Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10093/17.6T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES
NATUREZA TEMPORÁRIA
CESSAÇÃO
Nº do Documento: RP2021100710093/17.6T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito de alimentos entre ex-cônjuges tem natureza excecional e temporária, como resulta do disposto no nº 1 do artigo. 2016º do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 61/2008, de 31-10, podendo a prestação ser alterada ou cessar, conforme o disposto nos artigos 2012º ou 2013º do Código Civil.
II - Havendo rutura do vínculo conjugal, a prestação alimentar, assume uma natureza autónoma e afere-se por um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do obrigado aos alimentos, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
III - Provando-se que a ex-cônjuge alimentanda passou a sofrer de doença incapacitante e irrecuperável mercê da qual foi institucionalizada e que as suas despesas não ultrapassam o valor mensal do rendimento social de inserção que recebe, verifica-se a insubsistência do requisito subjacente à fixação dos alimentos da necessidade do alimentando. Em tal caso deve ser declarada a cessação deste dever.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 10093/17.6T8PRT-C.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

B…, intentou a presente ação comum, para cessação da pensão de alimentos, entre ex-cônjuges, fundamentada no alegado agravamento da sua situação económica e na desnecessidade dos alimentos por parte da demandada C….
A SENTENÇA JULGOU O PEDIDO IMPROCEDENTE.
DESTA SENTENÇA APELOU O REQUERENTE QUE LAVROU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)
4.Entende o recorrente que, os factos que queria apurar e que foram, efetivamente, apurados nestes autos, bem como das normas jurídicas invocadas, que tratam da medida dos alimentos e da cessação da obrigação alimentar, a obrigação que, sobre si, impende, vai fazer duas décadas, tem de cessar, porque a recorrida já não precisa deles.
(…)
(…)
8.Os factos com interesse para a economia deste recurso, são os constantes nos pontos 5, 6, 22, 23, 25 (numerado pelo recorrente) e 26 (numerado pelo recorrente) da factualidade dada por provada na sentença, de que se dá breve extrato conclusivo:
a).A recorrida foi interdita, por sentença transitada em julgado, em 22.10.2018, com nomeação de tutor, agora acompanhante;
b).A recorrida, devido a graves problemas de saúde, de ordem psiquiátrica, teve, durante anos, vários internamentos hospitalares;
c).A recorrida tem uma situação clínica grave e irreversível, sem cura e sem possibilidade alguma de viver autonomamente;
d).A recorrida encontra-se internada numa unidade hospitalar de transição, atualmente em Braga, situação inevitavelmente vitalícia, em razão da sua patologia;
e).A recorrida aufere, da Segurança Social, a título de rendimento social de inserção, a quantia mensal de € 189,66;
f).A recorrida tem despesas mensais, em média de € 150,00, em vestuário, calçado, lanches no bar da instituição onde reside, pasta de dentes e cola para a placa (será dos dentes), cabeleireiro, artigos de higiene, revistas e jornais.
9).Daqueles factos, provados, decorrem, como lógica consequência, que a recorrida tem estado, está e vai estar, irremediavelmente internada em unidade hospitalar do Estado, único local possível adequado à sua grave situação patológica.
10).Portanto, é o Estado que vem proporcionando e continuará a proporcionar alojamento, alimentação, assistência médica e medicamentosa e o mais que a recorrida precisar, à semelhança, de resto, do que faz a milhares de outros cidadãos.
11).Daqui decorre, com evidência, ter a recorrida tudo do que precisa para viver condignamente, tendo-se em conta as suas necessidades, que estão de acordo com o seu estado pessoal e social.
(…)
13).Está-se em presença de uma modificação substancial das circunstâncias que determinaram a fixação da prestação alimentar à recorrida, em 2002, sendo altura de libertar o recorrente dessa obrigação, ou, quanto muito, reduzi-la a um terço do seu valor.
(…)
17.Encontra-se provado, nos autos, um dos pressupostos do pedido - o pressuposto desnecessidade de alimentos - por parte da recorrida, contrariamente ao que, na sentença, foi decidido.
18.No entender do recorrente, a sentença ora em recurso violou os invocados preceitos legais, de natureza substantiva, aplicáveis ao caso dos autos, por manifesto erro de julgamento na subsunção que é feita dos factos provados ao direito.
(…)
Termos em que deve ser anulada a sentença dada pelo Tribunal “a quo”, e substituída por outra que julgue total ou parcialmente procedente a ação, assim fazendo cessar, no todo ou em parte substancial, o valor dos alimentos que o recorrente vem prestando à recorrida.
RESPONDEU A RECORRIDA A SUSTENTAR A SENTENÇA.
