Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
335/12.0TYVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: EFEITOS
ARRESTO
BENS ARRESTADOS
SEPARAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20161121335/12.0TYVNG-G.P1
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 637, FLS.100-106)
Área Temática: .
Sumário: I - O arresto constitui uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução, sendo ineficazes em relação ao credor (arrestante) os atos de disposição dos bens arrestados, nos termos do art.º 622.º do CC.
II - Provando-se que o arresto a favor do autor foi registado em data anterior àquela em que a sociedade insolvente adquiriu os bens, tal aquisição é ineficaz e inoponível relativamente ao credor arrestante, sendo os bens onerados insuscetíveis de apreensão a favor da massa insolvente.
III - À conclusão anterior não obsta o disposto no n.º 1 do art.º 149.º do CIRE, considerando que a alínea a) da referida disposição legal se reporta ao arresto para garantia de créditos sobre a insolvente (adquirente dos bens), e o que está em causa na situação enunciada é o arresto para garantia de um crédito sobre a alienante dos bens.
IV - A situação descrita enquadra-se na previsão legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 141.º do CIRE, devendo os bens onerados com arresto com registo anterior à aquisição pela insolvente, serem separados da respetiva massa, a fim de viabilizar a realização do direito do credor arrestante na execução instaurada contra a alienante dos bens, sem prejuízo de reverter para a massa insolvente o remanescente da venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 335/12.0TYVNG-G.P1

Sumário do acórdão:

I. O arresto constitui uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução, sendo ineficazes em relação ao credor (arrestante) os atos de disposição dos bens arrestados, nos termos do art.º 622.º do CC.
II. Provando-se que o arresto a favor do autor foi registado em data anterior àquela em que a sociedade insolvente adquiriu os bens, tal aquisição é ineficaz e inoponível relativamente ao credor arrestante, sendo os bens onerados insuscetíveis de apreensão a favor da massa insolvente.
III. À conclusão anterior não obsta o disposto no n.º 1 do art.º 149.º do CIRE, considerando que a alínea a) da referida disposição legal se reporta ao arresto para garantia de créditos sobre a insolvente (adquirente dos bens), e o que está em causa na situação enunciada é o arresto para garantia de um crédito sobre a alienante dos bens.
IV. A situação descrita enquadra-se na previsão legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 141.º do CIRE, devendo os bens onerados com arresto com registo anterior à aquisição pela insolvente, serem separados da respetiva massa, a fim de viabilizar a realização do direito do credor arrestante na execução instaurada contra a alienante dos bens, sem prejuízo de reverter para a massa insolvente o remanescente da venda.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
O Condomínio do Edifício da …, lote …, sito na Rua …, … e Rua …, …, instaurou ação declarativa, com processo sumário, por apenso ao processo de insolvência, contra a massa insolvente de B…, S.A. e respetivos credores, pedindo a separação da massa insolvente das frações identificadas no artigo 1.º da petição inicial.
Alegou para o efeito, e em síntese que, as referidas frações foram indevidamente apreendidos para a massa insolvente, pois estão afetas ao crédito do autor sobre a C…, concluindo que, do arresto decorre que são ineficazes para o autor os atos de disposição dos bens arrestados, de acordo com as regras da penhora, revelando-se absolutamente ineficaz a transmissão das frações para a insolvente.
A massa insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência apresentou contestação, alegando que o arresto ou a subsequente penhora não são impeditivos da apreensão das frações e liquidação das mesmas.
Realizou-se a audição das partes, em 6.03.2014, sem qualquer êxito.
Na referida diligência foi determinada a junção aos autos de certidão da Conservatória do Registo Predial referente às frações em causa.
Em 18.07.2015 foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.
Não se conformou ao autor e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais, formaliza as seguintes conclusões:
1.ª- A douta sentença recorrida violou por errada interpretação, o disposto nos artigos 141.º, n.º 1, alínea c), e 146.º, do CIRE.
2.ª- As frações autónomas identificadas nos autos foram apreendidas para a massa insolvente da B… “no pressuposto” de que fazem parte do património desta sociedade, entretanto declarada insolvente, por lhe terem sido vendidas pela C… em 18/11/2009.
3.ª- No entanto, foi alegado e demonstrado nos autos pelo Autor, ora recorrente, que o mesmo, na qualidade de credor da C…, procedeu ao arresto das ditas frações no ano de 2005, e que esse arresto foi posteriormente convertido em penhora (cujos efeitos retroagiram à data daquele, ou seja, a 21/04/2005).
4.ª- Estes factos e todos os outros que foram considerados provados na sentença recorrida determinam necessariamente a procedência da ação uma vez que as vendas (atos de disposição) efetuadas pela C… são ineficazes relativamente ao credor desta, o ora recorrente, pelo que não integram a massa insolvente da B….
5.ª- As frações em causa, como foi reconhecido na sentença, estão afetas à garantia do crédito do recorrente sobre a C…, pelo que, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 11/03/1988 (proc. 98A880) “ficam a garantir o cumprimento da obrigação, ainda que sejam transmitidos a terceiro, desde que o registo da transmissão seja posterior ao registo do arresto”.
6.ª- Sem quebra do devido respeito, as considerações feitas na douta sentença sobre a “finalidade precípua do processo de insolvência” e os mecanismos previstos no CIRE destinados a “facultar a reintegração de bens no património do devedor insolvente”, e sobre o “tratamento igualitário dos credores” nada têm a ver com os presentes autos, visto que nem se trata de bens que tenham “saído” do património da insolvente (mas sim que nele “entraram”, apesar do arresto que sobre eles impendia), nem o recorrente é credor da insolvente.
7.ª- Verificou-se por parte do Tribunal a quo erro na determinação das normas aplicáveis. 8.ª- Na verdade, ao invés do disposto nos artigos 149.º do CIRE e 601.º do Código Civil, deveriam ter sido aplicadas as normas previstas nos artigos 622.º, n.ºs 1 e 2, 819.º e 822.º, n.º 2, do Código Civil, e 762.º do Código de Processo Civil.
9.ª- É manifesto que os bens a que se refere a disposição do artigo 149.º do CIRE — os quais, independentemente de terem sido arrestados ou penhorados, devem ser apreendidos - são necessariamente aqueles que, de acordo com o corpo do n.º1, integram a massa, por serem da propriedade da insolvente, ou seja, unicamente os que tenham sido arrestados em processo em que a insolvente era a requerida ou penhorados em processo em que a mesma fosse a executada, o que não foi o caso.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se a ação totalmente procedente por provada, com o que se fará inteira Justiça
A recorrida massa insolvente de B…, S.A. apresentou resposta às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência e concluindo:
1 – A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, ao contrário do que o Recorrente quer fazer crer.
2 - Das alegações resulta, à evidência, o grande empenho que o Recorrente dedicou a criar a aparência de uma realidade distinta daquela que, de facto, existiu, para daí partir para construções jurídicas que, salvo o devido respeito, se afiguram infundadas.
3 – Nesse percurso o Recorrente olvidou (para sermos simpáticos) um conjunto de circunstâncias que se nos afiguram relevantes como é, por um lado (I), o facto de não ter esclarecido que o título que apresentou a execução em 13/12/2011, foi uma transação objeto de sentença homologatória transitada em julgado em 05/01/2010 [vide fls. 20 e ss dos autos],
4 – Esta transação estabelecia, nos termos da cláusula 12ª, que se a 30/06/2010 (data que extrajudicialmente foi depois alterada para 30/06/2011) “houver trabalhos em falta, o Autor [aqui Recorrente] poderá requerer de imediato a respetiva execução por outrem” – quer isto dizer que a partir de 30/06/2011, o Recorrente dispunha do prazo previsto no atual art. 395º do CPC para que ocorresse válida e eficaz conversão do arresto em penhora: até 31/08/2011.
5 - No entanto, a ação executiva em que haveria de requerer a conversão do arresto em penhora foi apresentada pelo Recorrente em 13/12/2011 e a suposta conversão levada a registo a 09/01/2012!
6 – O Recorrente não se recordou de mencionar, por outro lado (II), que o negócio de compra e venda das frações (de 27/10/2008), pela Insolvente à “C…, Lda.” Era do seu [da recorrente] conhecimento e que, mesmo assim, acedeu outorgar, em 10/12/2009, a transação constante de fls. 20 e ss. destes autos.
Ou seja, o Recorrente aceitou, em Dezembro de 2009, pôr termo à ação declarativa do direito que apenas perfunctoriamente havia sido declarado em sede de procedimento cautelar, mediante transação que incidiu sobre bens que sabia não constituírem propriedade de quem os onerava [a sociedade “C…, Lda.”], mas sim da Insolvente.
7 – Salvo mais douto entendimento, trata-se de circunstâncias relevantes [caducidade do arresto, oneração de bens alheios e compra e venda válida e eficaz], comprovadas nos autos por inequívoca prova documental e que o Recorrente nas suas doutas alegações, repete-se, olvidou.
8 – Entendemos, modestamente, que padecendo o arresto de caducidade – art. 395º do CPC –, não há lugar à ineficácia estabelecida no art. 622º do Código Civil e que, tendo a propriedade dos imóveis sido validamente transferida para a Insolvente por força da compra e venda celebrada em Outubro de 2008, não só não ocorreu a conversão do arresto em penhora (inexistia arresto válido e vigente em Janeiro de 2012 para que tal conversão fosse possível!), como não podia ter incidido, em Janeiro de 2012, penhora “nova”, pois há muito que os imóveis não eram propriedade da aí executada “C…, Lda.”!
9 - O arresto registado em 21/04/2005, há muito que havia ficado sem efeitos/caducado, pelo que não se pode, verdadeiramente, falar na conversão do arresto (à data totalmente inoperacional) em penhora, nem na anterioridade da penhora à data de algo que não existia por exclusiva inércia do aqui Recorrente! E o mesmo se diga, aliás, do invocado art. 819º do CPC.
10 - Como bem se compreende, tanto o legislador, como a nossa mais distinta jurisprudência, assentam a proteção dos interesses do autor do arresto na convicção de que o mesmo é válido e eficaz, o que não é o caso dos autos!
11 - Citando o douto Acórdão da Relação de Évora de 16.02.1999, diríamos que “I – A extinção do arresto, por não ter sido proposta a execução no prazo de seis meses [em vigor à data do citado Acórdão] após o trânsito em julgado da sentença condenatória, não é um verdadeiro prazo de caducidade (…). II – O direito que o requerente do arresto podia ter exercido era o de propor a execução no prazo de seis meses, mas o facto de não ter proposto não extinguiu esse direito: criou apenas uma condição de extinção do arresto” – sublinhado nosso.
12 – Ora, o Recorrente, ao permitir a ultrapassagem do prazo legalmente estabelecido, assegurou a sua extinção – cuja declaração foi requerida pela Recorrida junto do Tribunal a quo.
13 – Porém, mesmo na hipótese meramente académica de se entender que o arresto ainda se encontrava pleno de efeitos em Janeiro de 2012 e que, portanto, a conversão em penhora foi válida - solução que não admitimos -, os ensinamentos constantes do douto Acórdão do STJ de 11/03/1998 (proc. n.º 98A880) citado pelo Recorrente, conduzem, em nossa modesta opinião, a um reforço da douta sentença proferida!
14 – Além da frase transcrita e descontextualizada pelo Recorrente, lê-se no referido aresto que “II - Por força do n. 1 do artigo 622 são ineficazes – ineficácia relativa – em relação ao requerente do arresto, nos termos do artigo 819, os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados (…) III – O artigo 819 consagra o principio da ineficácia em relação ao credor/exequente dos actos da disposição ou oneração dos bens penhorados, do qual resulta que o devedor/executado pode livremente alienar os bens penhorados, embora a execução prossiga como se esses bens pertencessem ao executado.” – sublinhado nosso.
15 - Mesmo na hipótese que agora se conjectura, a transmissão da propriedade dos imóveis da “C…, Lda.” para a Insolvente ocorreu válida e eficazmente em 2008 e sendo propriedade da Insolvente muito bem andou o Administrador de Insolvência ao ter procedido à sua apreensão, assim como muito bem esteve o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da presente acção.
16 – Na verdade, nem neste cenário hipotético e inverosímil, a acção poderia proceder, pois, sendo doutrinal e jurisprudencialmente admitida a transmissão de bens penhorados (vide Acórdão do STJ de 11/03/1998) o que o Recorrente poderia ter demandado seria o prosseguimento da execução contra a Recorrida, que, estando insolvente, se traduziria no reconhecimento/verificação de um crédito: mas não foi isso que o Recorrente demandou.
17 – Alega o Recorrente que “a transmissão da titularidade das frações em causa para a B… é absolutamente ineficaz”, o que carece de fundamento, tanto a expressão (“absolutamente ineficaz”), como o efeito jurídico que o mesmo pretende retirar. 18 - De facto - e sem prejuízo das considerações já efetuadas acerca da extinção do arresto -, o mais que Recorrente poderia sustentar era uma ineficácia relativa, o que permite, por um lado, que perante a transmissão válida dos imóveis em causa, o autor de arresto eficaz [e não é o caso do recorrente] prossiga a execução contra o titular atual dos bens como se fosse o próprio executado (conforme, aliás, resulta do aresto do STJ supra parcialmente transcrito).
19 – Por outro lado, a invocação desta eventual ineficácia pelo autor do arresto pode configurar abuso de direito, o que, em nosso entendimento, sempre seria o caso.
Recordamos que o Recorrente aceitou, conscientemente, que a empresa “C…, Lda.” viesse dispor de património que já não lhe pertencia!
20 – E tão ciente estava desta realidade (concretamente da alienação realizada a favor da Insolvente, em 2008), que assegurou que os imóveis que ainda eram propriedade da “C…, Lda.” lhe fossem dados de hipoteca, ao passo que, em relação aos restantes imóveis alienados à Insolvente/Recorrida, promoveu este artifício… a manutenção do arresto até Junho de 2010!
21 - Este tipo de comportamento constitui, na nossa humilde visão, um exercício anormal de direito próprio, suscetível de configurar abuso de direito - além de causar prejuízo manifesto ao legítimo adquirente dos imóveis [a aqui Insolvente], prejudica também os seus credores.
22 – Entendemos ainda – sem prejuízo do respeito que nos merece entendimento diverso -, que a decisão proferida fez um correto enquadramento jurídico da questão em causa, tanto nas considerações relativas à “finalidade precípua do processo de insolvência”, como nas que se referem ao âmbito e mecanismos do processo de liquidação – concretamente, ao art.º 149º do CIRE.
23 - O Tribunal a quo recorreu, simplesmente, ao uso de argumentos claros e inteiramente lógicos: se a lei atribuiu ao Administrador de Insolvência a possibilidade de tomar medidas para reintegração na Insolvência de bens que estão na esfera de terceiros, porque razão haveria de obstar à apreensão de bens que são da Insolvente? Inexiste, evidentemente, qualquer razão para excluir estes bens do património da Insolvente, o que sempre determinaria, justamente, a improcedência da ação.
24 - A decisão recorrida afigura-se, assim, totalmente correta quando afirma que os imóveis adquiridos pela Insolvente à sociedade “C…, Lda.” são sua propriedade e foram, por isso mesmo, devidamente apreendido (“tinham de ser, obrigatoriamente, apreendidas para a massa” – negrito nosso – lê-se na douta decisão), pelo que, salvo mais douto entendimento, não existe qualquer fundamento para o Tribunal ad quem proceda à alteração da decisão proferida, razão pela qual deverá improceder o presente recurso (como, aliás improcedeu e bem, a ação).
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem recusar provimento a este recurso, julgando-se o mesmo totalmente improcedente, e, em consequência, seja mantida, nos seus precisos termos, a douta Sentença.
Fazendo-se dessa forma Inteira e Sã Justiça!
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso, delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se a transmissão das frações para a sociedade insolvente é oponível ao recorrente e, consequentemente, se as referidas frações deverão ser separadas da massa insolvente.
2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade provada, consignada na sentença recorrida, a qual não foi objeto de impugnação:
1. Em 28.03.2012, foi decretada a insolvência da “B…, S.A.”.
2. No processo de insolvência foram apreendidas, entre outras, as seguintes frações autónomas, constantes do 1º auto de apreensão de bens imóveis, junto ao apenso A:
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3873/19961218: as frações designadas pelas letras “AK”, “AL”, “AN”, “AO”, “AP” e “E”;
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3875/19961218: a fração designada pela letra “L”.
3. Tais imóveis foram apreendidos no pressuposto de que integram a massa insolvente, ou seja, de que fazem parte do património da sociedade B…, S.A.
4. Das certidões prediais de cada uma das frações, consta a inscrição, com data de registo de 18.11.2009, da respetiva aquisição pela sociedade insolvente à sociedade C…, Lda., com sede em V. N. de Gaia.
5. Sobre tais frações, incidiu um arresto o qual foi registado em 21.04.2005, a favor do ora autor.
6. Sendo o A. credor da C…, Lda., requereu, para garantia do seu crédito, providência cautelar de arresto de diversos imóveis propriedade desta, o qual foi decretado.
7. O crédito do autor, que foi posteriormente reconhecido judicialmente, foi objeto de execução contra a C… em processo que, com o n.º 10666/11.0TBVNG, corre termos no Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.
8. O arresto das referidas frações foi convertido em penhoras, estando estas afetas à garantia do crédito da ora autor sobre a C….
3. Fundamentos de direito
O arresto constitui uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução.
Tal como ocorre com os bens penhorados, os atos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao credor (art.º 622.º do CC), derivando da apreensão uma situação de indisponibilidade relativa[1].
O entendimento enunciado revela-se pacífico na doutrina e na jurisprudência. Como referem os Professores Peres de Lima e Antunes Varela[2], «… o arrestado pode dispor ou onerar livremente os bens apreendidos. Somente esses actos não produzem efeitos em relação ao arrestante. Este continua a ter preferência, em relação aos demais credores, e, transformado o arresto em penhora (…) poderá seguir-se com a execução em relação aos bens arrestados, embora esses bens tenham saído do património do devedor».
A mesma interpretação encontra-se expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.12.1998[3], sumariado nestes termos:
«I - O artigo 622 do CCIV estabelece a equiparação do arresto à penhora: os bens arrestados, tal como os bens penhorados já no decurso da acção executiva, ficam a garantir o cumprimento da obrigação, ainda que sejam transmitidos a terceiro, desde que o registo da transmissão seja posterior ao registo do arresto.
II - Por força do n. 1 do artigo 622 são ineficazes - ineficácia relativa - em relação ao requerente do arresto, nos termos do artigo 819, os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras do registo.
III - O artigo 819 consagra o princípio da ineficácia em relação ao credor/exequente dos actos da disposição ou oneração dos bens penhorados, do qual resulta que o devedor/executado pode livremente alienar os bens penhorados, embora a execução prossiga como se esses bens pertencessem ao executado.
IV - Quer o arresto/penhora quer o acto de alienação de imóveis só produzem efeitos em relação a terceiros desde a data do registo, tendo prioridade, entre esses dois actos, o que primeiro for registado».
Na situação sub judice, as datas são particularmente relevantes, e por essa razão se passam a enunciar cronologicamente os factos mais relevantes (datas de registo):
1) o arresto a favor do ora autor, sobre as frações em causa, foi registado em 21.04.2005;
2) a sociedade “B…, S.A.”, adquiriu as referidas frações, tendo procedido ao registo da aquisição em 18.11.2009;
3) a insolvência da sociedade “B…, S.A.” foi decretada em 28.03.2012;
Em suma: quando a sociedade insolvente adquiriu as frações autónomas, já sobre estas incidia arresto a favor do recorrente, com registo efetuado havia cerca de 4 anos.
Vejamos agora o que dispõe o artigo 149.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[4]:
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
A questão que se coloca é a de saber se a situação sub judice se integra na previsão legal da alínea a) do n.º 2 do normativo transcrito.
Na sentença, optou-se pela resposta afirmativa.
Salvo todo o respeito devido, tal interpretação não teve em conta a cronologia do registo predial e as consequências que, imperativamente, a lei retira desse fator.
Com efeito, quando a sociedade, que veio a ser declarada insolvente, adquiriu as frações em causa, já as mesmas haviam sido objeto de arresto registado, pelo que, nos termos do citado artigo 622.º do Código Civil, os atos de disposição posteriores sempre teriam de ser ineficazes em relação ao credor (recorrente), não produzindo quaisquer efeitos em relação a este que, uma vez transformado o arresto em penhora (o que veio a ocorrer) podia prosseguir com a execução e posterior venda dos bens, apesar de estes terem saído do património do devedor.
Reiterando todo o respeito devido, na sentença recorrida confunde-se o arresto para garantia de um crédito sobre a insolvente (situação integrável no n.º 2 do artigo 149.º do CIRE), com o arresto anterior (com registo prévio à aquisição pela insolvente), que garantia o crédito de um outro devedor (da sociedade alienante), não integrável na previsão legal da citada norma.
Refere-se na fundamentação da sentença recorrida:
«Os objectivos prosseguidos pelo processo de insolvência, através dos vários mecanismos processuais nele previstos, passam fundamentalmente por, num único processo, reunir todos os bens que constituem o património do devedor/insolvente, por meio da sua apreensão para a massa insolvente, proceder à sua liquidação, e, através do produto assim obtido, satisfazer, na medida do possível, os créditos dos credores daquele. Ou seja: “A razão de ser do processo de insolvência é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece”, in Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, Almedina, Coimbra, 2009, p. 167).».
Estamos de acordo com a natureza do processo de insolvência, como execução universal, e com o princípio da relativa igualdade dos credores, traduzido no facto de não lhes assistirem quaisquer outros privilégios ou garantias para além daqueles que decorrem do regime legal da insolvência (diferenciação prevista no art.º 47/4 do CIRE).
Mas, atenção: o recorrente não é credor da sociedade insolvente. O recorrente é, sim, credor da sociedade C…, Lda., e registou o arresto sobre os bens (frações autónomas) quando eles pertenciam à referida sociedade, muito antes de esta os ter alienado à sociedade “B…, S.A.”, cuja insolvência veio a ser declarada mais tarde.
Face às datas de registo (do arresto e da posterior aquisição das frações), não restam dúvidas quanto à plena aplicabilidade do disposto no artigo 622.º do Código Civil, não sendo oponível ao recorrente/arrestante, a aquisição posterior por parte da sociedade que veio a insolver, nada podendo obstar a que o ora recorrente realize plenamente o seu direito de crédito (sobre a devedora C…, Lda.), no âmbito da execução que instaurou, sem prejuízo de o remanescente da venda judicial reverter para a massa insolvente e aí ser repartido pelos credores desta.
Relativamente à separação da massa insolvente, dispõe o n.º 1 do artigo 141.º do CIRE:
«1 - As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
a) À reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;
c) À reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa. […]».
Decorre do que ficou dito, que as frações em causa não eram suscetíveis de apreensão para a massa insolvente, face ao arresto com registo anterior e ao disposto no artigo 622.º do Código Civil.
Deverá, em consequência, ser revogada a sentença, determinando-se a separação das frações arrestadas com registo anterior à aquisição feita para sociedade insolvente, de forma a permitir ao recorrente a integral realização do seu crédito sobre a sociedade alienante, sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) reverter para a referida massa.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento, e, em consequência, em determinar a separação da massa insolvente, relativamente às frações autónomas constantes do 1º auto de apreensão de bens imóveis, junto ao apenso A:
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3873/19961218: as frações designadas pelas letras “AK”, “AL”, “AN”, “AO”, “AP” e “E”;
- do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3875/19961218: a fração designada pela letra “L”.
Custas do recurso pela massa insolvente.
*
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 21 de setembro de 2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
___
[1] Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, IV Volume, 3.ª edição, pág. 208.
[2] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1987.
[3] Processo n.º 98A880, acessível no site do IGFEJ.
[4] Doravante denominado pelo acrónimo CIRE.