Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
150/14.6JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
VALOR PROBATÓRIO
RUMOR
Nº do Documento: RP20150304150/14.6JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A valoração das declarações de um coarguido quanto à conduta de outro deverá respeitar especiais cautelas e ter um grau de exigência superior, tal como os restantes meios de prova que vierem a ser mencionados como corroborantes.
II – Cindir o depoimento do coarguido em duas partes, uma que não merece credibilidade e outra que merece credibilidade e com base na qual se assenta a condenação do coarguido, obriga a uma justificação clara das razões de tal cisão.
III – Não é sustentável, juridicamente, dar credibilidade a “rumores” e “suspeitas” declarados por entidades que têm o dever de os investigar e punir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes que integram o Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório.

Nos autos nº 150/14.6JAPRT.P1 que correram os seus termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal de Vila do Conde, Comarca do Porto, foi proferido acórdão que decidiu:

a) condenar o arguido B… pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, als. d) e h), do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de seis anos de prisão;

b) condenar o arguido C…, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, al. h), do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de oito anos de prisão;

Não conformados, vieram os arguidos recorrer, tendo o arguido C… alegado o que consta de fls. 949 e seguintes dos autos, concluindo nos seguintes termos:

Conclusões do recorrente C…

1. Foi o recorrente condenado, como co-autor material, pela prática de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de oito anos de prisão.
2. Na verdade, não se podendo conformar com o douto Acórdão, vem o ora Recorrente dele recorrer, quer relativamente à matéria de facto dada como provada, quer relativamente à pena aplicada decorrente da primeira.
3. Entende o Recorrente que o Tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova, pelo que, o douto Acórdão não traduz uma opção justa, em sede de apreciação e valoração de prova, dando-se por provado o que não poderia ter sido, tornando-se imperioso a reapreciação da matéria de facto dada como provada.
4. Resumidamente, errou o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 10.º, 12.º, 13.º e 14.º do douto Acórdão recorrido.
5. Atentos os elementos probatórios reunidos nos autos, estes não se mostram suficientes para dar como provados os factos supra indicados e sustentar a condenação, pelo que deveria o Arguido C… ter sido absolvido, com todas as consequências e efeitos.
6. O Tribunal recorrido refere que, para formar a sua convicção relativamente à factualidade que foi dada como provada, baseou-se, essencialmente, “...na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento...”, nomeadamente, considerou “...o que resultou da conjugação, apreciada à luz das regras normais da experiência comum relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do C.P.P., das declarações do arguido B… ...”, com os depoimentos das Testemunhas D…, E…, F…, G… e H….
7. E, no que tange à participação do Recorrente nos factos em apreço, formou a sua convicção, essencialmente, nas declarações do co-arguido B…, qualificando-as como o “...elemento aglutinador e fundamental de todos os restantes restantes elementos de prova produzidos...”.
8. Ora, face à prova produzida, no seu conjunto, aquilo que o Tribunal a quo fez foi, salvo o devido respeito, criar uma versão dos factos alicerçada unicamente nas declarações do co-Arguido B…, que não correspondem à realidade.
9. A prova produzida, no que respeita ao aqui Recorrente, não permitia de forma alguma que o Tribunal a quo tivesse chegado a grande parte das conclusões a que chegou e, muito menos dar como provados, factos sobre os quais a prova produzida não foi feita ou impunha precisamente uma resposta de sentido contrário.
10. Não obstante o princípio da livre apreciação da prova, não foi esta corroborada por nenhum outro elemento probatório. Além das declarações do co-arguido B…, não existem testemunhas, nem tão pouco prova directa e suficiente dos factos descritos na douta Acusação Pública ou, no mínimo, prova para além de qualquer dúvida razoável, sendo pois, a prova produzida nos autos manifestamente insuficiente para condenar o Arguido recorrente.
11. Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência maioritária exigem que a sentença não alicerce os factos provados exclusivamente nas declarações de um co-arguido contra o outro co-arguido. É sempre necessária uma corroboração probatória das declarações de co-arguido contra outro co-arguido, sob pena da credibilidade dessas declarações serem consideradas nulas (vide Acórdão do STJ de 12/07/06, in CJACSTJ, XIV, t.II, página 241).
12. A apreciação do valor probatório destas declarações exige especiais cautelas, pois o declarante pode agir impulsionado por interesse em se auto-exculpar mediante a incriminação do co-arguido, ou outras circunstâncias, nomeadamente, obter um tratamento judicial favorável, que irá afectar irremediavelmente a sua isenção e crédito.
13. No caso em apreço, é notório o interesse do arguido B…, nas suas declarações, ainda que sob a aparência de uma pseudo contribuição para a descoberta da verdade, em incriminar o ora Recorrente, através da sua auto-exculpação.
14. Desde logo, afirma inúmeras vezes que, à data dos factos, tinha um grave problema de alcoolismo, [problema este que não se provou, como resulta do ponto p) dos factos não provados], imputando responsabilidades ao Arguido C…, referindo que foi por este o aliciou e, que criou com ele dependência para a satisfação do seu vício tendo praticado actos de forma inconsciente, como se verifica pelas suas declarações, gravadas em CD, datadas de 07/10/2014, ao minuto 00:54 a 01:30, e ao minuto 08:39 a 09:07.
15. Chega a fazer insinuações e levantar suspeitas quanto ao arguido C…, nomeadamente, de este teria alegadamente ameaçado o seu filho, falando-lhe de ter visto fotos dele, mais uma vez numa atitude incriminatória para com o Arguido C…, e de que teria informado o Chefe dos Guardas, a Testemunha D…, como se pode observar das suas declarações, datadas 07/10/2014, ao minuto 09:09 a 09:30, e ao minuto 38:39 a minuto 41:07.
16. No entanto, confrontada a Testemunha D…, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, relativamente à alegada intimidação, este nega que lhe tivesse dado conhecimento, como resulta, do seu depoimento (gravado em CD, datado de 07/10/2014, ao minuto 11:11 a 13:16), referindo que “...não. Do filho não falou.”, crescentando ainda que, o Arguido B… lhe havia relatado uma situação de ameaças, mas relativamente à companheira com quem vivia e que, nessa situação estaria envolvido um outro recluso que não o Arguido C….
17.Tais declarações por parte do Arguido B…, ainda que possam não estar directamente ligadas ao factos provados, demonstram claramente a sua tentativa de desresponsabilização e, consequentemente, a falta de credibilidade das mesmas, pelo que, não podem, por si só, serem utilizadas para fundamentar a condenação do Arguido C… pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado.
18. Acresce que, nas declarações do co-arguido B…, existem ainda contradições/incongruências que não podem passar despercebidas aos olhos do julgador e que descredibilizam essas mesmas declarações.
19. Desde logo, o facto de o Arguido B… ter alegado que desconhecia ou que se tivesse apercebido que os embrulhos que transportava eram produtos estupefacientes, o que não é plausível, uma vez tem a profissão de guarda prisional, com 14 anos de exercício de funções, sendo normal, no âmbito de buscas, nomeadamente, às celas de reclusos, que já tivesse visto produto estupefaciente embrulhado daquela forma (declarações datadas de 07/10/2014, ao minuto 27:51 a 28:15).
20. Outra, que vem nesta sequência, resulta da conduta adoptada pelo Arguido B…, no momento em que é detido e nos momentos que antecedem a sua detenção, em que se desmarca dos embrulhos, apesar de afirmar que desconhecia, ou que não se apercebeu que estes continham produto estupefaciente (declarações de 07/10/2014, ao minuto 15:22 a 17:03).
21. Ora, o julgador, nas declarações dos arguidos, deverá estar especialmente atento à forma como estas são prestadas, pelo que se impunha ao Tribunal a quo que prestasse uma especial atenção a estas contradições/incongruências que, mesmo que nada tivessem a ver com os concretos factos relatados, devem servir para aferir da veracidade, da isenção e da credibilidade das declarações do Arguido B….
22. Apesar das debilidades das declarações do Arguido B… supra enunciadas, a parte essencial da prova destes autos, no que ao Arguido C… respeita, assenta nas declarações do co-arguido B…. No entanto, tirando estas, mais ninguém viu ou assistiu fosse ao que fosse.
23. Por conseguinte, estas declarações não podem servir, por si só, e segundo as regras da experiência comum para dar como assente a matéria constante dos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 10.º, 12.º, 13.º e 14.º dos factos provados, impondo-se, pelo contrário que, em face da sua debilidade, esses mesmos factos sejam antes considerados como não provados, por falta de prova que os corrobore e, em consequência que o Arguido C… terá de ser absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhe é imputado.
24. Errou, assim, o Tribunal a quo na apreciação que fez das declarações prestadas pelo co-arguido B…, ao considerá-las credíveis, no que ao Arguido C… respeita, violando desta forma, entre outros, o artigo 127.º do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova).
25. Entendeu ainda o Tribunal a quo, relativamente à participação do Recorrente nos factos aqui em causa, que as declarações do Arguido B… foram ainda corroboradas por outros elementos objectivos, nomeadamente, pelos depoimentos das Testemunhas D… e H…, pelo facto de o Arguido C… fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que para o efeito utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho que foi encontrado, e por último, de forma sucinta, pela circunstância de o arguido B… ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, corroborando as explicações que aquele deu nas suas declarações.
26. Ora, com o devido respeito, entende o Recorrente que tal corroboração não existe, tendo o Tribunal a quo se limitado a valorar o que lhe interessava valorar, em detrimento do que não lhe interessava, na medida em que procuraram “elementos de corroboração” das declarações do co-arguido B…, em meios de prova fragilizados e proibidos por lei.
27. Do depoimento da Testemunha D… não resulta qualquer prova directa que corrobore as declarações do Arguido B….
28. O seu depoimento resulta, única e exclusivamente, do que “ouviu dizer”, de rumores e não de factos que tenha presenciado, pois nunca, em tempo algum, visualizou o ora Recorrente a proceder à venda, cedência, distribuição ou transporte de produto estupefaciente, dentro do Estabelecimento Prisional do Porto, nem mesmo presenciou que o Arguido C… conversasse muito com o arguido B…, como se verifica do seu depoimento (datado de 07/10/2014), mais precisamente, ao minuto 06:34 a 07:55; minuto 15:00 a 15:28; minuto 16:23 a 17:44, minuto 18:22 a 19:11, minuto 26:49 a 29:00, minuto 31:47 a 33:30 e minuto 34:08 a 34:27.
29. Ora, na prova testemunhal, a regra é a da aplicação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal) sendo a excepção a esta regra o testemunho do “ouvir dizer”, o denominado depoimento indirecto (artigo 129.º, conjugado com ao artigo 128.º, n.º 1, ambos do C.P.P.), pois a inquirição só pode ser valorada relativamente aos factos de que disponha conhecimento directo.
30. Neste seguimento, não pode ainda ser descurado o n.º 1, do artigo 129.º do C.P.P., de onde se concluí que o testemunho de ouvir dizer só vale como prova se for indicada a pessoa a quem se ouviu dizer e se o juiz chamar essa pessoa a depor.
31. No caso ora em apreço, o Tribunal a quo não solicitou à testemunha a identificação das pessoas a quem ouviu dizer, para, subsequentemente, as chamar a depôr, pelo que, o depoimento prestado por este, quanto ao facto do Arguido C… ser referenciado no Estabelecimento Prisional como recepcionando estupefacientes, não pode ser valorado, sendo prova proibida e, como tal legalmente inadmíssivel.
32. O mesmo se verifica relativamente ao depoimento da Testemunha H…, na parte que serviu para formar a convicção do Tribunal recorrido e corroborar as declarações prestadas pelo co-arguido B…, nomeadamente, a afirmação de que arguido C… era referenciado por posse de material ilícito, incluindo droga, não só pelos guardas prisionais, mas também por outros reclusos (a este propósito veja-se o depoimento gravado em CD, do dia 14/10/2014, ao minuto 11:43 a 12:30; minuto 12:39 a 14:23 e minuto 17:17 a 18:36).
33. A Testemunha H… não tem conhecimento próprio, directo dos factos, fazendo no seu depoimento, referência a rumores entre reclusos e guardas, de “ouvir dizer”, falando inclusive de reclusos informadores que teria dentro do Estabelecimento Prisional, mas recusando-se a indicar os seus nomes.
34. No exercício das suas funções, nunca presenciou directamente qualquer acto ilícito por parte do Arguido C…, nomeadamente, não tem conhecimento de que, no âmbito de uma busca à cela do deste, tenha sido encontrado produto estupefaciente na posse deste.
35. Estamos perante depoimento indirecto, só tendo valor probatório se fosse indicada a pessoa ou pessoas a quem se ouviu dizer, o que não se verificou. Acresce que, mesmo que tivessem sido indicadas, o Tribunal recorrido sempre teria de chamar essa(s) pessoa(s) a depor, o que também não se verificou, sendo, por isso, prova proibida.
36. Nesta conformidade, o depoimento da Testemunha H… também não podia ter sido valorado, por não se verificar in casu nenhuma das situações ressalvadas e elencadas, de forma taxativa, na parte final do n.º1, do artigo 129.º do Código de Processo Penal.
37. Por conseguinte, a violação desta proibição de prova tem como efeito a nulidade das provas obtidas, nomeadamente, dos depoimentos das testemunhas D… e H…, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 126.º do C.P.P., o que desde já se argui, não podendo tais depoimentos serem utilizados para fundamentar a condenação do Arguido C… pelo crime de tráfico de tráfico de estupefacientes agravado.
38. Ao admitir os depoimentos das Testemunhas D… e H…, relativamente a tais factos, sem que estes os tivessem presenciado, limitando-se a declarar aquilo que ouviram dizer, violou o mesmo Tribunal os artigos 127.º e 129.º, ambos do C.P.P.
39. Assim, fundando-se o douto Acórdão recorrido em provas nulas, é também ele nulo, por força do disposto no artigo 122.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, o que aqui se vem arguir, nos termos do artigo 410.°, n.° 3, do mesmo diploma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a substituição do acórdão recorrido por outro, no qual o tribunal a quo não valore o depoimento indirecto das testemunhas D… e H…, resultante do ouviram dizer a terceiras pessoas.
40. Atendeu ainda o Tribunal, na formação da sua convicção, ao relatado pela testemunha D…, no que concerne ao facto de um recluso que trate da faxina poder ter acesso para fazer limpeza ao gabinete das técnicas de educação do Pavilhão C, podendo o arguido C…, que também exercia funções de faxina, embora no ginásio e não ali, arranjar forma de contactar com quem ali exercesse tais funções.
41. Tratam-se de meras conjecturas por parte da Testemunha, da sua interpretação sobre os factos, sem qualquer sustentação probatória, sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 130.º, do Código de Processo Penal, a testemunha que deponha sobre factos de que tenha conhecimento directo, não lhe é admissível a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação, a não ser em casos excepcionais.
42. Assim, o depoimento da Testemunha D…, no que respeita ao supra relatado é também prova proibida, cujo efeito é a nulidade, a qual se argui, e que que não poderia ser valorada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua condenação.
43. Considerou ainda o Tribunal recorrido que corroboram as declarações do Arguido B…, o facto do Arguido C… fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que, para o efeito, utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho, mas, para tal, socorreu-se das chamadas presunções judiciais, mas que, no caso em concreto, entende o Recorrente que não são coincidentes com as regras da experiência comum, isto é, não são baseadas nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos.
44. A partir do facto (conhecido) de o Arguido C… fazer desporto no Estabelecimento Prisional à data dos factos em apreço, e por ser visível, na audiência de julgamento, a sua musculatura trabalhada, não pode o Tribunal a quo inferir o facto (desconhecido) de que fosse normal que para tal utilizassse substâncias para aumentar a performance, no caso, a cafeína.
45. O Tribunal recorrido atendeu ao aspecto físico do Recorrente no momento da audiência de julgamento, que se iniciou no dia 7 de Outubro de 2014, mas não ficou demonstrado por qualquer meio de prova, não se podendo assegurar que, à data dos factos em apreço, Janeiro de 2014, a compleição física do Recorrente fosse essa.
46. Errou, assim, o Tribunal a quo na apreciação da prova, ao seguir um raciocínio arbitrário e inaceitável de que, segundo as regras da experiência comum, seria normal que o Arguido C… utilizasse substâncias para aumentar a sua “performance”, violando as regras quanto à livre apreciação da prova.
47. Por último, para corroborar a credibilidade das declarações do co-arguido B…, atendeu o Tribunal recorrido à circunstância de o referido arguido ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, com quem estabeleceu contactos, nomeadamente, nos dias 24 e 26 de Janeiro de 2014 e às explicações que deu relativamente a esse contacto.
48. No entanto, existe uma grande discrepância entre o que o Arguido B… declarou e o que foi dado como provado pelo Tribunal.
49. O Arguido B…, quando questionado sobre o contacto telefónico que tinha agenda do seu telemóvel e que estaria associado ao Arguido C…, não conseguiu indicar qual o nome pelo estaria associado a esse contacto, referindo que não se lembrava (cf. declarações datadas de 07/10/2014, ao minuto 21:22 a minuto 21:41), tendo o Tribunal a quo induzido a sua resposta, ao questionar o seguinte: “E o senhor conhece alguém, sem ser aqui o arguido, chamado C1…?”e este responder que o apelido era C1… (declarações de B… de minuto 21:51 a minuto 22:11).
50. Destas declarações, resulta que o Arguido B…, até ser elucidado pelo Tribunal, desconhecia o apelido do arguido C…, pelo que, não foi feita prova de que tal contacto telefónico estaria relacionado com o Arguido C….
51. Por conseguinte, como declara o Arguido B…, (declarações datadas de 07/10/2014, ao minuto 02:18 a minuto 02:31) se, alegadamente, existiam contactos com o Arguido C…, desde pelo menos o início de Setembro de 2013, e o contacto que constava na agenda do seu telefone, com o nome “C1…” estava associado a este, por ser com quem combinou os factos, deveria o Arguido saber qual era o apelido do Arguido C….
52. Acresce que, em momento algum das suas declarações em audiência de julgamento, o Arguido B… se refere ao Arguido C…, pelo seu apelido, utilizando sempre pelo seu nome próprio, o que não parece lógico.
53. Face a isto, deveria o Tribunal ter ficado com sérias dúvidas, de que o nome C1…, que consta na sua agenda do telemóvel do Arguido B…, diga respeito ao Recorrente.
54. Além de que, quando indagado pelo Tribunal se não haveria mais nenhum C1… na sua lista telefónica, respondeu que não (declarações gravadas em CD, datadas de 07/10/2014, de minuto 22:35 a minuto 23:10), tendo, no entanto, quando confrontado com a existência de outro contacto telefónico (91 580 16 74) com o nome “C1…”, em um outro telemóvel da sua propriedade que também se encontra nos autos, altera a sua versão inicial.
55. Ora, face ao descrito, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma apreciação da prova errada face à prova produzida, ao considerar as explicações do Arguido B… relativamente a tal propósito, pelo que violou aqui, mais uma vez, o artigo 127.º do C.P.P..
56. Com efeito, e não obstante o princípio da livre apreciação de prova, além das declarações do co-arguido que, como se demonstrou não merecem credibilidade, a decisão de condenação do arguido/recorrente C… deveria ter sido completada e corroborada com outros meios probatórios, por forma a dissipar qualquer dessas suspeitas, o que efectivamente não aconteceu.
57. Por tudo o supra exposto, se fosse efectuada uma correcta apreciação de toda a prova, sempre o Tribunal recorrido deveria ter ficado com sérias dúvidas acerca da autoria dos factos, no que concerne ao Arguido C….
58. Não tendo decidido pela sua absolvição quanto à prática do crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes, violou ainda o Tribunal recorrido o princípio constitucional do in dúbio pro reo, previsto no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa e o princípio da presunção de inocência.
59. E, no caso em apreço, impunha-se que o Tribunal recorrido, em face da indigência da prova existente, apenas e só as declarações do co-arguido B…, não tendo outros elementos que corroborassem as mesmas (pois são prova proibida), ficasse com uma dúvida razoável acerca da alegada autoria dos factos que era imputada ao recorrente, pois a confissão do arguido B… desacompanhada de quaisquer outros elementos de prova, não podia ser suficiente para fundamentar a condenação.
60. Por tudo o exposto, deve o Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida, e absolver o Arguido C….
61. Caso assim não entendam V. Exas, o que não se concede, defende o Recorrente que a pena de prisão oito anos em que foi condenado, pela prática de um crime agravado de tráfico de substâncias estupefacientes, é desproporcional, desadequada e manifestamente exagerada, devendo esta ser reduzida.
62. Ora, no entendimento do Recorrente, o Tribunal a quo, atenta a factualidade dada por provada, fez uma errada aplicação do disposto nos artigos 40.º e 71.º, ambos do C.P..
63. Atento ao que vem sendo exposto, salvo o devido respeito, é de considerar que, em termos de justiça, a medida aplicável é manifestamente desproporcional e exagerada ao caso em concreto, pois não foram levadas em conta circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deporiam a favor do Recorrente.
64. Desde logo, não foi devidamente considerado, pelo Tribunal a quo a circunstância de que até à data dos factos em apreço, o Recorrente que se encontrava no cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional do Porto, ter tido um comportamento adaptado ao meio institucional, isento de reparos.
65. Acresce ainda que, resulta como provado que o Recorrente enquanto recluso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde se encontra desde 21/02/2014, tem registado uma conduta adequada e cumpridor das normas da instituição, sem registo de punições, tendo solicitado aos serviços competentes a sua reintegração ao nível laboral; ao longo do seu percurso de vida foi sempre tendo ocupação laboral; tem apoio familiar e social junto do núcleo onde está integrado, tendo uma avaliação positiva.
66. Ora, tais factos, cuja prova se logrou produzir em Tribunal, demonstram que o Recorrente se encontra familiar e socialmente inserido e tem uma personalidade que não rejeita as normas legais e princípios sociais, assumindo, claramente, uma postura que se afasta da prática de qualquer ilícito.
67. Por outro lado, as penas de prisão, mesmo elevadas, têm de conter sempre em si um elemento ressocializador e não estigmatizante.
68. Nessa conformidade, a pena de 8 anos de prisão em que foi condenado é excessiva e desproporcional, descurando todas as circunstâncias que permitem determinar a medida concreta da pena de forma justa e adequada aos princípios gerais e especiais que se pretende fazer valer e aos fins visados pela aplicação da mesma, isto é, satisfação dos fins de prevenção geral e especial, nos termos do artigo 71.º e 40.º do Código Penal.
69.Violou-se consequentemente, por incorrecta interpretação, o artigo 71.º, o qual estipula que, na determinação da pena, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido, e o artigo 40.º, ambos do Código Penal.
Por seu turno o arguido B… alegou para tanto o que consta de fls. 916 e seguintes dos autos, concluindo nos seguintes termos:

Conclusões do recorrente B…

a) Com o devido respeito, que é muito, esteve mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal ad quo ao decidir nos moldes em que o fez, porquanto, considerando a matéria factual e o direito concretamente aplicável à situação sub judice, bem como os factos dados como provados, deve, pois, o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, substituindo-se a mesma por outra que, em conformidade com o que for de Direito, assegure a sempre acostumada Justiça.
Vejamos,
b) O ora Recorrente, à data dos factos pelos quais foi condenado sofria de alcoolismo severo, o que sucedia, de resto, de longa data, desde os 17 anos, o que foi – e bem – dado como matéria provada.
c) Facto este que era conhecido pela hierarquia, tanto mais que ela bem sabendo que o Recorrente se apresentada todos os dias ao serviço sob efeito do álcool, o retirou de fazer serviços externos.
d) O Recorrente para fazer face ao seu vicio do álcool dispunha de escassos recursos financeiros, desde logo, porque a dada altura se viu coartado no seu rendimento total em resultado da instauração do processo crime, auferindo ele, desde então, apenas 1/6 do seu vencimento.
e) Como se sabe, o alcoolismo causa dependência física e psicológica, o que, convenhamos, sempre causará enorme transtorno pessoal nas relações sociais e familiares, mas também ao nível do desempenho da atividade profissional.
f) O Recorrente não terá sido capaz de lidar com o seu problema de alcoolismo como teria sido conveniente, nem sequer logrou dispor de qualquer apoio por parte da sua hierarquia quando, ao cabo, muito bem sabia aquela, do problema que o Recorrente padecia.
g) A Direção Geral não podia ter ignorado o quadro de alcoolismo do Recorrente da forma que o fez.
h) Aliás, aparentemente, deveria ela ter relatado a situação a quem de direito, desde logo para salvaguarda do próprio trabalhador e até para benefício da própria Instituição, submetendo-o a avaliação psicológica, de molde a aferir-se da capacidade do alcoólico para poder continuar o desempenho da sua atividade profissional.
i) Contrariamente àquilo que se pretende fazer passar nos autos de processo disciplinar, atento o quadro de alcoolismo vivenciado pelo Recorrente e os efeitos que o consumo do álcool provocam, nunca poderá corresponder à verdade dizer-se que teve ele um plano traçado com o intuito de vir a colher benefícios patrimoniais.
j) Além de que o Recorrente nunca agiu de plena consciência sobre aquilo que alegadamente fez, ou seja, sempre estaríamos aqui no domínio daquilo a que se dá o nome de facto não voluntário, ou, pelo menos, não totalmente voluntário, na medida em que o Recorrente, sendo alcoólico, nunca dispôs de capacidade suficiente para determinar a sua vontade à luz daquilo que lhe seria exigível.
k) Só recentemente o Recorrente teve tido coragem de assumir os seus graves problemas relacionados com o consumo de álcool em excesso, tendo então recorrido a um reconhecido especialista nesta matéria, o Dr. I….
l) Especialista este que elaborou um relatório de avaliação psicológica por demais elucidativo, mas que o Meritíssimo Juiz do Tribunal ad quo – mal do nosso ponto de vista – não quis considerar.
m) Hoje, já dentro do Estabelecimento Prisional onde se encontra à guarda, também procurou a ajuda dos profissionais, estando a ser medicado para debelar o seu problemático caso de alcoolismo.
n) Se algum interesse foi posto em causa, só pode ter sido o próprio interesse do Recorrente que se encontrava dentro de uma situação grave de dependência do álcool, não obstante, como se disse, se encontre a ser medicado para debelar essa sua doença.
o) Razão pela qual, só hoje consegue ter a perceção exata daquilo que fez, tendo ele, apenas hoje a consciência dos seus atos.
p) Por isso, parece querer esquecer-se que o Recorrente quanto aos factos que conduziram à sua condenação, considerando o seu estado de alcoolemia nos moldes abordados, nunca foi, nem nunca poderia ser, livre na formação da sua vontade.
q) Nunca se poderá deixar de fora, e sobre isso nada se concede, que atento o quadro de alcoolemia do Recorrente, sempre teria ele atuado mecanicamente, sem ser capaz de culpa, ou, pelo menos com um grau de culpa diminuído, porquanto, convenhamos, sempre se terá como certo que foi ele um mero objeto do seu próprio vício.
r) Como se sabe, para que determinado facto possa ser qualificado como um crime tem de haver uma ação voluntária do agente, típica, ilícita, culposo e punível.
s) Como vimos, não houve um facto totalmente voluntário, pois, atento aquele quadro de dependência nunca o Recorrente poderia ser livre na formação da sua vontade, agindo apenas para satisfazer o seu vício do álcool.
t) Na lei penal reconhecem-se casos em que não há ação, independentemente do envolvimento humano, donde se incluem aqueles casos em que a ação – à partida reprovável – não é dominada pela vontade, no sentido de que o agente atua corrompido naquilo que é o seu próprio estado de (in)consciência,
u) e por isso, o movimento não exprime uma actuação pessoal, antes resulta duma força interna que é estranha ao alegado infrator, não havendo no caso sub Júdice, uma ação totalmente voluntária.
v) A verdade é que nunca se poderá deixar de fora as circunstâncias que envolveram os factos, mormente, quanto ao quadro de alcoolismo do Recorrente, tendo ele atuado como uma massa mecânica,
w) sem ser capaz de culpa, ou, pelo menos tendo um grau de culpa muito reduzido relativamente aos factos de que o Recorrente foi condenado, porquanto, reconheça-se, sempre teria sido ele vitima do seu próprio problema de consumo de álcool em excesso.
x) A aplicação de uma pena só se justifica havendo uma ação voluntária e, atendendo ao grau de culpa.
y) Por isso, o vertente caso, dispõe de uma pena desproporcional em face daquilo que verdadeiramente sucedeu, ou seja, perante a impossibilidade do Recorrente, atento o seu estado de alcoolismo e de consciência sobre a sua própria atuação, ter agido de outra forma.
z) Ou seja, para que o Recorrente pudesse ser censurado pelo seu comportamento sempre seria necessário que ele conhecesse ou devesse conhecer o desvalor do seu comportamento, mas como decorre do presente nunca poderia ele conhecer a reprovabilidade do seu comportamento ou do que quer que fosse, pois, sendo alcoólico nunca poderia ter consciência dos seus atos.
aa) Destarte, considerando que à data dos factos o Recorrente padecia de um quadro severo de alcoolismo, não estava em condições de determinar a sua vontade, ou seja, não terá sido ele livre na sua capacidade de determinar o comportamento que, à partida, lhe seria exigível, sendo incapaz de culpa ou com capacidade reduzida.
bb) Quadro este, que era do conhecimento da hierarquia, tendo ela afastado o Recorrente de fazer serviços externos e, tendo voltado a trocar o serviço do Recorrente no dia 24.01.2014 acabou por ser esse precisamente o dia dos factos.
cc) No caso sub Júdice não preenchidos os elementos subjetivos dos tipos legais de crime pelos quais o Recorrente foi condenado a uma pena severa de seis anos de prisão efeiva de prisão,
dd) Porquanto, não teve ele qualquer intenção finalisticamente ao resultado obtido, atuando simplesmente para obter algum dinheiro para satisfazer o seu vício.
ee) Ou seja, o Recorrente nunca agiu de plena consciência, não sendo livre na formação da sua vontade, pois, como se sabe, sendo o Recorrente à data dos factos alguém com um grave problema de alcoolismo e estando nesse dia visivelmente embriagado, nunca poderia ele dispor da necessária capacidade para determinar a sua vontade à luz daquilo que seria desejável e lhe seria exigível, não tendo, por conseguinte, qualquer intenção de praticar o facto.
ff) No dia dos factos o Recorrente dispunha de total incapacidade para avaliar a ilicitude do facto ou para se determinar de harmonia com essa avaliação.
gg) Em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida ultrapassar a medida da culpa,
hh) Encontrando-se o Recorrente à data dos factos incapaz de culpa, ou, pelo menos com um grau de culpa diminuído.
ii) Por isso, deve o presente recurso ordinário ser considerado totalmente procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida e, substituindo-se a mesma por outra em conformidade com o que for de Direito, assegure a sempre aclamada Justiça!

O digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância respondeu a ambos os recursos, pugnado pela improcedência de ambos.

Neste Tribunal o Digno Procurador-geral adjunto teve vista nos autos, emitindo o seu parecer igualmente no sentido da improcedência dos recursos.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Nada obsta à apreciação do mérito dos recursos.

2 Fundamentação

É o seguinte o teor da factualidade assente, da factualidade não assente e a fundamentação da convicção do Tribunal:

Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1. Entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014 o arguido B… era guarda prisional a exercer funções no Estabelecimento Prisional do Porto, sito em …, Matosinhos, e o arguido C… era aí recluso, estando preso em cumprimento de pena;
2. Em data não concretamente apurada, mas sempre anterior a 24 de Janeiro de 2014, o arguido C… abordou o arguido B…, no sentido de este introduzir naquele Estabelecimento Prisional resina de canabis para depois, aí dentro, aquele vender e/ou ceder tal substância a outros reclusos, ao que este anuiu;
3. Para o efeito combinaram que o arguido B… se iria encontrar no café “J…”, mesmo em frente ao Estabelecimento Prisional do Porto, com um indivíduo que não foi possível identificar e que lhe iria entregar os embrulhos de resina de canabis, que, depois, aquele iria introduzir nesse estabelecimento prisional e entregar ao arguido C…, o qual iria vender/ceder tal produto estupefaciente a outros reclusos que, aí dentro, o abordassem para esse efeito;
4. Assim, na sequência do referido nos pontos 2 e 3, no dia 24 de Janeiro de 2014, o arguido B… encontrou-se no exterior do Estabelecimento Prisional do Porto com o referido indivíduo desconhecido, que lhe entregou quatro embrulhos contendo um deles cafeína com o peso bruto de 286,421 gramas e os restantes resina de canabis, sendo um com duas placas, com o peso líquido de 202,019 gramas e o grau de pureza de 13,5%, outro com duas placas, com o peso de líquido de 201,247 gramas e o grau de pureza de 13,1%, e o terceiro com uma placa, com o peso líquido de 99,914 gramas e o grau de pureza de 14,1%;
5. Esses quatro embrulhos, por indicação do indivíduo em causa, deveriam ser deixados no gabinete das técnicas de educação do Pavilhão C, mais precisamente num armário sito na casa de banho;
6. No dia 26 de Janeiro de 2014 o arguido B… entrou no Estabelecimento Prisional do Porto trazendo consigo os referidos quatro embrulhos, no interior do veículo de marca e modelo “Fiat …”, com a matrícula ..-..-LI, que estacionou no interior deste estabelecimento prisional, no parque de estacionamento dos guardas prisionais;
7. Na ocasião, o arguido B… levou consigo os dois embrulhos contendo resina de canabis, com o peso líquido de 202,019 gramas e com o peso de líquido de 201,247 gramas, deixando os restantes no interior do porta-luvas do referido veículo, e, pelas 11h00 da manhã, colocou os primeiros no armário aludido no ponto 5;
8. A conduta do arguido B…, nomeadamente a por si adoptada para justificar o acesso à casa de banho referida no ponto 5, levantou suspeitas perante os guardas prisionais, seus colegas, que a ela assistiram;
9. Assim, por volta das 16 horas, sentindo-se já vigiado e prestes a ser desmascarado pelos demais guardas prisionais do Estabelecimento Prisional do Porto, o arguido B… dirigiu-se ao veículo referido no ponto 6, retirou do porta-luvas o terceiro embrulho que continha resina de canabis, com o peso líquido de 99,914 gramas, e escondeu-o junto de uns arbustos próximos da estufa da horta existente no interior do Estabelecimento Prisional do Porto;
10. Os embrulhos referidos no ponto 4 destinavam-se a ser entregues ao arguido C…, nos termos do acordo relatado nos pontos 2 e 3;
11. Por este serviço, o arguido B… recebeu a quantia de € 510,00, que tinha consigo, no dia 26 de Janeiro de 2014, dentro do bolso interior do casaco, destinando alguma parte da mesma à compra de bebidas alcoólicas para o seu consumo;
12. Os arguidos conhecem as propriedades estupefacientes da resina de canabis e, não obstante, combinaram agir do modo descrito nos pontos anteriores, fazendo-o no interior do Estabelecimento Prisional do Porto, onde o arguido B… era, à data, guarda prisional, incumbindo-lhe, entre outras funções, prevenir e evitar que este tipo de actividade fosse exercida no seu interior;
13. Os arguidos agiram concertadamente, com divisão de tarefas, mediante um acordo prévio entre ambos, no caso do arguido B… com o intuito de obter remuneração monetária pelo serviço prestado ao arguido C… e no caso deste último com o intuito de obter proventos económicos com a venda e/ou cedência dos produtos estupefacientes referidos a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional do Porto;
14. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta infringia a lei;
Mais se provou:
15. O arguido B… nasceu no seio de uma família tradicional, de estrato sócio-económico mediano, sendo o núcleo familiar constituído pelos pais e dois irmãos mais velhos, dependendo economicamente da actividade profissional do pai, como taxista, e da mãe, como costureira, com um quotidiano estável a este nível;
16. O pai do arguido apresentava problemática alcoólica, determinando alguns problemas de relacionamento dentro da família, que o arguido refere não ter sentido, eventualmente por ser o mais novo dos filhos e estar sempre muito próximo do pai;
17. O arguido frequentou a escola, tendo terminado o 12º ano já no ensino nocturno, enquanto iniciou a sua vida laboral como taxista, tal como o seu pai;
18. Posteriormente deslocou-se para Lisboa, onde trabalhou, durante 4 anos, na empresa “K…”, na lapidação de diamantes;
19. Após o fecho desta empresa, concorreu para a Polícia de Segurança Publica e para os Serviços Prisionais, trabalhando no sector da restauração e como vendedor de automóveis enquanto aguardava pelo resultado dos concursos;
20. Em 2000 foi integrado nos Serviços Prisionais, onde permaneceu até à data da sua detenção;
21. Casou em 2001, casamento esse que perdurou cerca de dois anos e do qual existe um filho, actualmente com 12 anos, que reside com a mãe, desde o divórcio ocorrido em 2004;
22. O fracasso desta relação deve-se, não só ao distanciamento do arguido à família, por se encontrar colocado longe da zona onde residia a mulher e o filho (Alijó), mas também devido aos hábitos de consumos excessivos de bebidas alcoólicas que aquele iniciou com cerca de 17 anos;
23. No presente, o arguido contribui com a prestação de alimentos devida ao filho e contacta com o mesmo com regularidade;
24. O arguido estabeleceu uma união marital com uma companheira em 2009, a qual terminou no final do ano de 2013, por desgaste afectivo;
25. Entretanto e ainda antes da sua detenção, o arguido estabeleceu nova relação que se encontrava numa fase muito recente de coabitação, residindo ambos em habitação propriedade da nova companheira do arguido, com boas condições de habitabilidade;
26. Os recursos financeiros de ambos eram mantidos em separado, sendo a subsistência do arguido assegurada pelo seu vencimento, agora reduzido em 1/6; a companheira exerce actividade de vendedora na empresa “L…” e de empregada de limpeza;
27. No Estabelecimento Prisional, o arguido tem apresentado uma conduta de acordo com as normas vigentes e uma atitude cordata em termos relacionais;
28. Após a detenção, iniciou o tratamento dirigido à problemática alcoólica, através da equipa de tratamento do “Cicad” de Évora (ex-CRI), encontrando-se medicado e estabilizado a este nível;
29. O arguido apresenta um discurso fluente e estruturado, nível narrativo com interiorização de normas e valores sociais, capacidade de análise e sentido crítico, conseguindo percepcionar o carácter “desestruturante” dos seus hábitos aditivos no seu trajecto pessoal, relacional e profissional;
30. Esta problemática, que o levava, nos últimos tempos, a consumir bebidas alcoólicas logo pela manhã para conseguir iniciar o seu dia, aparentemente não lhe terá trazido quaisquer consequências a nível profissional, não havendo conhecimento da existência de qualquer penalização, repreensão ou condicionamento a tratamento durante os anos de serviço, enquanto guarda prisional;
31. A mãe, os irmãos (o pai já faleceu) e a companheira mantêm-se presentes e apoiantes, efectuando visitas regulares ao arguido;
32. A companheira, que ainda antes da detenção do arguido o confrontara com a necessidade de efectuar tratamento para a continuidade da relação, afirma no presente a motivação em manter tal relação, crendo que com o tratamento em curso e sua continuidade até alta clínica, o arguido conseguirá reestruturar-se, permitindo a consolidação do relacionamento entre ambos;
33. Na sequência deste processo, não existe qualquer reacção, quer da comunidade de origem, quer da habitacional, uma vez que a situação é desconhecida;
34. O processo e a detenção do arguido tiveram impacto significativo junto do próprio, dos familiares e da companheira, quer pela reclusão em si mesma, quer pela interrupção e consequências futuras na sua actividade profissional;
35. No entanto, contribuiu para a interrupção de um percurso de alcoolismo, possibilitando uma análise crítica do seu anterior estilo de vida e a tomada de consciência da necessidade urgente de alterar a sua conduta, que se reflecte, no imediato, na decisão de sujeitar-se a tratamento;
36. O arguido beneficia do apoio dos familiares e companheira, quer na presente situação de prisão, quer num processo futuro visando a sua reinserção;
37. O arguido possui noção do ilícito, do dano causado a terceiros, das repercussões e impacto no meio socioprofissional, bem como nos seus familiares, embora afirmando perante os técnicos da D.G.R.S.P. que, pelo facto de andar sempre alcoolizado, não terá tido o discernimento necessário para se afastar de determinadas situações;
38. Na conclusão do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. relativamente ao arguido B… diz-se:
Da avaliação global efectuada, constata-se que B… apresentava um estilo de vida aparentemente organizado a nível sócio profissional, embora francamente condicionado pelos hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas que terão sido determinantes para a ruptura de relações matrimoniais e eventualmente, mesmo que de forma indirecta para situação jurídico-penal em que se encontra.
A postura adoptada após a entrada no estabelecimento prisional, com adesão ao processo de tratamento que, no presente, considera imprescindível para alterar o seu anterior estilo de vida, constituiu-se, a par com o apoio familiar como factor de proteção de risco de reincidência.
Não obstante, percepcione a gravidade das acusações de que é alvo e as consequências que lhe podem advir, revela uma atitude de negação e desculpabilização, pelo menos na totalidade dos fundamentos das mesmas, baseada na incapacidade de discernimento e análise critica das suas acções face à problemática alcoólica de que é detentor.
Independentemente da medida que vier a ser aplicada, consideramos que B… deverá manter o tratamento da problemática alcoólica em curso, até alta clínica.”;
39. O arguido C… nasceu no Brasil, onde o seu pai se encontrava emigrado, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido no seio do agregado de origem, constituído pelos progenitores (pai português, mãe brasileira) e irmãos, com uma situação económica equilibrada, atentos os postos de trabalho do pai, mestre de padaria, e da mãe, ama de crianças, e uma dinâmica funcional;
40. Em 1989, contava o arguido 16 anos de idade, a família fixou-se em Portugal;
41. O arguido iniciou o percurso escolar em idade normal, tendo abandonado os estudos, já em Portugal, quando frequentava o 8º ano de escolaridade, optando pela integração laboral, primeiro na área da restauração, junto de um tio paterno, e posteriormente numa empresa de metalo-mecânica, como aprendiz de fresador;
42. Aos 25 anos iniciou uma relação com uma cidadã espanhola e, decorridos dois anos, foi viver para Barcelona e mais tarde para Marbella, onde exerceu actividade de intermediário na comercialização de viaturas usadas, mantendo uma frequência constante nas deslocações entre os dois países;
43. Neste contexto teve o primeiro contacto com o sistema de justiça penal, sendo a companheira co-arguida no processo e tendo ambos cumprido pena de prisão, situação que espoletou a ruptura da relação;
44. O arguido cumpriu pena de prisão de 01/02/2002 a 31/12/2007, data em que foi colocado em liberdade condicional, cujo termo ocorreria em 01/02/2011;
45. Durante o período de liberdade condicional, reintegrou o agregado de origem, constituído pela mãe e alguns dos seus irmãos, com residência em …, e inseriu-se laboralmente com o apoio familiar, na área da restauração, em sociedade com um irmão;
46. Em 29/10/2010, o arguido foi preso preventivamente, à ordem do processo 51/09.0PBMAI, do extinto 4º Juízo Criminal de Matosinhos;
47. No período antecedente à reclusão residia com a companheira, relação que entretanto estabelecera e da qual nasceu um filho, actualmente com cinco anos de idade;
48. Trabalhava, em regime de biscates, na área da construção civil, juntamente com o pai da companheira, auxiliando pontualmente a mãe na frutaria que esta explorava, e usufruía, ainda, do rendimento social de inserção, que lhe foi atribuído em Agosto de 2008;
49. Permanecia em acompanhamento de liberdade condicional, colaborando e cumprindo com as apresentações na equipa da D.G.R.S.P., serviço que, junto dos familiares e de elementos sociais, recolhia informações positivas e normativas acerca do arguido;
50. Desde 11/06/2013 o arguido cumpre o remanescente de 3 anos e 1 mês, relativos à revogação de liberdade condicional, da pena inicial de 9 anos de prisão aplicada no processo 329/01.0JELSB, do extinto 1º Juízo Criminal de Cascais, tendo ainda a cumprir o remanescente da pena de 9 anos de prisão aplicada no processo 51/09.0PBMAI do extinto 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Matosinhos;
51. No período reportado a Novembro de 2013 e Janeiro de 2014, o arguido permanecia em cumprimento da pena de prisão aplicada no processo 329/01.0JELSB referido no ponto anterior, no Estabelecimento Prisional do Porto;
52. Mantinha um comportamento adaptado ao meio institucional e, além de ser frequentador do ginásio, foi colocado a trabalhar na secção desportiva, auferindo uma compensação pecuniária, sendo uma parte revertida para o fundo de reserva, para uso no seu processo de reinserção, e outra para suprir as despesas com a aquisição de alguns bens enquanto institucionalizado;
53. Registou uma punição por ter danificado o selo aposto na consola de jogos pela administração prisional, para evitar o acesso ao interior de aparelho;
54. Face à tipologia dos crimes pelos quais se encontra condenado, o arguido assume, perante os técnicos da D.G.R.S.P., uma atitude de sentido crítico, considerando-os graves pelas consequências que se repercutiram nas vítimas, verbalizando arrependimento;
55. E face à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, analisados em abstracto, verbaliza, perante os técnicos da D.G.R.S.P., reconhecimento da sua ilicitude e das suas consequências;
56. O arguido, enquanto recluso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde se encontra desde 21/02/2014, tem registado uma conduta adequada e cumpridora das normas da instituição, sem registo de punições, e solicitou aos serviços competentes a sua integração ao nível laboral;
57. O arguido beneficia do apoio da família, nomeadamente da mãe, dos irmãos e da companheira, que o visitam regularmente e verbalizam disponibilidade para dar continuidade ao apoio em meio livre e/ou futuras medidas de flexibilização da pena de que aquele venha a beneficiar;
58. Na conclusão do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. relativamente ao arguido C… diz-se:
“C… é um indivíduo com uma estrutura familiar aparentemente equilibrada e funcional e pautada pela transmissão de valores pró-sociais.
Contudo do seu percurso de vida sobressaem como constrangimentos: o envolvimento em contextos sociais de risco, o anterior cumprimento de pena de prisão, na qual beneficiou de liberdade condicional, medida que foi revogada pela prática de novos crimes e atual reclusão.
Em meio institucional tem apresentado um comportamento normativo e implicado para o exercício de uma atividade laboral, bem como, continua a dispor de apoio ao nível familiar consubstanciado nas visitas que lhe efetuam no estabelecimento prisional.
Do exposto, consideramos que as necessidades subsistentes de C… se situam essencialmente ao nível do afastamento de contextos sociais e grupos de risco, na manutenção de uma conduta institucional adequada que lhe permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais de forma a interiorizar os efeitos da pena aplicada.”;
59. O arguido B… já foi condenado:
a) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 30/10/2004 e decisão de 23/02/2005, na pena de 60 dias de multa, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho de 27/09/2005;
b) pela prática de um crime de falsificação de documento, por factos de 15/07/2002 e decisão de 30/06/2009, na pena de 220 dias de multa, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho de 05/01/2011;
c) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 03/06/2010 e decisão de 23/09/2010, na pena de 90 dias de multa, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho de 06/05/2011;
60. O arguido C… já foi condenado:
a) no âmbito do processo 329/01.0JELSB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, por factos situados entre finais de 2000 e 01/02/2002, de um crime de detenção de arma proibida e dois crimes de falsificação de documento, por factos de 01/02/2002, e de um crime de favorecimento pessoal, por factos de Fevereiro de 2002, e decisão de 08/08/2003, parcialmente alterada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/08/2004, por sua vez parcialmente alterado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2005, transitado em julgado em 14/02/2005, na pena única de 9 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 31/12/2007, até 01/02/2011, período que faltava cumprir, a qual veio a ser revogada por decisão de 23/11/2012;
b) no âmbito do processo 51/09.0PBMAI, pela prática de dois crimes de roubo qualificado, de dois crimes de sequestro, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos de 17/01/2009, de 19/01/2009 e de 28/10/2010 e decisão de 03/10/2011, transitada em julgado em 06/08/2012, na pena única de 9 anos de prisão.
**
2. Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
a) que foi em finais de 2013 que o arguido C… abordou o arguido B… nos termos referidos no ponto 2;
b) que por cada entrega o arguido B… recebia 50 euros;
c) que entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014 o arguido B… fez três entregas de resina de canabis ao arguido C…, pelas quais recebeu, no total, 150 euros;
d) que, para além do que ficou a constar do ponto 8, já em finais de Janeiro de 2014 a conduta do arguido B… começou a levantar suspeitas perante os demais guardas prisionais;
e) que o indivíduo referido nos pontos 3 e 4 era de raça negra;
f) que o referido no ponto 5 foi por indicação do arguido C…;
g) que foi por serem mais volumosos que os restantes embrulhos foram deixados no interior do porta-luvas do veículo;
h) que o relatado no ponto 9 ocorreu por volta do almoço;
i) que o referido no ponto 10 já havia acontecido de outras três vezes;
j) que o arguido B… recebeu o montante referido no ponto 11 por se tratar de uma quantidade de produto estupefaciente maior;
l) que o relatado na matéria de facto ocorreu no âmbito de um plano mais abrangente, já elaborado anteriormente, desde finais de 2013, por ambos os arguidos;
m) que, para além da quantia referida no ponto 11, o arguido B… pretendia e iria obter proventos económicos directamente da venda e/ou cedência do estupefaciente a outros reclusos;
n) que os arguidos iriam repartir entre si os proventos da actividade de venda e/ou cedência do estupefaciente a outros reclusos;
o) que a totalidade da quantia referida no ponto 11 se destinava a ser gasta com o consumo de bebidas alcoólicas;
p) que na altura dos factos “os registos de moralidade e consequência” do arguido B… se encontravam corrompidos pelo efeito do álcool.
*
Anote-se que as demais circunstâncias relatadas e considerações efectuadas na acusação e na contestação de fls. 531 a 539 não foram tidas em conta (não constando nem dos factos provados nem dos factos não provados), quer por conterem meros juízos conclusivos ou matéria de direito, quer por traduzirem referência a meios de prova (as alusões às apreensões) - a título de exemplo, cita-se o Ac. do S.T.J. de 02/06/2005, publicado na Internet, em www.dgsi.pt/jstj, com o nº de processo 05P1441: só “os factos com relevo para a decisão da causa” é “que a lei manda enunciar na sentença, procedendo-se, se necessário, e na extensão tida por necessária, ao «aparo» ou «corte» do que, porventura em contrário e com carácter supérfluo, provenha da acusação ou, mesmo, da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária”.
**
3. Convicção do Tribunal:
Formou-se esta com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, nos seguintes termos:
- considerou-se o que resultou da conjugação, apreciada à luz das regras normais da experiência comum relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P., das declarações do arguido B…, que aludiu à abordagem que lhe foi feita pelo arguido C… e descreveu os factos que praticou nos dias 24 e 26 de Janeiro de 2014, embora negando que lhe tivesse sido dito que os embrulhos continham estupefaciente e que soubesse ou se tivesse apercebido de uma tal circunstância e que o dinheiro que trazia consigo no dia 26 fosse remuneração dos seus actos (referiu que apenas recebeu € 50,00 no dia 24 e que lhe foi dito que depois iria receber mais), com os depoimentos das testemunhas D…, chefe da guarda prisional, no Estabelecimento Prisional do Porto, onde exerce funções desde Setembro de 2013, o qual esteve presente em diligências de revista e de busca ao arguido B…, depois de lhe ter sido comunicada a apreensão dos embrulhos, que viu, concluindo logo pela forma como o produto estava embrulhado que seria estupefaciente, explicou que o dia em causa era um Domingo e que o arguido B… não estava escalado para fazer serviço nesse fim-de-semana, tendo sido ele quem pediu para trocar o turno, sendo certo que ao fim-de-semana é mais fácil conseguir a introdução de objectos no Estabelecimento Prisional sem ser notado, deu conta de que havia suspeitas (é-lhe dado conta logo na fase inicial do seu exercício de funções naquele Estabelecimento Prisional pelas chefias das pessoas sobre quem recaem suspeitas) de que o arguido B… fazia negócios não autorizados com reclusos, designadamente entregas de estupefacientes (o que também resultava de conversas que ouvia de reclusos), e de que o arguido C… era referenciado como recepcionando estupefacientes, explicando que havia vários rumores de que o arguido B… conversava muito com o arguido C…, e anotou que um recluso que trate da faxina pode ter acesso para fazer limpeza ao local referido no ponto 5, podendo este último arguido, que também exercia funções de faxina, embora no ginásio e não ali, arranjar forma de contactar com quem ali exercesse tais funções; E…, chefe da guarda prisional, no Estabelecimento Prisional do Porto, desde Novembro de 2013, que esteve presente numa das buscas efectuadas e tomou conhecimento das apreensões no âmbito das suas funções, sendo que quando viu os embrulhos não teve qualquer dúvida, pelo seu aspecto, de que se relacionava com haxixe, sendo certo que os objectos que normalmente se tentam fazer circular no interior do Estabelecimento Prisional, para além do estupefaciente, são telemóveis, cartões e anabolizantes para o desporto, F… e G…, o primeiro chefe da guarda prisional e o segundo guarda prisional no Estabelecimento Prisional do Porto, que elaboraram os autos de notícia de fls. 5 e 7, respectivamente, tendo o primeiro presenciado a forma como o arguido B… actuou para conseguir aceder ao local referido no ponto 5 e visto o mesmo a passar para o local onde fica a estufa, tendo descoberto em seguida o embrulho escondido, e o segundo visto o mesmo arguido a retirar do veículo e a atirar para o jardim o quarto embrulho que veio a ser encontrado, tendo este ainda confirmado que todos os guardas prisionais têm acesso ao ginásio, e H…, guarda prisional no Estabelecimento Prisional do Porto, que também presenciou a forma como o arguido B… actuou para conseguir aceder ao local referido no ponto 5, o que estranhou, pelo que de seguida entrou no mesmo local e encontrou os dois embrulhos na gaveta, tendo elaborado o auto de notícia de fls. 2 e 3, explicou que a limpeza dos gabinetes das técnicas é feita ao fim-de-semana e nesse dia ainda não tinha ido lá ninguém limpar, que o arguido C… era referenciado por posse de material ilícito, incluindo droga, não só pelos guardas prisionais, mas também por outros reclusos, e que o arguido B… era um dos vários guardas igualmente referenciados;
- e com o teor dos autos de notícia de fls. 2 e 3, 5 e 7, autos de apreensão de fls. 4, 6 e 8, auto de revista pessoal de fls. 9, autos de busca e apreensão de fls. 11 e 12, 33 e 35, relatório, com a reportagem fotográfica respectiva, de fls. 56 a 76, exame pericial a telemóvel de fls. 140, auto de leitura de conteúdo de telemóvel de fls. 256 e 257 e relatório do exame pericial de fls. 143 e 144, com o aditamento de fls. 634 e 635;
- especificamente quanto ao conhecimento por parte do arguido B… de que transportava estupefaciente, considerou-se o que resulta das regras da experiência da simples análise das características externas dos embrulhos em causa, visível nas fotografias de fls. 57 a 60 e 65, com a forma típica que é habitual terem aqueles que contêm placas de haxixe, que não é, nem pode ser, desconhecida de um guarda prisional com 14 anos de exercício de funções, como, aliás, foi confirmado pelos chefes D… e E…, já referidos, para além dos contornos de todas a conduta do arguido desde que combina o recebimento dos embrulhos até que os leva para o interior do Estabelecimento Prisional, da qual não podia resultar o desconhecimento de que se tratava de objectos cuja posse era ilícita no interior do Estabelecimento Prisional, e pela simples análise se podia ver que não se tratava nem de telemóveis, nem cartões, sendo que o quarto embrulho, que continha comprimidos, de acordo com o referido pelo próprio arguido, se conseguia perceber que era diferente dos três restantes, sendo perceptível que se tratava de comprimidos e estando embrulhado em papel diferente do que os restantes embrulhos, como foi confirmado pelo próprio arguido (portanto, no que se refere a eventuais substâncias anabolizantes também facilmente perceptível de que só aquele embrulho e não os restantes as conteriam – e note-se que efectivamente se tratava de cafeína, uma substância estimulante, que actua no sistema nervoso central e provoca efeitos também ao nível do sistema respiratório, sendo considerada “doping” nos vários desportos de competição), para além de que o facto de o arguido ter tentado “desmarcar” os embrulhos que ainda tinha consigo quando se começou a sentir vigiado é elucidativo de que o mesmo tinha perfeito conhecimento do que se tratava;
- igualmente quanto à proveniência da quantia em dinheiro referida no ponto 11 se considerou as regras da experiência, até porque as declarações do arguido B… nesse sentido não mereceram credibilidade, não sendo consentâneas com o normal suceder – não é normal que andasse com € 510,00 no bolso do casaco ao longo do dia quando está em exercício de funções no Estabelecimento Prisional, mesmo que tivesse o destino que referiu, pois que, nesse caso, seria normal que a guardasse num dos cacifos que tinha à disposição (os que foram objecto das buscas relatadas nos autos de fls. 11 e 12 e 33) e a fosse buscar quando dela necessitasse ou se fosse embora.
Ademais, o arguido referiu que € 400,00 eram para pagar a renda ao senhorio, que era seu colega de profissão no mesmo Estabelecimento Prisional e estava de serviço nesse dia, e o restante para combustível, telemóvel e outros gastos, sendo certo que mais de € 100,00 não seriam os seus gastos desse dia e não seria normal que andasse com quantia superior às necessidades diárias (ademais o combustível não se abastece nem os telemóveis se carregam todos os dias), e que, mesmo a aceitar-se a questão da renda, que também não ficou bem explicada, nem mesmo pelo depoimento do referido colega, a testemunha M…, este referiu que a quantia que tinha a receber era só € 200,00, para além de não ter qualquer conhecimento da sua proveniência (mesmo que fosse para a renda, não significa que não lhe tivesse sido entregue como remuneração do serviço que prestou, e o arguido não explicou minimamente essa proveniência);
- no que concerne ainda à consciência da actuação do arguido B…, que o tribunal considerou verificar-se, não obstante o por este alegado na contestação, que não resultou minimamente demonstrado, considerou-se do mesmo modo presunção judicial retirada do modo de actuação do arguido, que se apurou nos termos já referidos, e das declarações por si prestadas, de onde resulta que aquele conhece bem o significado e alcance dos actos em questão, assim como a ilicitude da conduta em causa, o que já sucedia à data dos factos, pois que o mesmo teve perfeito discernimento e consciência da sua actuação, a ponto de ter usado de um subterfúgio para colocar os embrulhos no local referido no ponto 5, de ter percebido que estava a ser vigiado e alvo de suspeitas e de, na sequência disso, ter ido tentar “desmarcar” os produtos que ainda tinha consigo, além de, como admitiu, estar a actuar para receber dinheiro em troca, com consciência de introduzir objectos cuja entrada no Estabelecimento Prisional e entrega aos reclusos não era permitida (apenas não admitiu que fosse especificamente estupefaciente – no que se afigura tratar-se de uma forma de desculpabilização, na medida em que o entregar determinados objectos no interior do Estabelecimento Prisional aos reclusos pode ser infracção disciplinar, mas não constitui qualquer crime a não ser que se trate de estupefaciente).
Por outro lado, embora tenha sido genericamente referido pelas testemunhas ouvidas, para além das já referidas, também N…, guarda prisional no Estabelecimento Prisional do Porto, O…, que foi companheira do arguido até ao final do ano anterior à data dos factos, e P…, enfermeiro que exerce funções no Estabelecimento Prisional do Porto, que o arguido tinha um “problema” com bebidas alcoólicas, não foi unânime a dimensão da situação, nem a notoriedade da mesma, e, de todo o modo, de nenhum dos depoimentos resultou a impossibilidade de exercício de todas as funções por parte do arguido, sendo certo que em situações de alcoolismo crónico, há uma certa habituação do organismos à bebida, com uma resistência à mesma completamente diferente daquela de uma pessoa que não beba habitualmente bebidas alcoólicas;
- relativamente à participação do arguido C… nos factos em causa, como decorre de tudo o que se descreveu, as declarações do arguido B… são o elemento aglutinador e fundamental de todos os restantes elementos de prova produzidos, os quais, vistos em conjunto, permitem ao tribunal chegar à convicção da descrição fáctica que ficou a constar da matéria de facto.
É de notar que, no caso, não existe qualquer circunstância que impeça a valoração das declarações prestadas por este arguido, nomeadamente não se verifica o impedimento previsto no art. 345º, nº 4, do C.P.P. (actual redacção, que veio consagrar expressamente na lei, aquele que era já um entendimento que vinha sendo defendido doutrinal e jurisprudencialmente), pois que o arguido não se recusou a responder a quaisquer das perguntas que lhe foram formuladas, quer pelos juízes, quer na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público e pelos defensores (incluindo a defensora do co-arguido), tendo respondido a tudo quanto lhe foi perguntado e prestado os esclarecimentos que lhe foram solicitados.
E que tais declarações, não obstante se tratar de um co-arguido, mereceram credibilidade, beneficiando de corroboração de outros elementos objectivos a ele exteriores, como os depoimentos já analisados que deram conta das referências que já existiam quanto a estes dois arguidos, incluindo a circunstância de ambos conversarem muito um com o outro, de o arguido C… ter acesso a outros reclusos com as mesmas funções de faxina, incluindo no gabinete das técnicas (cuja limpeza era realizada ao fim-de-semana), de este fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que para o efeito utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho, e ainda a circunstância de o arguido B… ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, com quem estabeleceu contactos nomeadamente nos dias 24 e 26 de Janeiro de 2014, como consta do auto de leitura de conteúdo de telemóvel de fls. 256 e 257, o que corrobora as explicações que o mesmo deu de que se tratava do contacto do indivíduo que lhe entregou os embrulhos e a quem associou o nome do arguido C… por ser este com quem combinou os factos e a quem se destinava a entrega, sendo certo que o arguido B… nos dias anteriores (e o contacto já estava gravado pelo menos antes do dia 18 de Janeiro, dia em que já existem registos de tentativas de chamadas desse contacto) não estava certamente à espera de vir a ser descoberto, não sendo de se esperar que tivesse introduzido o contacto de propósito, para, por algum motivo, prejudicar o arguido C…, já a pensar que iria ser apanhado e o telemóvel apreendido, e não existindo quaisquer motivos que objectivamente pusessem em causa essa credibilidade, nomeadamente não se verificou a existência de quaisquer motivos espúrios para a incriminação do co-arguido.
Sobre as declarações dos co-arguidos, a sua admissibilidade e a sua respectiva valoração pelo tribunal, existe vária jurisprudência publicada, podendo ver-se, a título de exemplo, e para um melhor entendimento da questão, entre outros, os Acs. do S.T.J., o primeiro e o terceiro sumariados e os restantes publicados na Internet, em www.dgsi.pt/jstj, de 28/06/2001, com o nº de processo 01P1552, de 12/07/2006, com o nº de processo 06P1608, de 31/10/2007, com o nº de processo 07P630, de 27/11/2007, com o nº de processo 07P3872, de 12/03/2008, com o nº de processo 08P694, e de 18/06/2008, com o nº de processo 08P1971 (refira-se que a recente alteração do C.P.P., nomeadamente a já referida alteração da redacção do art. 345º, nº 4, não altera por qualquer forma o que vem dito nos Acórdãos proferidos antes da sua respectiva entrada em vigor).
Permitimo-nos aqui citar apenas uma curta passagem do Ac. do S.T.J. de 12/03/2008, que nos merece especial destaque, face à Lei Nova e porque elaborado já alguns meses após a sua entrada em vigor, portanto seguramente já tendo em conta um estudo mais sedimentado da questão (os sublinhados são da nossa responsabilidade):
Será, pois, a nível de valoração em concreto do depoimento produzido que se coloca a questão da relevância do depoimento do arguido. Como refere Carlos Clement Duran a imputação que um coacusado realiza contra outro coacusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o coacusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal. Porém pelo seu próprio peso específico já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contem não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.
Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz á inexistência de motivos espúrios e á existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.”.
Em conclusão, em face dos meios de prova produzidos, nos termos que se acabaram de analisar, não pôde este tribunal senão concluir, nos termos das regras e princípios de apreciação da prova supra referidos, que os dois arguidos participaram nos factos descritos na matéria de facto, pela forma que aí ficou descrita;
- quanto à situação pessoal dos arguidos, consideraram-se os C.R.C.’s de fls. 510 a 515 e de fls. 566 a 569, a certidão judicial de fls. 682 a 775, os relatórios sociais de fls. 581 a 585 e de fls. 645 a 648, bem como, quanto ao arguido B…, os depoimentos das testemunhas, já referidas, O…, M… e P…;
- quanto aos factos não provados, tal deveu-se:
- a não se ter feito qualquer prova em audiência de julgamento sobre os mesmos, quanto às alíneas a), b), c), e), i), j), l) e n);
- a ter resultado provado antes e apenas, ou em contrário, o que ficou a constar da matéria de facto, pelos motivos já explicados; quanto às alíneas d), f), g), h), m), o) e p), sendo de referir, quanto à alínea o), que, para além de ser normal, de acordo com as regras da experiência que, mesmo um alcoólico, tendo num dado momento uma quantia de € 510,00, a gastasse indistintamente em todas as despesas que tivesse nesse momento e não só em bebida, o próprio arguido, nas suas declarações, indicou outros destinos concretos para parte dessa quantia;
- não se considerou o documento junto pelo arguido em audiência, de fls. 637 a 641, denominado “relatório de avaliação psicológica”, pois que, não se tratando de uma perícia, mas apenas de um documento particular, resultou de uma avaliação do arguido efectuada a pedido do seu mandatário, efectuada em duas sessões, de propósito para este julgamento, em momento próximo do mesmo, e tendo como base unicamente aquilo que unicamente foi contacto ao psicólogo subscritor pelo próprio arguido B…, sem corroboração, nomeadamente quanto ao grau de consumo de bebidas alcoólicas, pela restante prova produzida, e já referida;
- anote-se, finalmente, que, não tendo sido valoradas, como prova, as declarações proferidas pelo arguido B… em sede de primeiro interrogatório judicial, fica prejudicada a questão que nessa parte foi levantada pelo arguido na sua contestação.

Atentas as conclusões do recursos interpostos, sendo dessa súmula que se extrai o objecto dos recursos interpostos, salvo questões de cariz oficioso que caibam ser conhecidas em sede de recurso, podemos concluir serem as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:

Recurso de B…
a) A inimputabilidade/imputabilidade diminuída em razão do alcoolismo que padece.

Recurso de C…

a) Impugnação da factualidade assente sob os pontos 2º, 3º, 4º, 10º, 12º, 13º e 14º dos factos provados atenta a valoração das declarações do co-arguido e o aproveitamento de prova indirecta.
b) A medida da pena é desproporcional e exagerada atenta a culpa. suspensão da execução da pena.

Vejamos então, começando pelo recurso do recorrente B….

Alega o recorrente que o Tribunal não ponderou, como o devia ter feito, o facto de o recorrente padecer de alcoolismo severo, o que lhe retira a capacidade de agir em conformidade com o direito, devendo ser declarado inimputável ou com imputabilidade diminuída.

Ora, tal qual aponta o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância o recorrente não impugna a matéria de facto assente pelo Tribunal, conformando-se com a mesma.

Conforme resulta da factualidade assente, deu o Tribunal como provado que:

“12. Os arguidos conhecem as propriedades estupefacientes da resina de canabis e, não obstante, combinaram agir do modo descrito nos pontos anteriores, fazendo-o no interior do Estabelecimento Prisional do Porto, onde o arguido B… era, à data, guarda prisional, incumbindo-lhe, entre outras funções, prevenir e evitar que este tipo de actividade fosse exercida no seu interior;
13. Os arguidos agiram concertadamente, com divisão de tarefas, mediante um acordo prévio entre ambos, no caso do arguido B… com o intuito de obter remuneração monetária pelo serviço prestado ao arguido C… e no caso deste último com o intuito de obter proventos económicos com a venda e/ou cedência dos produtos estupefacientes referidos a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional do Porto;
14. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta infringia a lei;
27. No Estabelecimento Prisional, o arguido tem apresentado uma conduta de acordo com as normas vigentes e uma atitude cordata em termos relacionais;
30. Esta problemática, que o levava, nos últimos tempos, a consumir bebidas alcoólicas logo pela manhã para conseguir iniciar o seu dia, aparentemente não lhe terá trazido quaisquer consequências a nível profissional, não havendo conhecimento da existência de qualquer penalização, repreensão ou condicionamento a tratamento durante os anos de serviço, enquanto guarda prisional;

37. O arguido possui noção do ilícito, do dano causado a terceiros, das repercussões e impacto no meio socioprofissional, bem como nos seus familiares, embora afirmando perante os técnicos da D.G.R.S.P. que, pelo facto de andar sempre alcoolizado, não terá tido o discernimento necessário para se afastar de determinadas situações;
38. Na conclusão do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. relativamente ao arguido B… diz-se:
“Da avaliação global efectuada, constata-se que B… apresentava um estilo de vida aparentemente organizado a nível sócio profissional, embora francamente condicionado pelos hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas que terão sido determinantes para a ruptura de relações matrimoniais e eventualmente, mesmo que de forma indirecta para situação jurídico-penal em que se encontra.
A postura adoptada após a entrada no estabelecimento prisional, com adesão ao processo de tratamento que, no presente, considera imprescindível para alterar o seu anterior estilo de vida, constituiu-se, a par com o apoio familiar como factor de proteção de risco de reincidência.
Não obstante, percepcione a gravidade das acusações de que é alvo e as consequências que lhe podem advir, revela uma atitude de negação e desculpabilização, pelo menos na totalidade dos fundamentos das mesmas, baseada na incapacidade de discernimento e análise critica das suas acções face à problemática alcoólica de que é detentor.
Independentemente da medida que vier a ser aplicada, consideramos que B… deverá manter o tratamento da problemática alcoólica em curso, até alta clínica.””

Para aí chegar, o Tribunal a quo apreciou a prova e fundamentou a sua convicção sobre a imputabilidade do recorrente, dizendo: “- no que concerne ainda à consciência da actuação do arguido B…, que o tribunal considerou verificar-se, não obstante o por este alegado na contestação, que não resultou minimamente demonstrado, considerou-se do mesmo modo presunção judicial retirada do modo de actuação do arguido, que se apurou nos termos já referidos, e das declarações por si prestadas, de onde resulta que aquele conhece bem o significado e alcance dos actos em questão, assim como a ilicitude da conduta em causa, o que já sucedia à data dos factos, pois que o mesmo teve perfeito discernimento e consciência da sua actuação, a ponto de ter usado de um subterfúgio para colocar os embrulhos no local referido no ponto 5, de ter percebido que estava a ser vigiado e alvo de suspeitas e de, na sequência disso, ter ido tentar “desmarcar” os produtos que ainda tinha consigo, além de, como admitiu, estar a actuar para receber dinheiro em troca, com consciência de introduzir objectos cuja entrada no Estabelecimento Prisional e entrega aos reclusos não era permitida (apenas não admitiu que fosse especificamente estupefaciente – no que se afigura tratar-se de uma forma de desculpabilização, na medida em que o entregar determinados objectos no interior do Estabelecimento Prisional aos reclusos pode ser infracção disciplinar, mas não constitui qualquer crime a não ser que se trate de estupefaciente).
Por outro lado, embora tenha sido genericamente referido pelas testemunhas ouvidas, para além das já referidas, também N…, guarda prisional no Estabelecimento Prisional do Porto, O…, que foi companheira do arguido até ao final do ano anterior à data dos factos, e P…, enfermeiro que exerce funções no Estabelecimento Prisional do Porto, que o arguido tinha um “problema” com bebidas alcoólicas, não foi unânime a dimensão da situação, nem a notoriedade da mesma, e, de todo o modo, de nenhum dos depoimentos resultou a impossibilidade de exercício de todas as funções por parte do arguido, sendo certo que em situações de alcoolismo crónico, há uma certa habituação do organismos à bebida, com uma resistência à mesma completamente diferente daquela de uma pessoa que não beba habitualmente bebidas alcoólicas;”

Ora, não sendo impugnada a matéria de facto assente, haverá de ter-se como esclarecedora do verdadeiro estado de discernimento do recorrente no cometimento dos factos a sua perfeita capacidade de entender e querer agir de molde a concretizá-los, não se revelando afectado com qualquer incapacidade mental, proveniente da ingestão de álcool que o tivesse determinado com ausência de sentido critico.

Como muito bem se revela na fundamentação da convicção do Tribunal, o recorrente no dia dos factos, teve perfeita consciência da ilicitude do seu comportamento, apercebendo-se que estava a ser vigiado e que necessitava de dar descaminho aos pacotes que transportava.

O recorrente, embora padecendo daquela doença – alcoolismo – mantinha uma conduta social e profissional ajustada às suas funções, jamais tendo sido punido disciplinarmente em resultado das mesmas, ou seja, e como ficou assente, no Estabelecimento Prisional o recorrente apresentava uma conduta de acordo com as normas vigentes e uma atitude cordata, o que revela a sua capacidade de orientação de acordo com as normas, tendo capacidade de distinguir o que lhe era do que não era permitido.

Assim, bem andou o Tribunal da 1ª Instância ao atribuir responsabilidade criminal ao recorrente, como imputável, razão pela qual se julga improcedente o recurso.

Recurso de C….

Veio o recorrente alegar e concluir que se mostram erradamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto assente:

2. Em data não concretamente apurada, mas sempre anterior a 24 de Janeiro de 2014, o arguido C… abordou o arguido B…, no sentido de este introduzir naquele Estabelecimento Prisional resina de canabis para depois, aí dentro, aquele vender e/ou ceder tal substância a outros reclusos, ao que este anuiu;
3. Para o efeito combinaram que o arguido B… se iria encontrar no café “J…”, mesmo em frente ao Estabelecimento Prisional do Porto, com um indivíduo que não foi possível identificar e que lhe iria entregar os embrulhos de resina de canabis, que, depois, aquele iria introduzir nesse estabelecimento prisional e entregar ao arguido C…, o qual iria vender/ceder tal produto estupefaciente a outros reclusos que, aí dentro, o abordassem para esse efeito;
4. Assim, na sequência do referido nos pontos 2 e 3, no dia 24 de Janeiro de 2014, o arguido B… encontrou-se no exterior do Estabelecimento Prisional do Porto com o referido indivíduo desconhecido, que lhe entregou quatro embrulhos contendo um deles cafeína com o peso bruto de 286,421 gramas e os restantes resina de canabis, sendo um com duas placas, com o peso líquido de 202,019 gramas e o grau de pureza de 13,5%, outro com duas placas, com o peso líquido de 201,247 gramas e o grau de pureza de 13,1%, e o terceiro com uma placa, com o peso líquido de 99,914 gramas e o grau de pureza de 14,1%;
10. Os embrulhos referidos no ponto 4 destinavam-se a ser entregues ao arguido C…, nos termos do acordo relatado nos pontos 2 e 3;
12. Os arguidos conhecem as propriedades estupefacientes da resina de canabis e, não obstante, combinaram agir do modo descrito nos pontos anteriores, fazendo-o no interior do Estabelecimento Prisional do Porto, onde o arguido B… era, à data, guarda prisional, incumbindo-lhe, entre outras funções, prevenir e evitar que este tipo de actividade fosse exercida no seu interior;
13. Os arguidos agiram concertadamente, com divisão de tarefas, mediante um acordo prévio entre ambos, no caso do arguido B… com o intuito de obter remuneração monetária pelo serviço prestado ao arguido C… e no caso deste último com o intuito de obter proventos económicos com a venda e/ou cedência dos produtos estupefacientes referidos a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional do Porto;
14. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta infrigia a lei.”.

Tais factos advieram apenas das declarações do co-arguido B…, “pelo que, inexistindo outros quaisquer meios de prova que corroborem as declarações do co-arguido B…, a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para condenar o Arguido C…”

Vejamos então.

Fundamentou o Tribunal a sua convicção, quanto ao envolvimento e culpabilidade do recorrente pela forma seguinte:
“- relativamente à participação do arguido C… nos factos em causa, como decorre de tudo o que se descreveu, as declarações do arguido B… são o elemento aglutinador e fundamental de todos os restantes elementos de prova produzidos, os quais, vistos em conjunto, permitem ao tribunal chegar à convicção da descrição fáctica que ficou a constar da matéria de facto.
É de notar que, no caso, não existe qualquer circunstância que impeça a valoração das declarações prestadas por este arguido, nomeadamente não se verifica o impedimento previsto no art. 345º, nº 4, do C.P.P. (actual redacção, que veio consagrar expressamente na lei, aquele que era já um entendimento que vinha sendo defendido doutrinal e jurisprudencialmente), pois que o arguido não se recusou a responder a quaisquer das perguntas que lhe foram formuladas, quer pelos juízes, quer na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público e pelos defensores (incluindo a defensora do co-arguido), tendo respondido a tudo quanto lhe foi perguntado e prestado os esclarecimentos que lhe foram solicitados.
E que tais declarações, não obstante se tratar de um co-arguido, mereceram credibilidade, beneficiando de corroboração de outros elementos objectivos a ele exteriores, como os depoimentos já analisados que deram conta das referências que já existiam quanto a estes dois arguidos, incluindo a circunstância de ambos conversarem muito um com o outro, de o arguido C… ter acesso a outros reclusos com as mesmas funções de faxina, incluindo no gabinete das técnicas (cuja limpeza era realizada ao fim-de-semana), de este fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que para o efeito utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho, e ainda a circunstância de o arguido B… ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, com quem estabeleceu contactos nomeadamente nos dias 24 e 26 de Janeiro de 2014, como consta do auto de leitura de conteúdo de telemóvel de fls. 256 e 257, o que corrobora as explicações que o mesmo deu de que se tratava do contacto do indivíduo que lhe entregou os embrulhos e a quem associou o nome do arguido C… por ser este com quem combinou os factos e a quem se destinava a entrega, sendo certo que o arguido B… nos dias anteriores (e o contacto já estava gravado pelo menos antes do dia 18 de Janeiro, dia em que já existem registos de tentativas de chamadas desse contacto) não estava certamente à espera de vir a ser descoberto, não sendo de se esperar que tivesse introduzido o contacto de propósito, para, por algum motivo, prejudicar o arguido C…, já a pensar que iria ser apanhado e o telemóvel apreendido, e não existindo quaisquer motivos que objectivamente pusessem em causa essa credibilidade, nomeadamente não se verificou a existência de quaisquer motivos espúrios para a incriminação do co-arguido.”

Podemos assim concluir que foram as declarações do co-arguido B… que alicerçaram a convicção do Tribunal, tal qual apontou o recorrente.

Quanto à possibilidade de a convicção do Tribunal ser alicerçada nas declarações de um co-arguido, fundamentou o Tribunal citando diversa jurisprudência nesse sentido, e disso não temos dúvidas quanto a essa possibilidade.

No mesmo sentido e acrescentando mais um recente aresto, agora deste Tribunal da Relação, podemos mencionar o acórdão proferido nos autos nº 1/07.8GASTS.P1, disponível em www.dgsi.pt e que diz:

I - Na ausência de regra tarifada sobre prova por declarações do co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação da prova, mas com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração.
II - Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas permita concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova das declarações do co-arguido mas apenas de algo mais que convença da correção dessa versão dos factos.
III - Aquilo que pode minar a força probatória das declarações do coarguido é uma suspeição, baseada no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina o outro para se defender ("não fui eu, foi ele") ou para dividir a sua responsabilidade ("não fui apenas eu, fomos os dois"). Pode ainda ter um interesse geral de pseudocontribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.
IV - Revela-se prudente desconfiar, não de todas declarações do co-arguido, mas das declarações do co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente às declarações do arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação.
V - Nada impede que o tribunal valore declarações prestadas por um coarguido, mesmo que em prejuízo de outros arguidos, ainda que não disponha de outros meios de prova que corroborem tais declarações.
Reclamações:

Assentemos então na possibilidade de valoração das declarações de um co-arguido quanto à conduta do outro, mas, tal qual é referido pela jurisprudência haverá que ter algumas cautelas e ter um grau de exigência superior quanto à credibilidade das mesmas, exigência essa que deve acompanhar os meios de prova que vierem a ser mencionados enquanto corroborantes dessa versão dos acontecimentos.

Ou seja, juntamente com as declarações do co-arguido, terá o julgador que munir-se de prova corroborante sólida e convincente.

No caso dos autos, e com o devido respeito, não se afigura que tal tenha acontecido.

Estatui o artigo 410º, n.º2 do CPP que: mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) erro notório na apreciação da prova.

Através da consagração, no nº2 do artigo 410º do CPP, do recurso de revista alargada, o legislador pretendeu que o recurso de revista visasse, tal como preconizava a melhor doutrina, também a finalidade de obtenção de uma “decisão concretamente justa do caso, sem perder de vista o fim da uniformidade da jurisprudência” – Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I Coimbra, 1967,p. 34 e seguintes.

Os vícios elencados no n.º2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta.

Desde logo, “o fundamento a que se refere a alínea a) do n.º2 do artigo 410º é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente – Ac. STJ de 13.02.91, AJ n.º15/16, p. 7).

Quanto a aquilo que seja o chamado erro notório na apreciação da prova, escreve Maria João Antunes, no seu Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º, n.º2 do CPP, p.120, que é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no artigo 127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.

De acordo com o artigo 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).

O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado ou na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade. (RMP, ano 19, 40).

Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Universidade Católica Editora, salienta que o princípio constitucional de livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado e não viola a constituição da república, antes a concretiza (ac. TC n.º1165/96, reiterado pelo ac. N.º 464/97): A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.

A Constituição da República e a Lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Estes limites dizem respeito: ao grau de convicção requerido para a decisão, à proibição dos meios de prova, à observância do princípio do in dubio pro reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova no sentido de que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova.

O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis. Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.

Na decisão em crise pelo recurso, estão explanados os factos que conduziram à decisão e a possibilitaram, não há qualquer contradição na fundamentação, contudo afigura-se que o Tribunal “forçou” as regras da experiência comum, dando credibilidade a depoimentos que corroborariam as declarações do co-arguido B… e que, atentas as circunstâncias de serem prestados por Guardas Prisionais, inseridos num sistema específico de vigilância e sujeitos a normas disciplinares rígidas, dificilmente poderão alcançar o desiderato pretendido pelo Tribunal, o que configura, erro na apreciação da prova como veremos.

O Tribunal assentou a responsabilidade do recorrente na figura da co-autoria do crime, assentando que ambos os co-arguidos tinham entre si um plano concertado para a introdução daquelas substâncias no interior do E.P.

Se assim não fosse, nenhum acto ilícito –atenta a tipicidade objectiva do crime p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro – haveria de ser imputada ao recorrente.

Ora, dos comportamentos típicos punidos pela norma legal - cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver – nenhum deles se mostra preenchido pelo recorrente, não tendo o mesmo sido surpreendido com produto estupefaciente na sua posse, a oferecer, a por à venda, a distribuir, a comprar, a ceder, a receber, ou a proporcionar a outrem.

O recorrente é incriminado pelo Tribunal porque, segundo se convenceu o Tribunal, havia acordado com o arguido B… a introdução do produto estupefaciente no interior do E.P. e, uma vez por si recebido seria destinado a ceder a outrem.

Tal convencimento assentou nas declarações do arguido B…. Deu o Tribunal credibilidade a estas declarações, mas, note-se apenas nesta parte, já não merecendo credibilidade as declarações do mesmo arguido na parte em que referiu ter agido sob o efeito do álcool, que desconhecia conterem os embrulhos produtos estupefacientes, ou que o dinheiro que trazia consigo não fosse remuneração dos seus actos.

Ou seja, cindiu o Tribunal o depoimento do co-arguido B… e dele aproveitou apenas as partes que serviriam para fundamentar a convicção sobre a responsabilidade criminal do recorrente, não dando valor à parte do depoimento que atenuaria a responsabilidade do mesmo.

Não é, efectivamente, um ponto seguro de construção da convicção tal cisão do depoimento, pois ou quem está a depor merece credibilidade no seu todo, ou não merece, sendo estranho, embora admissível mas que obriga a uma profunda justificação, que não foi feita, o aproveitamento unicamente como credível das partes dos depoimentos que servem para corroborar a acusação e só essas partes.

Assim aconteceu no caso sub judice.

O acordo entre ambos os co-arguidos, - e como vimos só a prova desse facto permitiria a punição do recorrente – com o devido respeito, não pode resultar unicamente da parte do depoimento do arguido B… que mereceu credibilidade ao Tribunal.

Também a prova que o Tribunal chama à colação enquanto corroborante das declarações do arguido B… não se afigura suficientemente forte para ter tal mérito.

Refere o Tribunal que formou a sua convicção sob a co-autoria do crime de tráfico de estupefacientes através dos seguintes depoimentos:

A) Depoimento de D…, chefe da guarda prisional, no Estabelecimento Prisional do Porto, onde exerce funções desde Setembro de 2013, o e que deu conta de que havia suspeitas de que o arguido B… fazia negócios não autorizados com reclusos, designadamente entregas de estupefacientes (o que também resultava de conversas que ouvia de reclusos), e de que o arguido C… era referenciado como recepcionando estupefacientes, explicando que havia vários rumores de que o arguido B… conversava muito com o arguido C….

B) Depoimento de H…, guarda prisional no Estabelecimento Prisional do Porto, que explicou que o arguido C… era referenciado por posse de material ilícito, incluindo droga, não só pelos guardas prisionais, mas também por outros reclusos.

A que acrescentou:

C) O verificação que o recorrente fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que para o efeito utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho;

D) E ainda a circunstância de o arguido B… ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, com quem estabeleceu contactos nomeadamente nos dias 24 e 26 de Janeiro de 2014, como consta do auto de leitura de conteúdo de telemóvel de fls. 256 e 257, o que corrobora as explicações que o mesmo deu de que se tratava do contacto do indivíduo que lhe entregou os embrulhos e a quem associou o nome do arguido C… por ser este com quem combinou os factos e a quem se destinava a entrega.

Não é possível também alhearmo-nos da circunstância de toda a factualidade ocorrer no interior de um Estabelecimento Prisional, com regras, normas, proibições, vigilância, hierarquização, disciplina. Assim nenhum sentido tem dar como assente o “rumor” que o arguido B… fazia negócios com os reclusos. Se o fazia e se esse “rumor” era do conhecimento dos colegas guardas e seus chefes onde está o procedimento disciplinar ou até de inquérito referente a essa actividade ilícita com contornos disciplinares?

Ou seja, não é sustentável juridicamente dar credibilidade a “rumores” especialmente quando quem afirma existirem tem o dever de os investigar e punir.

Depois e pelas mesmas testemunhas é referido que havia suspeitas que o recorrente era referenciado por possuir produtos estupefacientes. Pergunta-se também, como é que era referenciado?

Não estamos na via pública, num contexto de liberdade, estamos a falar do interior de um Estabelecimento Prisional, com Guardas Prisionais cujo dever, assim que seja anotada alguma referência à posse de produtos estupefacientes por parte de um recluso é o de investigar de imediato, sendo inadmissível que venham depor em Tribunal sobre “suspeitas” e “rumores” de comportamentos de presos que não averiguaram ou investigaram, e mais inadmissível é o Tribunal dar credibilidade a essas aparências de factos ilícitos, não concretizados, nem concretizáveis por quem tem obrigação de os apurar.
E também havia vários “rumores” que os arguidos falavam muito entre si, o que, assim dito, sem referenciar sobre o que falavam é insignificante, e irrelevante para configurar nessas muitas conversas um plano de introdução de estupefacientes no interior do E.P.

Deu ainda o Tribunal relevância, como dado objectivo para corroborar a versão do co-arguido B…, ao facto de o recorrente apresentar “uma musculatura trabalhada” o que, na “opinião” – e note-se que aqui é mesmo somente uma opinião do Tribunal, não constando da fundamentação referência a nenhum parecer clínico nesse sentido – ser devida ao uso da cafeína, saltando desta “opinião” para a seguinte ilação: O recorrente tem uma musculatura trabalhada, consegue essa musculatura com a ingestão de cafeína, o B… tentou introduzir cafeína dentro do E.P. logo era destinada ao recorrente para este manter a sua musculatura trabalhada.

Não é possível ir tão longe quanto o Tribunal a quo foi nas suas ilações, e o mesmo se diga quanto ao facto de o telemóvel do arguido B… ter registado um número de telefone sob o nome C1…, coincidente com o apelido do recorrente.

Assim, e com o devido respeito não se encontram nos meios de prova referidos pelo Tribunal qualquer corroboração das declarações do co-arguido, nem as declarações deste, na parte em que se referem ao recorrente são suficientemente sólidas para alicerçar uma convicção de co-autoria no cometimento do crime de tráfico.

Ora, pelo exposto haverá de dar provimento ao recurso e consequentemente alterar a matéria de facto assente pela forma seguinte:

a) Eliminar o ponto 2 dos factos assentes;
b) O ponto 3 dos factos assentes passará a ter a seguinte redacção: “O arguido B… foi encontrar no café “J…”, mesmo em frente ao Estabelecimento Prisional do Porto, com um indivíduo que não foi possível identificar e que lhe iria entregar os embrulhos de resina de canabis, que, depois, aquele iria introduzir nesse estabelecimento prisional”
c) O Ponto 4 dos factos assentes terá a seguinte redacção: “no dia 24 de Janeiro de 2014, o arguido B… encontrou-se no exterior do Estabelecimento Prisional do Porto com o referido indivíduo desconhecido, que lhe entregou quatro embrulhos contendo um deles cafeína com o peso bruto de 286,421 gramas e os restantes resina de canabis, sendo um com duas placas, com o peso líquido de 202,019 gramas e o grau de pureza de 13,5%, outro com duas placas, com o peso líquido de 201,247 gramas e o grau de pureza de 13,1%, e o terceiro com uma placa, com o peso líquido de 99,914 gramas e o grau de pureza de 14,1%;
d) O Ponto 10 dos factos assentes é eliminado.
e) O ponto 12 dos factos assentes terá a seguinte redacção: “O arguido B… conhecia as propriedades estupefacientes da resina de canabis e, não obstante, decidiu introduzir o mesmo no interior do Estabelecimento Prisional do Porto, onde o arguido B… era, à data, guarda prisional, incumbindo-lhe, entre outras funções, prevenir e evitar que este tipo de actividade fosse exercida no seu interior”;
f) O ponto 13 dos factos assentes é eliminado.
g) O ponto 14 dos factos assentes terá a seguinte redacção: “O arguido B… agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta infringia a lei.”

Perante esta nova realidade factual, não é possível assacar qualquer responsabilidade criminal ao arguido/recorrente, pelo que será o mesmo absolvido, sendo nesta parte revogado o acórdão.

3 Decisão

Assim e pelo exposto julga-se:
I) Improcedente o recurso do recorrente B… e, consequentemente mantém-se o acórdão recorrido quanto ao mesmo.
II) Julga-se procedente o recurso do recorrente C… e consequentemente revoga-se o acórdão quanto ao mesmo, sendo alterada matéria de facto nos termos acima expostos e por esse motivo decide-se absolver o mesmo do crime que era acusado nos autos.
III) Custas pelo recorrente B…, fixando-se a taxa de justiça em 4 uc´s

Porto, 3 de Março de 2015
Raul Esteves
Maria Manuela Paupério