Colhidos os vistos legais nada obsta ao mérito
OBJETO DO RECURSO:
O OBJETO DO RECURSO É DELIMITADO PELAS CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DO RECORRENTE, RESSALVADAS AS MATÉRIAS QUE SEJAM DE CONHECIMENTO OFICIOSO - ARTS. 635º, N.º 3, E 639º, N.ºs 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
EM CONSONÂNCIA E ATENTAS AS CONCLUSÕES DO RECORRENTE A ÚNICA QUESTÃO A DECIDIR É A SEGUINTE:
SABER SE ESTÃO VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE A CESSAÇÃO DE ALIMENTOS QUE O RECORRENTE SE ENCONTRA A PAGAR À RECORRIDA
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÂO DE FACTO:
1.No dia 30 de novembro de 1979, Requerente e Requerida contraíram, entre si, casamento civil.
2.Na constância do sobredito casamento as partes tiveram duas filhas:
-D…, nascida a 19/06/1989 e
-E…, nascida a 16/07/1993
3.Por sentença proferida a 7 de maio de 2002, foi decretado o divórcio entre a ambos
4.Por acordo homologado na aludida sentença, entre outras cláusulas, as partes convencionaram o seguinte:
“A título de alimentos, o requerente obriga-se a pagar à requerente, a quantia mensal de 100.000$00…” (cfr. acordo de fls. 9, aqui dado por inteiramente reproduzido).
A)- “GUARDA: As menores D… e E…, ficam entregues à guarda e cuidados dos avós paternos …”
C) “ALIMENTOS: Dado que as menores estão a viver com o pai na casa dos avós paternos, estando estes a suportar as respetivas despesas, não fixam quaisquer alimentos do pai às menores…”
A casa de morada de família, fica atribuída à requerente,… propriedade do Sr. Dr. F…”.
5.No processo judicial nº 75/17.3T8VLG, que correu termos pelo J2 do Juízo Local Cível de Valongo, foi proferida sentença, em 17 de setembro de 2018, transitada em julgado em 22 de outubro de 2018, que decretou a interdição da Requerida, por anomalia psíquica, com início da incapacidade em 17/01/2014 e nomeou seu tutor, G… (irmão da interdita).
6.Entre outros factos, consta da aludida sentença, no segmento factos provados, o seguinte: “ A Requerida devido ao seu estado de saúde nunca teve profissão remunerada”.
7.A requerida é acompanhada em consulta de psiquiatria no Centro Hospitalar …, desde o ano de 2002, com diagnóstico Esquizofrenia Paranóide.
8.A requerida teve três internamentos completos no Serviço de Psiquiatria do CH …, respetivamente nos anos de 2001, 2002 e 2016 e três internamentos parciais no Hospital de Dia do CH …, ocorridos em 2005, 2009 e 2016, por descompensação psicopatológica.
9.Em 28-6-2016 foi realizada uma avaliação psicológica à requerida no Centro Hospitalar …, na qual se concluiu que esta demonstra “perda cognitiva em todos os domínios avaliados … quadro de deterioração mental capaz de interferir e comprometer, significativamente a autonomia e as suas atividades da vida diária (básicas e complexas)”.
10.Devido à presença de um quadro de deterioração mental com interferência significativa na autonomia e capacidade de realização das atividades da vida diária (básicas e complexas) a requerida foi integrada na Unidade Residencial de Transição de Psiquiatria para Doentes Crónicos.
11.Em 17-11-2016 a requerida foi enviada a consulta em psiquiatria no centro de Saúde …, por alteração do comportamento, hipertensão arterial, diabetes, dislipedemia, glaucoma, antecedentes de oclusão venosa ocular, problemas cardíacos e atraso mental.
12.A requerida, desde 2014, frequentou um Centro de Dia e em 11-8- 2016, ingressou na Residência de Transição do Centro Hospitalar ….
13.A requerida encontra-se orientada no espaço, sabe o mês e o ano em que se encontra, mas não sabe o dia do mês.
14.A requerida não consegue sair de casa sozinha porque se perde, necessitando do auxílio de outra pessoa para a orientar.
15.A requerida não faz por si as atividades básicas e instrumentais da vida diária, necessitando de ajuda, designadamente para realizar a sua higiene pessoal.
16.A requerida embora reconheça facialmente o dinheiro não é capaz de o gerir, designadamente para governar a casa.
17.Atualmente a requerida apresenta alterações psicopatológicas compatíveis com o diagnóstico de “Psicose Esquizofrénica, Paranoide” 295.3 da C. I. D. 9, com défice cognitivo”.
18.A etiologia, de ordem funcional, apresenta agravamento desde o ano de 2014.
19.Não é conhecida cura para a patologia evidenciada pela requerida, sendo a sua evolução mais provável a de um degradamento progressivo.
20.A requerida não representa perigo para si ou terceiros.
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7.O Requerente é engenheiro mecânico, trabalha na H…, auferindo uma média mensal de 6.000,00 euros, de remuneração base (cfr. doc. junto a fls. 12)
8.Do recibo de vencimento de fls. 12, consta uma penhora no montante de 1.043,82 euros, à ordem do processo nº 10093/17.6T8PRT.1 (por falta de pagamentos da pensão de alimentos devida à requerida).
10.Em data não concretamente apurada, mas há 20 anos, o requerente passou a habitar e a trabalhar em Lisboa, pagando entre os meses de fevereiro de 2015 e janeiro de 2019, uma renda média mensal de 800,00 euros, até ter comprado casa.
11.O requerente passou também a habitar aos fins de semana, em V.N. de Gaia, para estar com a companheira, com quem vive em união de facto.
12.Em finais de 2018, o requerente comprou uma casa em …, …, sita nos arredores de Lisboa, contraindo para o efeito dois empréstimos na …, S.A., no montante de 206.000,00 euros e de 51.000,00 euros, para a sua amortização pagando uma mensalidade de 362,12 euros e de 359,22 euros.
13.O requerente em água, gás, seguros, impostos, alimentação, assistência médica, medicamentosa, higiene, vestuário, viagens e deslocações, gasta uma quantia mensal não concretamente apurada.
14.O agregado familiar do requerente é composto pelo próprio e pela companheira.
15.A companheira é produtora de televisão na J….
16.O requerente possui três veículos automóveis em seu nome e dois em nome da companheira.
17.A filha D…, que tem atualmente 27 anos de idade não estuda, trabalha como lojista, sendo auxiliada economicamente pelo pai, em quantia não concretamente apurada.
18.O requerente declarou os seguintes rendimentos:
- no ano de 2016, no valor global de 165.555,25 euros (cfr. declaração IRS de fls. 49 ss. e nota de liquidação de fls. 43).
- no ano de 2017, no valor global de 166.745,53 euros (decl. de IRS de fls.
45 ss. e nota de liquidação de fls. 47, 48);
- no ano de 2018, de 179.431,51 euros (cfr. declaração de IRS e nota de liquidação de fls. 37 ss.).
19.Possui em comum com a companheira uma casa em V.N. de Gaia e outra casa própria.
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20.A requerida foi auxiliada pelo seu pai e pelo tutor, seu irmão, entretanto já falecido.
21.Nos anos de 2016, 2017 e 2018, a requerida não apresentou quaisquer rendimentos.
22.Desde data não concretamente apurada, que a requerida aufere o valor de 189,66 euros, a título de rendimento social de inserção (IRS).
23.A requerida que está internada numa unidade hospitalar de transição, foi recentemente deslocada para uma instituição em Braga.
24.Na constância do matrimónio, a requerida não trabalhou, para além do referido em 6, ocupando-se das lides domésticas e das filhas.
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25. Desde 2001, que a requerida é acompanhada no Centro Hospitalar Universitário …, E.P.E., H. Valongo, com quadro clínico compatível com psicose Esquizofrénica tipo paranoide.
26. A requerida, entre outras, não concretamente apuradas, tem despesas, em montante não concretamente apurado, mas que, pelo menos, ascendem:
- 10 a 30 euros/mensais, em vestuário e calçado;
- 30 a 50 euros/mês, em alimentação, lanches que faz no bar da instituição onde se encontra a residir;
- 40 euros/ mensais, em estomatologia, pasta de dentes e sobretudo em cola para a placa;
- 40 euros/mês, no cabeleireiro e em artigos de higiene;
- 4 a 6 euros por semana, em revistas e jornais.
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B) Factos não provados
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I
O recorrente sustenta que demonstrou o fundamento da sua pretensão formulada nos autos de cessação de alimentos fixados à sua ex-cônjuge.
Vejamos:
O direito de alimentos entre ex-cônjuges assume um carater excecional, como resulta do disposto no nº 1 do art.º. 2016º do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 61/2008, de 31-10, que estabelece a regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, estatuindo o nº 3 do art.º. 2016.º-A, aditado pela mesma Lei, que o ex-cônjuge não tem “o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio”.
A precariedade do estatuto do ex-cônjuge nesta sede de obrigação de alimentos surge bem evidenciada no nº 2 do mesmo artigo, o qual prescreve que, em caso de concorrência no direito a alimentos entre o ex-cônjuge e os filhos do obrigado, “o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.”
Tomé Ramião, in Divórcio e Questões Conexas, pág. 84, vem mesmo defender que “ o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida”.
Efetivamente o direito da família evoluiu desde a versão inicial do Código Civil (Decreto-lei nº 47334 de 25 de Novembro de 1966) até à versão atual introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, passando os alimentos devidos entre os ex-cônjuges que eram tidos inicialmente como uma sanção sobre o cônjuge único culpado, ou o cônjuge principal culpado pelo divórcio quando ambos fossem considerados culpados, para um plano em que a sua natureza é a de obrigação alimentar condicionada pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante.
A prestação alimentícia nasce sempre de uma situação de carência; sendo a sua delimitação a fazer em função do quadro factual apurado. Tem direito a alimentos quem deles necessitar e na medida respetiva, e só está obrigado ao pagamento quem tiver condições económicas que lhe permitam efetuá-lo sem colocar em causa a sua própria subsistência. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 741 e 742.
Destina-se a permitir ao ex-cônjuge a satisfação das suas necessidades básicas até poder reorganizar autonomamente a sua vida fora do casamento e é limitado pelo dever de socorro nos casos de manifesta carência de meios e de séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
Na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, a prestação alimentar ganha autonomia e afere-se, por um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
O artigo 2016-A do CC disciplina os requisitos da obrigação de alimentos entre cônjuges, fixando no nº 1 que: «1 - Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta».
Dada a sua natureza temporária os alimentos poderão ser alterados ou a sua prestação pode cessar desde que observados os requisitos dos artigos 2012º ou 2013º do C.C; respetivamente.
Formulado pedido de cessação dos alimentos é sobre o obrigado que recai o ónus de alegar e de provar que, por virtude “de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los”[ Ac do TRP de 28.01.2021 (2451/19.8T8PRD.P1) e de 15.04.2013, (7367/06.5TBVNG-A.P1); Ac TRL de 9.11.2017, (2032/15.5T8BRR.L1-2); Ac TRG 12.03.2020, (1459/07.0TBBCL-C.G1) e de 9.03.2027 (4992/15.7T8BRG.G1), todos em www.dgsi.pt
II
No caso dos autos, considerando a factualidade demonstrada não está em causa o refazer da vida por parte da requerida atenta a infeliz evolução negativa do seu estado de saúde que culminou com a incapacidade física e mental irreversível de que sofre atualmente.
A questão coloca-se mais propriamente no plano de saber se o requerente demonstrou a insubsistência de um ou mais requisitos desta obrigação.
Na sentença entendeu-se que o Requerente não cumpriu o ónus que lhe competia de que se verificaram circunstâncias supervenientes em relação ao momento em que os alimentos foram acordados em ordem a justificar a cessação.
Não sufragamos a decisão recorrida na parte em que se refere, que o requerente não cumpriu esse ónus quanto às necessidades da requerida por ausência de prova dos fundamentos da cessação por desnecessidade de alimentos da requerida.
Na verdade, está provado que a requerida recebe de RSI 189,66 euros (ponto 22), e que a mesma está internada numa unidade hospitalar de transição tendo sido recentemente transferida para uma instituição em Braga (ponto 23)
Mais, se provou que o valor global das suas despesas ascende a cerca de 150/170 euros mensais (ponto 26).
Parece assim claro, que atenta a infeliz situação da requerida, que se encontra internada numa instituição por causa da evolução negativa da sua doença, a qual não tem cura conhecida sendo a expectativa provável de contínuo degradamento (pontos 17º a 19º), a sua situação alterou-se, relevantemente, desde a data em que foram fixados os alimentos, (ponto 18º que fixa em 2014 o agravamento da doença).
E bem assim (certamente que derivado do facto desta se encontrar institucionalizada) a mesma requerida tem despesas pessoais muito reduzidas.
Do mero confronto do montante das suas despesas mensais com o valor que a requerida recebe de RSI se conclui que a mesma aufere um subsidio que é suficiente para custear a totalidade das mesmas.
Conforme o artigo 2003.º do C. Civil: “1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário” (…) pelo que, é manifesto que a requerida atentas as suas reduzidas despesas deixou de precisar dos alimentos que o requerente se vinculou a prestar.
Logrou o recorrente demonstrar, por isso, o requisito do artigo 2013.º, n.º 1, b) do Código Civil] na parte referente “às necessidades do alimentando” a justificar a cessação dos alimentos acordados.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
Revoga-se a sentença recorrida e declara-se cessada a pensão de alimentos sub iudice.
Custa pela requerida.

Porto, 7 de outubro de 2021
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela