na verdade, é o sr. Perito a afirmar ter entendido que “não estavam reunidos os critérios essenciais para o estabelecimento de nexo de causalidade entre o acidente e os danos psíquicos alegados pela examinada”.
5. Ora, não sendo o sr. Perito um médico psiquiatra, como se depreende claramente da sua afirmação, é óbvio que não tem competência técnica para estabelecer esse nexo.
6. Estando aqui a essência da questão a esclarecer – estabelecimento do nexo de causalidade – não se duvida de que só um especialista da matéria é que pode fazer tal juízo.
7. Parece que o sr. Perito, salvo o devido respeito, se contentou com um juízo superficial ou meramente perfunctório, de área que não é a sua, o que é inadmissível num exame desta natureza.”
Realizou-se então segunda perícia, novamente na Delegação do Norte do INML, cujas conclusões, constantes de relatório datado de 1.9.2017, subscrito pela perita médica Dr.ª F..., foram as seguintes:
“- A data da cura das lesões é fixável em 02-12-2004.
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 5 dias.
- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período de 5 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 1/7.
- Não há lugar à atribuição de parâmetros de dano permanente.”
Antes, também na Delegação do Norte do INML, tinha sido efetuada à autora perícia de psiquiatria forense, cujas conclusões, expressas em relatório datado de 4.8.2017, subscrito pelo perito médico Dr. G..., foram as seguintes:
“Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de registos clínicos constantes de peças processuais não é observável qualquer alteração susceptível de se constituir como dano psíquico decorrente do evento em apreço.”
Em 25.9.2017, a autora veio arguir a nulidade do relatório do INML nos seguintes termos:
“1. A A. requereu a perícia médico legal na pessoa da A., tendo para o efeito indicado os quesitos a que o INML devia responder, aditados de ampliação dos mesmos, formulada no mesmo requerimento.
O INML afirma na parte final do seu relatório que lhe “não foi presente qualquer relação de quesitos”.
O objecto da perícia está pois devidamente particularizado na quesitação, havendo de ser esta que o define e baliza.
2. No exame de psiquiatria que está anexo ao relatório do sr. Dr. G... está afirmado que o exame do estado mental é normal e não apresenta psicopatologia.
Não será necessário ser médico psiquiatra para compreender que as queixas psíquicas da A. referenciadas nos factos alegados não serão do tipo psicopatológico, como uma esquizofrenia ou outra doença grave da mesma área, mas eventualmente patologias de outra índole.
Portanto, o exame psiquiátrico feito é redutor e não ajuda o autor do relatório do INML a formar uma apreciação correcta, que contribua para a descoberta da verdade, que em última análise é o que o tribunal pretende para poder decidir.
3. O relatório que enforma a 2ª perícia é em boa parte uma reprodução do anterior (10-12-2015), quer na fraseologia, quer na sua discussão, que nos dispensamos de reproduzir (por não ser necessário), pelo que, salvo todo o respeito, sofre da continuidade que o espírito da lei rejeita.
4. No mesmo relatório (Estado Actual) afirma-se na parte Queixas: “cognição e afectividade: sente-se muito ansiosa e dificuldade dormir quando ela ou os filhos têm de viajar, por receio de acidentes”; em fenómenos dolorosos: “… E com o sistema nervoso, recorrendo ao Voltaren em SOS”; e depois a nível situacional quanto a actos da vida diária, afectiva, social e familiar: “deixou de conduzir carro e fazer viagens com trajectos em auto-estrada”; passando a nível da vida profissional ou de formação: ”dificuldade no exercício de profissões nas quais tenha de fazer viagens com trajectos em auto-estrada”.
Sublinhe-se que se reconhece em (3) – Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento: – que a “examinanda não apresenta lesões ou sequelas”, o que significa que não existem patologias antecedentes ao sinistro, ou outras não relacionadas com o evento e que sejam causa das queixas alegadas.
