Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21966/15.0T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
NATUREZA
CONSUNÇÃO
MEDICINA PRIVADA
NEGLIGÊNCIA
CONSENTIMENTO DO PACIENTE
Nº do Documento: RP2020051421966/15.0T8PRT.P2
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: MAIORIA COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade civil médica pode, em simultâneo, assumir uma natureza extracontratual e contratual, já que o mesmo facto, podendo corresponder a uma violação do contrato, pode também reconduzir-se a um facto ilícito lesivo de direitos absolutos do paciente/lesado.
II - Em regra a jurisprudência aplica o princípio da consunção, segundo o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da responsabilidade extracontratual.
III - No domínio da medicina privada, existe em regra responsabilidade contratual, dado que a prestação de cuidados de saúde por entidades privadas assenta em contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade que os oferece (proponente) e o doente.
IV - Actua com negligência, cumprindo defeituosamente a sua obrigação, o médico ou instituição prestadora de cuidados de saúde que não exercite todo o seu zelo, nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas para proporcionar a cura ao doente ou para lhe proporcionar os serviços acordados.
V - Em sede de intervenção médica, ainda que sejam seguidos todos os procedimentos que à data se julguem adequados à prática do respectivo acto, haverá sempre uma margem de insucesso, de risco, traduzido na ocorrência de efeitos nefastos,
VI - Quer a lei portuguesa quer diversos instrumentos internacionais exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, como é o caso de uma intervenção cirúrgica, que estes consintam nessa ingerência.
VII - O consentimento do paciente deve ser prestado estando este na posse das informações relevantes sobre o acto a realizar e tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena deste não poder valer como consentimento legitimador da intervenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº21.966/15.0T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
Inst. Central - 1ª Secção Cível
Relator: Carlos Portela (1007)
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Joaquim Correia Gomes (vencido conforme declaração junta a final)
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, residente na Rua…, nº ..., no Lugar de …, freguesia de … e concelho de Vale de Cambra e comarca de Aveiro, CF ……… e identificação civil nº .……., veio intentar esta acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Clínica C…, SA, com sede na Avenida …, …. - … Porto (município do Porto), pessoa colectiva ………, registada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 605.000,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, tudo acrescido dos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, em consequência de intervenções médicas a que a autora foi submetida nas instalações da ré e no âmbito da sua actividade médica, tudo como melhor consta da sua petição inicial que, para o efeito, se dá por integralmente reproduzida.
Veio a Ré contestar, dizendo aceitar a realização de alguns dos actos médicos invocados pela autora, mas impugnando os demais factos por esta alegados, concluindo pela sua absolvição do pedido, por considerar que todos os actos por si praticados respeitaram a sua legis arte, (tudo também como melhor consta do seu articulado de fls. 27 e seguintes cujo conteúdo se dá aqui por reproduzida).
Foi proferido o despacho saneador do processo, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e proferida a respectiva sentença, por douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2 al. c) do Código de Processo Civil, foi anulado o facto dado como provado no nº 20 da sentença, determinando se solicitasse a emissão de parecer ao Conselho Médico-Legal e repetição do julgamento quanto a tal facto anulado.
Em cumprimento do assim decidido, o Conselho Médico-Legal emitiu entretanto o seu parecer, que se mostra junto aos autos e se dá aqui por reproduzido.
As partes foram notificadas para virem informar se e quais as testemunhas que pretendiam que fossem convocadas para responder à matéria de facto em questão.
Procedeu-se então a julgamento com o legal formalismo e nos exactos termos ordenados pelo Tribunal da Relação do Porto, no culminar do qual se proferiu sentença onde se julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência se absolveu a Ré do pedido.
A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré respondeu a essas alegações.
Foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
È consabido que o objecto deste recurso está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela Autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1ª) A sentença recorrida incorreu em erro no julgamento da matéria de factos; Fez uma errada subsunção dos factos considerados provados às normas jurídicas invocadas; incorre em erro de julgamento em relação à matéria de direito.
2ª) Deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos: a) Que após a intervenção médico cirúrgica realizada na vista direita, a autora sentiu logo forte ardor e informou os serviços clínicos da ré; b) Os serviços médicos da ré reconheceram terem agido com negligência no tratamento médico realizado a 29 de Agosto de 2013 e actuado com má prática clínica; c) A autora mantém ardor na vista, agravando-se com a luz do dia, impedindo (limitando) a saída à rua e a realização das tarefas diárias; d) O produto medicamentoso aplicado nos olhos da autora foi causa directa de perda de visão do olho direito; f) O tratamento no olho direito não era medicamente recomendável e foram adequados a causar a perda de visão no olho direito; g) A autora teve gastos nas sucessivas deslocações aos serviços da ré; h) A autora carece do auxílio de terceiros para realizar as suas tarefas diárias que implicam gastos acrescidos; i) A autora não foi devidamente esclarecida para que desse um consentimento informado. No entendimento da recorrente mal andou o tribunal quando não considerou estes factos provados. Alguns destes factos não carecem de prova, pois são factos notórios e de conhecimento geral (artigo 412º do CPC); Resultam também provados do relatório do Instituto de Medicina Legal que teve o cuidado de se pronunciar sobre todos os factos alegados pela autora; A sua prova resulta ainda dos factos considerados provados; A prova destes factos resulta da ré e seus agente ter admitido ou confessado alguns destes factos, designadamente, que tratamento de 29 de 2013, foi mal sucedido, que foram contactados pela autora que se queixava de dores no olho direito, que recomendaram a sua deslocação imediata para a clínica e que apesar de ser domingo esta foi operada de urgência; Confessaram ainda os agentes da ré que existia uma probabilidade muito baixa de insucesso.
3ª) Consta da factualidade dada como provada, que a perda de visão da autora resultou de uma intervenção médica ocorrida nas suas instalações, tendo ordenado a deslocação da autora de urgência, quando esta telefonou a queixar-se de dores, para a submeter a uma intervenção cirúrgica urgente. E que a partir dessa data deixou de cobrar quaisquer quantias pelas consultas e tratamentos médicos que prestou a autora. Resulta também dos factos considerados provados que a possibilidade de ocorrer complicações como as que se verificaram na autora, têm uma probabilidade de ocorrer inferior a 3%. Entendeu a sentença que não se fez prova de que a réu não tivesse actuado de acordo com as melhores práticas. Porém, competia à ré fazer prova de que tinha actuado de acordo com as melhores práticas e de que não tinha existido um cumprimento defeituoso da obrigação. Ao não resultar provado de que a ré tinha actuado de acordo com as melhores práticas, deveria o pedido formulado pela autora ser considerado procedente.
4ª) A sentença recorrida carece de falta de fundamentação, assentando num conjunto de convicções e intuições pessoais do julgador, não apresenta um itinerário decisório e não se apoia em qualquer jurisprudência ou doutrina relevantes. A recorrente entente que, ao contrário do que é referido na sentença recorrida, estão preenchidos dos os requisitos legais e foram dados como provados factos bastantes para que os pedidos formulados pela autora fossem considerados procedentes. Com efeito, resulta dos factos considerados provados, bem como do relatório do IML de que houve um ilícito negligente que se traduziu: Na violação de um dever objectivo de cuidado, consubstanciado na previsibilidade de por em perigo um bem jurídico, não houve o cuidado objectivamente adequado para evitar a ocorrência de um resultado típico. Com efeito, os serviços da ré recorreram a um produto (avastin) que tinha originado a cegueira de doentes tratados no hospital D…; Não é admissível que um tratamento tendo em vista melhorar a visão cause a cegueira total da paciente, existindo um nexo causal efectivo entre o tratamento médico e cirúrgico efectuado pelos serviços da ré e a perda total de visão do olho direito da autora. Os agentes da ré admitiram a má prática e sabiam que tinham posto em causa a saúde e a integridade física da autora. Tanto assim é que ordenaram a sua comparência nos seus serviços para a operar de urgência, numa tarde de domingo. Tal conduta ficou a dever-se a falta de cuidado e zelo e um assumir do erro pelos serviços da ré que reconheceram o falhanço do seu tratamento e a falta de zelo no acompanhamento da doente após o tratamento. Este falhanço no tratamento da autora admitido e confessado pela ré consubstancia um erro médico, numa situação concreta de prestação de cuidados médicos, havendo um erro de diagnóstico e falta de zelo no tratamento da doente. O tratamento efectuado na doente foi causa directa da perda de visão do olho direito da autora. Fosse no decurso do tratamento, fosse no acompanhamento da doente na fase subsequente ao tratamento.
5ª) Na doutrina e na jurisprudência existe consenso de que a regra é a responsabilidade contratual do médico. A ilicitude da actividade do médico assenta na falta de cuidado e de zelo de um profissional prudente, sem necessidade de fazer prova se este cumpriu ou não os deveres que lhe são exigíveis. O erro médico consubstancia-se num resultado adverso e resultante de uma consequência directa do tratamento que não derive de uma progressão ou da evolução da doença do paciente. Ora caso em apreço a cegueira do olho direito da paciente não resultou de uma evolução da doença de que a doente padecia, mas do tratamento a que foi submetida. Este tratamento foi causa directa do dano da perda de visão da autora
6ª) A sentença recorrida incorre em erro na interpretação dos artigos 762º e 798º e 799º e 1453º do CC. Estas normas deveriam ter sido de considerar procedentes os pedidos formulados pela autora na petição inicial; deveria ter concluído que existia uma presunção de culpa sobre a ré e que não foi afastada, nenhuma prova foi produzida no sentido de que a autora fora tratada de acordo com as melhores práticas; existindo um nexo de causalidade entre os tratamentos a que a doente foi submetida e a perda de visão do olho direito; a perda de visão do olho direito não resultou de uma evolução da doença mas de um falhanço no tratamento do qual resultaram danos devidamente quantificados, recaindo sobre a ré o dever de indemnizar a autora nos termos peticionados.
7ª) Face a supra alegado os pedidos formulados pela autora na petição inicial deveriam ser julgados procedentes e, consequente, ser a ré condenada a indemnizar a autora pelos danos sofridos.
8ª) Resulta também dos factos considerados provados que a possibilidade de ocorrer complicações como as que se verificaram na autora, têm uma probabilidade de ocorrer inferior a 0,02%. A ré não fez prova de que tivesse actuado de acordo com as melhores práticas da ciência e da técnica. Nem apresentou qualquer provo do insucesso do tratamento, perante um risco tão baixo de existência de complicações. Estamos perante cuidados médicos prestados por médicos especialista. Estamos perante um tratamento médico que não visava a cura, mas tão só retardar a evolução da doença. Inexistência de qualquer não conduziria de forma abruta à cegueira como sucedeu com a intervenção dos profissionais da ré. Perante este circunstancialismo não estamos perante uma obrigação de meios, mas de uma obrigação de resultados, o contrato visava o retardamento da perda de visão
9ª) As contidas nos artigos 1154º, 762, 798º e 799 e 487, nº 2 todos do Código Civil foram deficientemente interpretadas. Com efeito em face do contrato que foi celebrado com a autora os serviços da ré comprometeram-se a melhorar ou pelo menos a manter a visão da autora, através de médios especialistas que garantiram esse resultado.
10ª) O consentimento do paciente é um dos requisitos de licitude da actividade médica (artigo 3º , nº 2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia). Tal consentimento tem de ser livre e esclarecido. Quando o consentimento não existe ou é ineficaz, a actuação do médico é ilícita por violação do direito à autodeterminação, sendo responsabilizada por todos os danos derivados de uma intervenção não autorizada. A autora não necessitava de um tratamento urgente, nem tal tratamento era curativo, não podendo existir um consentimento presumido. No caso concreto o consentimento para ser eficaz tinha de alertar a doente para a possibilidade de ficar cega, como consequência possível do tratamento que ia efectuar. A autora não corria o risco de agravamento súbito da sua saúde se não realizasse o tratamento proposto pela ré. O ónus da prova sobre um consentimento informado cabia à ré. À ré cabia provar que: 1) forneceu à autora/paciente informação 2) que a paciente não recusou depois de devidamente informada 3) que a intervenção visa a melhoria do estado da visão e visasse afastar um perigo grave. No caso em apreço como foi referido na prova testemunhal caso a autora fosse esclarecida de que poderia ficar cega, teria recusado o tratamento. Assim, teremos de concluir que a ré não obteve da parte da autora um consentimento eficaz. A falta de um consentimento eficaz determina que a ré está obrigada a indemnizar a a autora em virtude dos danos que resultaram de uma intervenção médica não autorizada
Em face do supra alegado a presente acção deverá ser considerada precedente e, consequentemente deve a sentença proferida em primeira instancia ser revogada e a ré ser condenada a indemnizar a autora nos termos peticionados.
Mas V. EXªS farão a costumada justiça.
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Quanto à Ré, esta nas suas contra alegações defende em suma o seguinte:
1º) Não houve um erro de julgamento da matéria de facto;
2º) A sentença recorrida não fez uma errada subsunção dos factos considerados provados às normas jurídicas, não existindo discordância relativamente às questões de direito.
Conclui pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A nulidade, por falta de fundamentação, da decisão recorrida;
2ª) A procedência do pedido.
