Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
232/08.3TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
COMUNICAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20190411232/08.3TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO COMUM
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 169, FLS 220-257)
Área Temática: .
Sumário: I - O tomador do seguro/segurado tem o ónus de comunicar, de forma voluntária e verdadeira, à seguradora as circunstâncias relevantes para delimitar o risco, que são todas as que ele conhece ou que devia conhecer e que, segundo um juízo de normalidade, possam ter relevância para a aferição do risco pelo segurador.
II - Estando o bem segurado num dado momento em situação de grave risco de incêndio, ao ponto de ter sido dada uma ordem administrativa de encerramento, o tomador do seguro/segurado deve avisar a seguradora dessa situação.
III - A cláusula da apólice que estabelece que na falta dessa comunicação o seguro se considera automaticamente resolvido na data em que a comunicação deveria ter sido feita consagra uma condição resolutiva do contrato de funcionamento automático e não uma fonte de anulabilidade do contrato que devesse ser arguida no prazo de um ano.
IV - Não actua em abuso do direito a seguradora que após investigar o sinistro se limitou a informar que não iria pagar o valor do seguro e que só ao ser demandada pelo segurado arguiu expressamente aquele e outro vício do contrato de seguro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2019:232.08.3TVPRT.P1
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Sumário
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Acordam os Juízes da 3. Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
A Generalidade dos sócios da sociedade B..., Lda., representada por C.., que substituiu a sociedade B..., Lda., entretanto declarada liquidada, instaurou acção judicial contra a Companhia de Seguros D..., S.A. e a E... - Companhia de Seguros, S.A. formulando contra estas os seguintes os seguintes pedidos:
a) Condenação das rés na indemnização de 228.000,00 €, a título de danos sofridos nos equipamentos e matérias-primas no incêndio; b) Condenação das rés nos juros vencidos desde 15/05/2003 até efectiva pagamento e que calculados à taxa comercial de 10,28% até 14/03/2008, sobre tal montante, ascendem a 113.293,20 €; c) Condenação das rés na indemnização de 274.338,84 €, por responsabilidade contratual e aquiliana e que emerge da violação do direito a indemnização a processar nos termos e prazos fixados na apólice; d) Condenação das rés na indemnização por culpa in agendo no montante que prudentemente se fixa em 250.000,00 €; e) Condenação das rés nos juros de mora calculados à taxa de 10,28% a incidir sobre os pedidos discriminados nas alíneas a), b) e c), devendo a indemnização reclamada sob a alínea d) ser actualizada à data da sentença a proferir; f) Condenação das rés na majoração do valor de substituição dos equipamentos e das matérias-primas que se verificar até à data que a sentença a proferir possa ponderar; g) Condenação das rés nos juros que serão capitalizados anualmente até efectivo pagamento.
Para o efeito, alegou, em síntese, que a sociedade, na qualidade de titular um estabelecimento fabril de reparação, transformação e recuperação de desperdícios de algodão e fibras artificiais e sintéticas, instalado em edifício arrendado, celebrou com as rés dois contratos de seguro, complementares entre si, destinados a prevenir os riscos inerentes à actividade exercida, um contrato do ramo incêndio e outros danos, e um contrato do ramo perdas pecuniárias diversas, perdas de exploração, vigorando estes contratos em regime de co-seguro, sendo a seguradora D... a líder, com uma responsabilidade de 66,76%, e a seguradora F1... com uma responsabilidade de 33,23%.
Em 14/03/2003, deflagrou nas instalações fabris da autora um incêndio de origem desconhecida que provocou a destruição total das mesmas, cuja ocorrência foi comunicada às rés, tendo a 1ª ré, na qualidade de líder, declinado a responsabilidade pela regularização do sinistro. Em consequência do referido incêndio, a autora sofreu danos nos equipamentos, matérias-primas e produtos acabados existentes nas referidas instalações, enquadráveis na apólice de incêndio, cuja reparação ascende ao montante peticionado nos autos (€ 228.000,00).
A ré seguradora líder recusou-se sem razão a pagar a indemnização, não cumprindo atempadamente a obrigação que para si decorria dos contratos de seguro de indemnizar a autora nos 30 dias subsequentes ao da conclusão da peritagem que encomendou e para a qual a autora prestou todos os esclarecimentos e colaboração que solicitados foram e de que dispunha.
Em consequência do incêndio, a autora sofreu também danos consubstanciados na perda de lucro industrial consequente à impossibilidade de laboração, cuja reparação, nos termos da apólice respectiva, ascende ao montante de € 24.939.89.
A ré seguradora líder não cumpriu a obrigação de informação sobre os motivos concretos que a determinaram a não proceder ao pagamento da indemnização devida em consequência do sinistro, violando o direito da autora à indemnização a processar nos termos e prazos fixados na apólice, incorrendo assim na obrigação, a título de responsabilidade contratual e extracontratual, a pagar uma indemnização por perda de lucro industrial, desde a data do sinistro até ao termo dos seis meses subsequentes à data em que habilitarem a autora com numerário suficiente a proceder à substituição dos bens perecidos no incêndio e reinstalar a sua unidade, o que a autora computa (com inclusão do montante de € 24.939,89, acima referido) desde 15/03/2003 até 14/09/2008 em € 274.338,84 (€ 29.879,84 x 5,5 anos).
Em resultado da violação do direito à indemnização a processar nos termos e prazos fixados na apólice, e da necessidade de moralizar o mercado segurador e de prevenir futuras práticas aberrantes, para que o delito não compense, fazendo-se ainda apelo à obrigação da gestão de sinistros da ré seguradora líder pôr em causa a particular forma como o relatório de averiguação do sinistro vem estribado), as rés devem ser condenadas, a título de responsabilidade por culpa in agendo (i.e., infracção de regras de agir), a pagar uma indemnização no montante de 250.000,00 €, com actualização deste valor à data da sentença a proferir nos autos.
A ré Companhia de Seguros F..., S.A. contestou arguindo a excepção de ilegitimidade, alegando, em síntese, que não celebrou os contratos de seguro (em regime de co-seguro) em causa nos autos, nem neles veio a suceder a quem quer que fosse (resultando dos autos que a co-seguradora da ré D... é a Companhia de Seguros G..., S.A.). À cautela, impugnou os factos alegados na petição inicial.
A ré Companhia de Seguros D..., S.A. aceitou a celebração dos contratos de seguro, em regime de co-seguro, e a participação do incêndio pela autora (tendo a ré, de imediato, providenciado pela realização de uma averiguação ao sinistro), mas rejeitou qualquer dever de indemnizar a autora uma vez que o incêndio foi um acto intencionalmente provocado, através da aplicação directa de uma chama por parte de pessoa ou pessoas não identificadas.
A autora não entregou à empresa que, a seu pedido, procedeu à averiguação do sinistro os elementos que esta empresa entendeu serem necessários para proceder a tal averiguação (não obstante as diversas solicitações nesse sentido). Alegou ainda a ré que a autora vivia em dificuldades económicas e descurava as regras de segurança (o que motivou uma queixa dos moradores e vizinhos da fábrica junto da Câmara Municipal ..., em Julho de 2002).
No seguro de incêndio está excluída a condição especial de substituição em novo de equipamento industrial (contratada em Setembro de 2001) porque a autora não forneceu o valor de custo em novo dos equipamentos seguros, não forneceu os elementos que atestassem que os equipamentos seguros tinham idade igual ou inferior a 10 anos (contados a partir de 31 de Dezembro do seu ano de fabrico) e não deu conhecimento que era sua intenção proceder à substituição dos equipamentos a colocar em novo ou no mesmo local, sendo certo que a autora tinha recebido ordem administrativa para cessar a actividade naquele local (facto que subtraiu ao conhecimento da ré) e não iniciou os trabalhos de substituição ou reparação, nem os concluiu dentro dos 12 meses após a destruição.
A condição especial de actualização convencionada de capitais (também contratada em Setembro de 2001), não é aplicável uma vez que a autora nunca deu conhecimento de revisões dos capitais seguros, em resultado de reavaliações dos bens descritos na apólice ou de inclusão de novas aquisições patrimoniais ou benfeitorias e beneficiações efectuadas.
No seguro de perdas de exploração, a previsão da apólice não compreende o caso dos autos, uma vez que a autora nunca forneceu os documentos que contratualmente estava obrigada a fornecer para accionar as respectivas coberturas, nomeadamente, os elementos e documentos que possibilitassem a determinação do seu volume de negócios (lucro bruto anual da actividade segura).
Em relação a ambos os contratos a autora não cumpriu de deveres de informação estipulados nas condições gerais das apólices, nomeadamente, alterações do risco susceptíveis de agravar a responsabilidade assumida pela ré (fazendo com que o incêndio em causa nos autos não tenha constituído uma acontecimento imprevisto, súbito e inesperado). A autora sabia, pelo menos desde 11 de Abril de 2000, da existência de uma forte/grave possibilidade de ocorrência de incêndio (facto que denunciou ao senhorio do edifício e que foi a razão determinante da ordem de encerramento da fábrica pela Câmara Municipal ...), sem que tenha comunicado tal alteração do risco à ré (como estava obrigada – art. 10º, nº 1, das Condições Gerais).
A autora subscreveu a cláusula especial 008, relativa a “descontos por sistema de prevenção/protecção contra incêndios”, beneficiando, por isso, de uma redução substancial dos prémios, mas prestando falsas declarações quanto ao facto em análise, aquando da subscrição das apólices, uma vez que nunca implementou nas suas instalações fabris qualquer sistema de prevenção e protecção contra incêndios (nem bocas de incêndio tinha), sendo certo que se a ré soubesse da inexistência dos sistemas de prevenção e protecção contra incêndios não teria celebrado os contratos ou, se nessas condições o viesse a celebrar, com certeza o faria em condições mais onerosas para o segurado, determinando as declarações inexactas da autora a nulidade do contrato de seguro (art. 9º das Condições Gerais).
O incêndio foi provocado intencionalmente, os danos reclamados pela autora nunca foram concretizados, discriminados e fornecidos à ré (senão com a presente acção judicial) e a ré cumpriu escrupulosamente os procedimentos a que está contratualmente obrigada, não tendo incorrido em mora. A autora não mencionou a existência de entidades com interesse nos contratos de seguro em causa nos autos, nas qualidades de credores privilegiados, credor hipotecário e credor preferente, não sendo permitido qualquer alteração ou pagamento de qualquer indemnização, em caso de sinistro, sem as suas prévias autorizações.
Foi admitida a intervenção principal provocada da H... – Companhia de Seguros, S.A., a qual apresentou contestação, confirmando a celebração, juntamente com a ré D..., em regime de co-seguro, dos contratos de seguro identificados nos autos, afirmando que a eventual responsabilidade que lhe possa ser pedida, no âmbito dos referidos contratos de seguro, está limitada a 33,23%, por ser essa a sua quota de participação no risco garantido. Fez sua a alegação da ré D... a alegação respeitante às vicissitudes contratuais, uma vez que sendo esta a seguradora líder, a chamada nunca teve intervenção directa no sinistro em questão, nomeadamente, no que diz respeito à sua instrução e averiguação, desconhecendo, em concreto, as causa e efeitos do mesmo, dando por reproduzida a factualidade carreada para os autos pela ré D....
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Pretende-se com o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, assim se requerendo a reapreciação da prova gravada, arguir a nulidade da Sentença, pois que no entendimento do recorrente o Mmo Juiz deixou de se pronunciar sobre questões se devia ter pronunciado – al. d) do art. 615º do Código de Processo Civil - e, bem assim, rebater os argumentos de facto e de direito apontados pelo Tribunal a quo que levaram à improcedência total da acção;
2. Os pontos 18, 33 e 35 da douta Sentença devem ser julgados não provados com referência à data em que se deu o sinistro (não relevando, pois, como o edifício se encontrava antes dos finais de 2002, data da conclusão das obras) ou, sem prescindir, deveria ter sido dado como provado que a autora durante o ano de 2002, procedeu à colocação de 6 extintores de protecção contra incêndios e sinais luminosos e fez obras estruturais no edifício, como sejam, a reparação parcial do telhado, pelas quais pagou a quantia de €18.000,00 acrescida de IVA, com referência aos documentos juntos pela autora aos autos através de requerimento depositado nos mesmos no dia 22.Fev.2017, concretamente: doc. 2, que se refere a uma factura de revisão e carregamento de 6 extintores e de aquisição de 6 sinais luminosos, datada de 12.Dez.2002 e doc. 11, que é uma factura passada por I..., datada de 14.Nov.2002, através da qual se alcança que a autora no referido dia 14.Nov.2002 procedeu ao pagamento do restauro de parte do telhado, das caleiras, rufes e telhas (conforme orçamento), pagando por essa reparação € 21.420,00, IVA incluído, ao que acresce o depoimento do referido I..., o que se requer;
3. O ponto 23 da douta Sentença, também deve ser julgado não provado ou, pelo menos considerar-se provado que "a autora, através do seu Advogado, estabeleceu vários contactos com o técnico da J..., entregando-lhe documentação" com base nos documentos que a autora juntou aos autos através de requerimento depositado nos mesmos no dia 22.Fev.2017, concretamente, doc n.º 5, 6, 7, 8 e 9, que são comunicações enviadas pelo então mandatário da autora para o Técnico da J..., Sr. K..., ao que se junta o depoimento da testemunha L..., o que se requer;
4. Os pontos 40 a 47 plasmados na douta Sentença que o Tribunal a quo como provados, devem ser dados como não provados devido à ausência de qualquer prova no que se refere a tal matéria, pois que o Tribunal a quo alicerçou essa matéria que deu como provada em documentos e unicamente no depoimento da funcionária da ré D..., M.... Se dos documentos apenas se pode retirar que efectivamente no ano de 2001, foram aditadas cláusulas ao contrato, em mais nenhum se pode concluir qualquer da matéria que o Tribunal a quo deu como provada, sendo certo que a referida M..., como resulta do seu depoimento, não teve qualquer intervenção directa no formalização dos contratos ou das apólices, mas apenas afirmou a sua convicção com base na documentação que tinha à sua frente, o que, juridicamente, não pode fazer derivar a prova absoluta, sem qualquer outro item coadjuvante, da matéria dada como provada, pelo que, na ausência de prova, para o que transcreveu o depoimento da referida Sr. M..., o Tribunal deveria ter dados os referidos factos como não provados, o que se requer;
5. Por outro lado, na Base instrutória sob o n.º 59, (nestes autos ainda existiu Base instrutória, que não pode ser alheada por isso da decisão) questionava-se o seguinte: "As próprias seguradoras nos anos de 2000/2001 procederam à vistoria das instalações da autora, tendo recebido cópia de toda a documentação atinente aos equipamentos e balanços e demostrações de resultados?" Questão factual e fundamental que não mereceu qualquer resposta do Tribunal recorrido, mas que assume primordial importância para a descoberta da verdade e para a decisão de mérito que haveria de ser ditada pelo Tribunal, o que, a não ser sanado, nos termos do disposto no art.º 615º do CPC, levará à nulidade da Sentença, impondo-se por isso que essa resposta seja oferecida, pois que, resulta do depoimento da testemunha N... e das próprias declarações de parte do representante da autora, que as seguradoras, no ano de 2001, procederam à vistoria das instalações da autora, tendo recebido cópia de toda a documentação atinente aos equipamentos e balanços e demonstrações de resultados, matéria, que, por razões expostas, deveria ter sido objecto de pronúncia e dada como provada;
6. De qualquer forma, mesmo que, contra o que se deseja e se espera, assim não vier a suceder, isto é, mesmo que a matéria de facto, que na douta Sentença apelada foi dada como provada permaneça incólume, ou seja, tal como ela consta da mesma sentença apelada, o que se admite, muito embora apenas e unicamente como uma mera hipótese teórica e dialéctica de raciocínio, sem contudo nunca conceder que assim é, nem prescindir de que assim não é, sempre a parte sob recurso da sentença padece de erro de julgamento;
7. O tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e integração da matéria fáctica da matéria a decidir, acompanhando, de certa forma e sempre como o devido respeito, as Contestações das rés, que pautaram as suas defesas, dirimindo todos os argumentos que encontraram, sempre subsidiariamente, de forma a desresponsabilizar-se da sua obrigação de indemnizar;
8. As rés - principalmente a ré D... que era a Seguradora Líder - invocaram desde o início como único e fundamento principal para se recusar a indemnizar a autora dos danos provocados pelo incêndio, o facto do mesmo ter origem criminosa, em resultado da peritagem efectuada, por incumbência da ré, por uma empresa espanhola, denominada O..., S.L., representada no terreno por um alegado perito em causas de incêndios, o Sr. P..., que se apresentava como Licenciado em Ciências Químicas pela Universidade ..., empresa essa que era gerida pelo SR. Q..., que se citava como diplomado em investigação de incêndios pela Cátedra e Medicina Legal e Ciências Forenses da Faculdade de Medicina ...;
9. Ora, uma vez que o depoimento do Sr. P... se mostrou totalmente incongruente e mesmo surreal em confrontação com as conclusões plasmadas no relatório que elaborara (que para as rés é e sempre foi inabalável) e, principalmente em confronto com o depoimento de outras pessoas que observaram o início do incêndio, a defesa das rés, verteu-se então para o facto de a autora não lhe ter dado as informações necessárias e ter prestado falsas declarações aquando da subscrição das apólices;
10. A Primeira questão fulcral é a comunicação da ré através da qual transmitiu à autora a sua desresponsabilização. (doc. 9 junto com a PI);
11. Essa missiva foi enviada à autora no dia 26.Ju1.2004, ou seja - o que será muito relevante para o que dissertará a seguir -1 ano, 4 meses e 12 dias após a ocorrência do sinistro (14.Mar.2003), sendo o seu teor o seguinte: "Exmos Senhores, Reportamo-nos à ocorrência acima referida. Cumpre-nos informar que, por não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe, vimos por este meio comunicar-vos que declinamos toda e qualquer responsabilidade pelas consequências do sinistro ocorrido em 14 de Março de 2003, nas vossas instalações sitas na Rua ..., .../..., em Vila Nova de Gaia";
12. Ou seja, o motivo da recusa da ré indemnizar a autora é a não verificação dos pressupostos das garantias para ela transferida pelo contrato, sendo que a essa conclusão apenas chegou no dia 26.Ju1.2014, bastante mais de um ano após a ocorrência do sinistro;
13. Com relevância para este ponto, o relatório pelo Sr. P..., da empresa O..., SL, é datado de 05.Mar.2004 (praticamente um ano após o sinistro), sendo que o relatório da empresa J..., a quem a ré havia entregado o estudo sobre as causas do sinistro, entretanto, mas há muito tempo declarada insolvente, foi concluído no dia 29.Ago.2005, ou seja, mais de dois anos após o incêndio;
14. Por outro lado, igualmente com relevância para o que está em discussão, são os argumentos expendidos, mesmo de forma colateral, pelas rés nas suas Contestações, que datam de 07.Abr.2008, ou seja, 5 anos e 20 dias após a ocorrência do sinistro, que obviamente foram formuladas, em consequência da Petição Inicial da autora;
15. Temos assim evidente que as rés nunca antes, até às contestações formuladas no dia 07.Abr.2008, invocaram a "nulidade ou anulabilidade" (que, aliás, sempre referem como uma de duas possibilidades, como se tratasse do mesmo instituto jurídico) dos contratos ou das apólices. - vide art. 75º da douta Contestação e Conclusão da mesma;
16. Nunca antes, até às contestações, a ré, ou as rés, invocaram que teria havia declarações inexactas por parte da segurada no momento da celebração dos contratos;
17. Nunca antes, até às contestações - que ocorreram, repete-se, mais de 5 anos após a ocorrência do sinistro - as rés invocaram a sua desresponsabilização devido à ausência de sistemas de prevenção e protecção contra incêndio;
18. Nunca antes, até às Contestações, as rés comunicaram à autora que, a partir de 2000, existiu um aumento do risco que não lhe havia sido comunicado e, que em função disso, entendiam que não tinham a obrigação de indemnizar a autora;
19. Ou seja, as rés, pelo menos até às contestações, sempre recusaram indemnizar a autora devido ao facto do incêndio ser provocado intencionalmente através da aplicação directa de uma chama por parte de pessoa ou pessoas não identificadas, uma vez que a ignição dos materiais combustíveis se produziu por fonte de calor de origem térmica, em consequência da aplicação directa de uma chama sobe as mercadorias armazenas. - Vide art.s 82º da Contestação das rés e Relatórios Periciais supra referidos juntos aos autos;
20. Ou seja, todos os factos alegados na Contestação que saem fora desta conclusão e certeza que para as rés era inabalável, de onde derivou a sua declinação de responsabilidade, eram factos instrumentais e laterais, alegados subsidiariamente, como descargo de consciência e dever de patrocínio ou apenas por mera cautela jurídica.
21. As Segunda e Terceira questões fulcrais em causa nos presentes autos, que, embora mantenham autonomia, estão ligadas entre si, é a questão de saber se incumbia, e, mais do que isso, se era uma exigência, para as rés analisar o local segurado, não só no início das apólices, como nas suas renovações, principalmente na renovação que implicou a alteração da apólice, confessada mente que teve lugar no ano de 2001, ou seja, pouco tempo antes do sinistro; por outro lado, se incumbia às rés informarem convenientemente a Segurada do teor das cláusulas do contrato e qual a consequência para a omissão desse facto;
22. Como é consabido, reveste-se a natureza de contrato de adesão, o contrato de seguro de Incêndio, cujo clausulado é negociado apenas entre o segurado e uma seguradora, quando aquela se limita a subscrever ou aceitar, através de simples declaração individual de adesão a apólice;
23. A esse contrato é aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, definido no Dec-Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 220/95, de 31/08;
24. Ou seja, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, cabendo ao contratante determinado que as submeta a outrem o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.
25. O que, in casu, as rés não lograram provar, assim se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do referido anteriormente;
26. Por outro lado, as apólices foram firmadas pela primeira vez por volta do ano de 1965, sendo que, no dia 28.Abr.1987, foram subscritas pela nova administração da autora, com a duração de um ano, renovável automaticamente por iguais períodos no dia 24 de Abril de cada ano civil;
27. As rés sempre renovaram as referidas apólices e sempre receberam os respectivos prémios resultantes da mesma, incluindo os prémios vencidos no dia 27.Abr.2013 e 2004, ou seja, mesmos depois da eclosão do sinistro;
28. De onde resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que as rés nunca resolveram os aludidos contratos de seguro, mesmo agora alegando que havia violação do contrato por parte da autora; 29. Era exigível às rés, não fosse mais pelo contrato em causa - contrato de seguro de incêndio numa indústria têxtil - que as mesmas averiguassem de motu próprio o local segurado, as condições do mesmo, a sua vetustez, não fosse mais para determinar o risco e impor o prémio condizente com o mesmo à segurada;
30. Ninguém, de bom senso, acredita que as rés se disponibilizariam a celebrar um contrato de seguro de incêndio e perdas de exploração, cujas coberturas podiam chegar a um valor superior a um milhão de euros (principalmente quanto foi aditada a cláusula de substituição das máquinas danificadas por novas, para além do risco comercial/lucro cessantes) sem fazer uma análise criteriosa da empresa, das suas instalações, do inventário da maquinaria, do valor da mesma, da existência ou não de condições de segurança contra incêndios nas instalações, até da integridade moral dos seus órgãos sociais;
31. Existe, como é sabido, e em qualquer companhia de seguros, um sector de análise de risco que previamente à emissão da apólice elabora um parecer sobre se o contrato deve ou não ser celebrado e, nesse caso, em que condições;
32. A este facto não é alheio o pedido pela autora desde logo da petição inicial e, posteriormente na réplica, onde requer que as rés sejam notificadas para juntar aos autos, para além das apólices dos seguros e actas adicionais desde o início das mesmas, cópia dos questionários que a autora respondeu e precedeu o início das apólices; cópia do preçário em uso relativamente aos contratos de risco de incêndio; cópia do relatório elaborado pelo seu sector de análise de risco e que precedeu a aceitação dos contratos de seguro, tudo documentos que as rés, de forma pensada e fito doloso, nunca juntaram convenientemente aos autos.