5. Do mesmo modo em (Discussão – 2) afirma-se que “não se estabelece o nexo de causalidade entre o traumatismo e o resultante dano alegado pela sinistrada por não terem sido apresentados registos clínicos que permitam estabelecer a continuidade sintomatológica”. Ora, em boa verdade, desta afirmação flui que se reconhece “o restante dano alegado pela sinistrada”, mas não se reconhece a relação de causa-efeito, por causa da falta de registos clínicos!
Competiria naturalmente ao autor do relatório examinar a origem das queixas que registou, não obstante a falta de registos clínicos. A aceitar-se o que é dito, seriam mais importantes os registos clínicos do que as queixas da A., tradutoras de danos psíquicos ou morais.
6. Para além das inexactidões apontadas e contradições (especialmente a apontada no ponto antecedente) é óbvio que a perícia não pode corresponder à expectativa e propósito do tribunal, que é dispor de um instrumento probatório que o auxilie a decidir com conhecimento de causa e verdade. Fim último da administração da justiça.
7. Temendo a A. que a 2ª perícia sofresse das limitações da 1ª, por razões que a A. entende não dever explicitar, pois deve admitir que pode estar enganada (não o está quanto ao que está extraído da informação do Dr. H..., pag 3 do relatório, que ressabiado por a A. prescindir dos seus serviços fez em retaliação um comentário nada abonatório e pouco ético de uma doente que se lhe confiou, e que por certo vem contaminando a apreciação dos relatórios; como é que um médico psicólogo intuiu que o seu objectivo era viver do expediente e passa 8 meses a dar consultas? E só terminam quando a A. delas prescindiu!), requereu por isso que a perícia fosse feita noutro estabelecimento.
Em face das razões apontadas e porque a perícia se mostra omissa quanto ao objecto que lhe foi apontado, não correspondendo por isso ao fim para que foi ordenada pelo tribunal, requere-se a V.Exª se digne determinar a sua anulação e a realização noutro estabelecimento a fim de salvaguardar toda a utilidade e fim que a lei lhe confere.”
Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho judicial datado de 25.10.2017:
“Salvo o devido respeito por diferente e superior opinião, a avaliação pericial não padece de omissões, quanto às suas conclusões e juízo técnico, nem de contradições ou obscuridades que determinem a sua requerida anulação.
Para total esclarecimento da matéria controvertida, foi ordenada segunda perícia, instruída até previamente com exame psiquiátrico; a lei não prevê uma terceira, em caso de discordância quanto ao relatório pericial apresentado.
Do relatório desse exame preliminar, resulta evidente que, a par das declarações da autora, foram efetivamente analisados registos clínicos da mesma, que, aliás, são aí transcritos, tal como as ditas declarações.
O exame preliminar psiquiátrico baseia-se, como expressamente nele se refere, na entrevista clínica, no exame do estado mental e na consulta dos registos clínicos, não se encontrando falha metodológica ou inexatidão na sua fundamentação e conclusão. Tanto assim é, que a análise pericial final nele se assentou também, além do mais, e sem encontrar necessidade de repetição de qualquer exame complementar dessa especialidade.
Finalmente, se tinha a autora motivos para duvidar da idoneidade da entidade pericial em causa, haveria de ser consequente e apontá-los concreta e tempestivamente, e não limitar-se a lançar suspeitas e a fazer considerações genéricas, aparentemente sobre a eventual “contaminação” da apreciação pericial por um certo registo clínico. Essas suspeitas obviamente jamais podem fundar qualquer decisão judicial.
Além disso, relembra-se que, apesar de efetuada no mesmo estabelecimento, na perícia intervieram outros médicos, que não participaram na primeira, como manda a lei (art.º 488.º, a)), pelo que as reservas da autora não se alcançam.
Nestes termos, por não ser admissível legalmente a realização de uma terceira perícia, e por a agora efetuada se revelar fundamentada, sem contradições nem inexatidões, indefiro o requerido.
Custas do incidente pela autora, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.”