Ora, estando em causa, como está a decisão proferida quanto à matéria de facto, importa antes do mais, recordar aqui qual o conteúdo da mesma decisão.
Assim, foram dados como provados os seguintes factos:
1-A ré Clínica C…, SA, é uma clínica médica de capitais privados que se dedica à prática de actos médicos, na especialidade médica de oftalmologia, tendo ao seu serviço profissionais desta especialidade médica e é reconhecida pelas autoridades de saúde competente e pela Ordem dos médicos;
2-Entre os serviços que a ré publicita e faculta aos seus pacientes está a realização de consultas médicas e a realização de tratamentos médico cirúrgicos no âmbito da especialidade médica de oftalmologia;
3-A autora já tinha sido observada nas instalações da ré em 03.08.2011, sendo-lhe recomendada uma angiografia fluoresceínica que não chegou a realizar;
4-Posteriormente, a autora foi consultada nas instalações da ré em Fevereiro de 2013, tendo sido consultada por um profissional médico da especialidade médica de oftalmologia;
5-Nessa data, Fevereiro de 2013, a autora, nascida a 13.05.1953, a autora apresentava diminuição da acuidade visual em ambos os olhos, sendo mais acentuado à direita, e retinopatia diabética proliferativa;
6-À data dessa consulta, a autora deslocava-se periodicamente entre Portugal e Suíça;
7-Na consulta de Fevereiro de 2013, à autora foram examinados ambos os olhos e foi aconselhada a iniciar um tratamento médico cirúrgico a ambas as vistas, no sentido de preservar a visão;
8-Entre Fevereiro de 2013 e Dezembro de 2014 a autora foi atendida nos serviços da ora ré em certa de três dezenas de consultas e tratamentos médico- cirúrgicos na especialidade médica de oftalmologia;
9-Em 29 de Agosto de 2013 a autora deslocou-se à ré, tendo realizado tratamento médico-cirúrgico com injecção intravítrea de antiangiogénico no olho direito;
10-No dia 01.09.2013 a autora contactou um médico da ré queixando-se de dores no olho direito, tendo-lhe sido dito para se deslocar de imediato às instalações da ré, o que fez;
11-Aí, foi observada e avaliada por médicos da ré, constatando exame oftalmológico sinais de hipópion (inflamação da câmara anterior do olho) e pan-uveite, sendo operada de urgência, tendo sido realizada vitrectomia com biopsia de exsudato vítreo;
12-Após a intervenção cirúrgica a autora regressou a casa, tendo nos dias seguintes continuado o tratamento nos serviços médicos da ré;
13-Após a intervenção cirúrgica a ora autora continuou os tratamentos e frequentou várias consultas da especialidade médica de oftalmologia nos serviços médicos da ré, na espectativa de recuperar a visão do olho direito;
14-Pelas consultas e tratamentos realizados de seguida a este intervenção médica, os serviços da ré não lhe cobraram qualquer quantia, até Dezembro de 2014;
15-Após essa data a autora continuou em tratamentos à sua visão, noutras instituições médicas;
16-Não obstante, a autora não recuperou na visão no olho direito e a visão no olho esquerdo mostra-se estável;
17-As alterações oftalmológicas em ambos os olhos estão estabilizadas e irreversíveis, não passíveis de melhoria, mantendo seguimento de consulta a retinopatia do olho esquerdo;
18-Ao nível do olho esquerdo, não se verificou agravamento da função visual, após a intervenção de Agosto e Setembro de 2013;
19-Em relatório médico realizado pelo médico oftalmologista E…, realizado em 19 de Fevereiro de 2015, a autora apresentava o seguinte exame objectivo:
Acuidade visual OD - <1/10 (vultos a 30cm) com óculos de correcção) Acuidade visual OE - 3/10 com óculos de correcção Biomicrospia - olho direito: afaquia cirúrgica olho esquerdo: catarata incipiente.
Tensão ocular: olho direito: 7 mm Hg Olho esquerdo: 14 mm Hg;
Fundo ocular: olho direito: descolamento total da retina;
Olho esquerdo: Sinais de retinopatia diabética e sinais de fotocoagulação laser;
20-As complicações desenvolvidas no olho direito da autora examinadas em 01.09.2013, poderão ter resultado da administração intravítrea da substância farmacológica Bevacizumab, que era o tratamento considerado adequado à sua situação clínica, sendo que associado a uma injecção intravítrea de um antiangiogénico, independentemente do fármaco injectado, existe um risco, embora pequeno, de desenvolvimento de complicações, em que se inclui a infecção intraocular, também chamada de endoftalmite, que é acompanhada quase sempre de dor ocular e baixa súbita de visão;
21-Em consequência da perda de visão, apesar de já reformada por invalidez, a autora deixou de exercer a actividade profissional que exercia nas suas deslocações à Suíça e teve gastos com despesas médicas, medicamentosas e de deslocações;
22-A autora deslocava-se às instalações da ré em carro particular conduzido por familiares ou amigos e também de táxi;
23-A residência da autora desta cerca de 50km dos serviços da ré;
24-Quando na Suíça, do seu trabalho, auferia uma quantia mensal de cerca de 1.00,00 euros;
25-A autora consultou os serviços clínicos da ré, pela primeira vez, em 03.08.2011 e nessa consulta apresentava e declarou:
a) Baixa de visão de ambos os olhos;
b) Ter feito uma angiografia fluoresceínica havia três, aproximadamente, noutro centro;
c) Ter sido submetida a tratamento com raios laser na sequência desse exame;
d) Ser diabética desde 1992 tratando-se com comporimidos e insulina;
e) Ter tensão arterial elevada;
Na consulta verificou-se que a autora:
f) As visões com correcção eram de 3/10 no olho direito e 5/10 no olho esquerdo;
g) Evidenciava alterações do fundo ocular por retinopatia diabética que justificavam essa baixa visão,
h) Apresentava cicatrizes de tratamento com raios lazer conforme tinha referido;
i) Trazia uns óculos com a graduação de OD: 90° -1.25 +0.75 e OE: 90° - +0.50 para visão de longe e com adição de +3 dioptrias para perto o que é obrigatório numa pessoa de 60 anos mesmo que não tivesse óculos para longe;
j) Na clínica foram-lhe receitados novos óculos que eram ligeiramente mais graduados.
26-Face ao quadro clínico supra, foi aconselhada a repetir o exame de angiografia fluoresceína, exame base para a decisão do tratamento a fazer e que se previa necessário;
27-A Autora só regressou à Clínica ré no dia 18.02.2013 e, nessa altura, apresentava ao exame oftalmológico uma acuidade visual com correcção do olho direito de 0.1 e no olho esquerdo de 0.3; após realização de angiografia fluoresceínica detectou-se retinopatia diabética proliferativa em ambos os olhos;
28-No dia 30.08.2013 foi avaliada como habitualmente no pós-operatório nada havendo de especial a referir;
29-No dia 01.09.2013, a autora comunicou à ré via telefone queixas de dor e perda de visão, deslocando-se à clínica nesse mesmo dia e sendo operada após observação, apresentando hipopion e pan-uveíte no olho direito; foi feita operação de extracção do cristalino, vitrectomia e lavagem com antibióticos intravítreos;
30-No dia da operação (29.08.2013), a doente assinou o consentimento informado para o acto médico-cirúrgico;
31-O mesmo acontecendo em relação à intervenção realizada em 01.09.2013;
32-No dia 03.09.2013, dois dias depois da cirurgia de urgência foi novamente operada por se entender que o problema da inflamação não estava totalmente resolvido, continuando a ser acompanhada pela ré até ao dia 29.11.2013;
33-Após essa data, apenas compareceu novamente a consulta em 18.02.2014, invocando um acidente de viação;
34-Nessa data, 18.02.2014, apresentava um descolamento da retina direita, com atingimento macular e proliferação vítreo-retiniana, sendo informada da necessidade de efectuar cirurgia de vítrectomia ao olho direito, o que não fez;
35-A autora continuou a ir a consultas da ré durante esse ano, tendo feito uma angiografia fluoresceínica para continuar a avaliação do olho esquerdo em 22.04.2014;
36-Foi aconselhada a fazer tratamento com raios laser no olho esquerdo, que aceitou fazer em 08.05.2014;
37-A autora pediu um relatório com o ponto da situação em Agosto de 2014, que lhe foi enviado;
38-A perda de visão ocasionou desgosto na autora
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Foram considerados como não provados os seguintes factos:
Que, à data da primeira e segunda consultas da autora na clínica ré, não tivesse quaisquer problemas de visão, tratando-se de meras consultas de rotina e destinadas a uma avaliação da sua acuidade visual;
-Que quando a autora ali se deslocou tivesse uma óptima visão de ambos os olhos, não necessitando de qualquer medicação, pretendendo apenas acautelar eventuais problemas de visão que lhe pudessem surgir no futuro;
-Que a após a intervenção médico cirúrgica realizada na vista direita, a autora logo sentisse um forte ardor, de que tenha de imediato informado os serviços clínicos da ré;
-Que os serviços clínicos da ré tenham reconhecido terem agido com negligência no tratamento médico realizado em 29 de Agosto de 2013 e actuado com más práticas;
-Que a autora ainda mantenha ardor na vista, agravando-se com a luz do dia, o que a impede de sair a rua e de executar as suas actividades diárias;
-Que o produto medicamentoso aplicado nos olhos da autora tenha sido causa directa da perda total da visão do olho direito e de agravamento da visão do olho esquerdo;
-Que não fosse medicamente recomendável a intervenção cirúrgica à vista da autora;
-Que os tratamentos e as intervenções médico-cirúrgicas realizados pelos serviços médicos da ré tenham sido causa adequada a causar lesões nos olhos da autora que determinaram a perda de visão;
-Que os serviços médicos da ré não tenham informado autora dos riscos a que estava sujeita sobre aqueles tratamentos;
-Que a autora tivesse compensado financeiramente os seus acompanhantes em deslocações à ré e a outras instituições médicas;
-Que a autora não tenha condições físicas para realizar as suas tarefas diárias e necessite do acompanhamento de terceira pessoa;
-Que a título de despesas médicas e medicamentosas futuras e de necessidade de acompanhamento de terceira pessoa, a autora venha a ter um acréscimo de encargos não inferior a 100.000,00 euros;
-Que os serviços médicos da ré não tenham informado devidamente a autora sobre os tratamentos a efectuar, riscos que corria e benefícios que poderia obter desses tratamentos, por forma a que pudesse fazer uma escolha consciente e desse um consentimento informado.
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Como todos já vimos, neste seu recurso a Autora/apelante sugere que sejam dados como provados os seguintes factos:
-Que a após a intervenção médico cirúrgica realizada na vista direita, a autora logo sentisse um forte ardor, de que tenha de imediato informado os serviços clínicos da ré;
-Que os serviços clínicos da ré tenham reconhecido terem agido com negligência no tratamento médico realizado em 29 de Agosto de 2013 e actuado com más práticas;
-Que a autora ainda mantenha ardor na vista, agravando-se com a luz do dia, o que a impede de sair a rua e de executar as suas actividades diárias;
-Que o produto medicamentoso aplicado nos olhos da autora tenha sido causa directa da perda total da visão do olho direito e de agravamento da visão do olho esquerdo;
-Que não fosse medicamente recomendável a intervenção cirúrgica à vista da autora;
-Que os tratamentos e as intervenções médico-cirúrgicas realizados pelos serviços médicos da ré tenham sido causa adequada a causar lesões nos olhos da autora que determinaram a perda de visão;
-Que os serviços médicos da ré não tenham informado autora dos riscos a que estava sujeita sobre aqueles tratamentos;
-Que a autora tivesse compensado financeiramente os seus acompanhantes em deslocações à ré e a outras instituições médicas;
-Que a autora não tenha condições físicas para realizar as suas tarefas diárias e necessite do acompanhamento de terceira pessoa;
-Que a título de despesas médicas e medicamentosas futuras e de necessidade de acompanhamento de terceira pessoa, a autora venha a ter um acréscimo de encargos não inferior a 100.000,00 euros;
-Que os serviços médicos da ré não tenham informado devidamente a autora sobre os tratamentos a efectuar, riscos que corria e benefícios que poderia obter desses tratamentos, por forma a que pudesse fazer uma escolha consciente e desse um consentimento informado.
Antes do mais, cumpre referir que quanto a esta pretensão, a Autora/apelante cumpriu devidamente os ónus previstos no artigo 640º, nºs 1 2 do
E fundamenta esta sua pretensão nos seguintes meios de prova:
Porque tais factos são notórios e de conhecimento geral (art.º 412º do CPC);
Em alternativa, porque os mesmos factos resultam dos factos considerados provados;
Por último, porque tais factos resultam de forma expressa dos relatórios médicos juntos ao processo, do relatório do Instituto de Medicina Legal que está junto aos autos e da prova testemunhal produzida em julgamento.
Ora o que desde logo se verifica desta argumentação é o seguinte:
Não estão descriminados quais os factos que devem ser considerados provados por serem notórios e do conhecimento geral.
Por outro lado, também se percebe que tais factos não são, manifestamente, decorrência natural e necessária dos que ficaram provados.
E estes foram já objecto de decisão so podendo ser alterados nos termos indicados por este Tribunal de Relação no acórdão proferido nos autos a fls.245 e seguintes e cuja parte final aqui recordamos, com sublinhado nosso na pare que aqui releva:
“Pelo exposto, anula-se a decisão da matéria de facto, afim de se eliminar a obscuridade/deficiência do facto 20, desenvolvendo-se as diligências probatórias necessárias para esse efeito, sem prejuízo da alteração de outros factos a fim de evitar contradições, decidindo-se depois de direito em conformidade.”
Já todos vimos que tal determinação foi cumprida escrupulosamente pelo Tribunal “a quo” o qual, requereu ao Instituto de Medicina Legal, a elaboração e remessa ao processo do Relatório tido por necessário.
Também sabemos que se procedeu à inquirição das testemunhas cujos depoimentos Autora e Ré tiveram, por relevantes, decidindo-se depois à matéria de facto em questão.
Como nos era imposto, procedemos à audição das gravações onde firam registados os depoimentos prestados em julgamento pelas referidas testemunhas.
Procedemos também à análise cuidada dos relatórios médicos que estão juntos ao processo, nomeadamente o relatório da Consulta Técnico-Científica realizada pelo IML de fls.297 a 302.
E desta análise ponderada destes meios de prova retiramos as seguintes conclusões:
Desde logo as respostas dadas pelo subscritor do Relatório da Consulta Técnico-Científica solicitada ao INMLCF, Prof. Doutor João Figueira, aos factos alegados pela Autora nos artigos 51º, 53º, 58º, 59º e 60º da petição inicial.
Vejamos, pois:
Em resposta ao alegado no art.º51º da petição inicial foi consignado o seguinte:
“Associado a uma injecção intravítrea de um antiangiogénico, independentemente do fármaco injectado, existe um risco, embora pequeno, de desenvolvimento de complicações, onde se inclui a infecção intraocular, que de acordo com as informações clínicas que nos foram fornecidas, parece-nos ser o diagnóstico mais provável para o ocorrido no 3º dia pós operatório.”
E mais adiante.
“As terapêuticas sugeridas à doente para tratamento da sua retinopatia diabética proliferativa associado a edema macular nos dois olhos, nomeadamente as injecções intravítreas de antiangiogénico e pantofotocoagulação laser nos dois olhos, são os tratamentos actualmente considerados adequados e de primeira linha na abordagem destes casos. Apesar destes tratamentos poderem estar associados a algumas complicações, elas são relativamente raras e podemos afirmar que a generalidade da comunidade oftalmológica considera que os benefícios desta terapêuticas compensam largamente os riscos das mesmas.”
Por fim:
“Quanto aos tratamentos efectuados para o controlo da infecção após a injecção, nomeadamente a nimediata intervenção cirúrgica (vitrectomia), associado a antibioterapia, procedimentos que foram repetidos após aproximadamente 48h, foram na nossa opinião, os adequados para lidar com este tipo de complicação.”
Em resposta ao alegado no art.º53º da petição inicial foi consignado, entre o mais, o seguinte:
“Como foi referido na resposta do artigo anterior, os tratamentos sugeridos foram adequados e são mundialmente aceites para o tratamento da retinopatia diabética com estas complicações.”
E mais:
“Uma prova de que estes tratamentos foram os adequados é o facto de a doente, após ter abandonado os serviços do réu e passar a ser acompanhada bnum Hospital do SNS, continuar a seer tratada no olho esquerdo, com injecções intravítreas de aqntiangiogénicos e fotocoagulação laser.”
Em resposta aos factos alegados no art.º58º da petição inicial foi consigano, entre o mais, o seguinte:
“A perda de visão do olho dto, após a 3ª injecção, considera-se associada à complicação infecciosa que ocorreu após esse procedimento. No entanto não podemos considerar que a mesma tenha resultado de má pratica clínica, mas sim uma complicação já bem conhecida destes tratamentos. Mais informo que o olho em que ocorreu, já era o pior olho da doente, apresentando uma acuidade visual de 1/10 quando iniciou o tratamento com injecções.”
Sobre a matéria alegada no art.º59º da petição inicial foi respondido o seguinte:
“Da informação disponibilizada não podemos concluir que houve má prática clínica por parte da ré.”
Por fim aos factos alegados no art.º60º da petição inicial foi respondido, entre o mais, o seguinte:
“Da consulta do processo, confirmamos que existiam consentimentos informados assinados para todos os procedimentos realizados, no entanto temos a referir que o referido documento é muito generalista e pouco explicito para cada procedimento específico, embora lá esteja mencionado que a doente foi informada e esclarecida sobre os actos médicos, de diagnóstico e tratamentos a praticar, bem como das possíveis complicações, pelo que se pressupõe que a mesma foi devidamente informada e esclarecida.”
Por outro lado e contrariamente ao que foi sugerido pela Autora/apelante nas alegações de recurso, o que está consignado neste Relatório e que acabou de ser agora transcrito nas suas partes mais relevantes, não foi de todo infirmado pelas testemunhas ouvidas em julgamento na sessão de 21.05.2019 (cf. acta de fls.314/315).
Assim os depoimentos prestados pelas três testemunhas indicadas pela autora B…, apesar de serem pessoas com relacionamento próximo, entre as quais se destaca a sua filha F…, não conseguiram de todo infirmar o que com clareza resulta do referido no Relatório de fls.296 e seguintes.
Mais, muito do que ali foi feito constar foi corroborado no depoimento prestado pela testemunha G…, o Director Clínico da Ré, sendo também ele o médico que operou a Autora por duas vezes na sequência da infecção que a mesma sofreu.
Em suma, nenhum fundamento existe para se alterar o que foi respondido em relação ao alegado pela Autora nos artigos 51º, 53º, 58º, 59º e 60º.
Ou seja, não podiam nem podem ser dados como provados os factos indicados pela Autora na conclusão 2ª das suas alegações de recurso.
Dito de outra forma, o que a este propósito resulta da prova produzida é apenas o que foi feito constar no ponto 20. dos factos provados.
Deste modo e por não estarem verificados os pressupostos previstos no art.º 662º, nº1 do CPC, improcede o recurso da decisão de facto interposto pela autora/apelante B….
Os factos provados são, pois, apenas e só aqueles que já antes deixamos melhor referidos e que aqui nos dispensamos de voltar a reproduzir.
Ora como todos já vimos, na conclusão 4ª das suas alegações a Autora defende que a sentença padece de falta de fundamentação, por assentar num conjunto de convicções e intuições pessoais do julgador, não apresentar um itinerário decisório e não se apoiar em qualquer jurisprudência ou doutrina relevantes.
Não tem entanto razão nesta sua alegação.
Para resolvermos tal questão iremos recorrer ao Acórdão do STJ de 02.06.2016, processo nº781/11.6 TBMTJL1.S1. www.dgsi.pt., onde se escreveu o seguinte:
“As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º, aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666º, todos do Código de Processo Civil, ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)).
O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.12.1987, in BMJ 372/369).
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p.670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada.”
Regressando ao caso concreto e à sentença recorrida o que verificamos é o seguinte:
Contrariamente ao que agora se alega, a sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada, apresentando no que agora releva, a descrição fáctica considerada pertinente e a correspondente subsunção jurídica.
Assim na mesma, foram discriminados e analisados criticamente os factos considerados provados no âmbito do julgamento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e proficientemente integrados juridicamente no instituto do contrato de prestação de serviços médicos e médico-cirúrgicos subsumível no art.º1154º do Código Civil, dando-se rigoroso cumprimento ao exigido nos artigos 662º, 607º nº 5 e 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
Importa ainda recordar que o acerto ou desacerto de qualquer decisão é questão claramente diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores de nulidade, mas sim no domínio do eventual erro de julgamento.
Em conclusão, não padece a sentença recorrida da nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art.º615º do CPC.
Improcede também aqui o recurso interposto nos autos.
É pois, o momento de apreciar a última das questões suscitadas.
E esta tem a ver, como já vimos, com a procedência ou a improcedência do pedido formulado pela Autora.
Na sentença recorrida começou desde logo por se referir o seguinte:
“A aqutora formula a sua pretensão indemnizatória com fundamento em responsabilidade médica.
Ora, como refere Miguel Teixeira de Sousa, O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica, Comunicação no II Curso de Direito da Saúde e Bioética, Direito da Saúde e Biomédica, edição da Associação Académica da FDL, página 127: “ (…) o ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade médica é assim o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que o médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes (…).” Refere ainda o citado autor que “ (…) age com culpa (…) o médico que viole os deveres objectivos de cuidado, agindo de tal forma que a sua conduta deva ser pessoalmente censurada e reprovada (…) culpa a ser apreciada (…) pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso”, em face dos critérios consagrados nos artigos 487º, nº2 e 799º, nº2 do Código Civil, no âmbito, respectivamente, da responsabilidade extracontratual e da responsabilidade contratual.
Daqui resulta que a primeira questão a decidir numa acção desta natureza, se reconduz desde logo ao seu enquadramento no regime da responsabilidade contratual ou no regime da responsabilidade extracontratual.
Assim e procurando a doutrina e a jurisprudência, o que se verifica é que é claramente predominante a orientação que subsume estas acções no regime da responsabilidade contratual do médico e que considera que a responsabilidade extracontratual do médico é uma excepção que, em geral, ocorre em situações em que o médico tem de actuar com urgência e nas quais não foi colhido o acordo ou o consentimento do doente quanto à sua actuação ou à sua intervenção (neste sentido e entre outros cf. o Acórdão desta Relação do Porto de 10/02/2015, processo nº2104/05.4TBPVZ.P1, www.dgsi.pt.).
Já na doutrina e a este propósito cf. o que afirma o Conselheiro Henriques Gaspar: “A Responsabilidade Civil do Médico”, CJ ano III, 1978, pág.341, quando refere: que “A relação médico/doente há-se enquadrar-se na figura conceitual do contrato (…) o médico só é responsabilizado extracontratualmente se actuou à margem de um acordo existente entre o médico e o doente, o que acontece em situações de urgência em que não foi possível obter o acordo”.
De todo o modo, importa salientar que em qualquer uma das suas formas a responsabilidade civil assenta sempre na verificação de determinados pressupostos, que são como sabemos, o facto; a ilicitude; a imputação subjectiva do facto ao lesante (culpa); o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, só a reunião de todos estes elementos poderá, pois, constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado.
E isto quer a obrigação provenha de um facto ilícito ou de um contrato.
Mostra-se igualmente relevante não esquecer que a distinção entre estas duas espécies de responsabilidades no domínio médico não assume uma natureza meramente académica e teórica, já que se sabe que as regras estabelecidas ao nível do ónus da prova (cf. artigos 799º, n.º1, 487º n.º 1 do Código Civil), dos prazos de prescrição (artigos 309º/498º) ou da atenuação da indemnização em caso de mera culpa (494º do Código Civil), consagradas para cada um dos tipos de responsabilidade, poderão determinar soluções práticas diversas.
Ora o certo é que no domínio da medicina privada, como aqui ocorre, existe em regra responsabilidade contratual, dado que a prestação de cuidados de saúde por entidades privadas assenta em contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade que os oferece (proponente) e o doente (neste sentido cf. o Acórdão desta Relação do Porto de 07/05/2019, processo n.º 1178/14.1TBFLG.P1, www.dgsi.pt.).
No entanto, a verdade é que a responsabilidade civil médica pode, em simultâneo, assumir uma natureza extracontratual e contratual, já que o mesmo facto, podendo corresponder a uma violação do contrato, pode também reconduzir-se a um facto ilícito lesivo de direitos absolutos do paciente/lesado.
Neste sentido vai entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2017, processo n.º 6699/11.3TBVNG.S1, www.dgsi.pt. onde se afirma: “Em regra a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da responsabilidade extracontratual.”
É aliás este o entendimento que se mostra mais ajustado aos interesses do lesado e mais conforme com o princípio da autonomia privada.
Pode pois afirmar-se que a jurisprudência tem vindo a seguir a tese do concurso de responsabilidades, quer admitindo a opção entre ambas, quer o próprio concurso de pretensões por cumulação de responsabilidades (cf. os Acórdãos do STJ de 4/3/2008, CJ I, 2008, pág.134 e seguintes e da Relação de Coimbra de 4/4/2005, CJ II, 1995, pág. 31 e seguintes).
Mais, tal posição corresponde a uma verdadeira superação da doutrina tradicional, na qual se afastava a hipótese de admitir a natureza contratual da responsabilidade médica, designadamente no que se reporta à culpa presumida do médico nos casos em que os resultados visados como ao acto médico não fossem alcançados.
Regressando ao caso concreto, impõe-se referir que os argumentos consignados na sentença recorrida merecem a nossa total adesão.
Assim e subscrevendo tal argumentação passaremos a aludir à mesma nos seus segmentos mais relevantes.
Deste modo, resulta também para nós inequívoco que os factos provados nos levam a concluir que o contrato celebrado entre Autora e Ré foi um contrato de prestação de serviços médicos e médico-cirúrgicos subsumível na previsão legal do art.º1154º do Código Civil.
È igualmente claro ter ficado por demonstrar que a Ré não tenha em algum momento deixado de actuar em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidados a que estava contratualmente obrigada.
Mais, não se pode responsabilizar a Ré pelo facto de as intervenções médicas realizadas não terem sido de sucesso total, tanto mais que o que se pretendia no caso, era não a cura da Autora, mas sim a atenuação dos efeitos da doença de que a mesma padecia.
Sabemos todos que actua com negligência, cumprindo defeituosamente a sua obrigação, o médico ou instituição prestadora de cuidados de saúde que não exercite todo o seu zelo, nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas para proporcionar a cura ao doente ou para lhe proporcionar os serviços acordados.
No entanto, também devemos ter como inquestionável a ideia de que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos consubstancia, por regra, uma obrigação de meios.
E isto apesar de em certos casos, excepcionais, a referida execução poder assumir-se como uma obrigação de resultado, o que aqui não ocorre.
Tem pois razão o Sr. Juiz “a quo” quando a dado passo afirma que “o médico não assegura, nem pode assegurar, ao menos em princípio, a cura da enfermidade do paciente, tanto mais que tal cura não depende, apenas, de intervenção médica, mas também de vários factores endógenos e exógenos, entre os quais relevam, designadamente, a resistência do doente, a sua capacidade de regeneração e o estado geral do seu organismo.”
E pensa igualmente de forma acertada quando citando o Acórdão desta Relação de 27.03.2017, processo nº7053/12.7TBVNG.P1, www.dgsi.pt, refere que no caso, “incumbiria à autora, na ausência de uma qualquer presunção de ilicitude (que não existe, pois que a presunção se refere apenas e só à culpa (art.º 799º, n.º 1 do Código Civil), a demonstração de eventual inexecução contratual por parte do médico, através da demonstração da violação, no caso em apreço, das leges artis aplicáveis, demonstração esta que, enquanto elemento constitutivo do instituto da responsabilidade civil (contratual) imputável ao médico ou à entidade prestadora de serviços médicos, o que não logrou demonstrar”,
Em suma, por aqui improcederia, como aliás improcedeu, a acção.
Mas neste seu recurso, a Autora ora apelante também suscita a questão da falta de consentimento.
Vejamos, pois, se com fundamento.
É verdade que a responsabilização da Ré poderia também assentar na violação do dever de informação da Autora, informação essa fundamental ao consentimento livre e esclarecido.
Ora o certo é que a jurisprudência, e em particular a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a tomar posição clara no sentido da dupla sede de responsabilidade médica: baseada no erro médico (contratual) ou na violação do dever de informação ou seja, do consentimento informado.
Com efeito, sabe-se que em sede de intervenção médica, ainda que sejam seguidos todos os procedimentos que à data se julguem adequados à prática do respectivo acto, haverá sempre uma margem de insucesso, de risco, traduzido na ocorrência de efeitos nefastos, como de resto acabou por ocorrer no caso dos autos.
No sentido de tal entendimento cf. o Acórdão do STJ de 02.11.2017, processo nº23592/11.4T2SNT.L1.S1., www.dgsi.pt., onde se referiu o seguinte: “Quer a lei portuguesa (cfr., em especial, os arts. 70.º, 81.º e 540.º do CC, bem como o art. 157.º do CP ou o n.º 11 do art. 135.º do Estatuto da Ordem dos Médicos), quer diversos instrumentos internacionais (cfr. o art. 5.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Convenção de Oviedo) exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes – por exemplo, através de uma cirurgia, como no caso presente – que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o acto a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção”.
Voltando ao caso concreto o verificamos estar provado é o seguinte:
Que no dia da operação (29.08.2013), a doente assinou o consentimento informado para o acto médico-cirúrgico (facto provado 30.);
O mesmo acontecendo em relação à intervenção realizada em o1.09.203 (facto provado 31).
Apesar do recurso da decisão de facto interposto pela Autora continua por provar como pretendia, “que os serviços médicos da ré não tenham informado a autora sobre os tratamentos a efectuar, riscos que corria e benefícios que poderia obter desses tratamentos, por forma a que pudesse fazer uma escolha consciente e desse um consentimento informado”.
Dos documentos juntos aos autos (cf. fls.122 e seguintes), resulta que a Autora assinou um documento com o título “Consentimento para a pratica de actos médicos”, no qual declara ter sido devidamente informada sobre a sua situação, e que autoriza a prática de todos os actos apropriados, designadamente a realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica médica e intervenção cirúrgica, e que tomou conhecimento das eventuais complicações e riscos inerentes.
Por outro lado no Relatório elaborado pelo INMLCF e mais concretamente a fls.301 e 302 e em resposta aos factos alegados no art.º60º da petição inicial, o que consta é o seguinte:
“Os tratamentos propostos e efectuados nesta doente, são bem conhecidos e usados de uma forma generalizada em todo o mundo. Os seus benefícios e potenciais riscos estão descritos pormenorizadamente na literatura e deveriam ter sido explicados à doente antes da sua execução.
Da consulta do processo, confirmamos que existiam consentimentos informados assinados para todos os procedimentos realizados, no entanto temos a referir que o referido documento é muito generalista e pouco explicito para cada procedimento específico, embora lá esteja mencionado que a doente foi informada e esclarecida sobre os actos médicos, de diagnóstico e tratamentos a praticar, bem, como das possíveis complicações, pelo que se pressupõe que a mesma foi devidamente informada e esclarecida.”
Por outro lado e como já vimos, no referido Relatório ficou também a constar em resposta ao art.º51º da petição inicial, o seguinte: Apesar destes tratamentos poderem estar associados a algumas complicações, elas são relativamente raras (…).”
Ou seja, apesar dos tratamentos a que a Autora foi sujeita poderem estar associados a alguma complicações, o certo é que estas são em princípio relativamente raras, não sendo pois de exigir à Ré que a eles fizesse referência de modo expresso e pormenorizado.
Deste modo, afigura-se certo que as informações prestadas pela Ré á Autora foram suficientes, podendo assim concluir-se que a mesma foi devidamente informada e esclarecida sobre os actos médicos a que ia ser sujeita.
Por isso também aqui improcedem os argumentos recursivos da autora/apelante B….
Sem mais, impõe-se a confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Autora/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 14 de Maio de 2020
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Joaquim Correia Gomes
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DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO
No presente caso divergimos da posição maioritária no que concerne à relevância conferida ao “consentimento escrito assinado” pela A., pelas seguintes razões:
1.º) O direito ao consentimento informado, para além de ter o seu devido ancoramento constitucional, enquanto direito fundamental, que para uns é atípica (16.º, n.º 1 Constitucional), sendo este o nosso posicionamento, e para outros é uma decorrência do direito geral de personalidade (26.º, n.º 1 Constituição), tem também o seu ancoramento legal, mormente através da Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, também conhecida pela Convenção de Oviedo e doravante CDHB (DR I-A, n.º 2, de 03/jan.), em virtude desta ter sido recepcionada no ordenamento jurídico português. Mas também será de referir o dever de esclarecimento imposto pelo artigo 157.º do Código Penal, enquanto decorrência do consentimento em geral (artigo 38.º Código Penal) no âmbito das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos. Não havendo esse consentimento a intervenção ou tratamento médico é arbitrária e, como tal, ilegal (156.º, n.º 1 do Código Penal);
2.º) O artigo 5.º da CDHB estipula precisamente que “Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos. A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.”, sendo nosso o negrito;
3.º) Por sua vez, aquele artigo 157.º do Código Penal, estipula-se que “Para efeito do disposto no artigo anterior, o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam susceptíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica.”
4.º) O Código Civil refere-se ao consentimento do lesado em geral no seu artigo 340.º e do seguinte modo: “1 - O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão. 2 - O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do ato, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes. 3 - Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.” Tratando-se de um consentimento em geral e estando em causa uma intervenção no domínio da saúde, o correspondente “programa normativo” da norma do consentimento livre e esclarecido, deve ter como auxiliares interpretativos e mesmo de referência, tanto o artigo 5.º da CDHB, como o artigo 157.º do Código Penal, fazendo-se uma interpretação harmónica deste três pilares legais do consentimento informado, de forma a manter a manter a “unidade do sistema jurídico” (artigo 9.º, n.º 1 Código Civil);
5.º) E isto tanto mais é exigível, quando o consentimento informado no domínio da saúde tem sido reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), como uma manifestação do direito humano à vida privada, consagrado no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Assim, como tem sido expresso na sua jurisprudência, mas da qual destacamos, como se pode compreender, o caso Bogumil c. Portugal, de 07/out./2008, a violação desse direito humano pode advir de um acto médico não consentido, em virtude de este representar uma intromissão na integridade física ou psíquica de uma pessoa (§§ 83, 84);
6.º) Estando em causa a integridade física ou psíquica de uma pessoa, a intervenção ou tratamento médicos, apenas assumem “legitimidade” se estiverem cobertos pelo consentimento livre e informado da pessoa visada, sob pena de esta ser um objeto (doente sem direitos) e não um sujeito (doente com direitos), salvo os casos de urgência, que conferem legitimidade ao designado privilégio terapêutico;
7.º) Deste modo o direito ao consentimento livre e informado, tem como seu correspondente o dever médico de respeitar esse mesmo consentimento livre e informado. E, quanto a isso, não pode haver o mínimo de dúvidas, tanto mais que o mesmo consta no n.º 11 do artigo 135.º do Estatuto da Ordem dos Médicos (Lei n.º 117/2015, de 31/ago.; DR I, n.º 169), ao preceituar que “O médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido”;
8.º) Nesta conformidade, no âmbito de um contrato médico de prestação de cuidados de saúde e quando está em causa o consentimento livre e informado, as regras do ónus de prova decorrentes do artigo 342.º do Código Civil, impõe que a pessoa visada com a intervenção ou tratamento médicos, demonstre esse contrato e que tais procedimentos afectaram a sua integridade física/psíquica (n.º 1), cabendo ao médico demonstrar que foi devidamente prestado o consentimento livre e informado (n.º 2) – tem sido neste sentido que ultimamente se tem manifestado a jurisprudência (v.g. Ac. STJ de 16/jun./2015 (Cons. Mário Mendes), acessível em www.dgsi.pt assim como os demais, ao quais não se faça referência expressa da sua origem; Ac. TRL de 10/out./2013 (Des. Maria José Mouro); Ac. TRC de 13/out./2015, (Des. Jorge Arcanjo) CJ IV/23; em sentido contrário o já remoto Ac. STJ de 15/out./2009 (Cons. Rodrigues dos Santos). Aliás, esse ónus de prova por parte do médico mantém-se no caso do designado consentimento hipotético – Ac. STJ de 02/jun./2015 (Cons. Clara Sottomayor);
9.º) Tratando-se de um “tabular consentimento informado”, ou seja, estando o mesmo previamente elaborado e escrito pelo médico ou pela entidade prestadora de serviços, estamos perante uma cláusula contratual sem prévia negociação individual, limitando-se a pessoa sujeita a intervenção ou tratamento médico a subscrever e a aceitar tal escrito. Nestes casos, será de aplicar o regime geral das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/out, - DR I, n.º 246, alterado e republicado no Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/ago. – e não janeiro, como por lapso consta na sua epígrafe – DR I-A, n.º 201; Decreto-Lei n.º 249/99, de 07/jul., DR I-A, n.º 156). A propósito estipula-se no seu artigo 5.º, n.º 1 que “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, acrescentando-se no n.º 2 que “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, finalizando o n.º 3 que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”;
10.º) A doutrina nacional mais representativa e que melhor tem estudado esta temática do consentimento informado tem se expressado contra estes “consentimentos em branco” – OLIVEIRA, Guilherme; PEREIRA, André Dias, Consentimento Informado, Coimbra: Centro de Direito Biomédico, 2006, p. 47. E tem vindo a suscitar os consentimentos tabulares através do regime das cláusulas contratuais gerais – PEREIRA, André Dias, “Formulários para prestação do Consentimento: uma proposta para o seu Controlo jurídico”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, Brasil, 2001, pp. 65-90; “Novos Desafios da Responsabilidade Médica: Uma proposta para o Ministério Público”, Direito e Sociedade – Revista do Ministério Público do Estado do Paraná, Vol. 3, n.º 2, julho/dezembro de 2004, pp. 35-58;
11.º) Por sua vez, a jurisprudência do STJ depois de num primeiro momento aceitar os consentimentos escritos tabulares (Ac. STJ de 09/out./2014, Cons. João Bernardo), tem vindo ultimamente a posicionar-se no sentido de que “O consentimento do paciente prestado de forma genérica não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado, sendo, além disso, necessário, em caso de repetição de intervenções, que tais esclarecimentos sejam actualizados, tendo em conta, designadamente, que os riscos se podem agravar com a passagem do tempo” (Ac. STJ de 22/mar./2018, Cons. Maria da Graça Trigo);
Nesta conformidade, não aceitamos que no caso em apreço tenha havido um esclarecimento livre e informado, porquanto nada sabemos o que foi informado à A.. Aliás, o que sabemos é que a A. no próprio dia das intervenções cirúrgicas assinou um documento escrito e redigido de modo tabular pela R. Clínica Oftalmológica. E a assinatura desse documento no próprio dia e momentos antes da intervenção cirúrgica, que foi programada, não sendo, por isso urgente, não permite o necessário período de reflexão.
Não havendo esse consentimento livre e esclarecido, existe obrigação da R. em indemnizar a A..

Joaquim Correia Gomes