33. Tendo as rés (pelo menos a ré Líder), principalmente na renegociação das apólices em 2001, escrutinado o local e a empresa segurados, tendo elaborado relatórios de risco, ou não o tendo feito, mas sendo essa uma sua obrigação, não nos parece curial, salvo melhor e mais avalizada opinião, vir, passados mais de 5 anos, invocar que autora prestou falsas declarações na emissão das apólices ou que omitiu declarações ou informações importantes atinentes ao estado do imóvel, com as quais não tinha celebrado aqueles seguros;
34. A este propósito foi referido pela trabalhadora N... que em 2001 viu lá uns senhores a fim de tratar de uns seguros, obviamente não sabendo concretamente o que as partes conversaram, afirmação que não mereceu qualquer credibilidade ou importância para o Tribunal, apesar do desinteresse da declarante, tal e qual o depoimento de parte do representante da autora que referiu que pessoas ligas à companhia de seguros D... estiveram na empresa em 2001, a fim de observar as condições da empresa e emitirem - como vieram a emitir- as apólices de seguro;
35. Isto é o que fazia mais sentido, é o que seria o normal decorrer das coisas, mas que o Tribunal, entendeu, para nós erradamente, não relevar, achando mais credível que as rés preparassem as apólices de ricos de incêndio e perdas de exploração, cuja responsabilidade para as seguradoras - repete-se - poderiam chegar a bastante mais de € 1.000.0000,00, bastando-se com as declarações do legal representante da segurada.
36. A Quarta questão fulcral nos presentes autos e que, igualmente, foi omissa na, sempre, douta Sentença proferida Tribunal a quo, prendendo-se a mesma com o instituto de abuso de direito;
37. Na hipótese teórica das rés prepararem a apresentarem as respectivas apólices à Segurada, receber os respectivos prémios ao longo de décadas (inclusivamente depois do sinistro durante dois anos, situação que trataremos mais a fundo mais à frente), inclusivamente, incluindo novas cláusulas mais vantajosas para o Segurado no ano de 2001, ou seja, sensivelmente um ano e meio antes da ocorrência do sinistro e depois virem a negar ao pagamento da indemnização, porque a autora alegadamente omitiu informações a que estava obrigada a comunicar à seguradora e que teriam influído na (não) aceitação das mesmas, invocando a "nulidade ou anulabilidade" das apólices não pode deixar de ser considerado Abuso de Direito;
38. Afirmar que autora continuou a omitir informações quando a partir de 2011 teve acesso privilegiado ao aumento substancial do risco de incêndio; que não forneceu as provas solicitadas; que não forneceu relatórios e documentos requisitados pelos peritos; que dificultou, impedindo mesmo, que a D... procedesse ao apuramento da causa do incêndio, e com tal, anular as apólices 5 anos depois não pode, igualmente e salvo melhor opinião ser enquadrável na figura jurídica de Abuso de Direito;
39. Portanto, parece-nos suficientemente evidente, à luz dos conceitos jurídicos, que as rés pautaram as suas condutas com manifesto a patente Abuso de Direito que se traduz no facto de nunca antes, até às contestações e, por isso, durante mais de 5 anos, terem invocado qualquer desse factos para anular o seguro ou resolvê-lo (como podiam), comportando-se sempre como se a sua desresponsabilização se devesse - apenas e só - ao facto das causas do incêndio não serem naturais, logo não lhe assistia o dever de indemnizar;
40. As rés criaram a aparência na autora de que nunca iriam exercer esse direito - que sabem conscientemente não ter qualquer base jurídica- o se depreende do seu comportamento durante mais de 5 anos;
41. A Quinta e questão fulcral passível, quanto a nós, de ser discutida nos presentes autos, que é se as rés têm legitimidade para arguir a anulabilidade ou a nulidade das apólices em causa sob a forma e tempo em que o fizeram;
42. No caso dos autos o sinistro ocorreu no dia 14.Mar.2003, pelo que não há dúvidas que não existe aplicação do regime jurídico da Lei do Contrato de Seguro (LCS), aprovada pelo DL 72/2008, de 16.04, e que entrou em vigor no dia 01.Jan.2009, ou seja, será de aplicar ao caso sub judice o regime decorrente do Código Comercial de 1888 e legislação conexa;
43. O disposto no artigo 429.º do referido Código Comercial (C.Com.) que se refere ao regime jurídico do contrato de seguro, ao dispor que "toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado, ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo." No § único deste preceito estabelece-se a reversão dos prémios pagos para o segurador se o segurado tiver agido com dolo;
44. Aqui, desde logo, afasta-se a regra do n.º 286º do Código Civil que comina a nulidade o negócio jurídico com a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado;
45. O corpo do artigo deve ser lido como fulminando o seguro de anulabilidade.
46. Vários arestos reafirmam a jurisprudência tranquila de que o artigo 429.º do Código Comercial estabeleceu um regime de anulabilidade, que não de nulidade pois é aquele "que melhor defende o interesse público de ressarcimento dos lesados, naturalmente alheios às relações contratuais entre a seguradora e o seu segurado";
47. Mas, embora não relatando certos factos, a declaração não é de considerar inexacta se os mesmos são, ou deviam ser do conhecimento do segurador. (cf. Dr. J. Mota, in "Seguro Marítimo", 76, reportando-se a circunstâncias "presumidamente conhecidas do segurador");
48. Por outro lado, vem sendo defendido que a sanção do artigo 429.º do Código Comercial mais não é do que a previsão de um caso de erro como vício de vontade, tratando-se, em tese, de um caso de erro vício;
49. Nos casos do artigo 429.º citado, ocorre o erro essencial parcial já que a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também mas com a alteração de aspectos essenciais;
50. Com efeito, sendo o regime cominatório in casu o da anulabilidade e não o da nulidade - admitindo-se por mero raciocínio académico que a autora prestou conscientemente informações inexactas que não eram, nem podiam ser do conhecimento das rés na formação do seguro, o que não se concebe e apenas se admite por mero raciocínio académico - estando em causa, pois, uma mera anulabilidade, aplica-se-lhe o regime legal previsto no art. 287.º do CC, pelo que o direito à anulação do negócio jurídico deve ser exercido no prazo de um ano, sob pena de o negócio se convalidar;
51. Tal prazo conta-se a partir da cessação do vício que torna o negócio anulável, momento que coincide, umas vezes, com o conhecimento do vício pelo titular do direito à anulação (por exemplo, nos casos de erro e dolo), e outras com a celebração do negócio (por exemplo, o negócio celebrado sob coacção);
52. No caso patente nos autos, as rés tiverem conhecimento dos vícios que alegam, confessadamente, quando das diligências que levaram a cabo através dos peritos que nomearam para averiguar as causas do acidente e que determinaram a sua não assunção de responsabilidade;
53. A este propósito a funcionária da ré que tratou do sinistro, M... no seu depoimento prestado em Tribunal confessou expressamente esse facto, sendo certo, para além do mais, a comunicação através da qual a ré recusa indemnizar a autora tem a data de 26.Ju1.2004 de onde deriva que o prazo que as rés dispunham para arguir a nulidade dos contratos de seguros há muito já havia expirado, pois que, na melhor das hipóteses, apenas o fizeram da Contestação apresentada em Juízo no dia 07.Abr.2008;
54. Depreende-se do depoimento da referida funcionária da ré, sem qualquer margem para dúvidas, que a mesma ré teve conhecimento dos vícios relativamente aos quais pretendeu depois (na contestação) alegar a anulabilidade da apólice imediatamente após o incêndio quando os peritos começaram o seu trabalho e a ter contacto com as pessoas, ou seja, quando a ré se recusou indemnizar a autora (comunicação de 26.JuI.2004) já tinha conhecimento de todos os vícios e alegadas inexactidões das declarações da segurada;
55. Não sendo também de descorar matéria provada ínsita no n.º 38 do douta Sentença, quando refere, a propósito da autora não ter implementado nas suas instalações fabris o sistema de prevenção contra incêndios (...), que esse facto só veio ao conhecimento da ré D... aquando da investigação do incêndio (...), o que aconteceu até ao relatório da O... e, no máximo do Relatório da J... que foi concluído em 2005, ou seja, pelo menos 3 anos antes da ré alegar a nulidade dos contratos de seguros da sua, aliás e apesar de tudo, douta contestação;
56. Razões pelas quais, se sustenta que vício de anulabilidade se convalidou e não podia, no tempo em que o foi, ser declarado;
57. Violou, assim, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo o disposto no artigo 429º e segs do Código Comercial, o art.º 287º do Código Civil, os artigos 154º e 615º do CPC quanto à omissão da pronúncia de um facto relevante (art.º 59º da BI), o que a não ser sanado, levará à nulidade da Sentença.
Termos em que V. Ex.as, sufragando os argumentos aqui expendidos e alterando a matéria de facto nos termos supra referidos, devem declarar nula ou revogar a sentença proferida do tribunal a quo, substituindo-a por outra que acolha os argumentos expendidos neste recurso, dessa forma fazendo proceder a acção nos termos expendidos na petição inicial.

A recorrida D... respondeu a estas alegações, defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, e requereu a ampliação do objecto do recurso, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
1. Como questão preliminar e ainda antes de nos debruçarmos sobre as questões abordadas pela autora/recorrente e sobre as nossas próprias questões na ampliação do objecto do presente recurso, cumpre referir o caracter pessoal e intransmissível do Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais - Lei Nº 34/2004, DE 29/07, com a redacção que lhe foi conferida Lei nº: 47/2007, de 28/08.
2. A Constituição da República Portuguesa assegura a cada cidadão o acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, tanto a particulares como às empresas. A garantia constitucional neste quadrante, desdobra-se, assim, em vários direitos interligados: direito à informação e consulta jurídicas; direito ao acesso aos tribunais; e direito ao patrocínio judiciário, ou seja, a ter um advogado e o apoio judiciário (dispensa de taxas de justiça e pagamento de honorários a Advogado) e é requerida junto de qualquer serviço de atendimento ao público do Instituto da Segurança Social.
3. Por outro lado, no Regime Jurídico do Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei nº 34/2004, de 29/07), art. 6.º e 7.º frisa-se especialmente o Âmbito pessoal que tem a protecção jurídica, designadamente
4. Prescreve o artº 11º, nº1, alínea a), da Lei nº 34/2004 que a protecção jurídica caduca (…) “ou pela extinção ou dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedida, salvo se os sucessores na lide, no incidente da sua habilitação, juntarem cópia do requerimento de apoio judiciário e os mesmos vierem a ser deferidos”.
5. No caso em análise, não tendo os “sucessores” da pessoa colectiva B..., a “Generalidade dos Sócios”, cuja representação ficou a caber ao seu último sócios e gerente, C..., requerido o benefício de apoio judiciário e consequentemente, inexistindo despacho favorável a concede-lo, atento o caracter do âmbito pessoal do benefício de apoio judiciário, este não goza do mesmo anteriormente concedido à Sociedade.
6. Efectivamente a autora que intentou a presente acção era a sociedade B..., Lda, a quem foi deferido o pedido de apoio judiciário (doc. 11 da P.I.), e do qual o usou até ao momento em que o douto tribunal, por despacho de fls. 1938 a 1942, considerou ter-se operado uma alteração nesta parte activa, passando a estar a Generalidade dos Sócios representada pelo Sócio-Gerente Sr. C..., quando tomou conhecimento de que aquela sociedade foi declarada insolvente, por decisão que foi proferida sobre o encerramento da liquidação por não ter sido apurado e/ou comunicado a existência de activos ou passivos a liquidar, facto que ficou a constar do registo da extinção da dita sociedade e cancelamento da respectiva matricula),
7. Ao serem apresentadas pela recorrente as doutas alegações a que ora se respondem, sem que, contudo, apresentasse a taxa de justiça devida e alegando, ainda, que o não fez por gozar de benefício de apoio judiciário, tal não corresponde à verdade, razão pela qual, caso não venha a ser paga a taxa de justiça devida e com as cominações previstas no RCJ, devem as presentes alegações serem rejeitadas.
A – Sobre a admissibilidade e mérito da do recurso sobre a reapreciação da matéria de facto solicitada pela a/recorrente:
I. Da admissibilidade do recurso sobre a reapreciação da matéria de facto:
1. O recurso interposto pela Apelante além de questões de direito versa, igualmente, a reapreciação da matéria de facto pelo que, convém ter presente e aferir se os requisitos de que a lei faz depender nesta sede a modificabilidade da decisão de facto foram cumpridos, em particular as circunstâncias para que aponta o artº.662º do CPC, sem olvidar se os ónus impostos ao recorrente previstos nos artºs. 639º, nº1 e 640º e as respectivas cominações, previstas neste artigo.
2. No caso em apreço, a recorrente na motivação de recurso até foi cumprindo, se bem que só de certa forma, com os ónus previstos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 640º, quando foi transcrevendo os registos de gravação de onde, no seu entendimento, determinam a alteração dos factos que fundamentam a sua tese e que os foi apresentando, ao pedir a respectiva modificação da decisão de facto impugnada – vide pág.s 13, 14.
3. No entanto, já o fez em relação ao facto 59.º, quando alega omissão de pronúncia pelo douto tribunal sobre tal quesito e pretende, assim, ver declara nula a sentença, nos termos do disposto no art. 615º do CPC, uma vez que, nem na motivação das suas doutas alegações, nem nas suas conclusões, a autora/recorrente cumpriu com o ónus previsto no art. 640.º, nº 1, alíneas B) e C), razão pela qual, violando tal imposição não deve a reclamação da matéria quanto à alegada omissão de pronuncia sobre este facto/quesito ser atendida.
4. Sem prescindir, nas suas conclusões, a autora não cumpriu com os ónus previstos nas diversas alíneas daquele nº1 do artº 640º do CPC, em particular nas alª. B), em relação às conclusões 2., 3., 4. e 5., uma vez que só descreve os pontos da matéria de tais factos que pretende ver alterados, aditados ou retirados da matéria de facto provada nos autos, não transcrevendo os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo de gravação, nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida referentes, respectivamente, ao depoimento da testemunha que refere, I... (2. conclusão); da testemunha L... (3. conclusão); da testemunha M... (4. conclusão) e finalmente, da testemunha N... e do Legal Representante da autora (5. conclusão).
5. Sendo o âmbito do recurso aferido pelas conclusões das alegações da recorrente, como decorre dos art.º 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do CPC, e não constando das conclusões a especificação dos concretos pontos de prova retirados das transcrições dos depoimentos das testemunhas que indicam como terem-se pronunciado a favor da tese por si pugnada - meios de prova que sustentam tal alegação e a decisão final que pretende ver proferida em sede de recurso sobre tais factos impugnados -.
6. Nos termos e em cumprimento das diversas alíneas do nº 1 do artº 640º do Código de Processo Civil deverá ser rejeitado o recurso apresentado sobre a reapreciação da matéria de facto, o que se requer, pois nesta matéria não se aplica o convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 639º, nº 3 do mesmo - conforme foi decidido por acórdão desta Relação, de 07/04/2016, no Proc. 1572/14.8TBMTS.P1 e que tem igual sufrágio no douto Acórdão desta Relação do Porto, Processo nº 502/14.1TBSTS.P1, 2.ª Secção do tribunal da relação do Porto, de 02.05.2017, que vem no sentido da doutrina melhor assente em Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 128.
Sem prescindir, por mera cautela processual, dever de patrocínio e pelo respeito por melhor opinião contrária quanto ao anteriormente exposto, que por mera hipótese se configura,
II - Mérito da reapreciação da matéria de facto impugnada pela recorrente:
1. Quanto aos factos provados números 18, 33 e 35, entende a autora que tais pontos, factos dados como provados, não o deveriam ter sido, com referencia à data em que se deu o sinistro (não relevando, pois, como o edifício se encontrava antes dos finais de 2002), ou, sem prescindir, deveria ter sido dado como provado que “A autora durante o ano de 2002, procedeu à colocação de 6 extintores de protecção contra incêndios e sinais luminosos e fez obras estruturais no edifício, como sejam a reparação parcial do telhado, pelas quais pagou a quantia de €: 18.000,00 acrescido de IVA” – sic.
2. Para justificar o seu pedido de alteração quanto a estes factos, invoca a autora/recorrente que tal prova resulta dos documentos por si juntos em 22 de Fevereiro de 2017 (doc. 2 e do doc. 1, factura passada por I... de 14.11.2002, de onde resulta que a autora pagou o restauro de parte do telhado, caleiras, rufes e telhas, conforme tal orçamento, no valor de €21.420,00, IVA incluído), ao que acrescerá o depoimento do referido I... (sem que, contudo refira as passagens do seu depoimento como se lhe impunha, frisa-se novamente).
3. Salvo sempre o devido respeito por entendimento contrário, compulsada a fundamentação da douta sentença, em conformidade com toda a prova produzida de onde a mesma resultou, andou bem o Tribunal a quo ao considerar tais factos provados quando conjugada a matéria constante dos inúmeros documentos e depoimentos das testemunhas indicadas exaustivamente na douta sentença, cfr.págs.27 a 29.
4. Em relação ao facto 18 provado, tenha-se em atenção, desde já, o teor das alíneas G) da matéria assente e às declarações prestados pelo Sr. C..., sócio gerente da autora nos autos de inquérito (referidos na alínea F) da matéria assente), onde declarou taxativamente, entre o demais, que, devido ao estado do edifício solicitou, quer junto da T..., quer junto da senhoria, obras de conservação, dado o telhado deixar entrar água que afecta todo o sistema eléctrico, caindo água em cima das máquinas o que, por via disso, causa grave risco de incêndio.
5. Ou ainda a carta que a autora já tinha enviado à C.M.... em 11 de Abril de 2000, fls- 50 a 54 dos autos, alínea I) da matéria assente, verifica-se que a autora/recorrente já tinha plena consciência do risco de incêndio e do risco que representava para ela, autora, e vizinhos, dando alerta disso mesmo à Câmara e à Senhoria (falta de manutenção e conservação do imóvel, que as madeiras estavam podres, etc.).
6. Também sabia a autora da inspecção de que foi alvo às suas instalações em 2002 mandada pela C.M.... aos Bombeiros, que resultou na ordem de cessação da actividade em 19.12.2002 – Alínea G da Matéria Assente.
7. Acresce, ainda, todo o depoimento de parte do legal representante da autora, Sr. C..., que confessou: ter consciência do risco de incêndio, o que significa falta de condições de laboração das instalações da fábrica – pág. 40 das transcrições que se juntam em anexo, depoimento de parte, 15.03.2017, minutos 00;53:49; risco esse e situação essa que, sendo anterior à contratação das condições especiais 006 e 007 contratadas pela A em 2001, mesmo assim, dele não deu conhecimento à D... - pag. 44 das transcrições em anexo, minutos 00:58:55; e que também não deu conhecimento à ré D... da ordem de despejo ordenada pela Câmara Municipal ... – pág. 46 das transcrições juntas em anexo, minutos 01:00:35 e 01:01:00.
8. Paralelamente, também se confirma dos depoimentos das testemunhas a seguir transcritos, referidas na decisão (para além de todo o suporte documental referido na motivação/fundamentação da douta sentença), a convicção do tribunal sobre a total falta de condições, regras de segurança relacionadas com a laboração da fábrica, consequência da progressiva degradação das condições de segurança e do aumento do risco de incêndio e sobre nunca ter feito obras, porque não teve intenções de reabrir a fábrica, como são exemplos as seguintes transcrições: N...: trabalhou na autora cerca de 40 anos, como separadeira de cores e vendedora de balcão, que foi testemunha da autora no processo que meteu e correu termos em Gaia contra a Senhoria, atestou que: a autora nunca fez obras depois do incêndio com vista a reabrir a fábrica: pág. 193 e 194 das transcrições em anexo, minutos 00:15:46; quis logo passar as cartas para o desemprego aos empregados nos dias a seguir ao incêndio: pág. 203, minutos 00;22;25 e pág. 204, minutos 00;23:17; nos dias anteriores ao incêndio (que foi numa sexta-feira), não tinham limpo o cotão uma vez que eram os trabalhadores homens que faziam esse trabalho só o realizavam ao fim de semana - pág. 214, minutos 00;33:27; a fábrica corria risco de incêndio e o telhado ameaçava cair: pág. 229 das transcrições, minutos 00: 45;25; pág. 233, minutos 00:48;15; pág. 239, minutos 00;53:48; pág. 251, minutos 01:02;16; pág. 252, minutos 01:02:40; pág. 254, minutos 01:03:57 e pág. 259, minutos 01:09:30.
9. A ré/recorrida não transcreve os depoimentos do Comandante dos Bombeiros (testemunha U...) e o depoimento do Chefe da Divisão de Fiscalização da Câmara Municipal ... (testemunha V...), por todas as declarações prestadas por ambos, serem no sentido de identificarem as enormes lacunas existentes na fábrica da autora/recorrente, da total ausência de condições de segurança, constatadas por si próprios e que estão vertidas nos respectivos relatórios e despacho de encerramento das instalações da autora, já tidas como assentes – alíneas G) e I e documentos juntos em anexo com o relatório da J..., fls. 2067. a 2080.
10. Para alteração destes factos, apresenta a A/recorrente o depoimento da testemunha I..., smo em contrário, do mesmo nada retiramos de forma a que se consiga abalar a prova produzida e muito menos que possibilite e justifique a alteração dos referidos factos provados e postos em crise (obras estruturais?!). Senão vejamos o que disse: a) as obras nas instalações da autora foram realizadas ao longo do ano de 2002, circunscritas unicamente à cobertura (substituir umas telhas, caleiros, e uma clarabóia), sem ter havido necessidade de parar a laboração a não ser num período muito limitado e próximo do encerramento para férias do pessoal – págs 7, 8 das doutas alegações da autora, b) os caibros e rufos da cobertura da autora, em madeira, estavam todos podres, bem como as janelas, razão pela qual optou por fechá-las – pág. 9 e 12 das alegações da autora, c) e principalmente, que não sabe muitos pormenores porque “em termos laborais, era o irmão que na altura e ainda hoje é que está em obra, eu praticamente compro e vendo e sou responsável, mas não em termos de obra” – pág. 8 das doutíssimas alegações/motivação da autora
11. Assim, acertado se confirma o conteúdo desta decisão, no que concerne aos presentes factos dados como provados, sendo totalmente insuficiente e infundados (factualmente e processualmente, por incumprimento do disposto no Art. 640.º, nº1, do CPC), os (inexistentes) argumentos apresentados pela autora para dar como não provados esses factos, ou mesmo na versão apresentada pela autora na conclusão 2., razão pela qual se deve manter a decisão recorrida na parte em que deu como provados os factos constantes dos pontos 18, 33 e 35 nos termos e com os fundamentos constantes da douta sentença recorrida, improcedendo a impugnação da matéria de facto e a decisão que a recorrente pretende ver alterada.
12. Quanto ao ponto 23 dos Factos Provados, também posto em crise pela autora/recorrente, por entender que, pelo menos, deveria considerar-se como provado que “a autora através do seu advogado, estabeleceu contactos com o técnico da J..., entregando-lhe documentação”, radicando esse entendimento dos documentos que juntou no dia 22.02.2017, concretamente no que diz respeito aos documentos números 5 a 9 (que são as alegadas comunicações enviadas pelo então mandatário da autora para o Técnico da J..., Sr. K...), ao que se junta o depoimento da testemunha L... (neste ponto, como supra se referiu, sem que indique quais as passagens em concreto do seu depoimento de onde se possam retirar as conclusões por si pretendidas, em sentido contrario ao retirado pelo douto Tribunal a quo).
13. Analisados os referidos documentos 5 a 9, juntos pela autora no dia 22.02.2017 (mais de meio do julgamento) e tendo sido alvo de resposta/impugnação específica pela aqui ré/Recorrida em tempo útil, impõe-se frisar que os mesmos carecem de total ausência dos fundamentos agora, como na altura, e que se voltam a impugnar, nos termos constantes destas Alegações de Recorrido, págs. 31 a 33 que, por economia processual e facilidade de leitura se dão aqui por integralmente reproduzidos, rementendo-se Vossas Excelências para o seu teor.
14. Por outro lado, pedir a alteração deste facto 23, sem pedir a alteração dos factos provados 24 e 25, leva a uma total impossibilidade de pronúncia e consequente alteração daquele facto (23) por parte deste douto Superior Tribunal, atendendo a que ambos (24 e 25) se encontram intrinsecamente ligados àquele outro, razão pela qual não deverá o facto provado constante em 23 ser alterado quer por falta de prova indicada pela autora/recorrente da qual se retirem factos contrários ao doutamente decidido,
15. quer porque tal facto se encontrar intrinsecamente ligado aos factos provados em 24 e 25, cuja alteração não foi pedida pela A/recorrente e assim se encontram definitivamente assentes/provados, levando a, consequentemente, uma contradição entre factos provados e não provados).
16. Efectivamente, nem das transcrições trazidas pela autora/recorrente da testemunha L... sobre este assunto, se consegue inferir qualquer facto e/ou mesmo indicio do qual se consiga alterar este facto, bem pelo contrário: vide págs. 17 das alegações (não se refere ao presente caso concreto uma vez que esta testemunha só conheceu a autora e assunto já depois do incêndio ter ocorrido). Por outro lado, as seguradoras só vão analisar as instalações, empresas, se houver algum problema, pág. 18. Mas o extraordinário é quando esta testemunha diz textualmente que não teve alguma intervenção com a companhia de seguros D..., nem com os peritos(!!), ou quando confessa que apenas se limitou a ajudar a recolher a documentação que foi solicitada pelo irmão (adv. à data da autora), mas documentação essa, afinal, que era inexistente, uma vez que o antigo contabilista da empresa esteve preso e não facultava a documentação, o que deu muito trabalho a recolher(!!!), razão pela qual confessa que nunca entregou ou viu entregar o seu irmão a dita documentação ao alegado perito, confirmando mesmo que nunca entrou em contacto com a aqui ré! – pag.s 22 e 23 das doutíssimas alegações da autora. Ver também nesse sentido fls. 414 e seg.s das transcrições infra anexas, minutos
17. Por outro lado, da análise cuidada da fundamentação da douta Sentença e que, volta a repetir-se, retrata totalmente a prova produzida nos autos quanto ao presente facto dado como provado, foram valorados pelo tribunal a quo alguns documentos juntos aos autos, como o “Relatório de Averiguação”, confirmado pela testemunha K...; pelo teor do depoimento/declarações de parte do legal representante da autora; pelos depoimentos das testemunhas W... (contabilista da autora), M... (funcionária da ré D...) e L..., bem como “os documentos juntos pela autora (cfr. fls. 1327 a 1511 [sendo aqui patente a junção a granel de documentos, sem qualquer pretensão de sistematização e/ou explicação probatória dos mesmos], fls. 2058 a 2061 e 2067 a 2080), com vista a sustentar a tese do fornecimento de informações, que são manifestamente insuficientes para tal desiderato, sendo certo que alguma da correspondência junta nem sequer é dirigida à ré D... ou à empresa J..., Lda. (ao contrário do alegado pela autora).” – sic., sentença pág.s 22 a 24.
18. E, nesse mesmo sentido, cumpre sublinhar os seguintes depoimentos que sobre tal facto depuseram na forma e sentido literalmente encontrado pelo douto tribunal a quo quando o deu como facto provado:
Legal Representante da autora: Diz que entregou a documentação ao seu, à data, advogado mas não confirmou se este terá entregue ao perito – pág. 62 das transcrições, minutos 01:20:28 E pág. 79, minutos 01:37:15
K...: Confirma tudo o resumido pela douta sentença, na fundamentação: Pág. 1071 a 1073, minutos 00:15:50, Pág. 1079, minutos 00:24:47, pág. 1080, minutos 00:26:17, Pág. 1144, minutos 01:18:46., Pág. 1163 a 1164, minutos 01:37:31 a 01:33:10;
W...: contabilista da autora desde 2002 – pág. 276, minutos 00:01:45 ate 2005, fls. 323, minutos 01:10:00 - Confirmou que a empresa autora não tinha qualquer documentação contabilística (facturas, recibos) por causa do antigo contabilista se encontrar preso, ou estar fugido - Pág. 277, minutos 00:02:05 e Pág. 278, minutos 00:04:50; - Confirmou que não entregou documentação nenhuma, referente a nada ao perito e que nunca o faria sem dar primeiramente ao cliente e que aliás nem se lembra de lhe terem pedido - Pág. 310, minutos 00:55:07; - E confirmou ainda que trabalhou foram dados (como o balancete), para fazer as essas declarações às finanças fornecidos por um gabinete de contabilidade aqui do Porto, ..., e que se limitou a confiar não os tendo confirmado e/ou averiguado - Pág. 342, minutos 01:37:24
M...: Confirma tudo o resumido pela douta sentença, na fundamentação: Pág. 977, minutos 00:26:06; pág. 979, minutos 00:30:23, pág. 980, minutos 00:31:33, pág. 1003, minutos 01:04:42, pág. 1004, minutos 01:06:12;
19. Mas, caso não tivesse o douto tribunal a quo apresentado tanta e profícua prova como exaustivamente indica na fundamentação/motivação para tal facto dado como provado, bastaria somente atentar-se ao não menos facto notório, já ocorrido em pleno decurso deste processo, quando os peritos nomeados para a realização da perícia contabilística vieram informar, a 24.07.2013, que desistiram da diligência uma vez que a autora, aqui recorrente não respondia aos seus pedidos de informação e não entregava da documentação respectiva para a boa realização daquela diligência.
20. Assim, em face ao que se acaba de expor, da fundamentação quer documental, quer dos depoimentos supra frisados referidos pelo douto Tribunal a quo, quer até da própria atitude da autora/recorrente no decurso desta acção, se confirma que esteve bem o douto tribunal na conjugação ponderada e concertada de todos estes elementos, na fundamentação da decisão encontrada para o presente facto provado, tanto mais que a autora não foi capaz de trazer nenhum facto extraído de qualquer acervo probatório produzido nos autos de forma a reverter o facto posto em crise, espelhando a douta sentença de forma exemplar e transparente os factos que resultam produzidos efectivamente nos autos, designadamente, este 23!
21. Quanto aos factos provados 40 a 47 que a a./recorrente, também, impugna como devendo não terem sido dados como, cumpre dizer desde logo que, para tais factos, o douto Tribunal chegou à convicção pela seguinte prova conjugada e concertada da questão que classifica como de “oitava (e última) questão factual temos a matéria respeitante às vicissitudes do seguro relacionadas com a renegociação dos contratos ocorrida em 2001 (incluindo as diligências realizadas em vista de tal renegociação, a subscrição de duas cláusulas especiais e a observância dos requisitos ligados à subscrição de tais cláusulas especiais)”, pelos seguintes elementos probatórios: alterações das apólices ocorridas em 2001 e vertidas nas mesmas pelas respectivas actas adicionais, onde foram contratadas/aditadas as condições especiais cláusulas 006 e 007 (facto 41); depoimento da testemunha M..., confirmado pelo Legal Representante da autora no que concerne aos factos provados números 40 e 47, e depoimento da testemunha M..., confirmado, em parte, no que pelo referido Legal Representante da autora no que diz respeito aos factos 42 ao 46.
22. Cai assim e, desde logo, o argumento esgrimido pela autora/recorrente de que tais factos tiveram unicamente como base os documentos e o depoimento da testemunha M..., que, também de forma falseada pela autora/recorrente, indicia não ter tido qualquer intervenção directa na formalização dos contratos quando, à data em 2001, era a Responsável pelo sector da Produção, emissão de Apólices Empresas, pág. 965, minutos 00: 03:12, do seu depoimento ocorrido no dia 29 de Março de 2017, o que por si só a faz ser sempre a responsável pela direcção, estratégia e comportamentos realizados pela ré D... na aceitação, negociação, renegociação de um contrato de seguros!
23. E o que dizem sobre estes factos o referido Legal Representante da autora e a testemunha M...?
Legal representante da autora: - Que a última máquina que comprou e que, como todas as outras constantes da apólice nas C. Particulares, comprou-a em 2. mão, foi em 1992 e era fabricada em 80´s– pág. 73, minutos 01:32:08: - a este propósito atente-se também ao documento de fls. 1497 dos autos onde é a própria autora quem apresenta um mapa de amortizações de onde se confirma que todas as máquinas e equipamentos foram compradas antes de 1992; - Confessa que acabou por optar por não fazer obras de reconstrução das instalações da fábrica – pág. 48 das transcrições juntas em anexo – minutos 01:03:32, - Não sabe o lucro que a empresa dava – pág. 50 das transcrições em anexo, minutos 01:07:40, razão pela qual nunca forneceu elementos que possibilitassem a determinação do seu volume bruto anual e/ou critérios de apuramento do volume de negócios (facto provado 26); - confessou que o teor da cláusula especial 006 contratada em 2001 tinha só como limite máximo 6 meses – pág. 153 das transcrições, minutos 01:20:22; - Acabou por confessar, em vários momentos do seu depoimento/declarações de parte que as alegadas visitas de 3 pessoas às instalações (que diz serem da D... mas que não falou com elas), não as sabe identificar nem tão puco sabe afinal se eram da D... ou da G...! O que soube confirma é que quem ia lá frequentemente era da correctora para iam levantar os cheques dos pagamentos dos prémios de seguros - – pág. 106, minutos 00:24:45, pág. 109 das transcrições infra anexas, minutos 00:28:19, pág. 155, minutos 01:22:37, pág. 156 e 157 das transcrições em anexo infra, 156 minutos 01:24:15, pág. 157, minutos 01:25:22 e 01:26:01; - confessou que quem negociou com a companhia de seguros os contratos, designadamente as cláusulas 006 e 007, em nome e representação da autora, foi a correctora - Pág. 160, minutos 01:28:55; - depois de fazer estes seguros, a autora nunca comprou outras máquinas e/ou equipamentos, razão pela qual não deu à seguradora nenhuma revisão de capitais seguros, em resultado de qualquer reavaliação dos bens seguros - PÁG. 171, das transcrições infra juntas, minutos 01:43:01 e Pág. 173 das transcrições infra juntas, minutos 01:45:37.,
M...: - quanto ao facto provado 40, que expressa uma versão restritiva da matéria factual prevista nos art.s 59.º e 60.º da base instrutória, pág. 30 da douta sentença, veja-se o que a mesma diz na pág. 966 a 967, minutos 00:04:34 e pág. 984 a 986, minutos 00:40:00; - factos provados 42 a 47: Pág. 968, minutos 00:07:33 a pág. 969, minutos 00:09:38.
24. Ora das transcrições supra indicadas (declarações/depoimento de parte do Legal Representante da autora, e da testemunha M...), só pode resultar que o douto tribunal a quo teve uma percepção real da prova transparentemente produzida nestes autos, sem olvidar a profícua prova documental também existente que confirma estes factos, razão pela qual não existem indícios, sequer, de outros factos capazes de contrariar os que aqui foram dados como provados, devendo, assim, serem mantidos na integra, não procedendo a tese da autora/recorrente.
25. Paralelamente, frisa-se que, no que diz respeito à prova dos factos 44 a 46, temos ainda, as declarações da testemunha X..., agente imobiliário, prestadas no dia 28.03.2017 que afirmou o seguinte, pág. 711 minutos 00:02:40, pág. 714, minutos 00:05:30, 719 a 722, minutos 00:09:28 a 00:13:05: - Que foi contactado pelo Sr. C... ainda antes do incêndio pois queria vender “aquilo”, mas como pedia muito dinheiro, não era viável; -e o mesmo se continuou a passar já depois do incêndio em que ele e os herdeiros proprietários do imóvel, pretendiam muito dinheiro, a ainda somar as indemnizações dos próprios inquilinos das habitações; - que a intenção, antes e depois do incêndio, era converter aquele espaço em apartamentos e nunca para reconstruir a fábrica.
26. Ora, para quem, já antes do incêndio não se importava em “vender” a sua posição de arrendatário da fábrica pelo que pedia tanto dinheiro, valores que manteve já depois do incêndio, e cuja finalidade nunca foi a de reconstruir as instalações – conforme declarações supra da testemunha X..., agente imobiliário -, duvidas não podem restar sobre a comprovação dos factos provados em 44 a 46 correctissimamente avaliados pelo tribunal a quo!
27. E a tese da autora é tão extraordinária, apresentada com tal desnorte que, na “loucura” em tentar encontrar falhas sobre a prova realizada nos autos capaz de possibilitar a invocação da alegada nulidade da sentença – só existente no seu tresloucado pensamento - vai ao ponto de “meter no mesmo saco” os factos provados 40 e 41.
28. Ora, se a autora quer dar como não provado estes factos, 40 e o 41 então, por decorrência, todos os factos restantes, relacionados com estes dois, como o são os 42 ao 47, e mesmo o 29, 30 e parte da matéria assente (no que diz respeito à existência das próprias apólices), deixam de fazer sentido e não podem deixar também de se considerarem como não provados porque, foram a base da existência dos contratos de seguros e da alteração posteriormente solicitada pela própria autora em 2001 – vide douta sentença, pág.s 30 e 31.
29. Face ao pedido realizado pela autora/recorrente, para que Vossas Excelências dêem como não provados os factos 40 e 41, deixa e automaticamente de ter direito a qualquer alegada indemnização com base nestes contratos, uma vez que, os pressupostos - base da verificação de tal direito de indemnização -, radicam precisamente na existência das cláusulas especiais 006 e 007, negociadas e entradas em vigor na anuidade de 2001 que as rés aceitaram, nomeadamente quanto ao capital de seguro ser determinado pelo valor de substituição com a actualização convencionada de capitais! A ser procedente este pedido da autora/recorrente, está-lhe vedado automaticamente o direito que reclama nesta acção em poder ser indemnizada pelos valores contratados ao abrigo de tais cláusulas e discriminadas nas C. Particulares!
30. Não fosse a integridade e verdade com que a aqui ré/Apelada se orgulha de actuar, nada teria a opor quanto à procedência destes pedidos, apresentados na 4. conclusão das alegações da A/recorrente e que, automaticamente faria só por si claudicar o alegado (mas sempre inexistente) direito à indemnização em qualquer valor, e/ou sustentado em qualquer das ditas cláusulas 006, 007 e, também, por decorrência, da própria apólice de perdas de exploração!
31. As alegações apresentadas pela autora, não se encontram fundamentadas, nem suportadas em documentos ou em qualquer matéria de facto que seja capaz de reverter a prova produzida e por demais evidenciada na douta sentença nos referidos factos provados, conforme supra visto. Evidenciam a confusão no raciocínio que tentam expor, e não têm qualquer nexo e>/ou sustentação da matéria de facto provada, entrando mesmo em contradição na impugnação factual que fazem sobre os factos provados que impugnam, vertidos depois nos pedidos que requerem ao douto Tribunal desta Relação para a alterar, de forma totalmente atrapalhada, fazendo perder tempo, meios e recursos tão preciosos a questões que sim, serão de todo oportunas a rever e estudar, o que estas decididamente não o são!
32. Assim sendo, conforme supra frisado, nenhuma razão assiste à autora/recorrente no pedido que faz de ver alterados estes, como todos os demais factos provados, devendo, consequentemente, manter-se a douta sentença exactamente como se encontra, por tais factos provados se encontrarem em total consonância com a motivação e fundamentação para os mesmos encontrada, como resulta à saciedade da prova produzida, supra transcrita e frisada,
33. Quanto à alegada omissão de pronuncia ao facto/quesito número 59 da base instrutória, com base na qual pretende a autora/recorrente que seja a decisão declarada nula nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615.º do CPC, cumpre dizer: que em primeiro lugar é totalmente falso que exista qualquer omissão de pronuncia, pois consta taxativamente da fundamentação da douta sentença. Pág. 30 e 31 que “No que respeita às negociações tendentes à mencionada alteração dos contratos, a testemunha M... referiu que tal alteração ocorreu na sequência de um pedido do corrector de seguros (em representação da autora), facto que foi confirmado pelo legal representante da autora, sendo certo que, nestes casos, como referiu aquela testemunha, a seguradora não vai ao local do risco, confiando na informação da corretora, razão pela qual a testemunha afirmou peremptoriamente não ter sido efectuada qualquer vistoria pelas seguradoras às instalações da autora e/ou fornecidos a estas especiais elementos documentais (afirmação que mereceu credibilidade). Dai o facto provado n° 40 expressar uma versão restritiva da matéria factual prevista nos arts. 59° e 60° da base instrutória” – Alterações ao tamanho da letra, negrito e sublinhados, da nossa autoria.
34. Por outro lado, é o próprio Legal Representante da autora quem nunca conseguiu identificar as alegadas pessoas que por parte da D... e/ou da G..., fizeram alegadamente, a vistoria aquando da contratação das condições especiais 006, 007, acabando mesmo por confessar que quem lá ia era da correctora e para levantar os cheques dos pagamentos dos prémios, conforme transcrições supra indicadas de várias partes do seu depoimento (pág.s 56 a 59 destas alegações) e que aqui, por razões de economia processual, se dão por reproduzidas, passando-se só a sublinhar os efectivos minutos do seu depoimento e declarações de parte é que as mesmas resultam da prova gravada: - pág. 106 das transcrições, minutos 00;24:45; - pág. 109 das transcrições, minutos 00:28:19; - pág. 155 das transcrições, minutos 01:22:37; - pág. 156 das transcrições, minutos 01:24:15; - pág. 157 das transcrições, minutos 01:25:22 e 01:26:01
35. Por outro lado, conforme já referido supra, quando transcrevemos a parte do depoimento da testemunha Dr.a M... sobre a prova formada referente ao facto 40, daquela se retira, como bem frisou o douto tribunal a quo, a versão restritiva da matéria factual dos quesitos 59.º e 60.º, designadamente quando afirmou peremptoriamente que foi a correctora quem negociou directamente com a D... a subscrição das condições especiais 006 e 007 em nome da autora, cliente, não havendo razão para desconfiar de tais declarações e daí não terem ido fazer nenhuma vistoria ao local (pág.s 966 a 967, início minutos 00:04:34), pautando-se a D... com todos, mediadores, correctores e clientes ao abrigo da boa fé contratual, confiando nas declarações que lhe transmitem, até porque não seria viável irem visitar/inspeccionar as instalações, face às contrapartida dos prémios cobrados (pág.s 984 a 986, início minutos 00:40:00).
36. Por outro lado, não será a mera indicação da autora nas suas alegações e conclusões, de que a testemunha N... se referiu a tal circunstância sem, contudo, ter transcrito as concretas partes do seu depoimento de onde tal prova resulte (porque nada disse, adiante-se já!) que torna procedente a tese da autora de forma a Vossas Excelências simplesmente declarem nula a douta Sentença!
37. Assim, e sem mais delongas, porque desnecessárias se dão por integralmente reproduzidas as transcrições supra indicadas, no que ao presente facto se refere, expresso na versão restritiva da matéria factual pro facto provado 40, não havendo lugar a qualquer omissão de pronuncia na douta sentença quanto ao quesito 59 (e 60, por decorrência), razão pela qual não existe, consequentemente, nenhuma nulidade na presente sentença!
B) - Mérito/Apreciação das cinco questões de direito reclamadas pela autora com as quais pretende a revogação da douta sentença. Por uma questão de lógica de raciocínio e exposição sobre as questões de direito abordadas pela autora nas suas alegações, vamos alterar a sequência apresentada, abordando as 5 questões da forma como infra as exporemos:
Da 2. Questão instrumental e não essencial.//missiva enviada pela ré à autora em 26.07.2004, alínea H da Matéria Assente:
1. A recorrente em sede de alegações de recurso vem invocar que as Recorridas, em particular a ora Alegante, estruturaram a sua defesa reclamando: - uma questão fulcral, que era a origem criminosa do incêndio, para afastar a sua responsabilidade e obrigação de indemnizar os danos peticionados, no âmbito dos contratos de seguro identificados nos autos; - todas as outras questões (nomeadamente as do teor das cláusulas da apólice, seus pressupostos de verificação e questões de direito) alegadas na defesa das Recorridas no momento processual oportuno, a recorrente entende que eram instrumentais e secundárias.
2. No entendimento da A/recorrente, a discussão do mérito da acção resume-se à prova sobre as circunstâncias e causas do sinistro, a tal questão principal, afastando a importância ou pertinência das restantes questões para a decisão a proferir pelo Tribunal, nomeadamente, sobre o direito aplicável à matéria factual alegada e provada, sendo, consequentemente, instrumental e/ou secundária, a questão da nulidade ou anulabilidade dos contratos, (com base no incumprimento pela Segurada/autora, dos deveres de informação sobre circunstâncias relativas ao risco inicial e depois ao seu aumento exponencial, susceptíveis de agravar a responsabilidade assumida pelas rés), questão esta, a instrumental, só “agarrada” depois de o depoimento do Sr. P... ter claudicado, sobre a tese alicerçada nos relatórios periciais elaborados na fase se averiguação das causas e circunstâncias do sinistro – vide pág. 47 das Alegações da autora
3. Ora, não foi no decurso dos depoimentos prestados em julgamento que a defesa das rés, se verteu então para as questões relacionadas com as vicissitudes dos contratos, como a sua nulidade ou anulabilidade: tal matéria de excepção, foi oportunamente alegada em sede de contestação, vertida no pedido final, onde pede a sua absolvição pela procedência de tal matéria!
4ª E pela importância que tal matéria, factos, consubstanciava na defesa da aqui ré/Recorrida, quando confirmou que nem toda essa matéria (de excepção e de impugnação) invocada na sua contestação constava do Despacho Saneador (porque àquela data ainda vigorava o Código de Processo Civil anterior ao vigente), a aqui recorrida reclamou em tempo devido, tendo sido alvo de douto despacho proferido em 22.09.2010, que veio a considerar procedente a reclamação da D... in tottum, aditando-se a alínea I) à Matéria Assente, e aditando-se os quesitos 4.º, 62.º, 63.º e 64.º, à base instrutória que foi, assim, ampliada!
5. Seguindo-se o raciocínio da autora/recorrente, nesta “primeira questão fulcral: a primeira comunicação da ré através da qual transmitiu à autora a sua desresponsabilização (doc.9 junto com a PI)”, decorre, desde logo, de tal missiva de 26/07/2004 (alínea H) da matéria assente), que a Recorrida D... comunicou a recusa em assumir a indemnização do sinistro por “não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe” – Alínea H) que, sublinha-se, não foi impugnado pela recorrente e, assim, deve ser dado como definitivamente assente.
6. Ora, salvo algo que muito foge à aqui ré/recorrente, do teor dessa carta não consta qualquer menção à origem criminosa do incêndio a que alude a recorrente, como a questão fundamental e/ou causa, da recusa da Recorrida em assumir a obrigação de a indemnizar.