Inconformada com o decidido, interpôs recurso a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso insere-se no âmbito da admissão de provas, no caso, a admissão de uma 2ª perícia, tal qual foi peticionada pela A. e recusada pelo tribunal;
b) Recusa esta com fundamento no artº 488 alª a) CPC, por se entender (ainda que sem explicitação do entendimento) que esta disposição exige que deve ser realizada no mesmo estabelecimento do INML, onde se realizou a 1ª;
c) Ora, nem a letra da lei, nem o seu espírito impõem tal exigência, já que a exigência legal é que seja levada a cabo nas instalações do INML;
d) O senso comum e a prática de tribunais contrariam a interpretação da lei decorrente do douto despacho recorrido, pois é do conhecimento geral que as 2.ªs perícias podem e devem decorrer noutros estabelecimentos da mesma entidade;
e) A perícia levada a cabo em 1-09-2017, contém contradições e inexactidões, designadamente a negação de nexo de causalidade entre o traumatismo e as queixas da A. nele descritas, mas sem qualquer justificação de tal negação; de facto a simples menção de inexistência de registos clínicos (quando e de que tipo?) não pode servir de qualquer fundamento válido; por outro lado, há contradição quando se mencionam e aceitam queixas de índole neurológica ou psicológica (cfr. Queixas, estado actual) e se diz depois que a examinada não apresenta lesões ou sequelas sem relação com o evento. Sinal é de que as apresentadas, aceites e descritas no relatório, são relacionadas com o evento traumático;
f) No requerimento probatório, a A. definiu criteriosamente o objecto da perícia, mediante menção dos factos da petição aos quais devia ser dada resposta, bem como elaboração de quesitos, que também ficaram por responder;
g) A A. pediu a anulação do relatório pericial, em primeiro, por não ter sido realizado em diferente estabelecimento, como por várias vezes e com razão requereu, em segundo lugar, por contradições apontadas no conteúdo do relatório e por último por não ter correspondido ao objecto definido pela A.;
h) Ainda que se saiba que a 2ª perícia se destina a corrigir os erros da 1ª (artº 487-3 CPC), não deixa de ser certo que com ela a lei também pretende que sejam dissipadas as fundadas dúvidas que a 1ª não dissipou;
i) A perícia ora notificada além de não corresponder ao pedido do A., não contribui seguramente para o apuramento da verdade dos factos, pelo menos em termos de ser isenta de reparos, competindo ao tribunal, a pedido ou por ofício, determinar as diligências que entender para o fim prescrito na lei;
j) O douto despacho, por erro de interpretação e aplicação da lei (artº 488 alª a) CPC), recusou sem fundamento adequado o pedido da A., segundo o qual a 2ª perícia devia ser realizada em diferente estabelecimento da mesma entidade (com isto não se pretendendo lançar a suspeição sobre quem quer que seja, mas simplesmente garantir a realização do exame sem contaminação de pré-juízos); não deixa ainda de ser dever do tribunal contribuir para o apuramento da verdade dos factos, se entender naturalmente que a verdade não está assegurada;
k) Além da disposição legal supra referida mostra-se ainda violada a que exige a fundamentação dos actos (artº 154 CPC).
Pretende assim a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a perícia nos termos peticionados pela autora.
A ré apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se deve ser ordenada a realização de nova perícia em diferente estabelecimento do INML.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
A autora, logo na petição inicial, requereu a realização de perícia médico-legal ao estado psíquico da autora, devendo a mesma declarar se existe nexo causal entre o acidente e as perturbações que descreveu, bem como a data provável do seu conhecimento, verificando-se ainda se o estado da autora é incapacitante para a sua vida profissional, social e familiar, e em que grau.
Essa perícia foi efetuada na Delegação do Norte do INML e no seu relatório datado de 10.12.2015, subscrito pelo perito médico Dr. D..., concluiu-se que “não há lugar à atribuição de parâmetros de dano permanente.”
Na sequência de requerimento da autora realizou-se uma segunda perícia médico-legal, novamente na Delegação do Norte do INML. No âmbito desta efetuou-se previamente uma perícia de psiquiatria forense onde, em relatório de 4.8.2017, subscrito pelo perito médico Sr. Dr. G..., se extraíram as seguintes conclusões:
“Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de registos clínicos constantes de peças processuais não é observável qualquer alteração susceptível de se constituir como dano psíquico decorrente do evento em apreço.”
