Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2021/16.2T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO ELEUTÉRIO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROGENITOR OBRIGADO À PRESTAÇÃO AUSENTE
SITUAÇÃO ECONÓMICA
Nº do Documento: RP201810082021/16.2T8STS.P1
Data do Acordão: 10/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º681, FLS.102-105)
Área Temática: .
Sumário: Na regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente o menor cujo progenitor, não guardião, se encontra em paradeiro incerto e sendo desconhecida a sua situação económica, deve o tribunal fixar uma prestação alimentícia a favor do menor e a cargo daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2021/16.2T8STS.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
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(…)
B… veio requerer contra C… regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor D…, filha de ambos.
Para tanto alegou em suma que os pais da menor não vivem em comunhão de vida e não se encontram de acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais respeitantes à menor.
Por ausência em parte incerta, o pai foi convocado para a conferência por editais.
Não foi possível a obtenção de qualquer acordo em conferência por ausência do pai.
Foi junta aos autos informação social sobre a situação socioeconómica da mãe.
Foi nomeada ilustre defensora ao pai.
Notificadas, a mãe e a ilustre defensora nomeada produziram alegações.
(…)
A final foi proferida a seguinte decisão:
(…)
Pelo exposto, regulando o exercício do poder paternal relativo a D…, decide-se:
a) Fixar a residência da menor junto da sua mãe, B…;
b) O pai da menor, C…, poderá visitá-la aos Sábados, com frequência quinzenal, entre as 10.00 e as 19.00 horas, devendo ir busca-la à residência da mãe, e preveni-la da sua intenção de realizar a visita com uma semana de antecedência;
c) O pai contribuirá com cento e trinta euros (€130,00) mensais para os alimentos da filha, quantia a enviar para casa da mãe no dia oito de cada mês a que diga respeito, com início em Fevereiro de 2018;
d) A pensão de alimentos referida em c) será actualizada anualmente, com início em Janeiro de 2019, de acordo com os índices de preços ao consumidor, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística;
e) As responsabilidades parentais em assuntos de particular importância para a vida da menor serão exercidas pela mãe, B…;
f) Mais se decide condenar o pai a pagar à mãe da menor dois mil setecentos e quarenta euros (€2.740,00), quantia respeitante a prestações de alimentos vencidas desde a propositura da acção até Janeiro de 2018.
(…)
O requerido apelou da sobredita decisão e concluiu da seguinte forma:
I - O presente recurso circunscreve-se à parte da sentença que fixou pensão de alimentos a cargo do ora recorrente, C…, não obstante ter sido dado como provado que o mesmo "vive na Grã-Bretanha em paradeiro desconhecido, sendo desconhecida a sua situação económica".
II - O artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil estabelece que "os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los".
III - Assim, o Tribunal na fixação de alimentos deverá ter em conta os dois termos da equação (possibilidades do alimentante e necessidades do alimentado), sendo certo que a ponderação das possibilidades do alimentante deverá ser feita em concreto, não se devendo partir do pressuposto do que qualquer pai em abstrato poderia suportar.
IV - Por conseguinte, de acordo com o disposto no artigo 2004.º, n.º 1, no caso de ausência ou insuficiência de rendimento do obrigado a alimentos, bem como no caso de desconhecimento da sua situação económica motivada pelo paradeiro incerto, não será de fixar qualquer prestação a ser cargo.
V - Neste sentido aponta ainda o artigo 2013.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil, pois se a obrigação de prestar alimentos cessa quando o obrigado ficar impossibilitado, há de concluir-se que não deverão ser fixados alimentos quando seja demonstrada essa impossibilidade.
VI - Entendimento contrário levaria a fixar-se uma prestação de alimentos que não obedece a qualquer critério legal, caindo-se no puro arbítrio e em clara violação do princípio das possibilidades do devedor ínsito no artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil.
VII - Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 2007, processo n.º 10081/2007-2 e de 04 de Dezembro de 2008, processo n.º 8155/2008-6 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Maio de 2014.
VIII - Entretanto não se diga que nos casos em que não é possível fixar prestação de alimentos a cargo do progenitor, os menores ficam desprotegidos, pois a obrigação de prestar alimentos passa a recair sobre os demais obrigados nos termos do disposto nos artigos 2013.º, n.º 2 e 2009.º do Código Civil, sendo certo, também, que poderão ser accionados outros mecanismos de protecção de menores a nível da Segurança Social.
IX - Verifica-se, porém, que a interpretação do artigo 2004.º, n,º 1 do Código Civil tem sido deturpada com o objectivo de accionar o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
X - Ora, para que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores seja accionado é necessário, entre outros, que seja fixada judicialmente uma prestação de alimentos e que não seja paga pelo devedor, nem seja possível obter o seu pagamento através do procedimento do artigo 189.º da OTM
XI - Todavia para fixação dessa prestação é necessário atender ao critério estabelecido no artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, considerando-se, portanto, as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentado, pois que a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, não derrogou ou limitou a aplicação do artigo 2004.º do Código Civil em especial no que respeita a critérios de fixação de alimentos devidos a menores (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06 de Dezembro de 2011)
XII - Com efeito fixar-se uma prestação de alimentos a cargo do progenitor, quando este não tem meios económicos ou a sua situação económica é desconhecida, apenas para se poder accionar o Fundo de Garantia para além de violação do disposto no artigo 2004.º do Código Civil, constituiria pura arbitrariedade e subjectividade, sem qualquer critério legal para a sua determinação e, por outro lado, excluiria a responsabilização dos familiares no pagamento de alimentos, cuja obrigação decorre dos artigos 2099.º e 2013.º, n.º 2 do Código Civil.
XIII - Assim o problema não está no regime do artigo 2004.º do Código Civil o qual é equilibrado, e conforme o princípio da proporcionalidade, mas sim no figurino restritivo do regime estabelecido pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, de apenas abranger, pelo menos na sua letra, os casos em que é possível proceder à fixação de alimentos por se ter conhecimento da situação económica do obrigado.
XIV - Assim, no caso dos presentes autos, ao fixar pensão de alimentos no valor de €130,00 (cento e trinta euros) a cargo do recorrente, estando este ausente em parte incerta, sendo desconhecida a sua concreta situação económica, nomeadamente os seus rendimentos (se efectivamente os tiver) e por isso as suas reais possibilidades, sendo certo que competia à requerente nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil o ónus da prova das possibilidades do requerido, o Tribunal a quo violou o artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que o deveria ter interpretado no sentido de não ser possível fixar qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo do recorrente, devido à falta de matéria factual que permita concluir pelas suas possibilidades.
XV - Pelo exposto deve a decisão recorrida ser revogada na parte em que fixa pensão de alimentos a cargo do requerido, ora recorrente, C…, e o condena a pagar à mãe da menor dois mil setecentos e quarenta euros (€2.740.00), quantia respeitante a prestações de alimentos vencidas desde a propositura da acção até Janeiro de 2018, substituindo-a por outra que não fixe, por ora, aquela pensão.
(…)
Contra-alegou o Mº Pº argumentando no sentido do não provimento do recurso.
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- Factos provados
b) Os pais separaram-se em Janeiro de 2016;
c) A menor reside com a mãe desde essa data, que lhe vem prestando adequadamente todos os cuidados de que carece;
d) O agregado familiar é composto pela mãe, pela menor, e por dois irmãos desta, com 17 e 18 anos;
e) A mãe aufere €557,00 por mês a título de rendimento do trabalho, a que acrescem abono de família, em montante pouco superior a €100,00 mensais, e pensões de alimentos a favor dos irmãos da menor, no valor total de €150,00 mensais;
f) O agregado suporta consumos domésticos, e os irmãos da menor usam ambos óculos;
g) O pai vive na Grã-Bretanha em paradeiro desconhecido, sendo desconhecida a sua situação económica;
h) A última visita do pai à filha foi em Janeiro de 2017, e telefonou no último aniversário da menor, mas os contactos têm sido muito pontuais;
i) A mãe não coloca objecções a contactos entre pai e filho, mas objecta a pernoitas, por não confiar no pai.
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A questão que subjaz ao recurso tem a ver com a circunstância de saber se, apesar de ser desconhecido o paradeiro do pai do menor e a sua situação económica, mesmo assim são devidos alimentos a este.
A resposta é afirmativa ou seja o desconhecimento acima referido não releva para a fixação dos alimentos em causa, como foi decidido pelo tribunal a quo.
A CRP consagra, no seu art. 36º nº 5, o direito e dever dos pais de educação e manutenção dos filhos e no seu art. 69º impõe ao Estado e à sociedade o dever de protecção das crianças.
A lei ordinária (art. 1878º nº 1 do CC) atribui aos pais, além do mais, o poder-dever de no interesse dos filhos prover ao seu sustento sendo o direito a alimentos irrenunciável (art. 2008º nº 1 do CC).
Neste contexto “… a ausência do pai que se exime à sua responsabilidade, abandonando e desinteressando-se da sorte do filho, em manifesta violação dos direitos-deveres que sobre si impendem, não poderá aproveitar-lhe para, em sede da concretização da medida dos alimentos, se exonerar da respectiva obrigação” (acórdão do STJ de 15/5/2012, disponível online).
Aliás, de acordo com o citado acórdão, o direito em questão só pode ser arredado com a demonstração de efectiva impossibilidade do obrigado o que não se verifica o presente caso (como flui dos factos provados) pelo que, com recurso à equidade, pode ser fixada a comparticipação do progenitor do menor no sustento deste.
Consequentemente, como se decidiu no acórdão desta Relação de 29/1/2013, “Deve ser fixada pensão de alimentos a menor mesmo que se ignore o paradeiro do progenitor obrigado à prestação e, por esse motivo, se desconheça a sua situação social, económica e financeira”.
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Nestes termos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Porto, 8/10/2018
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
Maria José Simões