7. Aliás a recorrente, ao dizer agora que a Recorrida comunicou desde o início, como razão principal para sua desresponsabilização, a origem criminosa do incêndio, entra em contradição com o que alegou e peticionou antes nos autos pois, como bem se refere na sentença recorrida (em que transcreve os pedidos da autora na P.I., alínea C)), parte do pedido formulado nos autos justifica-se “Porque a ré seguradora líder não cumpriu a obrigação de informação sobre os motivos concretos que a determinaram a não proceder ao pagamento da indemnização devida em consequência do sinistro, violando assim direitos absolutos da autora (violação do direito à indemnização a processar nos termos e prazos fixados na apólice), que entende a autora que as rés estão obrigadas, a título de responsabilidade contratual e extracontratual, a pagar uma indemnização por perda de lucro industrial, desde a data do sinistro até ao termo dos seis meses subsequentes à data em que habilitarem a autora com numerário suficiente a proceder à substituição dos bens perecidos no incêndio e reinstalar a sua unidade, tendo a autora computado o valor indemnizatório (que integra o montante de €24.939,89, acima referido), calculado desde 15/03/2003 até 14/09/2008, em €274.338,84 (€29.879,84 x 5,5 anos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e suportando ainda a capitalização anual dos juros.” – pág. 3 da douta Sentença, nosso sublinhado.
8. A Recorrida em sede de contestação – ou seja no momento processual oportuno de que dispunha para alegar todos os factos e questões de direito que importavam à sua defesa (antigo 264.º do CPC) e daí não se extraindo questões principais e secundárias e/ou instrumentais – invocou: e) “a nulidade e/ou anulabilidade dos contratos”, f) “as declarações inexactas por parte da segurada, no momento da celebração dos contratos”; g) “a sua desresponsabilização devido à ausência de sistemas de prevenção e detecção de incêndio”; h) “a partir de 2000/2001, existiu um aumento do risco que não lhe havia sido comunicado e, que em função disso, entendiam que que não tinham obrigação de indemnizar a autora.”
9. Paralelamente, recorde-se à autora que a aqui ré ao alegar que “não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe” – Alínea H), mais não estava, senão a referir-se ao cumprimento de todos os deveres impostos ao segurado, aqui A, nas condições das apólices para aplicação das cláusulas especiais 006 e 007 ou seja, a observância dos requisitos ligados à subscrição destas cláusulas, precisamente os factos provados 42 a 47.
10. A “tese” da autora/recorrente, quanto a esta 1. questão de direito, claudica rotundamente, encontrando-se perfeitamente correcta a leitura da defesa provada pela ré/Recorrida, resumida pela douta sentença quando afirma que “no que respeita ao incêndio, alegou a ré, em síntese, que se tratou de acto intencionalmente provocado, através da aplicação directa de uma chama por parte de pessoa ou pessoas não identificadas”; e quanto aos contratos de seguros, “invocou a ré circunstâncias/vícios susceptíveis de conduzir à nulidade ou anulabilidade de tais contratos (cuja declaração requereu na contestação) e/ou à exclusão de algumas das cláusulas contratadas”. – cfr. sentença recorrida.
Da V questão de direito: a de saber “Se as rés têm legitimidade para arguir a anulabilidade ou nulidade das apólices em causa, sob a forma e tempo em que o fizeram.” - pág.59 das alegações.
11. Nesta questão, a A/recorrente apenas discorre sobre a oportunidade do prazo de que, alegadamente, a aqui Recorrida/ré dispunha para suscitar a nulidade ou anulabilidade dos contratos de seguro, não se pronunciando sobre a sua óbvia legitimidade para o efeito, entendendo - pág. 59 e seguintes e das conclusões 50º a 56º - que, a alegação da nulidade ou anulabilidade dos contratos de seguro pelas rés, apenas invocada aquando da apresentação da suas contestações, volvidos 4 ou 5 anos após o sinistro, foi extemporânea ou fora de prazo, uma vez que tal arguição, em cumprimento do artº. 287º do C. Civil, deve ser feita no prazo de um ano, sob pena de o negócio se convalidar.
12. Ora, esquece-se contudo a autora/recorrente que aquele dispositivo legal é composto pelos nº.s 1 e 2, sendo este último que ao caso dos autos importa, uma vez que, como aí se lê “ enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.” – nosso sublinhado, sendo que a expressão de “negócio cumprido”, no sentido com que é utilizada no n.º 2 do artigo 287º, não significa que seja o negócio completado, celebrado ou concluído.
13. Entre a recorrente e as Recorridas foram celebrados os dois contratos de seguro, que se encontram identificados no nº.1 da Fundamentação de Facto da Sentença: seguro de incêndio, na vertente de risco industrial, e seguro de perdas de exploração / lucros cessantes, tratando-se de contratos onerosos, bilaterais ou sinalagmáticos – como é o contrato de seguro – os contratos não podem considerar-se cumpridos enquanto subsistirem como passiveis de cumprir, obrigações deles emergentes, como é o caso da (alegada) obrigação de indemnizar que a autora/recorrente reclama como estando a cargo das Recorridas.
14. Quer isto dizer que, a obrigação de indemnizar os danos decorrentes deste sinistro, alegadamente coberto pelas garantias dos contratos de seguro, é a obrigação relevante ou nuclear aos contratos a cargo das Seguradoras o que, por isso mesmo e por via desta acção, a A/recorrente pretendeu obter com cumprimento dos contratos que celebrou com as Recorridas os quais, enquanto as Seguradoras Recorridas não satisfizerem a obrigação de indemnizar, se encontram por cumprir, daí que a autora/recorrente peça o reconhecimento e condenação aqui peticionados nos autos.
15-ª Tem aplicação, assim, no caso em apreço o nº.,2 do artº.287º do C. Civil, daí que as Recorridas podiam, legitimamente e em tempo, invocar a anulabilidade dos contratos em sede de contestação. - Veja-se neste sentido e sobre a tempestividade da arguição da anulabilidade do contrato de seguro em sede de contestação, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26-03-2009, proc.171706.2JOPRT.L1-6, in www.dgsi.pt, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11-11-2004, Proc. 6422/2004-2, in www.dgsi.pt: “II - Para efeitos do art.º 287.º n.º 2 do C. Civil, negócio não cumprido é aquele em que ainda não foram cumpridas todas as obrigações dele emergentes ou em que, pelo menos, subsistem por cumprir obrigações relevantes.”. E, na mesma senda, Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-03-2015, PROC.1580/12.3TBPBL-C1, in www.dgsdi.pt. e Acórdão do STJ de 21-04-2009, Revista N.º 636/09 -6. Secção Silva Salazar (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite, in www.dgsi.pt.6.:
16. Assim, até pelo elemento literal do invocado artº. 287º, nº.2 do C. Civil aqui aplicável, foi perfeitamente lícita e tempestiva a arguição da nulidade ou anulabilidade do contrato de seguro em sede de contestação, carecendo de total falta de fundamento a alegada intempestividade por parte da autora/recorrente, apenas suscitada agora em sede de recurso, diga-se, sendo o momento utilizado pelas rés, a contestação, o correcto, atento o princípio do dispositivo plasmado no artº. 264º do CPC– cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 06-05-2009, PROC. 68/06.6TBAVR.C1, in www.dgsi.pt.
17. A aqui ré/Recorrida na sua contestação “invocou o incumprimento pela autora de deveres de informação estipulados nas condições gerais das apólices, nomeadamente, alterações do risco susceptíveis de agravar a responsabilidade assumida pelas rés (pugnando, em consequência, pela nulidade ou anulabilidade dos contratos e/ou pela exclusão da garantia), alegando em síntese que a autora sabia pelo menos desde 11 de Abril de 2000da existência de uma forte/grave possibilidade de ocorrência de incêndio (…)” - cfr. Pág. 46 da douta sentença recorrida.
18. E, conforme provado nos factos 37, aquando da subscrição das apólices, a autora, ao contrário do declarado não tinha implementado nas suas instalações fabris o sistema de prevenção e protecção contra incêndios, não possuindo, sequer bocas-de-incêndio, facto que só veio ao conhecimento da ré D... aquando da investigação do sinistro (incêndio) – facto provado 38,
19. o que prova também que, aquando da renegociação dos contratos de seguros, a autora também escondeu das rés o aumento exponencial do risco de incêndio que, entretanto se tinha desenvolvido, violando clamorosamente o seu dever de informação quanto ao risco (e seu aumento) junto das seguradoras e, consequentemente agravamento das responsabilidades por estas assumidas - vide provados em 9, 33, 34, 35 e 36, trazidos à colação também pelas rés com as suas contestações, e que evidenciam a existência de um agravamento do risco de incêndio relativamente aos bens seguros do seguro de incêndio, risco industrial e, consequentemente, no que respeita aos lucros cessantes, pelo seguro de perdas de exploração.
20. A recorrente cumpriu com o ónus que sobre ela recaía, ao abrigo do artº. 264º do CPC então em vigor, ao alegar factos susceptíveis de se virem a ser dados como assentes e provados, designadamente, os supra sublinhados, que comprovam que a A/recorrente prestou declarações inexactas inicialmente e mais tarde não informou sobre o aumento do risco durante a vigência dos contratos, situações que para a ré/Recorrida, eram como são, causa da nulidade/anulabilidade dos contratos de seguro objecto dos autos, cuja declaração, aliás, peticionou na alínea a) a final da contestação,
21. tudo no estrito cumprimento do regime previsto no artº. 429º do C. Comercial, em vigor aquando da celebração dos contratos e da ocorrência do sinistro, como tão bem se fundamenta na douta sentença recorrida, numa exemplar análise e interpretação da evolução do regime jurídico sobre o contrato de seguro, e do qual decorre que, apesar do elemento literal do artº. 429º do C. Comercial referir de forma expressa a “nulidade” do contrato, o certo é que a maioria da jurisprudência foi entendendo que estávamos, isso sim, perante um caso de anulabilidade, como, entre outros, resulta do Acórdão do STJ DE 09-12-2008, Proc. 08A3737, in www.dgsi.pt e na mesma esteira, cita-se o Acórdão da Relação de Coimbra, DE 16-11-2010, Proc. 2617/03.2TBAVR.C1, in www.dgsi.pt, embora realçando que a solução da sanção da nulidade já teve acolhimento legal e jurisprudencial
22. Por outro lado, encontram-se provados os factos 9, 34, 37, 38 e o nº.39 da Sentença Recorrida – que não são contestados no recurso sobre a matéria de facto apresentado e, como tal, constituem já matéria está definitivamente assente – sendo que deste último resulta que “Se a ré soubesse da inexistência daquela sistema de prevenção e protecção contra incêndios, não teria celebrado os contratos ou, se nessas condições o viesse a celebrar, teria sido acordado um substancial acréscimo do prémio de seguro”,
23. Ora, a sua subsunção à previsão do artº. 429º do C. Comercial, de acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, fundamentada a declaração de invalidade do contrato (seja por nulidade ou anulabilidade), mais não significam do que a possibilidade do segurador declarar sem efeito o seguro, o que constituiu um direito que não lhe pode ser negado, porque influenciaram a formação de vontade real da seguradora, pois se deles (esses factos) tivesse tido conhecimento, não teria celebrado os contratos, ou se nessas condições os viesse a celebrar, teria sido acordado um substancial acréscimo do prémio de seguro! - Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16-11-2010, Proc. 2617/03.2TBAVR.C1, in www.dgsi.pt, já citado.
24. Resulta de tudo quanto se expôs que, perante a factualidade alegada pela recorrida e provada nos presentes autos (factos provados 9, 34, 36, 37, 38 e 39) que a invalidade dos contratos, afectados de vícios que geram a sua anulabilidade de acordo, não com o elemento literal do artº. 429º do C. Comercial, mas pelo entendimento jurisprudencial e doutrinal da sua interpretação, a ré/recorrente, ao abrigo do artº. 287º, nº.2 do C. Civil, fez a reclamação de tal questão de forma oportuna e tempestivamente, na sua contestação, razão pela qual são totalmente improcedentes os argumentos de facto e de direito esgrimidos pela autora/recorrente pela 1. vez, no que concerne a esta (falsa) questão, volte-se a frisar!
Da IV questão de direito abordada pela a./recorrente - sobre o alegado abuso de direito, por a ré, só em sede de contestação, invocar a nulidade ou anulabilidade dos contratos.
25. A recorrente traz à discussão esta questão que, frisa-se, também nunca antes suscitou nos autos, mas que se reconhece ser uma questão de conhecimento oficioso, pelo que pode ser apreciado em sede de recurso. No entanto, e salvo sempre a humildade que se impõe por melhor e douta opinião em contrário, o conhecimento do Abuso de Direito não pode ser fundado em factualidade não alegada e que, por isso, não consta da matéria provada (além de não ser requerida a sua inclusão no recurso apresentado), como faz a recorrente, ao suscitar tal alegação com base na seguinte factualidade: - anular as apólices 5 anos depois”; - “até às contestações e, por isso, durante mais de 5 anos terem invocado qualquer desses factos para anular o seguro e resolvê-lo (como podiam) comportando-se como se a sua desresponsabilização se devesse – apenas e só – ao facto de as causas de incêndio não serem naturais, logo não lhe assistia o dever de indemnizar.” - “com a agravante de manterem em vigor as apólices pelo menos até 27. Abr. 2005.” - pág. 57 e 58 das alegações, nosso sublinhado.
26. Diga-se, antes de mais, que muita confusão vai na argumentação desesperada da recorrente quando, ora alega que os seguros foram anulados 5 anos depois do sinistro, ora alega que foram mantidos em vigor, pelo menos, até 27. Abr.2005. De qualquer forma, tal matéria (“anulação” dos contratos pela Recorrida, data, forma, termos e seu fundamento), não consta da decisão a proferir nos autos, já que não consta do despacho saneador que fixou a matéria factual com relevo para a discussão da causa, despacho saneador esse que, diga-se novamente, não foi objecto de qualquer reclamação apresentada pela autora, aqui recorrente, quer por insuficiência, quer por quaisquer outros vícios!
27. Daí que, da matéria factual vertida nos Factos Provados da sentença recorrida também nada conste, devendo, ainda, frisar-se que, também não foi requerida – em sede da reapreciação da matéria de facto suscitada no recurso da recorrente – a inclusão de tal factualidade nos factos provados, o que, aliás, seria difícil, atenta a confusão da própria recorrente sobre esta matéria.
28. Considerando o princípio do dispositivo consagrado no artº.264º do CPC a que se aludiu supra, se a recorrente pretendia obter resposta à questão de saber “Qual a razão que esteve na génese das rés não resolverem ou não anularem as apólices, quando tiveram conhecimento do facto da Segurada, alegadamente, sonegar informações importantes e de saber o estado do edifício (com o que, segundo as mesmas não teriam celebrado os contratos de seguro) o que confessadamente tiveram conhecimento aquando do relatório efectuado pelos peritos?” – cfr. pág.58 das alegações – então, ter-lhe-ia competido ter trazido esta matéria factual à discussão; alegá-la de forma específica e clara, como fundamento da sua defesa; reclamando vê-la inserida na base instrutória e, em última linha, requerer em sede de recurso a sua inclusão na factualidade provada, indicando para tal, os concretos meios de prova que sustentassem a resposta pretendida.
29. Mas tal questão foi formulada apenas e só em alegações de recurso, percebendo-se, assim, porque é que “esta é uma questão que o Tribunal a quo não aquilatou” – pág. 58 das alegações! É que se trata de matéria factual que não era do conhecimento oficioso, por ser matéria da livre disposição e alegação pelas partes, caso a considerassem essencial ao mérito da decisão que pretendiam ver proferida a final.
30. Por outro lado, e como supra se referiu na resposta à primeira questão fulcral da recorrente, dos autos apenas resulta da alínea H) da matéria assente (factos provados nº. 8 da sentença), que a Recorrida comunicou à autora por correio de 26/7/2004 que, "Por não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe, vimos por este meio comunicar-vos que declinamos toda e quaisquer responsabilidade pelas consequências do incêndio ocorrido em 14 de Março de 2003 nas vossas instalações sitas na Rua Conselheiro Veloso Cruz, 303/307, em Vila Nova de Gaia".(H) - sic
31. Ora, nada decorre desta factualidade que a Recorrida tenha fundamentado a sua desresponsabilização “apenas e só” nas causas não naturais do sinistro! Aliás, como também se referiu antes, a aqui ré ao alegar que “não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe” – Alínea H), mais não estava, senão a referir-se ao cumprimento de todos os deveres impostos ao segurado, aqui A, nas condições das apólices para aplicação das cláusulas especiais 006 e 007 ou seja, a observância dos requisitos ligados à subscrição destas cláusulas, precisamente os factos provados 42 a 47. Paralelamente, não podemos olvidar que é a própria recorrente que, em contradição com esta nova “tese”, utiliza como fundamento no pedido de indemnização que formula pela perda de lucro industrial, ao incumprimento pela Recorrida pela violação da “obrigação de informação sobre os motivos concretos que a determinaram a não proceder ao pagamento da indemnização devida em consequência do sinistro”, como bem se sintetiza no relatório da sentença recorrida, nosso sublinhado.
32. Não estão, assim, minimamente verificados os pressupostos do abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que não resulta da factualidade provada que a Recorrida alguma vez tenha adoptado alguma conduta inconciliável com a alegação da nulidade e anulabilidade dos contratos na contestação, o que seria essencial para que a pretensão da recorrente procedesse. Por todos, veja-se o Acórdão do STJ de 11-12-2012, Proc. 116/07.2TBMCN.P1.S1, in www.dgsi.pt
33. Refere-se, ainda, nas alegações a que ora se responde, que a Recorrida incorre no abuso de direito por alegar que a autora “continuou a omitir informações quando a partir de 2011 (certamente se quis dizer 2001, atenta a cronologia dos factos em discussão), teve acesso privilegiado ao aumento substancial do risco de incêndio”, “não forneceu relatórios e documentos requisitados pelos peritos” – pág. 57 e 58 das alegações.
34. Tal matéria, que foi alegada pela Recorrida, mereceu o acolhimento da convicção do douto Tribunal, formada a partir da prova produzida nos autos, ao ser vertida nos factos provados que constam dos nºs 23; 24; 25; 26; 33; 34 e 35, pelo que não se pode aceitar que a alegação de tal matéria, possa sustentar a tese da A/recorrente, em que a posição que a Recorrida assumiu perante a discussão da questão controvertida nos autos, tenha sido ofensiva da boa-fé processual, consubstanciada na alegação de factos que, a parte que os alega, sabia serem falsos ou deturparem a realidade por si conhecida.
35. Não é, sequer, concebível que, a ré/Recorrida ao apresentar a sua defesa em sede de contestação (consubstanciada em matéria factual que foi objecto do contraditório e da prova produzida dos autos), e que veio a merecer o acolhimento da convicção do julgador, exerceu o seu direito de defesa com abuso de direito, o que só aconteceria se o tivesse feito em termos “ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado” – cfr. Acórdão do STJ de 24-04-2008, Proc.2889/2008-6, in www.dgsi.pt.
36. Deve, assim, ser julgada improcedente, por manifesta inexistência de matéria factual que a sustente, a invocação do abuso de direito da Recorrida, na alegação dos argumentos e factos que constam da sua defesa, apresentada com a contestação.
Das II e III questões de direito abordadas pela autora/recorrente, saber se - “incumbia, e, mais do que isso, se era exigência, para as rés analisar o local segurado, não só no início das apólices, como nas suas renovações.”; - “incumbia às rés informarem convenientemente a segurada do teor das cláusulas do contrato e qual a consequência para a omissão desse facto.”;
37. Mais uma vez vem a A/recorrente suscitar, em sede de recurso, questões que nunca antes alegou e/ou suscitou nos seus articulados -Deve ser promessa! Ora, dita a jurisprudência para tais casos que, “As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, nos termos do artº 608 nº 2 do N.C.P.C., não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso” – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 14-11-2014, Proc. 154/12.3TBMGR.C1, in www.dgsi.pt e no mesmo sentido, veja-se, também, o Acórdão desta Relação, de 16-10-2017, Proc. 379/16.2T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt.
38. Da jurisprudência citada – a que sempre se deverá atender em cumprimento do art. 8º, nº.3 do C. Civil – conclui-se pacificamente que estas “questões fulcrais”, nunca antes alegadas pela autora, mas tão só e apenas agora trazidas à colação, não sendo do conhecimento oficioso, por se tratar de matéria relativa à formação dos contratos e da livre disponibilidade das partes, “não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso”.
39. Sem prescindir, abordaremos apenas e por mero dever de cautela e patrocínio, as referidas questões fulcrais e novas que a recorrente agora suscita, o que se fará, por sequencia lógica e de raciocínio, começando pela Terceira Questão fulcral, ou seja, saber se “incumbia às rés informarem convenientemente a segurada do teor das cláusulas do contrato e qual a consequência para a omissão desse facto”. – nºs. 21 a 23 das conclusões.
40. Antes de mais, não pode a aqui ré/Recorrida deixar de considerar, no mínimo, curioso, que a recorrente não identifique nas suas alegações as concretas cláusulas dos contratos de seguro que alegadamente não lhe foram comunicadas e/ou informadas pelas Recorrida – cfr. nº 25 das conclusões.
41. Se de tal omissão ocorreu, devemos entender que a recorrente, ao não individualizar as concretas cláusulas que não lhe foram informadas, está a referir-se a todas as cláusulas de ambos os contratos, caso em que, então, ambos os contratos são nulos e sem nenhum efeito!
42. De acordo com o regime previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro que a recorrente invoca, nomeadamente nas alíneas a) e b) do nº1 do seu artigo 8º, consideram- se excluídas dos contratos singulares “as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º” e “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.”
43. Ou seja, se pudesse ser atendida esta “questão fulcral de direito” que a recorrente invoca agora, de que as cláusulas dos contratos de seguro que celebrou com as Recorridas não lhe foram comunicadas e/ou informadas – sem especificar a que cláusulas em particular se refere - forçoso seria entender-se que se está a referir-se à totalidade do clausulado devendo, consequentemente, declararem-se ambos os contratos de seguro nulos, uma vez que todas as cláusulas que o compõem teriam de ser consideradas excluídas.
44. E, assim, nesse caso, não poderia a recorrente invocar qualquer obrigação das Recorridas emergentes dos contratos, consubstanciada em qualquer dos pedidos que faz, porque estes seriam nulos, por esvaziamento do seu clausulado, operando-se, assim, “uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé”, como decorre do nº.2 do artº9º do mesmo diploma.
45. A agora alegada omissão pelas Recorridas dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais que regem os seguros identificados nos autos, tituladas pelas apólices juntas pela própria recorrente com a P.I., nunca foi reclamada antes pela autora/recorrente, constituindo um facto não alegado antes pela autora e que, consequentemente, não consta da sentença, nem da matéria de facto julgada provada, nem da não provada, e nem mesmo agora, da reapreciação da matéria de facto requerida em sede de recurso, pelo que, não poderá ser atendida para a boa decisão a proferir nestes autos,
46. daí que se encontra contraditado especificamente o alegado nos nºs. 24 e 25 das conclusões da recorrente, uma vez que, simplesmente a A/recorrente não alegou e nem pretendeu ver discutida na base instrutória a alegada violação ou incumprimento desse dever por parte das rés, sendo que, o ónus da prova, só recai sobre matéria controvertida, alegada pelas partes em sede própria e que integre a causa de pedir – vide a título de exemplo, entre outros, o Acórdão do STJ de 28-09-2017, Proc. 580/13.0TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt e na mesma esteira veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 30-06-2015, Proc. 90/12.3TBVZL.C2, in www.dgsi.pt.
47. Assim, e sob pena de repetição, mas que urge reforçar-se, esta pseudo “questão fulcral de direito”, agora levantada pela recorrente, não pode ser conhecida, porque não foi invocada antes, além de que, no caso meramente hipotético de se considerar a sua admissibilidade nesta fase, teria sempre de improceder por uma absoluta inexistência de matéria factual alegada e provada que a pudesse sustentar!
48. Passemos, finalmente, à última, também, pseudo, “2. questão fulcral” e também pela primeira vez alegada em sede de recurso pela recorrente – aqui valendo o que se disse antes sobre a admissibilidade de questões desta natureza em sede de recurso, e que trata de saber se “incumbia, e, mais do que isso, se era exigência, para as rés analisar o local segurado, não só no início das apólices, como nas suas renovações.”
49. Após se ter procedido à discussão e à produção de prova sobre a matéria de facto alegada pelas partes, o Tribunal a quo fundou uma convicção séria, fundamentada de forma exaustiva, alegando “existência de uma situação de agravamento do risco de incêndio, relativamente aos bens seguros («seguro de incêndio – risco industrial») e, em consequência aos lucros cessantes («seguro de perdas de exploração»), sendo certo que se consideram muito relevantes as circunstâncias fundadoras de tal agravamento e reconhecendo-se que as seguradoras rés dificilmente aceitariam celebrar os contratos com cobertura de tal risco”, assim assistindo às “rés o direito de anulação dos contratos de seguro (ou direito de resolução ou direito a declarar sem efeito os seguros), ao abrigo do disposto nos arts. 429º e 446º do C.Com., com a inerente desvinculação, por parte das rés, da obrigação de regularização do sinistro”.
50. Como resulta dos nºs.26 a 35º das conclusões da recorrente, esta pretende reverter tal decisão alegando que era sobre as Recorridas que recaía o dever de inspeccionar o local seguro, para se certificar da veracidade das declarações prestadas pela Segurada/Tomadora do contrato aquando da celebração e das alterações dos contratos seguro ocorridas em 2001, de forma a que, o capital seguro, fosse determinado pelo valor de substituição dos bens, pois que se lhes impunha que “(…) a mesma averiguasse de moto próprio o local segurado, as condições do mesmo, a sua vetustez, não fosse mais para determinar o risco e impor o prémio condizente com o mesmo à segurada” – vide pág.53 das suas alegações.
51. E para comprovar que “as rés não fariam um seguro dessa jaez e com as condições cobertas sem um estudo exaustivo da empresa e das instalações da mesma”, - o que alega uma vez mais apenas e só agora – foi feito o pedido “desde logo na petição inicial e posteriormente na réplica (vide respectivos articulados), onde requer que as rés sejam notificadas para juntar aos autos, para além das apólices dos seguros e actas adicionais desde o início das mesmas, cópia dos questionários que a autora respondeu e precedeu o início das apólices, cópia dos preçários em uso relativamente ao contrato de risco de incêndio, cópia do relatório elaborado pelo seu sector de análise de risco e que precedeu a aceitação do contrato de seguro”.
52. Se a aqui Recorrida entende, a recorrente pretende que se conclua que as rés não podiam desconhecer as falsas declarações e as declarações inexactas que a autora prestou aquando da celebração do contrato e da sua alteração em 2001, porque nesse ano vistoriaram – ou pelo menos deviam tê-lo feito (daí não se perceber se foi feita a vistoria ou não na tese da autora) –razão pela qual requereram a junção da documentação descrita para provam desse facto.
53. Isto, por si só já é fantástico, mas é ainda ultrapassado de forma verdadeiramente extraordinário quando, a recorrente (alegadamente baralhando-se, mas comportando-se de forma intencional e de má-fé) se “esquece” que a junção de tais documentos foi de facto requerida, mas para questionar a forma de cálculo do valor da indemnização dos bens seguros: se pelo valor venal ou pelo valor de substituição – cfr. artº. 156º e seguintes da réplica.
54. No entanto, e sem prescindir, alega ainda a recorrente que a vistoria em causa foi feita em 2001, precisamente devido à alteração contratual assente no nº.40 dos Factos Provados da Sentença, da qual resultou o aditamento da cláusula especial 007 (substituição em novo de equipamento industrial) e da cláusula especial 006 (actualização convencionada de capitais), facto este que, conforme visto supra, ela própria pede para ser dado como não provado por Vossas Excelências! Ora, de forma que não pode deixar de ser intencional, ou pelo desespero em que anda, a recorrente olvida que a celebração dos contratos foi anterior a esta renegociação e alteração contratual feita em 2001, contemporânea da alegada (e imaginada pela recorrente) vistoria.
55. Provado que se encontra que, em data anterior a esta e “aquando da subscrição das apólices, a autora, ao contrário do declarado, não tinha implementado nas suas instalações fabris o sistema de prevenção e protecção contra incêndios, não possuindo sequer bocas-de-incêndio” – facto provado nº.37, que não foi impugnado pela recorrente no recurso apresentado, assim devendo ser dado definitivamente como assente!
56. Face ao teor literal desta factualidade incerta no nº.37 dos Factos Provados, que aquando da celebração do contrato, em data muito anterior à alegada vistoria realizada em 2001, a recorrente prestou FALSAS DECLARAÇÕES, e não apenas declarações inexactas, sobre factos essenciais para a determinação do risco seguro, ao declarar que tinha implementado sistema de prevenção e protecção contra incêndios, E
57. ainda resultando provado da matéria de facto provada que, sem margem para dúvidas, a Recorrida só teve conhecimento dessas falsas declarações aquando da investigação do incêndio e não em 2001 - vistoria realizada para outros fins e muito depois da celebração do contrato -, nenhuma razão poderá sequer vislumbrar-se de tamanha e atrapalhada pseudo “questão fulcral”.
58. Atente-se, por outro lado, aos factos provados nºs. 38º e 39º da sentença recorrida, não impugnados ou postos em crise no recurso da recorrente, pelo que devem ser julgados como definitivamente assentes e provados e que, assim, da conjugação desta factualidade provada nos nºs. 37, se comprova que a A/recorrente, aquando da celebração do contrato, mais do que declarações inexactas, prestou falsas declarações como segurada, ao declarar que tinha implementado um sistema de detecção e protecção contra incêndios inexistente, declarações estas que foram determinantes para a formação da vontade das Seguradoras/Recorridas aceitarem os seguros objecto dos autos, mas formada a partir de falsos factos/realidade e por elas totalmente ignorados!
59. Estamos perante uma situação em que “Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes, impedem a formação da vontade real da contraparte (a seguradora), dado que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados. 10ª - Para que a declaração inexacta ou reticência implique a desvinculação do segurador não é necessário que exista dolo do declarante, sendo comummente aceite que a “declaração inexacta”, a que se refere o artigo 429º do Código Comercial, abrange não só a declaração falsa feita com má-fé ou dolo, como também aquela que é produzida por via de mero erro involuntário. Igualmente, a “reticência”, isto é, a omissão de factos que servem para apreciar o risco, tanto pode derivar de má-fé, como de mera negligência”. – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 14-06-2010, Proc. 421/07.8TCFUN.L1-6, in www.dgsi.pt e, no mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 08-03-2012, Proc. 1808/07.1TBBRR.L1-8.
60. Por outro lado, nos contratos em geral, e em especial “no contrato de seguro, a boa fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas” - Ac. Relação de Lisboa, 15-04-2010, Proc. 421/07.8TCFUN.L1-6, anteriormente citado.
61. Desta forma, e em obediência ao princípio da boa-fé que impende sobre todas as partes contratantes, no momento da celebração dos contratos, era obrigação da recorrente não ter prestado falsas declarações sobre elementos essenciais para a avaliação do risco pela seguradora, como se encontra provado nos nºs.37 a 39 da sentença recorrida, deixando, assim, de actuar “com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.
3ª - Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato e, se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra – prestação da seguradora”. – cfr. acórdão anterior.
62. Seguindo o entendimento maioritário da jurisprudência, de que este acórdão é exemplo, “sempre que existam declarações inexactas por parte do tomador do seguro que, a serem conhecidas da seguradora, pudessem de alguma forma alterar as condições do contrato, ou ter mesmo influído na própria aceitação ou recusa do risco, a seguradora pode invocar a nulidade do contrato”.
63. Considerando o regime jurídico em vigor à data dos factos, a recorrente não só prestou falsas declarações aquando do momento da celebração do contrato – o que já se encontra definitivamente assente n os nºs. 37 a 39 da sentença – como também incumpriu com o dever de, na vigência do contrato, informar a seguradora de qualquer circunstância que alterasse, agravando, o risco seguro, como resulta do teor do art. 446º do C. Comercial. É o que resulta da factualidade provada nos nºs. 7, 9, 33, 34, 33, 34, 35 e 36 da sentença recorrida, respeitante a factos dos quais resulta o aumento do risco seguro, a partir de 2000.
64. Deve realçar-se, ainda, que “ Sobre a Seguradora não incide nenhum dever legal de contratar com qualquer pessoa que se lhe apresente para o efeito, sendo certo que, no caso dos autos, foi o segurado quem mentiu à ré, o que o colocou debaixo da alçada do regime do artigo 429.º do Código Comercial” - Acórdão da Relação de Lisboa de 23-09-2010, PROC. 1295/04.6TBMFR-6, in www.dgsi.pt.
65. O regime do artº.429º e 446º do C. Comercial que a Recorrida oportuna e tempestivamente invocou em sede de contestação, ao abrigo do nº2 do artº.287º do C. Civil, como supra se aludiu, deve manter-se, e assim mesmo toda a douta sentença recorrida, por fazer boa aplicação do direito à matéria de facto alegada e provada, apreciando as questões que as partes em sede de articulados colocaram livremente e na sua total disponibilidade à apreciação do tribunal, estando-lhe vedado, como pretende a recorrente, e sempre salvo melhor e douto entendimento em contrário, conhecer de factos e questões de direito apenas e só agora alegadas em sede de recurso!
C)-Da ampliação do objecto de recurso que a ré/Recorrida D... apresenta ao abrigo do disposto no Art. 636.º do CPCP, para prevenir a sua necessidade, caso o douto tribunal desta Relação resolva reconhecer razão aos argumentos ora esgrimidos nas alegações que a A/recorrente, daí se impugnar a decisão proferida sobre o 3.º Ponto da Matéria de Direito da douta sentença que, pese embora dar como provados os factos que infra se sublinharão, considerou que da conjugação das cláusulas dos contratos, e em perfeita harmonia com o disposto no regime do C. Comercial aqui aplicado, art.s 437.º, nº3 , 439.º, 441.º e 443.º, nº1, impunha-se às aqui seguradoras a demonstração de que o incêndio foi o resultado de uma acção humana intencional imputável ao segurado para poder afastar a obrigação de indemnizar a autora, a única forma de demonstrar que o sinistro está excluído do âmbito deste seguro.
I- Da existência de credores privilegiados:
1. Encontra-se provado na Matéria Assente, alíneas A) a E), vertidas na douta sentença, nos factos provados 1 a 5, o teor dos dois contratos de seguros subscritos pela autora/recorrente junto das rés em Co-Seguro, complementares entre si do Ramo de Incêndio e outros Danos (apólice ..../....../..) e o do Ramo Perdas de Exploração Pecuniárias Diversas, Perdas de Exploração (apólice ..../..../..), cujo âmbito, objecto e teores, a douta sentença resume no ponto 3., Do direito, pág. 38 e sgs, dando por integralmente reproduzidas ambas as apólices juntas a fls. 29 a 49 dos presentes autos.
2. Ora, decorre do teor da Apólice de Incêndio, uma Cláusula Particular em que as partes declaram a existência de entidades com interesses privilegiados nos contratos de seguros em causa, nas qualidades de credores privilegiados, credor hipotecário e credor preferente, que impõe como, não sendo possível qualquer pagamento de qualquer indemnização em caso de sinistro, sem as suas prévias autorizações, sendo essas entidades a Y... anexa ao T...; o Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social; o Z...; o AB... e, ainda, o AC..., na qualidade de credor preferente, interessado no seguro.
3. Face à existência nestes contratos destes credores privilegiados, credor hipotecário e credor preferente, que impõem como sendo obrigatório a sua permissão a qualquer alteração ou pagamento de qualquer indemnização e mesmo o direito de retenção sobre as importâncias das indemnizações do seguro, duvidas não restam que, a existir qualquer direito de indemnização por decorrência deste sinistro, a autora nunca seria a beneficiária de tais verbas indemnizatórias!
4. Conclusão essa sem entrar noutras questões que não foram nesta sede debatidas, porque não devidas, como são saber se, a esta data, estas entidades teriam também elas direito a receber quaisquer verbas indemnizatórias, atento o facto de se encontrar caducado o contrato de seguro, uma vez que se verificou a extinção do risco, entendida esta, sempre que se verifique a perda total do bem seguro e da cessão da actividade objecto do seguro, o que manifestamente ambas se verificaram no presente caso!
5. A douta sentença não se referiu a esta questão por ter, e bem, entendido que, neste caso, face aos factos provados sobre as várias questões das vicissitudes dos contratos de seguros (pontos 9, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39), assiste às rés o direito de anulação dos contratos de seguro (ou direito de resolução ou direito a declarar sem efeito os seguros) ao abrigo do disposto nos Art.s 429.º e 446.º do C. Comercial, sendo que, entende a ré/Recorrida que é este o momento de trazer à colação esta questão, caso Vossas Excelências entendam dar como procedente qualquer parte da matéria de facto e/ou de direito impugnada pela autora/recorrente nas alegações apresentadas, devendo, assim, por estas razões não ser devida qualquer indemnização à autora por decorrência deste sinistro.
II - Do enquadramento do teor da cláusula especial 007 com o teor do art. 5.º, nº1, alínea d):
1. A Cláusula Especial contratada para a apólice de incêndio, 007, respeitante à possibilidade de substituição dos equipamentos em novo, tem de ser integrada com o próprio teor restante do clausulado da referida apólice para cujo teor remete, designadamente, para o artigo 5.º, nº 1, alínea D), de onde consta que; “Em caso de sinistro, o capital seguro deverá corresponder ao custo em novo, deduzido da depreciação inerente ao seu uso e estado”, mas sempre com o tecto limite dos capitais máximos contratados e identificados/individualizados nas C. Particulares, nºs 1 e 2, da clausula especial 007 - “Tendo, no entanto, a indemnização como valor máximo que em qualquer caso poderá exceder o valor seguro para cada bem, nem pode exceder o capital seguro para o conjunto dos bens” – vide fls. 29 e seg.s e art. 40.º da contestação da aqui ré/Recorrida.
2. Encontrando-se provado que os bens destruídos no incêndio e que integravam o seguro de incêndio - risco industrial - se encontravam cobertos pelos valores descritos no facto provado nº 29, depois de tal Condição Especial (007) ter sido subscrita pela autora e assim aditada à referida apólice em 2001, tal significa que, em caso de haver lugar a indemnização pela sua destruição por causa de incêndio, a mesma teria obrigatoriamente de ter em conta a depreciação inerente ao seu uso e estado desses bens.
3. Esta explicação foi também apresentada de forma claríssima pela testemunha M... prestado no dia 29.03.2017, minutos 00:14:59, pág. 971 e 972 das transcrições em PDF que se junta para melhor consulta
4. Assim, tendo em conta que os referidos valores foram indicados em 2001 e se referiam a bens, equipamentos, com muita idade (recorde-se que o próprio legal representante da autora confessou que a máquina mais recente tinha sido comprada pela autora em 1992 e em segunda mão -pág. 73, minutos 01:32:08), necessário se tornaria, caso houvesse qualquer direito a indemnização, que se tivessem de apurar os valores de cada um daqueles bens seguros com base nestas regras constantes da Cláusula Especial 007 e do Art. 5.º, nº1, alínea d) da Apólice,
5. Prova essa, que incumbia à autora fazer e que não conseguiu realizar nos presentes autos, razão pela qual nenhum valor lhe poderia também vir a ser atribuído por decorrência da falta de preenchimento dos pressupostos obrigatórios previstos nesta cláusula especial para a sua aplicação.
III – Não preenchimento da definição de sinistro de incêndio consagrada nas presentes apólices:
1. Foi celebrada entre a autora e as rés, sob a denominação «Seguro de Incêndio – Risco Industrial», titulado pela apólice ..../....../.., tendo como local de risco as instalações fabris da autora sitas na Rua ..., Vila Nova de Gaia, tendo como bens seguros, e respectivos valores, os que constam da apólice, cobrindo os riscos de “incêndio, raio e explosão” e tendo sido subscrita, inicialmente, a condição especial 008 (Desconto por Sistemas de Prevenção/Protecção contra Incêndios) e, em 2001, a condição especial 006 (Actualização Convencionada de Capitais) e a condição especial 007 (Valor de Substituição - Equipamento Industrial), e seguro de perdas de exploração / lucros cessantes como base de garantia o “valor seguro como lucro bruto anual o valor de € 49.875,79, como período de indemnização “6 meses” e cobrindo os riscos de “incêndio, raio e explosão”, nos termos que constam das «condições particulares» e das «condições gerais e especiais» insertas, respectivamente, nos documentos juntos a fls. 42 e 43 e 44 a 49 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido).
2. A este sinistro aplicar-se-á, não a LCS (que ainda não se encontrava em vigor), mas sim as normas do Código Comercial de 1888 que regulavam o «seguro contra fogo», mas que não continham uma noção de tal seguro, apesar do teor dos arts. 437°, § 3° e 443°, § 1°, sendo entendida pela jurisprudência como aquela que protege a expectativa de quem contrata o seguro de incêndio, em que os danos causados por incêndio estariam cobertos se não tivessem sido causados dolosamente pelo segurado ou por pessoa por quem seja civilmente responsável.
3. De tudo isto fica-nos as seguintes certezas: que ao abrigo do regime do C.Com. de 1888, no âmbito dos seguros de incêndio, se entendia que os danos causados por incêndio estariam cobertos caso não tivessem sido causados dolosamente pelo segurado ou por pessoa por quem seja civilmente responsável devendo, também, sempre atender-se ao clausulado concreto do contrato deste seguro de forma a se apurarem as situações que estarão excluídas do âmbito do seguro de incêndio, designadamente, (i) aquelas que não se enquadrem na noção de incêndio atrás referida, (ii) as que ultrapassem as coberturas previstas na lei e (iii) os riscos que sejam expressamente excluídos as partes nas condições contratuais.
4. Conforme estipulado no «Seguro de Incêndio - Risco Industrial, no art. 4º (“Exclusões”), na alínea e) do seu nº 1 estabelece que “não ficam garantidos, em caso algum, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pela presente Apólice, os prejuízos que derivem, directa ou indirectamente, de actos ou omissões dolosas do Tomador de Seguro, do Segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis”.
5. Já no seguro de perdas de exploração/lucros cessantes, temos o artigo 1º (“Definições”) que contém várias definições, tais como, «Sinistro» (qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisto susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato), «Período de Indemnização», «Volume de Negócios» e «Apólices de Danos Materiais Directos», e o artigo 4º (“Exclusões”) estabelece que “para além das exclusões estabelecidas na apólice de danos materiais directos, referida no Artigo 3º - Garantias do Contrato - e identificada nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos do âmbito do presente contrato: e) Acções ou omissões dolosas do Tomador de Seguro, do Segurado ou de pessoas pelas quais eles sejam civilmente responsáveis, ou ainda quando praticadas com as suas cumplicidades”.
6. Encontrando-se ambos os seguros co-relacionados entre si, sendo o de perdas de exploração dependente da prévia e/ou simultânea contratação do de danos, incêndio, o âmbito de aplicação ao caso/sinistro de incêndio, deverá ser balizado entre: 1.º a definição de incêndio consagrada na apólice de danos materiais (incêndio); 2.º a exclusão taxativamente imposta nesta apólice para quando as circunstâncias do incêndio derivarem, quer directa, quer indirectamente, de actos dolosos do segurado, tomador e/ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis; 3.º a definição de sinistro consagrada no art. 1.º da apólice de Perdas de Exploração (contrato cujas garantias ficam circunscritas aos riscos que se encontrem garantidos numa apólice de danos materiais directos, contratada simultânea ou antecipadamente e identificada nas Condições Particulares, a de danos materiais, do incêndio).
4.º E as exclusões previstas taxativamente no art. 4.º da apólice de perdas de Exploração que, para além das consagradas no contrato de incêndio, consubstanciem Acções ou omissões dolosas do Tomador de Seguro, do Segurado ou de pessoas pelas quais eles sejam civilmente responsáveis, ou ainda quando praticadas com as suas cumplicidades”.
7. Face ao supra exposto, temos de saber: se o sinistro, incêndio, que aqui autora reclama, se integra naquela definição, de ter sido um acontecimento de caracter súbito e imprevisto, de carácter fortuito, que possibilite accionar as garantias e coberturas dos contratos; se se verificaram aqui acções ou omissões dolosas do Tomador de Seguro, do Segurado ou de pessoas pelas quais eles sejam civilmente responsáveis, e confirmar-se, se estas situações se enquadram dentro do que o regime do C. Comercial de 1888 entendia como devendo encontrar-se seguro nestes seguros de incêndio (no âmbito dos seguros de incêndio, entendia-se que os danos causados por incêndio estariam cobertos se não tivessem sido causados dolosamente pelo segurado ou por pessoa por quem seja civilmente responsável).
8. Atento o facto de não se encontrarem definidos na apólice os conceitos supra, resulta do dicionário Português que “súbito” se refere a um evento imprevisto, inesperado, súbito; “fortuito” a um evento casual, acidental, inopinado e “imprevisto” a um evento não previsto, não antecipado, inesperado, inopinado.
9. Já para a actuação dolosa encontramos consagrada na lei, doutrina e jurisprudência como sendo a actuação cujo elemento subjectivo geral do tipo de ilícito (doloso), resulta no conhecimento prévio da possibilidade de o evento vir a ocorrer, em que o agente a representa como consequência possível, mas conforma-se com isso – vide, entre muitos, o douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 04.03.2009, Proc. 1184/08.5TBCBR.C1, in www.dgsi.pt, e douto Acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2012, Proc. 153/11.3 PATNV.C1.
10. O dolo significa, assim, conhecer e querer os elementos objectivos pertinentes do tipo legal, sendo que o conhecimento deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente em que o autor deve prever, ademais, nos seus rasgos essenciais, os elementos típicos futuros, especialmente, o resultado e a relação causal. O dolo deve referir-se também às circunstâncias que tornam o caso especialmente grave (casos de agravação punitiva). Na modalidade de dolo eventual integra-se pela vontade de realização concernente à acção típica (elemento volitivo do injusto da acção), pela consideração séria do perigo de risco de produção do resultado (factor intelectual do injusto da acção) e em terceiro lugar por o autor se conformar com a produção do resultado ilícito como facto de culpabilidade”. E é precisamente este último ponto que distingue o dolo eventual da negligência consciente definida no artigo 15.º, alínea a) do C. Penal.” – in www.dgsi.pt,
11. Ora, analisados os factos provados infra transcritos, documentos/relatórios dos bombeiros, da Câmara Municipal e Peritagem dados como assente, e ouvidos os depoimentos das testemunhas como a N... (minutos 00:33:27; 00:45:25; 00:48:15; 00:53:43; 01:02:16; 01: 02:40; 01:03:57; e 01:09:30), e do depoimento da D. AD... (minutos 00:01:51 a 00:02:44; 00:20:56 a 00:21:25; 00:28:36 a 00:32:15; 00:32:38 a 00:34:19 e 00:42:18 a 00:43:46), de entre quase todas as demais testemunhas cujos depoimentos não se transcrevem para não se estender ainda mais este recurso, resulta mais do que provado o conhecimento sobre a iminência e actuação do legal representante sobre a possível ocorrência de um incêndio a qualquer momento.
12. Assim, definidos tais conceitos, considerando os documentos assentes, depoimento supra frisados e atendendo aos factos provados 7, 9, 17, 18, 19, 20, 33, 34, 35, 36 e 37, resulta à saciedade que tudo se subsume àquelas definições e/ou circunstancias de forma a que, sem qualquer dúvida, se retira que o presente sinistro não se encontra coberto, por se verificarem as circunstâncias excludentes vertidas no contrato e na lei à data aplicável. O sinistro em causa, não teve um carácter súbito, não foi um evento imprevisto e fortuito, nem consubstanciou num evento “não antecipado”, “não previsto” ! Era um evento previsível de ocorrer a qualquer momento!
13. Era à A/recorrente a quem cabia a prova de que o incêndio em causa teve um carácter fortuito, súbito e imprevisto, por serem factos constitutivos do direito à indemnização que reclama ao abrigo do contrato de seguro, pelo que ao abrigo do artº.342º do C. Civil, incumbia-lhe o ónus de provar o carácter súbito, mas também imprevisível do incêndio, o que não logrou alcançar, assim se trazendo à colação as conclusões do Acórdão da Relação de Coimbra, de 09/01/2018, Proc.825/15.2T8LRA.C1, in www.dgsi.pt. Não tendo a autora provado tal caracter fortuito/imprevisto e súbito, pelo contrário pois, da prova produzida, transcrita dos factos provados supra, resultou a prova de o incêndio ter sido a consequência de uma actuação verdadeiramente dolosa da autora/recorrente de pelo menos 3 anos antes à sua verificação, tais factos impedem o direito indemnizatório que a autora/recorrente vem pelos presentes contratos reclamar.
14. A RÈ/recorrente não pode, assim, perfilhar e aceitar o entendimento do douto tribunal a quo quando, pese embora dar como provados os factos supra, considerou que da conjugação das cláusulas dos contratos, que se encontram em perfeita harmonia com o disposto no regime do C. Comercial aqui aplicado, art.s 437.º, nº 3, 439.º, 441.º e 443.º, nº 1, é ao segurador, aqui rés, a quem impunha a demonstração de que o incêndio foi o resultado de uma acção humana intencional imputável ao segurado! Não é o que resulta da letra daqueles dispositivos legais nem do entendimento que a doutrina e jurisprudência faziam do regime do C.Com. de 1888, no âmbito dos seguros de incêndio, quando entendiam que os danos causados por incêndio estariam cobertos se não tivessem sido causados dolosamente pelo segurado ou por pessoa por quem seja civilmente responsável!
15. E também não é o que resulta, salvo sempre o devido e muito respeito pela decisão encontrada pelo tribunal a quo (da qual se concorda quase na totalidade, à excepção deste entendimento e do entendimento de que o incêndio destes autos não foi casado de forma intencional), da jurisprudência de que se socorre: o Acórdão da Relação de Lisboa citado, de 02.04.20009 refere taxativamente que o segurador deve também assumir (para além dos casos fortuitos e de força maior), os casos em que os danos em caso de incêndio provenham da negligência e da imprudência do próprio segurado,
16. sendo que o douto acórdão Ac. RP de 25/06/2013, considerou que a cobertura do risco de incêndio, foi pensada para todas as perdas e danos que sofra o objecto segurado devido a caso fortuito ou de força maior e para os casos em que a negligência e a imprudência (do próprio segurado)!
17. As rés lograram provar as circunstâncias de exclusão consagradas nas apólices em análise, cumprindo o regime à data aplicável do C. Comercial, art.s 437 e 441.º - vide o artigo 1º sinistro (“Definições”); do artigo 4º (“Exclusões”), estabelece que “para além das exclusões estabelecidas na apólice de danos materiais directos, referida no Artigo 3º - Garantias do Contrato - e identificada nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos do âmbito do presente contrato: e) Acções ou omissões dolosas do Tomador de Seguro, do Segurado ou de pessoas pelas quais eles sejam civilmente responsáveis, ou ainda quando praticadas com as suas cumplicidades” in casu, ambas se aplicam, por provadas: a primeira pela negativa (este incêndio não se caracteriza por ser de caracter imprevisto nem súbito), e a segunda pela positiva (da actuação dolosa do segurado) porque, face às circunstâncias que resultam dos facos provados, a ocorrência do incêndio era mais do que previsível, razão pela qual tal sinistro em causa nos autos (incêndio), não se encontra coberto pela garantia dos seguros de «incêndio» e de «perdas de exploração».
18. Assim sendo, quanto a este entendimento de direito constante no ponto 3 da douta decisão, deverão Vossas Excelências revogar a douta decisão, tendo em consideração os factos que supra se expuseram e de onde decorre à saciedade que os mesmos se subsumem, quer nas definições e exclusões consagradas nos contratos aqui em discussão, quer dentro do entendimento que doutrinal e jurisprudencialmente se retirava do regime do C. Comercial sobre quando e como deveriam, ou não, serem indemnizados os danos decorrentes de um incêndio, regime esse aqui aplicável, e assim considerar que o sinistro em causa nos autos (incêndio), não se encontra coberto pela garantia dos seguros de «incêndio» e de «perdas de exploração».
Termos em que, e por tudo o mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o Recurso apresentado pela /recorrente ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, ou, caso Vossas Excelências considerem dever atender a alguma das razões invocadas pela autora/recorrente, o que só por manifesto dever de patrocínio se equaciona, devem Vossas Excelências atender a todos os pontos cuja análise e alteração da douta sentença (Ponto 3 do direito) a aqui ré/recorrida apresentou supra no âmbito da ampliação do objecto do recurso, que determinam decisão nos termos e com os fundamentos supra expostos pela aqui ré/recorrida.
A recorrida E... também apresentou resposta às alegações, impugnando as conclusões da recorrente e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
I. Se a sentença enferma de nulidade:
II. Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
III. Se as rés apenas invocaram o vício do contrato na contestação e isso tem consequências para o conhecimento do vício.
IV. Se por não terem sido comunicadas adequada e efectivamente devem considerar-se excluídas do contrato algumas cláusulas.
V. Se as rés tinham a obrigação de analisar o local objecto do seguro para fazerem a avaliação e reavaliação do risco.
VI. Se o direito das rés de invocarem a anulabilidade dos contratos caducou pelo decurso do prazo de um ano em que tinham de o fazer.
VII. Se a actuação das rés enforma de abuso do direito.
VIII. Se o incêndio é imputável ao segurado em termos de excluir a responsabilidade das seguradoras.

III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A autora celebrou com a ré D..., SA e Companhia de Seguros G..., SA, dois contratos de seguro, complementares entre si: o contrato do Ramo Incêndio e outros Danos, Risco Industrial, titulado pela Apólice ..../....../..; o contrato do Ramo Perdas Pecuniárias Diversas, Perdas de Exploração, titulado pela Apólice ..../..../...(A)
2. Contratos esses celebrados em regime de co-seguro, sendo que a primeira ré é a Líder, tendo assumido uma responsabilidade de 66,76% e, a BG..., de 33,23%.(B)
3. A Chamada H... – Companhia de Seguros, SA resultou da fusão por incorporação da Companhia de Seguros G..., SA e G1..., Companhia de Seguros, SA na Companhia de Seguros AE..., com sede na Avª ..., ., Lisboa e matriculada sob o nº 1609 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.(C)
4. Em resultado dessa fusão publicada no Diário da República nº 291, III Série de 19-12-00, com a correspondente incorporação da universalidade dos bens, direitos e obrigações que constituem o património daquelas, sucedeu-lhes a H...- Companhia de Seguros, S.A.(D)
5. A Líder, em consequência das responsabilidades decorrentes das apólices, incumbiu a empresa J..., Lda. de averiguar as circunstâncias em que o sinistro ocorreu e a quantificação dos prejuízos dele decorrentes, tendo esta iniciado os respectivos trabalhos em 15-3-2003.(E)
6. Nos autos de inquérito que correu termos pela Delegação de Vila Nova de Gaia com o n.º 1148/03.5 TAVNG, concluiu o Digno Magistrado pelo arquivamento dos autos.(F)
7. Em 2002 a autora foi alvo de uma inspecção por parte da C.M. de ..., tendo sido proposta a cessação da actividade, devido ao estado das instalações, tendo solicitado a continuação da actividade, em reclamação efectuada, em 13 de Janeiro de 2003, tendo dado entrada em Tribunal uma acção contra os senhorios, para execução das obras que lhes incumbem.(G)
8. A 1 ª ré, na qualidade de Líder e, responsável pela regularização do sinistro, comunicou à autora por correio de 26/7/2004 que, "Por não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe, vimos por este meio comunicar-vos que declinamos toda e quaisquer responsabilidade pelas consequências do incêndio ocorrido em 14 de Março de 2003 nas vossas instalações sitas na Rua ..., .../..., em Vila Nova de Gaia".(H)
9. Nos autos de inquérito referidos na alínea F) dos factos assentes consta que “C..., sócio gerente da firma B..., Lda. declarou que as instalações ardidas estão arrendadas desde 1963 à Sra. AF..., sua senhoria. Que devido ao estado do edifício, quer junto da C.M. de ..., quer junto da senhoria, solicitou a realização de obras de conservação, dado o telhado deixar entrar água, que afecta todo o sistema eléctrico, caindo água em cima das máquinas, o que, por via disso, causa grave risco de incêndio. Tal solicitação foi enviada através de carta registada, datada de Abril de 2000, nunca tendo tido qualquer resposta” (teor do documento junto a fls. 50 a 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).(I)
10. A autora, sociedade comercial que tem por objecto a indústria de reparação, transformação e recuperação de desperdícios de algodão e de fibras artificiais e sintéticas, possuía um estabelecimento fabril (onde exercia a sua actividade industrial), instalado em edifício arrendado, sito na Rua ..., nº ..., em Vila Nova de Gaia.
11. No dia 14 de Março de 2003, algum tempo depois das 20h e 30m, deflagrou um incêndio nas instalações fabris da autora, com reacendimento três dias depois.
12. Tal incêndio, que à chegada dos bombeiros era denso, emergindo as chamas da totalidade do estabelecimento, destruiu as instalações da fabris da autora (ficando sem tecto e pavimento, salvando-se apenas as paredes laterais da área fabril), com excepção da zona da entrada, por baixo das habitações, não sendo igualmente atingidas as habitações e o estabelecimento comercial de venda de aves, também existentes, respectivamente, no primeiro andar e no rés-do-chão do edifício.
13. O incêndio foi combatido por três corporações de bombeiros (Bombeiros Sapadores de ..., Bombeiros Voluntários AG... e Bombeiros Voluntários AH...), que deslocaram para o local substanciais meios, materiais e humanos, de combate a incêndios, tendo sido utilizados, nomeadamente, linhas de água de alta pressão, e tendo iniciado as operações de combate ao incêndio cerca das 21h e 30m (com especial incidência na zona da entrada da fábrica, a fim de proteger as habitações que se encontravam na parte superior, e depois por toda fábrica), e terminado cerca das 2 horas do dia seguinte, permanecendo no local uma equipa de bombeiros em missão de prevenção.
14. A autora interrompeu a normal laboração da fábrica nos dias 13 e 14 de Março de 2003, tendo laborado apenas da parte da manhã no dia 13 e não tendo laborado no dia 14.
15. No dia 14 de Março, ao final da tarde, procedeu-se à reparação e afinação de uma guilhotina nas instalações fabris da autora.
16. Na extremidade oposta à da entrada da fábrica da autora situava-se o armazém de retém de grandes quantidades de matérias-primas, altamente inflamáveis, e os cones em plástico para acondicionamento de fios.
17. A fábrica não se encontrava apetrechada com sistema de extracção de pós.
18. O tecto da fábrica era constituído por travejamento de madeira e soalho antigo, em estado avançado de degradação, sendo que a cobertura era feita com asnas e madres de madeira coberta com telha sem outra protecção.
19. Naquelas madeiras encontrava-se depositada grande quantidade de “cotão”, como é próprio desta indústria.
20. A destruição do travejamento do tecto provocou a queda das peças de madeira antiga, nomeadamente, sobre o local onde se encontravam matérias-primas altamente inflamáveis.
21. A autora deu conhecimento da ocorrência do incêndio às rés, por carta de 17/03/2003.
22. A empresa J..., Lda. vistoriou as instalações da autora.
23. O perito da J..., Lda. solicitou ao legal representante da autora que comparecesse às reuniões agendadas com vista ao fornecimento de informações e documentos, tendo-se aquele frequentemente esquivado às mesmas, e quando apareceu, fê-lo na presença do seu advogado e sem se fazer acompanhar dos elementos solicitados.
24. Os pedidos efectuados pelo referido perito pretendiam a concretização discriminada dos prejuízos sofridos (com indicação dos respectivos valores) e o fornecimento dos elementos contabilísticos (inventários físicos, modelo 22 do IRC e Anexos A dos anos de 2000 a 2002, declarações do IVA do mesmo período e ainda de Janeiro de 2003, cópias das facturas de compra e venda) e propostas de fornecimento para substituição dos equipamentos afectados.
25. Nunca tais elementos foram entregues pela autora, seu representante, contabilista e/ou advogado, apesar das várias e prolongadas insistências verbais e escritas levadas a cabo pela J..., Lda. e pela ré D....
26. A autora nunca forneceu à ré os elementos que possibilitassem a determinação do seu volume bruto anual e/ou critérios do apuramento do volume de negócios.
27. O incêndio provocou a destruição da quase totalidade da fábrica, da quase totalidade dos equipamentos aí instalados e bem assim das matérias-primas e produtos acabados.
28. Dos bens que integravam a protecção do seguro de risco industrial apenas se salvaram a viatura Iveco (de matrícula ..-..-BT) e o empilhador/monta cargas Toyota.
29. Os bens destruídos no incêndio e que integravam o seguro de incêndio – risco industrial, encontravam-se cobertos pelos seguintes valores: Compressor: 100.000$00; Prensa hidráulica: 4.000.000$00; Instalação eléctrica: 2.500.000$00; Acessórios e sobressalentes para máquinas: 1.000.000$00; Móveis, mobiliário de escritório e impressos: 400.000$00; Máquina Carda Automática “Sacfen”: 10.000.000$00; Rama acrílica, Nylons, Rama poliéster, fios e desperdícios: 10.000.000$00; Máquina esfarrapadeira “Garnet” mod. 2340: 10.000.000$00; Guilhotina: 7.000.000$00.
30. O lucro anual considerado no seguro de perdas de exploração ascendia, no ano de 2003, ao valor de € 49.879,79.
31. A autora solicitou à ré D... adiantamentos monetários para substituição de equipamentos, o que foi recusado por esta.
32. Pouco tempo antes do incêndio, a autora foi notificada pelo Fisco para pagar uma dívida fiscal, relativa aos exercícios económicos de 1998, 1999 e 2000, cujo montante ascendia a cerca de € 400.000,00, tendo a autora contestado esta dívida, por entender não ser devido tal valor, com consequente redução substancial do valor da mesma, em sede de procedimento de revisão de dívida de IRS e IVA.
33. Desde o ano de 2001, a autora começou a descurar regras de segurança na laboração da fábrica, procedendo ao acondicionamento dos fardos a granel, deixando de fazer limpeza às instalações, com a inerente acumulação de cotão, e deixando lâmpadas acesas durante a noite na fábrica.
34. As más condições do edifício e de laboração da fábrica motivaram a queixa que, em Julho de 2002, os moradores e vizinhos da fábrica fizeram à Câmara Municipal ..., conduzindo a que, na sequência da vistoria efectuada pela autarquia gaiense, em sintonia com os bombeiros, determinada por aquela queixa, a Câmara Municipal ... tenha fixado um prazo à autora para cessar a laboração da fábrica naquele local, ainda antes da ocorrência do incêndio, decisão que a autora impugnou.
35. A autora tinha conhecimento do estado do edifício, da afectação do sistema eléctrico e do grave risco de incêndio, descritos na alínea I) dos Factos Assentes, sabendo também ter sido essa a razão que determinou, meses antes do incêndio, o encerramento da fábrica (após vistoria da Câmara Municipal, através dos bombeiros).
36. A autora tinha recebido ordem administrativa, emitida pela Câmara Municipal ..., para cessar a sua laboração no local, facto que subtraiu ao conhecimento das rés seguradoras.
37. Aquando da subscrição das apólices, a autora, ao contrário do declarado, não tinha implementado nas suas instalações fabris o sistema de prevenção e protecção contra incêndios, não possuindo sequer bocas-de-incêndio.
38. Facto que só veio ao conhecimento da ré D... aquando da investigação do incêndio, tendo a autora beneficiado durante anos de uma redução substancial do prémio dos seguros, no pressuposto errado da existência daquele sistema de prevenção e protecção.
39. Se a ré soubesse da inexistência daquela sistema de prevenção e protecção contra incêndios, não teria celebrado os contratos ou, se nessas condições o viesse a celebrar, teria sido acordado um substancial acréscimo do prémio de seguro.
40. A corretora «AI..., Lda.», em representação da autora, negociou com as seguradoras uma alteração dos contratos de seguro, com aditamento, além do mais, da cláusula especial 007 (substituição em novo de equipamento industrial) e da cláusula especial 006 (actualização convencionada de capitais).
41. As seguradoras aceitaram a alteração do contrato de seguro, nomeadamente, que o capital de seguro fosse determinado pelo valor de substituição e, em consequência, a anuidade de 2001 e as seguintes do prémio foram calculadas e recebidas de acordo com tal forma de cálculo do valor seguro.
42. A autora não forneceu à ré o custo em novo dos equipamentos seguros.
43. A autora não forneceu à ré os elementos que atestassem que os equipamentos seguros tinham idade igual ou inferior a 10 anos contados a partir de 31 de Dezembro do seu ano de fabrico.
44. A autora não deu conhecimento à ré que era sua intenção proceder à substituição dos seus equipamentos a colocar em novo local, nem onde se situava este novo local.
45. Nem deu a saber que o pretendia fazer no mesmo local.
46. A autora não iniciou os trabalhos de substituição ou reparação com razoável rapidez, nem, muito menos, os deu por concluídos dentro dos 12 meses após a destruição.
47. A autora não deu conhecimento às seguradoras de revisões dos capitais seguros, em resultado de reavaliação dos bens seguros e/ou de inclusão de novas aquisições patrimoniais, benfeitorias ou beneficiações.

IV. O mérito do recurso:
A] da nulidade da sentença:
A recorrente sustenta que a sentença recorrida é nula por o tribunal não ter julgado um facto que constava da base instrutória e que é importante para a decisão de mérito.
O artigo 615.º do novo Código de Processo Civil, aplicável aos autos nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, qualifica como causas de nulidade da sentença, além de outras, as seguintes situações: a) falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
O artigo 607.º do mesmo diploma, relativo ao conteúdo da sentença, estabelece que: i) a sentença contém os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; ii) na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
Esta norma está em consonância com o disposto no artigo 154.º segundo o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados por uma das partes.
Em função destas disposições deve distinguir-se entre falta de fundamentação de facto da sentença e insuficiência da matéria de facto constante da sentença. A primeira situação gera a nulidade da sentença, com as consequências inerentes a esse vício e ao modo de o sanar. A segunda situação não inquina a sentença e gera apenas a necessidade de proceder à ampliação da matéria de facto por determinação da Relação quando a parte logre convencê-la dessa necessidade.
Na verdade, as normas citadas não indicam que a decisão sobre o que o tribunal julga provado e não provado deva abranger a totalidade dos factos alegados, ou seja, que o tribunal se deva pronunciar, necessariamente, isto é, sempre, sobre todos os factos alegados, independentemente do seu interesse ou relevância para a decisão de mérito ou mesmo da sua natureza meramente instrumental, não lhe sendo facultada a possibilidade de se pronunciar apenas sobre os factos que o próprio tribunal considera relevantes.
Seria uma inutilidade obrigar o tribunal a pronunciar-se sobre a totalidade dos factos alegados por ambas as partes, mesmo que se tratem de factos sem qualquer relevo para as questões de mérito ou de factos meramente instrumentais ou acessórios e alegados apenas para contextualizar a alegação fundamental, ainda que à revelia daquele que deve ser agora o conteúdo dos articulados.
Para evitar essa inutilidade, vedada pelo artigo 130.º do novo Código de Processo Civil, deve reconhecer-se ao julgador a faculdade de seleccionar, de entre os factos alegados, aqueles que interessam e são necessários para a decisão de mérito a proferir.
A ser assim, como nos parece, uma decisão de 1. Instância que se pronuncia apenas sobre parte dos factos alegados, julgando uns provados e outros não provados, por entender que a boa decisão da causa não depende de outros, não padece de nulidade por não se ter pronunciado também sobre os demais factos alegados.
A nulidade por falta de fundamentação de facto apenas ocorre quando se constata que para decidir alguma das questões de direito que ao tribunal cumpre decidir faltam na sentença os factos necessários, indispensáveis e, portanto, a decisão que venha a ser proferida carece de suporte factual, radicará em formulações jurídicas sem estar enunciado o respectivo pressuposto de facto.
Fora dessa situação, digamos extrema, o que pode suceder é a parte entender que foram alegados outros factos relevantes e recorrer da decisão da matéria de facto, com base na insuficiência da mesma, procurando convencer o Tribunal ad quem do interesse e importância desses outros factos sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou.
Se a matéria que não foi objecto de julgamento pelo tribunal recorrido for irrelevante para o conhecimento do mérito da acção, aquela situação não constitui sequer uma falha relevante, sendo possível à Relação avançar sem mais para o julgamento do recurso.
Ao contrário, se o Tribunal ad quem reconhecer o interesse dessa matéria colocam-se-lhe duas hipóteses alternativas: i] se o processo fornecer todos os elementos probatórios para julgar os novos factos, o tribunal ad quem, ao abrigo do disposto nos artigos 662.º, nº 1 do novo Código de Processo Civil, pronuncia-se sobre os mesmos em conformidade com esses meios de prova, alterando eventualmente a matéria de facto; ii] se o processo não fornecer todos os elementos probatórios necessários para julgar os novos factos, o tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do novo Código de Processo Civil, tem de anular a decisão proferida em 1. instância e determinar a repetição do julgamento para resposta aos novos factos.
Assim, existe falta de fundamentação de facto da sentença, gerando a nulidade desta, nos casos em que a sentença não exibe os factos (leia-se, provados) em se baseia a solução jurídica levada à decisão. Ao invés, se da sentença constam os factos a que a decisão fez aplicação do direito, não falta aquela fundamentação nem a sentença é nula.
Se a fixação da matéria de facto, que incorpora a sentença mas constitui um momento prévio à fundamentação de facto da sentença padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, segue-se o regime do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, cabendo à parte interessada, no recurso da sentença, o ónus de impugnar a decisão da matéria de facto e sustentar a presença desses vícios. A parte pode ainda arguir a necessidade de proceder à ampliação da matéria de facto (julgada provada) argumentando que para além dos factos que a decisão recorrida julgou provados existem outros que são indispensáveis para o conhecimento do mérito (parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º).
Confrontada com essa arguição (ou mesmo oficiosamente, designadamente no caso da ampliação), a Relação só pode anular a decisão se não tiver à sua disposição todos os meios de prova que lhe permitiriam sanar, por si mesma, a deficiência, obscuridade, contradição da decisão ou a insuficiência da matéria de facto.
Nos demais casos (o vício é um desses, mas a Relação tem à sua disposição todos os meios de prova; o vício é a falta de fundamentação) a Relação não pode anular a decisão da 1. instância, cabendo-lhe sanar ela mesma o vício, excepto se se tratar de falta da “devida” fundamentação caso em que poderá ordenar à 1. instância que acrescente a fundamentação em falta, prosseguindo depois com o conhecimento do objecto do recurso.
Improcede por isso a nulidade da sentença.

B] impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente deduziu impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Na resposta às alegações a recorrida sustenta que não se mostram cumpridos os requisitos legais dessa impugnação devendo a mesma ser rejeitada.
Nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, querendo impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
É pois necessário que o recorrente individualize os factos que estão mal julgados, especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, indique o sentido da decisão a proferir (requisitos universais) e, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, precise as passagens da gravação do depoimento que tal hão-de permitir (requisito eventual, apenas aplicável se a impugnação se fundamentar em prova por depoimentos).
Servindo as conclusões das alegações de recurso para delimitar as questões colocadas à apreciação do tribunal de recurso, é também nelas que se devem mostrar cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando essa é, por vontade dos recorrentes, uma das questões suscitadas ao tribunal de recurso, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte.
A única excepção a essa exigência (de cumprimento dos requisitos da impugnação nas conclusões das alegações) tem lugar em relação à indicação das passagens da gravação, na medida em que essa indicação serve apenas o objectivo de auxiliar o tribunal de recurso a localizar os segmentos dos depoimentos que o recorrente assinala e pretende que sejam reavaliados e já não o objectivo de delimitar os meios de prova em que o recorrente funda a sua discordância com a decisão da 1. instância que é o sentido último do estabelecimento de requisitos legais específicos da impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que o requisito deve considerar-se preenchido ainda que essa indicação conste apenas do corpo das alegações de recurso e não tenha sido levado às respectivas conclusões.
Seguindo este entendimento, afigura-se-nos que se mostram cumpridos os requisitos da impugnação porquanto nas conclusões das alegações a recorrente indica com clareza quais são os pontos com cuja decisão está em desacordo, o modo como devem ser decididos e os meios de prova que fundamentam a impugnação, sendo certo que nos casos em que se trata de prova testemunhal no corpo das alegações de recursos são transcritos segmentos dos depoimentos.
Como assim, nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente começa por impugnar, em conjunto, a decisão sobre os pontos 18, 33 e 35, reivindicando que os mesmos sejam julgados não provados.
É fácil de ver que os meios de prova indicados para fundamentar essa alteração são absolutamente imprestáveis para alterar a decisão sobre os pontos 33 e 35 porquanto quer os dois documentos mencionados quer o depoimento de I... só têm utilidade em relação à factualidade do ponto 18, não se alcançando sequer como pode a recorrente defender a não prova dos facto do ponto 35 face ao que se encontra provado nos pontos 7 e 9, factos estes que inclusivamente estavam já assentes por acordo das partes.
A propósito do facto do ponto 18, afirma-se o seguinte na motivação da decisão recorrida sobre a «alegação da autora no sentido de que foram feitas obras na fábrica»:
«Em primeiro lugar, cumpre referir que várias das circunstâncias que confirmam o aumento do risco de incêndio não têm que ver com a realização ou não realização de obras, mas antes com a forma de laboração da fábrica e/ou com a prática de actos que potenciam o risco de incêndio (como a ausência de limpeza ou deixar luzes acesas durante a noite). Em segundo lugar, aceitando-se que as obras foram realizadas (levando-se em consideração a factura junta a fl. 2081 dos autos e o depoimento da testemunha I... [pessoa que assumiu ter feito os trabalhos referido na factura, afirmando também que tal factura foi paga e que tais trabalhos foram feitos ao longo do ano de 2002, sem parar a laboração, com excepção do Verão, em que mexeram no telhado, afirmando também que não mexeu na parte eléctrica e que, na data da factura – 14/11/2002 – os serviços já estavam prestados, sendo curioso que a vistoria dos bombeiros, que atestou a falta de condições de segurança até ocorreu em data muito próxima àquela]), cumpre referir que as mesmas de pouco adiantaram (a testemunha AJ..., por exemplo, referiu que as obras que viu constituíam meros arranjos, não existindo obras de fundo; a testemunha I... referiu que a fábrica estava muito mal antes das obras e que, apesar das obras, havia muito a fazer para melhorar as condições, aceitando que, no interior, as obras não foram significativas [apenas uma casa de banho]), uma vez que parte das diligências levadas a cabo com vista ao encerramento administrativo da fábrica, por falta de condições de segurança de risco elevado de incêndio) foram realizadas depois de terem sido feitas as obras (estas terão sido feitas, essencialmente, no Verão de 2002 – a testemunha I... referiu que o trabalho do telhado foi feito no Verão), sendo ainda certo que os factos da acção judicial (e tais factos são efusivos quanto às condições de segurança da fábrica) reportam-se a momento posterior à realização das obras.»
Como resulta desta motivação, o Mmo. Juiz a quo não excluiu de todo que tivessem sido feitas algumas obras, entendeu foi que não foram as obras – a terem sido realizadas – que impediram o estado de degradação do imóvel que já existia e que teve de permanecer porque só assim se entende a ordem de encerramento da fábrica determinada pela Câmara Municipal na sequência das vistorias dos bombeiros e dos serviços camarários realizadas em 2002 e que determinaram aquela ordem, precisamente no final desse ano, quando alegadamente já estariam feitas as obras a que se reporta a factura de 14/11/2002.
Se tivermos em conta que a autora era arrendatária do espaço desde o início da década de 60, que o imóvel tinha um tecto composto por travejamento de madeira, que o telhado permitia a entrada de água para o interior e que a autora pretendia que fosse a senhoria a realizar as obras, recorrendo inclusivamente à Câmara Municipal para a pressionar a fazê-las, o que apenas podia suceder invocando o estado avançado de degradação do imóvel, afigura-se-nos que a redacção do ponto 18 é correcta e traduz efectivamente as condições existentes no final do ano de 2002, quando a Câmara Municipal decidiu no sentido do encerramento da actividade.
A introdução de um facto revelador da realização de obras ainda nesse ano afigura-se-nos injustificada por não estar suficientemente demonstrada com o grau de caracterização e concretização susceptível de ser vertido para a fundamentação de facto da sentença.
A recorrente defende igualmente que o facto do ponto 23 deve ser julgado não provado e fundamenta essa alteração nos documentos 5 a 9 juntos aos autos em 22/02/2017 e no depoimento de L.... É evidente a insuficiência destes meios de prova porque a decisão do tribunal se encontra alicerçada em vários meios de prova que foram analisados com pormenor e rigor.
A esse respeito assinala-se o seguinte na motivação da decisão recorrida:
«Defende a Autora que forneceu à J... (representada, neste âmbito, pela testemunha K...) os esclarecimentos e documentação disponível, com vista à realização de tal averiguação. Pelo contrário, defendem as Rés que a Autora (através do seu representante legal, do seu contabilista e do seu advogado) nunca forneceu as informações e os elementos solicitados, alegando ainda que a Autora tomou essa atitude, ao menos em parte, por teimosia, uma vez que dispunha de tais elementos. Os elementos em causa seriam, basicamente, de natureza contabilística, fiscal e orçamental.
Os meios de prova a valorar pelo tribunal, quanto à matéria em análise, são constituídos por alguns documentos juntos aos autos, pelo teor do “Relatório de Averiguação”, em conjugação com o depoimento da testemunha K... (que confirmou em julgamento o teor do mencionado “Relatório”, pelo teor do depoimento/declarações de parte do legal representante da Autora e pelos depoimentos das testemunhas W... (contabilista da Autora), M... (funcionária da ré D...) e L... (com a profissão de perito averiguador, sendo irmão do mandatário da Autora na altura da averiguação do sinistro e tendo referido que prestou auxílio ao seu irmão na recolha de informação/documentação pedida pela J..., Lda., afirmando, no entanto, não ter tido relacionamento directo com qualquer perito).
Ora, ponderados os referidos meios de prova, cumpre salientar a constatação da falta de organização contabilística da Autora, não porque os registos contabilísticos tenham perecido no incêndio, mas porque simplesmente não existiam, sendo referido que o contabilista da Autora (anterior à testemunha W...) esteve fugido e depois preso (facto referido pelo legal representante da Autora, pela testemunha W... e pela testemunha L..., tendo este último referido ter havido dificuldade na recolha de informação/documentação pedida, em face do problema judicial do contabilista). De resto, o legal representante da Autora (e também o contabilista W...) referiu que teve um problema com as Finanças, tendo a Autora sido notificada para pagar a quantia de cerca de € 300.000,00 (calculada por métodos indiciários; o contabilista W... referiu ter ideia que o montante era de cerca de € 400.000,00), decorrente, em grande medida (nas palavras do legal representante da Autora), pela falta de documentos relacionados com a contabilidade e/ou exercício da actividade industrial da Autora.
Neste quadro, surge despropositada a afirmação do legal representante da Autora no sentido de que forneceu à J..., Lda. todos os elementos que tinha disponíveis, referindo ainda o legal representante da Autora que deixou de prestar esclarecimentos (e, presume-se, de entregar documentos, sendo certo que poucos ou nenhuns tinham sido entregues), entrando em conflito com a testemunha K..., quando a testemunha P... foi ao local fazer a averiguação sem que tal facto lhe tenha sido comunicado. De facto, a testemunha/contabilista W... referiu que o Sr. C... lhe pediu ajuda para o contencioso com as Finanças e a testemunha não podia ajudar, dado não existir documentação, referindo que o Sr. C... andou a tentar obter facturas junto dos fornecedores e referindo também que chegou a levar uma pasta à Administração Tributária. Esta testemunha referiu também não se recordar de lhe ter sido pedida documentação para ser entregue à seguradora, na sequência do incêndio, sendo certo que nunca entrega documentação directamente às seguradoras, mas aos clientes (não ficando com a documentação de suporte da contabilidade).
A testemunha L... referiu que, após o sinistro, não conseguiram obter da segurada os documentos que comprovavam os valores dos bens, nem os documentos respeitantes ao volume de negócios da segurada. Esta testemunha referiu ainda que foi recebida alguma correspondência do advogado da segurada, a qual responderam sempre, mas reafirmando que não foram juntos quaisquer documentos relevantes para a averiguação em curso pela J..., Lda., afirmando que se a segurada tivesse enviado os documentos aquela empresa, com certeza a seguradora teria sido informada de tal facto (o que não aconteceu).
Por fim, os documentos juntos pela Autora (cfr. fls. 1327 a 1511 [sendo aqui patente a junção a granel de documentos, sem qualquer pretensão de sistematização e/ou explicação probatória dos mesmos], fls. 2058 a 2061 e 2067 a 2080), com vista a sustentar a tese do fornecimento de informações, são manifestamente insuficientes para tal desiderato, sendo certo que alguma da correspondência junta nem sequer é dirigida à ré D... ou à empresa J..., Lda. (ao contrário do alegado pela Autora). Neste contexto, ofereceu credibilidade o depoimento da testemunha K..., na parte em que confirmou o que fez constar do “Relatório de Averiguação” sob o título “Determinação de Prejuízos” (remetendo-se igualmente para os documentos aí mencionados e juntos aos autos), cumprindo salientar o desabafo da testemunha, em julgamento, no sentido de que, em 27 anos de peritagens, nunca lhe tinha acontecido algo de semelhante.»
Ouvida a gravação dos depoimentos mencionados e analisados os demais documentos referidos pelo Mmo. Juiz afigura-se-nos que a sua decisão é inteiramente correcta e corresponde a uma cuidada análise do conteúdo da prova produzida a este respeito e do respectivo contexto circunstancial que ajuda a interpretar os factos e a compreender a sua plausibilidade. Os meios de prova indicados pelo recorrente não possuem, sem qualquer dúvida, uma força ou consistência que abalem minimamente aquela convicção firme. A decisão só pode pois ser mantida.
A recorrente impugna de seguida a decisão de julgar provados os factos dos pontos 40 a 47, sustentando que o depoimento da testemunha é insuficiente para o efeito.
A decisão de julgar esses pontos de facto provados está fundamentada do seguinte modo:
«Conforme foi referido pela testemunha M... e resulta dos documentos juntos aos autos, em 2001, verificou-se uma alteração aos contratos de seguro, tendo sido aditadas, no que agora releva, duas condições especiais (as cláusulas especiais 006 e 007).
No que respeita às negociações tendentes à mencionada alteração dos contratos, a testemunha M... referiu que tal alteração ocorreu na sequência de um pedido do corretor de seguros (em representação da Autora), facto que foi confirmado pelo legal representante da Autora, sendo certo que, nestes casos, como referiu aquela testemunha, a seguradora não vai ao local do risco, confiando na informação da corretora, razão pela qual a testemunha afirmou peremptoriamente não ter sido efectuada qualquer vistoria pelas seguradoras às instalações da Autora e/ou fornecidos a estas especiais elementos documentais (afirmação que mereceu credibilidade). Dai o facto provado nº 40 expressar uma versão restritiva da matéria factual prevista nos arts. 59º e 60º da base instrutória.
O facto provado nº 41 resulta dos documentos juntos aos autos e do teor do depoimento da testemunha M....
Os factos provados nºs 42, 43, 44, 45 e 46 (tendo por base a matéria factual alegada nos arts. 38º, 39º, 40º, 41º e 63º da base instrutória) estão relacionados com a subscrição pela Autora (na sequência da alteração contratual de 16/09/2001) da condição especial de substituição em novo de equipamento industrial (cláusula especial 007), cuja aplicação ou vigência pressupõe o cumprimento de alguns deveres pela segurada, alegando as Rés que a Autora não cumpriu tais deveres. E, de facto, de acordo com o relato feito pela testemunha M... (que mereceu credibilidade), confirmado, em parte, pelo depoimento/declarações do legal representante da Autora (referiu, por exemplo, que a máquina mais recente que tinha na fábrica tinha sido adquirida, no estado de usada, em 1992, tendo sido fabricada nos anos 80; confirmou que não houve substituição ou reparação das máquinas dentro do prazo previsto na cláusula especial em análise: referiu que ponderou deslocar a fábrica para Santo Tirso, mas depois viu que não seria possível, uma vez que o pessoal morava junto das instalações de Vila Nova de Gaia; referiu que não ponderou seriamente adquirir novas máquinas sem primeiro resolver a questão da regularização do sinistro junto das seguradoras), a segurada (ou a sua corretora) não deu cumprimento ao que estava estipulado na identificada cláusula especial, justificando-se assim a consideração como provados dos factos em análise.
O facto provado nº 47 (tendo por base a matéria factual alegada no art. 64º da base instrutória) está relacionado com a subscrição pela Autora (na sequência da alteração contratual de 16/09/2001) da condição especial de actualização convencionada de capitais (cláusula especial 006), cuja aplicação ou vigência pressupõe o cumprimento de alguns deveres pela segurada, alegando as Rés que a Autora não cumpriu tais deveres. E, de facto, de acordo com o depoimento da testemunha M... (referiu, a título um pouco genérico, que a seguradora D... não recebeu qualquer comunicação da segurada relativa a revisões dos capitais seguros) e com o depoimento/declarações do legal representante da Autora (referiu que, desde que fez o seguro, apenas comprou a guilhotina pequena e não a aditou ao seguro, reconhecendo não ter feito revisões dos capitais seguros), resulta evidente que a Autora não deu cumprimento ao que estava estipulado na identificada cláusula especial, justificando-se assim a consideração como provado do facto em análise.»
Ouvida a gravação dos depoimentos do legal representante da autora e da testemunha M..., a decisão de julgar provados estes factos afigura-se-nos ser igualmente inequívoca por ser proveniente de uma correcta interpretação e avaliação dos meios de prova produzidos.
O único argumento da recorrente (da insuficiência do depoimento da testemunha) não colhe porque de facto esse não é e não foi o único meio de prova a atender, encontrando-se no depoimento do legal representante da autora afirmações que tornam absolutamente plausíveis e prováveis as asserções daquela testemunha, conforme muito bem se explica na motivação da decisão.
A finalizar a recorrente sustenta que o facto que constava do artigo 59.º da base instrutória não foi objecto de pronunciamento por parte do tribunal e deve sê-lo agora uma vez que tem interesse para o conhecimento do mérito da acção.
Esta afirmação não está em conformidade com o que consta da sentença.
Conforme já acima se transcreveu, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto consignou-se na sentença o seguinte: «[a propósito do depoimento da testemunha M...] … razão pela qual a testemunha afirmou peremptoriamente não ter sido efectuada qualquer vistoria pelas seguradoras às instalações da Autora e/ou fornecidos a estas especiais elementos documentais (afirmação que mereceu credibilidade). Dai o facto provado nº 40 expressar uma versão restritiva da matéria factual prevista nos arts. 59º e 60º da base instrutória
Esta redacção significa que o tribunal se pronunciou mesmo sobre os factos dos artigos 59.º e 60.º da base instrutória, embora dando como provado apenas o que dos mesmos passou para o ponto 40 da matéria de facto, isto é, julgando não provados os demais factos alegados naqueles artigos.
Por conseguinte, tal como não se tratava de uma questão de nulidade, não se trata de uma questão de ampliação da matéria de facto. A discordância da recorrente encerra a pura e simples impugnação daquela decisão.
Deve ser julgado provado o mais que a recorrente pretende? A resposta é claramente negativa. A audição do depoimento do legal representante da autora e da testemunha N... não nos deixa qualquer dúvida sobre essa decisão porquanto, independentemente do seu crédito ou verosimilhança, de nenhum destes meios de prova resultou que representantes das seguradoras tenham ido à fábrica da autora vistoriar as respectivas instalações, razão pela qual se impõe aceitar com bom o depoimento de M..., tal qual fez a 1.ª instância.
Improcede assim, totalmente e sem necessidade sequer de recorrer às regras do ónus da prova, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

C] da matéria de direito:
1. Se as rés apenas invocaram o vício do contrato na contestação e isso tem consequências para o conhecimento do vício:
A recorrente começa por defender que apenas na contestação as rés invocaram o vício do contrato que esteve na origem da sua absolvição do pedido (a não comunicação pela segurada do agravamento do risco em virtude do risco de incêndio que existia nas instalações fabris seguradas), não o tendo feito antes.
A recorrente faz estas considerações sem concretizar ao nível do direito as consequências que retira dessa alegada vicissitude, ficando este tribunal sem saber o que pretende exactamente a recorrente com tal fundamento defender para justificar a revogação ou alteração da decisão.
De todo o modo, consta da matéria de facto que a 1.ª ré, na qualidade de Líder e, responsável pela regularização do sinistro, comunicou à autora por correio de 26/7/2004 que, «por não se verificarem os pressupostos das garantias para nós transferidas pelo contrato de seguro em epígrafe, vimos por este meio comunicar-vos que declinamos toda e quaisquer responsabilidade pelas consequências do incêndio ocorrido em 14 de Março de 2003 nas vossas instalações sitas na Rua ..., .../..., em Vila Nova de Gaia».
Nesta carta, a ré limita-se a afirmar que não irá pagar as indemnizações contempladas no contrato de seguro por não estarem verificados os pressupostos da garantia do seguro. Trata-se, portanto, de uma comunicação formal que não concretiza ou especifica quais os pressupostos que não se consideram verificados, no fundo a razão concreta pela qual entende não dever pagar a indemnização. Dessa carta não resulta a invocação de uma situação geradora da invalidade do contrato, a invocação de uma situação não abrangida nos riscos cobertos pelo contrato, a alegação de uma situação de exclusão da cobertura, etc. Resulta apenas que a seguradora não irá pagar a indemnização reclamada pela autora com a participação do sinistro.
A ré não era obrigada a informar antecipadamente a autora da posição que ia assumir na contestação, da defesa que ia apresentar nesse articulado. A contestação é o momento processual adequado para o réu arguir na acção todas as excepções que pretenda opor à pretensão do autor. Processualmente esse articulado é o local adequado para tal finalidade, ficando-lhe mesmo vedado arguir mais tarde as excepções.
Questão diferente é a de saber se a excepção está sujeita a um prazo de caducidade para o seu exercício que se encontre já ultrapassado na data em que a contestação é apresentada. Nessa situação a discussão já não é se a excepção (só) foi arguida na contestação, mas sim se a excepção foi arguida em tempo. Essa questão é colocada mais tarde pela recorrente pelo que a ela voltaremos.

2. se, por não terem sido comunicadas adequada e efectivamente, devem considerar-se excluídas do contrato algumas cláusulas:
Também esta questão se mostra arguida nas conclusões das alegações de recurso de forma totalmente inepta, sem a mínima consubstanciação que era exigível.
Com efeito, a recorrente não concretiza sequer as cláusulas do contrato que não lhe foram comunicadas (!), as cláusulas do contrato que com tal fundamento jurídico deveriam considerar-se excluídas dos contratos de seguro. Como pode pretender que este tribunal de recurso exclua do contrato cláusulas quando nem sequer concretiza que cláusulas serão essas?
Acresce que nos articulados da acção nunca a recorrente arguiu qualquer vício do contrato com fundamento na violação de normas legais do regime das cláusulas contratuais gerais, sendo nova nos autos essa questão levantada só agora nas alegações de recurso totalmente.
Questão nova, para esse efeito, é aquela que possui novidade em relação ao objecto da lide estabilizado em devido tempo. O seu emprego traduz assim uma relação entre aquilo que foi (ou devia ter sido) decidido pelo tribunal recorrido e aquilo que se pretende que seja decidido pelo tribunal de recurso.
No nosso sistema processual civil o recurso não é nem o local nem a altura consentida para ampliar ou modificar o objecto da lide, o objecto daquilo que pode ser decidido pelo tribunal, seja em 1. instância, seja em sede de recurso. Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa, através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), pelo que a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido acarreta a impossibilidade de o Tribunal ad quem a apreciar.
Improcede assim, sem mais considerações, esta questão.

3- se as rés tinham a obrigação de analisar o local objecto do seguro para fazerem a avaliação e reavaliação do risco?
Invoca a recorrente que as rés tinham a obrigação de vistoriar o local objecto do seguro para avaliarem o risco, não só no início do contrato como nas suas renovações.
Sem o afirmar - limita-se a sustentar que «não nos parece curial» (sic) que não tendo as rés avaliado o local do risco venham agora passados mais de cinco anos invocar que a autora prestou falsas declarações - parece (!) resultar da alegação da recorrente que não tendo a ré avaliado o local não pode agora defender que foram prestadas falsas declarações ou omitidas informações sobre o risco.
A tese da recorrente não diferencia dois aspectos distintos. Um consiste em saber se para celebrar os contratos de seguro as rés deviam proceder à avaliação do risco que iriam correr, o que é uma evidência porque ao celebrarem o contrato estavam a arriscar o seu próprio património. A outra reside em saber se para o efeito, para além das diligências que entenderam realizar, as rés podiam exigir da autora determinadas informações para avaliarem o seu risco.
O que está em causa na acção não é se as rés omitiram qualquer dever de cuidado na negociação e celebração do contrato, está sim em causa se a autora, faltou à verdade nas informações que prestou ou se omitiu informações que estava obrigado a prestar no cumprimento do dever de prestação de informações que o próprio contrato lhe impõe (v.g. art. 10º, nº 1, das Condições Gerais).
Toda a relação contratual impõe a ambas as partes, nos termos prescritos pela boa-fé, deveres de lealdade para com os interesses da outra e de não desconsideração dos mesmos. Quem viola esses deveres incorre em responsabilidade contratual perante a outra parte, independentemente de saber se esta tinha mecanismos que lhe permitiam detectar a ilicitude do comportamento da outra e evitar as consequências que o comportamento ilícito lhe pode causar. Por isso, a recorrente não pode sustentar que se as rés tivessem feito a vistoria teriam descoberto a verdade, leia-se a falsidade das suas informações, e que por isso não podem arguir essa falsidade.
É certo que as condições gerais das apólices de ambos os contratos prevêem, nas respectivas cláusulas 28.º (seguro de incêndio) e 23.º (perdas de exploração), a possibilidade de a seguradora mandar inspeccionar os bens seguros e as instalações cujo risco de incêndio cobriu para verificar o cumprimento das condições contratuais. Trata-se, no entanto, de uma cláusula que prevê uma faculdade, não um dever de prestação. Essa faculdade, aliás, sempre resultaria das regras da boa fé a que qualquer das partes deve obediência no cumprimento do contrato.
Estipulando o contrato específicos deveres de prestação a cargo de uma parte, se esta não concretiza a prestação a que se obrigou incorre em incumprimento e subsequente responsabilidade pelas consequências dessa falha, sendo que o incumprimento se presume culposo. Por conseguinte, a parte só pode exonerar-se de responsabilidade demonstrando que cumpriu as suas obrigações, não limitando-se a arguir que a outra parte podia ter-se antecipado ao seu incumprimento e, porventura, impedindo a verificação da situação danosa.
O que se deve discutir é pois a natureza, quantidade e qualidade da informação que a recorrente tinha o dever contratual de prestar e se a prestou, bem como o relevo da insuficiência ou falsidade dessa informação pera efeitos da economia do contrato, não se as rés podiam obter por si mesmas informação fidedigna e por isso não deviam ter confiado na recorrente.
O artigo 429.º do Código Comercial, que constitui ainda a legislação aplicável ao caso sub iudice, estabelecia o seguinte: «Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio
Em virtude desta norma, cabe ao segurado e só a ele o ónus de comunicar à seguradora as circunstâncias relevantes para delimitar o risco, devendo cumprir esse ónus de forma voluntária e verdadeira, independentemente de solicitação do tomador do seguro, actuando com o máximo de boa fé na definição das informações atinentes ao risco a transmitir e na transmissão. Essas informações deverão ser todas as conhecidas do segurado ou que este deveria conhecer desde que, segundo um juízo de normalidade, possam ter relevância para a aferição do risco pelo segurador.
Como escreveu Moitinho de Almeida, in O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 1971, pág. 65, não só para a seguradora, mas também «sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência das condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador».
Também José Vasques, in Contrato de Seguro, 1999, pág. 219 e 220, escreve que o tomador do seguro tem a obrigação de declarar todos os factos e circunstâncias que tenham influência sobre o contrato de seguro, para o que as seguradoras costumam elaborar um questionário para ser respondido por este, mas «a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador do seguro da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco». O mesmo autor acrescenta que «o encargo pendente sobre o tomador do seguro de declarar o risco sem omissões, reticências ou inexactidões, não deixa de envolver também a seguradora, que não pode abandonar-se totalmente às declarações do proponente com o fundamento de que a sanção legal a protegerá das declarações erróneas, devendo entender-se que sobre ela impende, no mínimo, o dever de sindicar as respostas que o tomador deu ao questionário ou o seu não preenchimento (..), não podendo arguir a omissão se não reagiu à entrega de um questionário não preenchido ou incompleto (..). Igualmente não poderá a seguradora prevalecer-se da nulidade se conhecia as circunstâncias silenciadas (..)
No mesmo sentido afirma Luís Poças, in O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, pág. 47 e seg. e nota 123, que, «no plano estritamente jurídico – e porque o risco é (…) um elemento fundamental do contrato, dependendo as condições deste da aferição daquele pelo segurador –, o papel de proponente é formalmente assumido pelo candidato a tomador do seguro, que apresenta ao segurador uma declaração negocial (proposta contratual), em regra mediante o preenchimento e subscrição de um formulário previamente fornecido pelo segurador, onde aquele concretiza algumas das condições pretendidas e descreve o risco que pretende fazer segurar, concluindo-se o contrato com a aceitação do segurador».
Não resulta da matéria de facto que as rés soubessem da situação em que o local de risco se encontrava no ano que antecedeu o sinistro. Ao invés resulta que a autora sabia que o sistema eléctrico do edifício se encontrava afectado e havia grave risco de incêndio, o que não comunicou às rés. Nesse contexto, não parece pois que se possa argumentar que se a ré tivesse procedido à vistoria do edifício teria constatado em que situação ele se encontrava, o que é uma evidência, e que por essa razão, não obstante a autora saber da situação e não ter informado as rés da mesma, já não pode arguir a falta de informação por parte da autora.
Improcede, pois, também esta questão, sem necessidade de mais considerações.

4- se o direito das rés de invocarem a anulabilidade dos contratos caducou pelo decurso do prazo de um ano em que tinham de o fazer:
A recorrente não questiona a interpretação feita na sentença recorrida segundo a qual houve um agravamento do risco de incêndio, esse agravamento foi conhecido pela segurada e esta não informou as seguradoras dessa situação, pelo que estas podem invocar a invalidade do contrato nos termos dos artigos 429.º e 446.º do Código Comercial (legislação aplicável ao contrato, conforme bem decidido na sentença recorrida).
A recorrente apenas defende que esse vício determina a anulabilidade do contrato de seguro e que esta tinha de ser arguida no prazo de um ano, o que não terá acontecido.
De facto, no domínio da vigência das normas legais do Código Comercial relativas ao regime jurídico do contrato de seguro era entendimento pacífico que a consequência de o tomador do seguro ou o segurado prestarem declarações inexactas ou escamotearem factos ou de circunstâncias relevantes conhecidas, não era a nulidade, como parece resultar da expressão usada no artigo 429.º daquele diploma, mas sim a anulabilidade[1].
Nesse sentido José Vasques, in loc. cit., pág. 378 e seguintes, a propósito da questão de saber «se quando o Código Comercial se refere à nulidade deve aplicar-se, sem mais, o regime da nulidade previsto no Código Civil, ou se o intérprete deve procurar determinar se o regime requerido pelo legislador do Código Comercial de 1888 seria o da nulidade ou o da anulabilidade, uma vez que esses conceitos não eram previstos pelo Código Civil de 1867», afirmava que a «melhor solução do caso parece passar pela aplicação dos princípios de interpretação da lei que mandam atender às circunstâncias específicas em que aquela foi elaborada e às condições do tempo em que é aplicada, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, pelo que o intérprete deve perante cada norma procurar determinar qual o regime adequado». E mais à frente, a propósito precisamente do artigo 429.º sustentava que «quando o segurador aceitar contratar nos termos inexactos ou reticentes declarados pelo proponente, a sua declaração negocial está viciada por erro. Nos termos gerais, essa declaração torna negócio anulável, não se vendo razões para, tendo classificado a situação prevista pelo citado artigo 429 como erro vício da vontade, lhe associar uma sanção diferente e mais grave que aquela que o legislador fixou quando tratou a figura nos seus contornos basilares.»[2]
Esta qualificação jurídica do vício era ainda mais clara no artigo 446.º do Código Comercial. Segundo este artigo o segurador podia declarar sem efeito o seguro, desde que o edifício ou objecto segurados tivessem outro destino ou lugar que os tornassem mais expostos ao risco por forma que o segurador não os teria segurado, ou exigiria outras condições, se tivessem tido esse destino ou lugar antes de efectuar o seguro. O § 1.º da norma consagrava que logo que ocorresse qualquer das circunstâncias indicadas no artigo, o segurado devia participá-lo ao segurador dentro de oito dias, para que ele pudesse em igual prazo, a contar da participação, usar da faculdade que lhe confere o artigo.
Este regime parece afastar-se do regime da nulidade, porquanto não apenas deixa ao critério do segurador o direito de optar pela manutenção do contrato ou pela sua anulação, como estipula um prazo para essa opção sob pena de manutenção do contrato, o que é incompatível com a absoluta falta de produção de efeitos jurídicos que é própria da nulidade.
Sucede que os contratos dos autos possuem ambos cláusulas específicas sobre esta matéria.
No seguro de incêndio encontra-se o artigo 9.º, intitulado «nulidade do contrato», que dispõe o seguinte: «1. Este contrato considera-se nulo e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos quando da parte do tomador de Seguro ou do Segurado tenha havido, no momento de celebração do contrato, declarações inexactas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato»
Por sua vez no artigo 10º das mesmas condições gerais, sob a epígrafe «agravamento do risco», dispõe: «1. O Segurado obriga-se, no prazo de 8 dias a partir do conhecimento dos factos, a comunicar por correio registado, ou por outro meio do qual fique registo escrito, à D..., todas as alterações do risco que agravem a responsabi1idade por esta assumida. 2. No caso de falta de comunicação, nos termos do número anterior, ou da inexactidão das declarações prestadas pelo segurado, o contrato produzirá efeitos mas, em caso de sinistro, a indemnização final reduzir-se-á proporcionalmente à diferença entre o prémio cobrado pela D... e aquele que cobraria para o risco agravado. 3. Se, no caso previsto no número anterior, se provar má fé do Segurado ou se as declarações inexactas pudessem ter influído na manutenção do contrato, este considerar-se-á automaticamente resolvido, respectivamente, à data em que a comunicação deveria ter sido feita à D... ou àquela em que as falsas declarações foram prestadas
O contrato de perdas de exploração estabelece o mesmo regime nas cláusulas que constituem os respectivos artigos 9.º e 12.º que por isso mesmo aqui nos dispensamos de reproduzir.
Nos termos do artigo 427.º do Código Comercial, o contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código. Nessa medida, os contratos dos autos regem-se em primeira mão pelas condições da respectiva apólice, só sendo aplicáveis as disposições legais do Código Comercial se aquelas contiverem disposições contrárias a normas legais imperativas ou forem lacunosas.
As cláusulas das apólices mencionadas em nada contrariam o disposto nos artigos 429.º e 446.º do Código Comercial, pelo contrário reproduzem a sua estatuição. Com a única diferença de tornarem mais fácil distinguir se estamos perante uma nulidade ou perante uma anulabilidade do contrato, tanto mais que os contratos foram celebrados já no domínio do actual Código Civil e, portanto, quando as duas figuras já eram conhecidas e distinguidas na lei civil.
São duas as situações reveladas pela matéria de facto que importam para a aplicação destas cláusulas e dos artigos 429.º e 446.º do Código Comercial.
A primeira respeita à circunstância de por ocasião da celebração dos contratos a autora ter declarado que tinha implementado nas instalações fabris um sistema de prevenção e protecção contra incêndios e se ter apurado que isso era falso não existindo sequer bocas-de-incêndio naquelas instalações. Esta situação reporta-se, como referido, ao momento da celebração do contrato e a declarações inexactas então prestadas. O vício reconduz-se pois ao regime dos artigos 9.º de ambas as apólices e do artigo 429.º do Código Comercial.
A segunda respeita à circunstância de a autora saber pelo menos desde Abril de 2000 que o telhado das instalações deixava entrar água que caía por cima das máquinas, o que afectava todo o sistema eléctrico e causava grave risco de incêndio (facto do ponto 9), de ter começado a descurar as regras de segurança deixando acumular resíduos facilmente inflamáveis e deixando as lâmpadas acesas durante a note (facto do ponto 33) e de ter sabido que na sequência de vistorias da Câmara Municipal e dos Bombeiros havia sido ordenada a cessação da laboração no local por motivos relativos ao estado do edifício, à afectação do sistema eléctrico e ao grave risco de incêndio (factos dos pontos 34 a 36).
Estas circunstâncias prendem-se já com o agravamento do risco por factos posteriores à celebração dos contratos e por isso reclamam a aplicação do disposto nos artigos 10.º e 12.º das condições gerais de ambas as apólices e 446.º do Código Comercial.
Ora, estando as instalações fabris objecto dos contratos num dado momento num tal estado que havia já grave risco de incêndio, ao ponto de motivar uma ordem administrativa de encerramento das instalações, parece inevitável concluir que essa vicissitude influía objectivamente na manutenção do contrato, porquanto havendo já uma situação que importava uma forte probabilidade de ocorrência do risco que se pretendia cobrir (o incêndio) fica seriamente comprometida, senão mesmo afastada, a álea que é elemento essencial do contrato de seguro.
Repare-se que já não se trata, como na situação anterior, de um factor que podia contender com a determinação do prémio na medida em que são celebrados seguros de incêndio de instalações que não estão dotadas de meios de combate a incêndio, mas sim de haver uma tal possibilidade de o incêndio ocorrer que justificava claramente que a seguradora reponderasse a manutenção do contrato quando inclusivamente da parte dos bombeiros e para evitar esse elevado risco se sinalizava já a necessidade de encerrar a instalação.
Nessa medida, pelo menos nos 8 dias posteriores à recepção da ordem administrativa da Câmara Municipal de encerramento da fábrica, a autora tinha a obrigação de informar as rés da situação em que se encontrava o imóvel a fim de que estes avaliassem o risco de incêndio do imóvel. Nos termos do n.º 3 do artigo 10.º das condições gerais do contrato de seguro de incêndio e do n.º 6 do artigo 12.º das condições gerais do contrato de seguro de incêndio, não tendo a autora feito essa comunicação estes contratos consideram-se automaticamente resolvidos à data em que a comunicação deveria ter sido feita.
Na nossa interpretação, este regime não é o da mera anulabilidade do contrato. As cláusulas em apreço contêm sim uma condição resolutiva do contrato de funcionamento automático não dependente de qualquer comunicação. Esse regime não viola o disposto no artigo 446.º do Código Comercial, apenas particulariza e concretiza a sanção da ineficácia do contrato com que este preceito igualmente penaliza o incumprimento do dever do tomador de seguro ou segurado de informar a seguradora dos factos que importam um agravamento, substancial no caso, do risco.
Nessa medida, afigura-se-nos, em conclusão, que o direito de as rés oporem ao tomador do seguro esta fonte de cessação dos efeitos do contrato de seguro não estava sujeita ao prazo de caducidade de um ano e podia legitimamente ser exercido na contestação da presente acção.
Improcede assim esta questão do recurso.

5- do abuso do direito:
Defende o recorrente que a entender-se desse modo então a actuação das rés consubstancia um abuso do direito na medida em que durante cinco anos as rés não invocaram esse vício da relação contratual e optaram por se defender invocando a origem não acidental do incêndio, no que vieram a decair.
Segundo o artigo 334.º do Código Civil, que define a figura do abuso do direito, «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Para Castanheira Neves, in Lições de Introdução ao Estudo do Direito, edição copiografada, Coimbra, 1968/69, pág. 391, entende-se por exercício abusivo do direito «um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde - e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício». O mesmo autor, in Questão-de-facto - questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade, I, Coimbra 1967, pág. 513 e ss, sublinha que o abuso do direito é «um princípio geral de validade independente das específicas formulações que o concretizem».
O instituto do abuso do direito visa impedir situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2008, in www.dgsi.pt/jstj - ou apresenta uma «contrariedade clamorosa ao sentimento jurídico dominante na comunidade» - cf. Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, 1, 2. ed., Coimbra, 1963, pág. 63 e seg. -. E isso é assim porque no exercício dos seus direitos toda a pessoa deve adoptar um comportamento honesto, correcto e leal, respeitando e correspondendo às legítimas expectativas que criou em outrem.
O instituto do abuso do direito consagra a supremacia dos limites impostos designadamente pelos bons costumes sobre as actuações humanas. A parte que abusa do direito, actua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito.
Para Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 5. edição, pág. 260, «o direito subjectivo é substancialmente funcional, tem um sentido de utilidade que se perde se não tiver em atenção qual o fim do titular que deve realizar – ou contribuir para realizar – com êxito, e o bem que vai ser afectado à realização desse fim. Nesta perspectiva, a substância do direito subjectivo resulta do nexo funcional existente entre uma tríade de realidades: a pessoa, o seu fim e o meio utilizado para o realizar».
“O abuso de direito pressupõe a existência da uma contradição entre o modo ou fim com que a titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” – apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.96, in Colectânea de Jurisprudência - AcSTJ, 1996, tomo III, pág. 117. Para o efeito, não é necessário que a parte tenha a consciência de com a sua actuação exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, basta que objectivamente esse excesso ocorra – cf. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, pág. 536 –.
Existem diversas figuras típicas que encerram uma violação desse dever de actuação conforme às expectativas criadas e que reconhecidamente constituem exercícios abusivos do direito. Conta-se entre elas o chamado venire contra factum proprium que se reconduz à situação em que o titular do direito adopta um comportamento capaz de criar no outro pólo da relação jurídica a expectativa de que o direito é concebido e será exercido pelo seu titular em consonância com o significado desse comportamento, mas depois vem a actuar em contradição ou desconformidade com o comportamento anterior, frustrando aquela confiança.
Para Paulo Mota Pinto, in Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no direito civil, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume comemorativo do 75º Tomo do Boletim da Faculdade de Direito, 2003, pág. 302 e seguintes, o venire contra factum proprium possui pressupostos imprescindíveis. Assim, «… deverá, antes de mais, existir um comportamento anterior do agente - o “factum proprium” a que se refere a expressão -, que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. ... Depois, há que apurar a imputação ao agente, quer desse comportamento anterior, quer do actual comportamento. … em regra, não poderá prescindir-se da culpa (apenas poderá abrir-se uma excepção, a nosso ver, quando o factum proprium fundou, embora sem culpa, determinadas expectativas na outra parte, por exemplo, por lhe terem sido prestadas informações jurídicas erradas, por o agente dispor de uma posição de superioridade ou ser, de outra forma, responsável pela ineficácia de uma vinculação na qual a outra parte confiou). … Em terceiro lugar, há que verificar a necessidade e o merecimento de protecção do atingido com a conduta contraditória. Assim, este tem de estar de boa fé, isto é, há-de ter confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando não culposamente eventuais intenções contrárias do agente. … Por outro lado, importa apurar a existência e o tipo de “disposição” levada a cabo, ou seja, o “investimento de confiança”, ou baseado na confiança, realizado, sendo que este pode traduzir-se, por exemplo, da realização de uma contraprestação. A sua irreversibilidade ou a eventual afectação da situação existencial daquele que confiou, por virtude da frustração desse “investimento”, … serão elementos cuja presença reforça a conclusão de proibição da conduta contraditória. Terá também de existir causalidade, quer entre a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, quer entre esta e a “disposição” (causadora do dano) levada a cabo. Para que o agente seja responsável - rectius, para que seja impedido de venire contra factum proprium - o investimento de confiança tem, pois, de ser causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada».
Todavia, como logo adverte este autor, «deve rejeitar-se a aplicação automática dos pressupostos mencionados, após a sua enumeração e verificação no caso concreto. Antes todos deverão ser globalmente ponderados, in concreto, pata se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta-com os ditames da boa fé em sentido objectivo».
Constituem modalidades (ou figuras próximas consoante os autores) da figura do venire contra factum proprium os casos chamados suppressio e surrectio. Tratam-se dos casos em que o comportamento do titular do direito ao longo do tempo criou a legítima confiança de que aquele não exercerá mais o direito ou renunciou a ele ou então que reconhece a outrem um direito ou faculdade jurídica que de outra forma não existiria ou já se encontrava extinta.
Enquanto formas de tutela da confiança concitada noutrem por um determinado comportamento, o que releva é o significado da aparência do comportamento, a ilação que o mesmo permite quanto ao comportamento da mesma pessoa – do mesmo titular do interesse juridicamente protegido – no futuro. Por isso, não importa se por não exercer o direito, o seu titular queria ou não renunciar ao mesmo, nem isso poderia ser facilmente concluído a partir de um comportamento – puramente – omissivo. Importa sim que a esse comportamento possa ser legitimamente associado um determinado significado perceptível pelo comum dos destinatários.
Como tal, a acrescer ao decurso do tempo são necessários indícios objectivos desse significado que permitam concluir que a confiança criada não foi iminentemente subjectiva – correspondente à vontade e desejo de outrem – mas objectivamente fundada, só assim merecendo a tutela do direito. Esses elementos objectivos hão-de indiciar que o direito não mais será exercido ou se renunciou a ele em definitivo. O que significa, afinal, que o contexto e as circunstâncias em que o comportamento tem lugar podem ser decisivos para a interpretação do seu significado.
No caso, ao contrário do que sustenta a autora, na comunicação que lhe fizeram após a investigação que realizaram das causas do sinistro, a ré não excluiu a invocação do fundamento contratual de extinção da eficácia do contrato que depois veio alegar na contestação. É certo que não a mencionou, mas também não a afastou. Da mesma forma, aliás, que não afirmou nem excluiu qualquer outra fonte de eliminação da respectiva responsabilidade.
O que na carta a seguradora líder afirmou foi somente que por referência às apólices de seguro em causa, «declinava a responsabilidade» pelas consequências do incêndio «por não se verificarem os pressupostos das garantias» correspondentes. Por outras palavras, a ré limitou-se a comunicar que não iria pagar as indemnizações que as apólices de seguro determinariam, que entendia que não havia lugar à sua responsabilização com fundamento nas mesmas.
Esta posição da ré expô-la a algum risco na medida em que se viesse a demonstrar que a sua atitude carecia de fundamento não escaparia às consequências contratuais de não ter pago as indemnizações nos termos e modo previsto nas apólices. Todavia, na avaliação da postura das rés é necessário não olvidar que independentemente da sua confirmação na presente acção, havia então fundadas dúvidas sobre as causas do incêndio e o papel do factor humano na sua deflagração, possuindo as rés um relatório técnico que apontava para o carácter criminoso do incêndio. Tal contexto justificava plenamente uma atitude defensiva das rés relativamente às pretensões da autora.
Não pode pois a autora sustentar com pertinência que tinha razões válidas para crer que as rés não iriam depois na acção instaurada contra as mesmas para obter a sua condenação nas prestações previstas nas apólices alegar todos os fundamentos de exclusão da respectiva responsabilidade que possuíssem, designadamente os relativos à falta de informação por parte do segurado da existência de uma situação que modificava essencialmente o risco do contrato. Nada no comportamento das rés encorajava essa confiança ao ponto de justificar a neutralização do seu direito por apelo ao instituto basilar do abuso do direito.
Note-se que precisamente por radicar num critério fundante provindo do conteúdo da boa fé e da justeza das coisas transposta para o domínio do jurídico, o abuso do direito não associa inelutavelmente a todo o comportamento contraditório a consequência da extinção do direito e pode muito bem demandar apenas a imposição de efeitos mitigatórios da consequência do reconhecimento da existência do direito, exercido, apesar de tudo, com certa contradição em relação a anteriores comportamentos.
Comparando a atitude da autora de não fornecer às rés informação que possuía e que não podia deixar de saber ser relevante para o respeito pelo equilíbrio contratual próprio de um contrato de seguro e, subsequentemente, a manutenção do contrato, com a atitude das rés de após terem investigado o sinistro terem declinado a responsabilidade sem tornarem claro o fundamento para tal, parece-nos fácil de concluir que a defesa que as rés desenvolveram depois na acção instaurada pela autora não traduz uma violação das regras da boa fé com gravidade que determine a extinção do direito de exercerem essa defesa.
Improcede assim também esta questão do recurso.

O insucesso das questões suscitadas pela recorrente da mesma forma que determinam a improcedência do recurso inutilizam a apreciação das questões suscitadas pela recorrida em sede de ampliação do objecto do recurso, pelo que estas não serão apreciadas.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
*
Porto, 11 de Abril de 2019.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 488)
Maria Inês Moura
Francisca Mota Vieira
_______________
[1] Na jurisprudência, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2007, Silva Salazar, in www.dgsi.pt., onde se afirma que «Apesar do disposto no art. 429.º do CCom, as declarações inexactas e as declarações reticentes determinam apenas a anulabilidade do contrato (…)».
[2] No mesmo sentido, Moitinho de Almeida, in loc. cit., pág. 79, defendia ser «preciso salientar que nem todas as declarações inexactas ou reticências importam a nulidade (parece antes que se trata de uma anulabilidade - supra, n.º 22, nota 29 -) do contrato». A mesma posição era defendida por Arnaldo Costa Oliveira, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, cit., págs. 155 e 156, Carlos Mateus, in As inexactidões e reticências no seguro de acidentes de trabalho, Sciencia Iuridica, Tomo LIII, n.º 299, 2004, pág. 15, e Filipe Albuquerque Matos, in As declarações reticentes e inexactas no contrato de seguro, págs. 495-499, citados por Vanessa Louro, in Declaração Inicial do Risco no contrato de seguro: Análise do regime jurídico e breve comentário à jurisprudência recente dos Tribunais Superiores, in Revista Electrónica de Direito – Junho 2016 – n.º 2.

[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]