E depois, em relatório datado de 1.9.2017, subscrito pela perita médica Sr.ª Dr.ª F..., concluiu-se mais uma vez que “não há lugar à atribuição de parâmetros de dano permanente.”
Pretende agora a autora/recorrente, face às contradições e inexatidões que a anteriormente efetuada contém, a realização de uma nova perícia, devendo esta concretizar-se em diferente estabelecimento do INML.
Pretensão que, através do despacho recorrido, foi indeferida pela 1ª Instância.
Tal como resulta dos autos, face à discordância evidenciada pela autora em relação às conclusões extraídas na primeira perícia, foi ordenada a realização de uma segunda perícia, ao abrigo do art. 487º do Cód. do Proc. Civil, para averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e correção de eventual inexatidão dos resultados desta.
A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as duas ressalvas assinaladas no art. 488º do Cód. do Proc. Civil:
- não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira [al. a)];
- quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela [al. b)].
Sucede que, no caso “sub judice”, a segunda perícia, pese embora tenha sido efetuada no mesmo estabelecimento – Delegação do Norte do INML -, foi realizada por médicos que não tiveram participação na primeira, assim se respeitando a exigência prevista na alínea a) do ar. 488º.
Ora, não prevê a lei processual a possibilidade de realização de uma terceira perícia, como agora é pretendido pela autora/recorrente.
E quanto à realização da segunda perícia e de eventual terceira perícia em diferente estabelecimento do Instituto Nacional de Medicina Legal, há que ter em conta o preceituado na Lei nº 45/2004, de 19.8., onde se consagra o Regime Jurídico das Perícias Médico-Legais e Forenses.
Estatui o art. 22º, nº 1 deste diploma que «os exames e perícias singulares de clínica médico-legal e forense solicitados pelas autoridades judiciárias de comarca compreendida na área de atuação de delegação do Instituto ou de gabinete médico-legal em funcionamento são obrigatoriamente realizados por estes serviços médico-legais, nas suas instalações, exceto se o presidente do Instituto, o diretor da delegação ou o coordenador do gabinete médico-legal decidir a sua execução em local diferente
Ou seja, decorre deste preceito que as perícias singulares de clínica médico-legal solicitadas pelas autoridades judiciárias de uma determinada comarca são obrigatoriamente realizadas nas instalações dos serviços médico-legais cuja área de atuação engloba essa comarca.
A sua realização em local diferente, e eventualmente em estabelecimento diferente do INML, depende não de decisão judicial nesse sentido, mas sim de decisão interna do próprio INML.
Inexiste, pois, fundamento legal para uma terceira perícia, tal como inexiste fundamento legal para que a segunda perícia ou uma hipotética terceira perícia pudessem ser efetuadas não na Delegação do Norte do INML, mas sim noutro estabelecimento desta mesma entidade.
E no tocante à segunda perícia sempre será de sublinhar que, conforme já se salientou, a mesma foi realizada por médicos que não tiveram participação na primeira perícia, havendo ainda a assinalar ter sido precedida por uma perícia de psiquiatria forense, onde se efetuou entrevista clínica com a autora, exame do seu estado mental e se consultaram registos clínicos da mesma.
Da leitura dos relatórios da perícia de psiquiatria forense, de 4.8.2017, e da segunda perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, de 1.9.2017, em que se chegou a conclusão idêntica à da primeira perícia [“não há lugar à atribuição de parâmetros de dano permanente”], não se vislumbra que os mesmos contenham falha metodológica ou inexatidão na sua fundamentação e conclusão.
Não se pode ignorar, porém, que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal – cfr. arts. 389º do Cód. Civil e 489º do Cód. do Proc. Civil -, sendo que os peritos podem também ser chamados a prestar na audiência final os esclarecimentos que lhes sejam pedidos – cfr. art. 486º do Cód. do Proc. Civil.
Neste contexto, é de concluir pelo acerto do despacho recorrido, que se encontra devidamente fundamentado de facto e de direito, e pela consequente improcedência do recurso interposto pela autora.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora B... e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.
Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 30.5.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira