Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1243/12.0TBVLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: DÍVIDA PAGA EM PRESTAÇÕES
EXIGIBILIDADE ANTECIPADA
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
FIADOR
EXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RP202105131243/12.0TBVLG-A.P1
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime de exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações é supletivo, dai que se não tiver afastado pelas partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual, implica que o credor interpele o devedor exigindo a totalidade da dívida.
II - A perda do benefício do prazo do devedor não se estende ao fiador, sendo necessário que, também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação, interpelação que não se verificou no caso dos autos.
III - A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, razão pela qual se a obrigação ainda não for exigível, não há justificação para proceder à realização coactiva da prestação.
IV - A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução e caso seja julgada procedente determina a extinção da execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1234/12.0TBVLG-A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B… e C…, por apenso à execução que a D… intentou contra ambos, vieram deduzir os presentes embargos de executado.
Para fundamentar esta sua pretensão, alegam em suma o seguinte:
- A falta de título executivo e desconhecimento da dívida exequenda e falta de interpelação antes da instauração da execução.
- O abuso de direito por parte do exequente em resultado da adjudicação do imóvel que lhe foi efectuada na insolvência do devedor/mutuário, gerando a extinção da dívida.
- A prescrição parcial dos juros pedidos anteriores a 06/03/2014, por força do disposto no art.º 310.º, al. d), do CC.
Concluíram pela procedência dos embargos, com a extinção (total ou parcial) da execução.
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A embargada D… contestou o alegado, impugnando a factualidade alegada pela embargante e concluindo pela improcedência dos embargos de executado deduzidos.
Reconheceu a prescrição de eventuais juros calculados para além de cinco anos, a corrigir oportunamente.
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Findos os articulados, após audição e pronúncia das partes, foi dispensada a audiência prévia, sendo proferido o despacho saneador tabelar, fixando-se o valor da causa, identificando-se o objecto do litígio, enunciando-se os temas da prova e admitindo-se as provas requeridas.
Posteriormente, realizou-se a audiência final com a observância do formalismo legal, no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgaram parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, devendo a quantia exequenda cumulada ser reduzida e fixada nos termos acima indicados, improcedendo o mais pedido pelos aqui executados/embargantes, prosseguindo a execução cumulada apenas para pagamento da quantia de €20.465,18 (capital), à qual acrescem as comissões alegadas no montante de €684,04, o que perfaz um total de €21.149,22; acrescendo ainda os respectivos juros moratórios, à referida taxa e sobretaxa contratual mencionada no respetivo contrato/anexo, desde a data da aludida citação/interpelação (a contar desde 11/03/2019) e até integral pagamento.
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Os embargantes/executados vieram interpor recurso desta decisão, apresentando nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes/embargantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1) Os ora Recorrentes face aos contratos de empréstimos celebrados com a exequente, aqui Recorrida, deduziram embargos à execução cumulada.
2) Nesse segmento deduziram oposição à execução e alegaram que nunca tiveram conhecimento de qualquer comunicação/interpelação para por termo à mora a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações ou para evitar o incumprimento definitivo, assim como alegaram que nunca foram sequer interpelados para pagar qualquer das prestações vencidas.
3) Atentas essas circunstâncias concluíram que a falta de pagamento das prestações vencidas não importava relativamente a eles o imediato vencimento e exigibilidade de todas as prestações, face ao disposto no art.º 782º CC.
4) Quanto a esta matéria importa apreciar o que foi decidido na douta sentença recorrida na fundamentação da matéria de facto, no que se refere aos pontos 13º a 16 dos factos provados, tendo os Recorrentes logrado provar o desconhecimento da dívida exequenda cumulada e a falta de interpelação antes da instauração da execução cumulada.
5) A douta sentença recorrida concluiu que a perda do benefício do prazo não produz efeitos quanto aos executados/embargantes/fiadores e ora Recorrentes, por força do art.º 782º CC., mas as cláusulas do contrato podem afastar tal regime, admitindo-se que tal ocorreu, no caso sub judice, concluiu que em relação aos embargantes/fiadores, aqui Recorrentes, que também eles perderam o benefício do prazo previsto no art.º 782º CC.
6) Considerando ainda a douta sentença recorrida que a venda forçada do imóvel no processo de insolvência configura uma causa objectiva de vencimento antecipado de empréstimo, de funcionamento automático aplicando-se ao mutuário e aos fiadores, ora Recorrentes, concluindo que em relação a estes que perderam o benefício do prazo previsto no art.º 782º CC.
7) Ora, salvo melhor entendimento, o que foi clausulado em documento complementar – Cláusula 16ª, alínea d) considerando o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixasse de cumprir alguma das obrigações contratuais, em termos idênticos ao previsto no artigo 781.º do CC, não é de aplicação automática, pois carecia de interpelação aos devedores/fiadores/Recorrentes.
8) Pelo que, não tendo a exequente, ora Recorrida, provado qualquer interpelação dos executados, na qualidade de fiadores, ora Recorrentes para a cobrança das prestações vencidas, não lhe é lícito exigir de imediato o pagamento das prestações vincendas.
9) Aliás, a cláusula 16ª alínea g) consiste numa faculdade atribuída à exequente, ora Recorrida que a mesma poderia ou não utilizar, mas se o fizesse, não ficava desonerada da interpelação a qual se mostra sempre indispensável.
10) Acresce que, não se encontra previsto na lei, nem no contrato de mútuo a dispensa de interpelação do devedor no caso de cumprimento antecipado.
11) Não se compreende que quanto à cláusula 16ª alínea d) prevista no documento complementar se defenda o vencimento imediato de todas as prestações e no caso do estatuído no art.781º CC se admita a necessidade de prévia interpelação, quando em ambas as situações se pretende os mesmos objectivos e fins, que é o vencimento da dívida, sendo uma prerrogativa do credor considerar a dívida vencida, mas se o fizer tem que dar a conhecer, neste caso, aos fiadores, os quais estão alheios ao processo de insolvência que desencadeou a venda.
12) Assim sendo, a douta sentença recorrida fez errada interpretação do art.º 781º e 782º CC.
13) A ora Recorrida no requerimento executivo limitou-se a reclamar a quantia de € 64.196,99, resultante do valor global de € 107.396,99, deduzido o valor de 43,200,00 (venda do imóvel) e só em sede de contestação de embargos é que definiu o momento a partir do qual considerou o incumprimento, em Janeiro de 2010, não esclarecendo, porém, quando considerou vencidas antecipadamente as restantes prestações, referindo apenas que com a declaração de insolvência considerou a resolução de ambos os mútuos.
14) Todavia, a eficácia desta resolução em relação aos ora Recorrentes, carecia, como se referiu de interpelação dos mesmos que considerava vencida toda a dívida, caso não fosse satisfeita o pagamento das prestações vencidas, o que não ocorreu.
15) E nem mesmo a citação para a execução pode colmatar tal interpelação, pois, nesta não é dada a oportunidade aos ora Recorrentes para pagarem as prestações vencidas e manterem o contrato com o pagamento escalonado das prestações vincendas.
16) Deste modo, a quantia exequenda apesar de ter sido junto aos autos um extracto bancário correspondente ao valor de € 20.507,93, acrescido de comissões, tudo no valor global de € 21.149,22, a exequente, ora Recorrida não explicou minimamente nos autos como chegou a este quantitativo, limitando-se a muito custo e após várias insistência dos ora Recorrentes e de notificações do Tribunal sob cominação em multa a juntar tal documento, sem qualquer explicação dos movimentos operados nesse extracto bancário, o qual aliás, foi impugnado pelos Recorrentes.
17) Em face do exposto, a apontada Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação mantém-se, face ao consignado no art.º 729º alínea e) CPC, devendo a execução ser considerada extinta, face ao disposto no art.º 734º nº2 CPC.
18) Consequentemente, a douta sentença recorrida ao julgar apenas parcialmente procedentes os embargos e a fixar a quantia exequenda em €21.149,22 violou tais normativos legais e como tal deve ser revogada.
Termos em que se requer a revogação da douta sentença recorrida, declarando-se a extinção da execução.
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Perante o antes exposto, são pois as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A perda do benefício do prazo por parte dos embargantes/executados;
2ª) A inexigibilidade da obrigação exequenda.
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É o seguinte o conteúdo da decisão de facto antes proferida e que não foi objecto de impugnação do presente recurso:
“FACTOS PROVADOS
1.- A exequente/embargada deu inicialmente à execução:
a)- o contrato de empréstimo com promessa de hipoteca e com fiança, celebrado em 26/07/2002, sendo o capital mutuado de € 7.500,00, no qual foram intervenientes, como mutuário, o aqui executado E…, sendo mutuante a exequente/embargada, e sendo fiadores e principais pagadores os aqui executados/embargantes B… e mulher (pais do mutuário), dando ainda os fiadores/embargantes o seu acordo a quaisquer modificações de prazo ou moratórias ou a alterações da taxa de juro, como tudo consta do processo executivo a que este está apenso, cujo teor aqui ser dá por reproduzido.
2.- A exequente instaurou a presente execução comum em 22/03/2012, através do requerimento executivo que se encontra junto, nele indicando como título executivo a escritura/contrato acima indicado, fazendo constar, do local destinado a exposição dos Factos o seguinte:
“A Exequente, em 26/07/2002 celebrou com os Executados um Contrato de Mútuo.
1.º - Nº de operação PT ……………..: no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), destinado ao financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis (Cfr. Doc. n.º 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2.º A Exequente reservou a faculdade de capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a 3 meses, e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a 1 ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.
3.º- Em consequência do contrato de mutuo, melhor referido em 1.º, obrigaram-se ainda, pessoal e solidariamente, B… e C…, como Fiadores e Principais pagadores de tudo o que vier a ser devido à Exequente.
4.º- O presente contrato não foi pontualmente cumprido.
5.º- O não pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas, assim, em 20/03/2012, o Executado é devedor do montante global de € 7.401,77 (sete mil quatrocentos e um euros e setenta e sete cêntimos), que inclui capital vincendo e vencido, comissões, juros de mora e respectivo imposto de selo.
6.º-Acrescem juros vincendos até ao efectivo e integral pagamento da obrigação.
7.º-A partir de 20/03/2012, a dívida será agravada diariamente em juros calculados à taxa 8,246%, acrescida das despesas extrajudiciais que o Exequente efectue e sejam da responsabilidade da Executada.
8.º-A dívida é certa, líquida e exigível. 9.º-As partes são legítimas.”.
3.- Posteriormente, os aqui executados/embargantes foram citados por via postal em 02/04/2012, sendo o executado/insolvente citado em 05/04/2012, e depois, após a penhora e ainda na pendência da execução inicial, a exequente/embargada deu à execução em cumulação:
a)- a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrada em 26/07/2002, para aquisição de habitação própria e permanente, sendo o capital mutuado de €77.800,00, a restituir/amortizar em prestações mensais e durante 360 meses (30 anos), na qual foram intervenientes, como comprador e mutuário, o aqui executado E…, sendo mutuante a D… exequente/embargada, e sendo fiadores e principais pagadores, por tudo quanto venha a ser devido à D… credora em consequência deste empréstimo, os aqui executados/embargantes B… e mulher (pais do mutuário), dando ainda os fiadores/embargantes o seu acordo a quaisquer modificações de prazo ou moratórias ou a alterações da taxa de juro, aceitando também que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança, e mais declarando que conheciam perfeitamente o conteúdo do documento complementar, pelo que dispensavam a sua leitura, estando tal documento complementar assinado por todas as partes, incluindo os aqui embargantes, nele constando, entre o mais, que à D… credora era reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixasse de cumprir algumas das suas obrigações resultantes de tal contrato [como indicado na cláusula 16.º, al. d)], da qual fazem parte integrante os documentos complementares a ela anexos, como tudo consta do processo executivo a que este está apenso, cujo teor aqui ser dá por reproduzido.
4.- A exequente instaurou a presente execução cumulada em 07/03/2017, através do novo requerimento executivo cumulado que se encontra junto, nele indicando como título executivo a escritura/contrato acima indicado em 3., fazendo constar, do local destinado a exposição dos Factos o seguinte:
“1. Os Executados, B…, e mulher, C…, outorgaram no dia 26/07/2002, na qualidade de fiadores, e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Exequente D…, um contrato DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA (CT. PT ……………..), destinado a habitação própria e permanente do seu filho e aí único mutuário, E…, que nessa data recebeu da Exequente, a quantia mutuada de € 77.800,00 (vd. doc. 1 ).
2. O identificado mutuário E… veio a ser declarado insolvente a 27/03/2012, por sentença já transitada em julgado, proferida no processo n.º 1272/12.3TBVLG, que corre termos no Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 4 , tendo aí sido adjudicada à Exequente, pelo valor de € 54.000,00, o imóvel dado de hipoteca, aquando da concessão do mútuo - Fr. "L", destinada a habitação, com o n.º ., correspondente ao 1.º andar e com lugar de garagem, assinalado com a letra "L" na sub-cave, situado à Rua …, n.º …. e .., da freguesia e concelho de Valongo (CRP 4328 / CM 6283).
3. Em tal processo de insolvência a Exequente, face ao valor do crédito reclamado, ficou dispensada de depósito do preço pela compra de tal imóvel, mas teve de provisionar os honorários e despesas previsíveis, solicitados pelo aí Administrador de Insolvência, no valor de € 10.800,00.
4. Assim, deduzindo-se à posição de dívida do contrato de mútuo dado de execução, que nesta data indica a dívida em cobrança de € 107.396,99 (vd. doc. 2) do valor de € 43.200,00, correspondente ao indicado valor da venda do imóvel, deduzido das despesas imputáveis, na presente data, à Exequente ainda é devido, por virtude do mutuo habitação ora executado, a quantia de € 64.196,99
5. O(s) contrato(s) ora executado(s) constituem titulo executivo, nos termos do disposto no art.º 703 n.º1 d) do C.P.C. conjugado com no art.º 9.º n.º4 do D.L. 287/97 de 20/08.
6. Face a insolvência do mutuário e excutida que está a garantia real, os aqui executados são agora os únicos responsáveis e obrigados ao pagamento de tal dívida, que é certa, liquida e está vencida.
7. Assim, porque se verificam os requisitos do disposto no art.º 709.º, n.º 1 do CPC, deve esta execução ser cumulada ao PE 1234/12.0TBVLG, com pedido de quantia exequenda de € 7.401,77, passando esta execução ao valor de € 71.598,76.
6. Sobre a quantia exequenda, acrescem os juros contratuais e os devidos juros de mora vincendos, a(s) taxa(s) legal(ais) aplicável (eis) para operações civis, até ao efectivo e integral pagamento.”.
5.- Os aqui executados/Embargantes foram notificados para os efeitos da presente execução cumulada por cartas registadas enviadas em 06/03/2019, considerando-se notificados em 11/03/2019, como tudo consta dos autos principais, apresentando os presentes embargos em 21/03/2019.
6.- O aqui executado e mutuário E…, a seu pedido, veio a ser declarado insolvente a 19/04/2012, por sentença, já transitada em julgado em 11/05/2012, proferida no processo nº. 1272/12.3TBVLG, que corre termos pela Comarca do Porto – Instância Central de Santo Tirso – Primeira Secção do Comércio – Juiz 4.
7.- No âmbito do referido processo de insolvência foi vendido à aqui Exequente/embargada D…, pelo preço de €54.000,00, o imóvel dado de hipoteca, aquando da concessão do mútuo – Fr. “L”, destinada a habitação, com o número ., correspondente ao 1º andar e com lugar de garagem, assinalado com a letra “L” na sub-cave, com entrada pelos números … e .. da Rua …, freguesia e concelho de Valongo (CRP 4328/CM 6283) – cfr. escritura pública de compra e venda realizada no Notariado Privativo da D…, S.A. em 12/06/2017.
8.- A aqui Exequente/embargada, face ao valor do crédito reclamado na insolvência, ficou dispensada do depósito do preço pela compra do referido imóvel, mas teve de depositar a quantia de €10.800,00 (dez mil e oitocentos euros) - cfr. escritura pública de compra e venda realizada no Notariado Privativo da D…, S.A., em 12/06/2017.
9.- No citado processo de insolvência do executado/mutuário/insolvente, foi efectuado o rateio final, sendo paga à aí reclamante D…, SA, a quantia de €42,75, vindo a apurar-se, em 16/10/2020, que a dívida aí reclamada e reconhecida como crédito garantido por hipoteca à aqui exequente (€73.808,98, de capital e juros) ficou reduzida a €30.566,23, como consta dos vários documentos da insolvência juntos aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10.- A dívida exequenda aqui cumulada refere-se aos montantes a seguir indicados e constantes da posição de dívida de 07/03/2017 junta na execução cumulada e foi calculada na altura pela exequente da seguinte forma:
Data de vencimento da última prestação paga: 26/12/2009; Capital vencido (até e em 07/03/2017): €66.783,91; Juros: €4.432,00;
Juros de mora até tal data (07/03/2017): €35.497,04; Comissões: €684,04;
Total em dívida do empréstimo: €107.396,99.
Ao citado montante total em dívida, foi deduzido pela exequente o valor da venda do imóvel hipotecado (€54.000,00-€10.800,00=€43.200,00), excluindo assim as despesas tidas pela exequente com tal compra/adjudicação no processo da insolvência (€10.800,00), invocando a exequente que permanecia em dívida a quantia global de €64.196,99, como indicado no requerimento executivo cumulado.
11.- O contrato de mútuo com hipoteca e fiança acima referido em 3. foi considerado resolvido pela mutuante/exequente em 19/04/2012, por virtude da declaração de insolvência do mutuário E… declarada em tal data.
12.- As prestações mensais relativas ao contrato de mútuo com hipoteca e fiança acima referido em 3. deixaram de ser pagas desde Janeiro de 2010, sendo o respectivo capital vincendo em 19/04/2012 de €61.942,05, vindo depois, em 26/12/2016, a ser considerado como já vencido até tal data o total de capital de € 66.783,91, passando depois, após abatimento dos valores recebidos na insolvência e como consta dos movimentos efectuados/registados na conta de crédito, tal capital vencido a ser reduzido pela exequente para o valor total de €20.507,93, reportado à data de 05/03/2018, como tudo consta do extracto da conta de crédito junto aos autos pela exequente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13.- Antes da instauração da execução cumulada e sua notificação, os aqui embargantes nunca tiveram, por qualquer modo, conhecimento de qualquer comunicação/interpelação ao mutuário para pôr termo à mora a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações ou para evitar o incumprimento definitivo do contrato de mútuo dado à execução cumulada.
14.- Antes da instauração da execução cumulada e em relação ao contrato de mútuo dado à execução cumulada, os aqui embargantes não foram interpelados/notificados dos valores em dívida decorrentes da mora e ou do incumprimento definitivo do mutuário.
15.- Antes da instauração da execução cumulada e em relação ao contrato de mútuo com hipoteca e fiança dado à execução cumulada, os aqui embargantes não foram interpelados para procederem ao pagamento das respectivas prestações em atraso ou da totalidade dos valores em dívida exigidos na execução cumulada.
16.- A circunstância da embargada/exequente nunca ter informado os embargantes/fiadores da situação de prestações em atraso em relação ao contrato de mútuo dado à execução cumulada e antes da instauração da execução cumulada, impediu-os, desde logo, de regularizar o valor em dívida, pondo cobro à mora, bem como os impossibilitou de prevenir o incumprimento do contrato e evitar o agravamento da situação.
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FACTOS NÃO PROVADOS
1.- Por incumprimento do pagamento das prestações dos referidos dois mútuos à habitação, em Janeiro de 2010, a embargada contactou o mutuário, diversas vezes, pedindo-lhe a regularização.
2.- Por falta de regularização das prestações vencidas em ambos os contratos de mútuo, a embargada interpelou por escrito, quer o mutuário, quer fiadores e aqui embargantes, e como consta do registo informático junto da embargada das comunicações de incumprimento efectuadas aos aqui embargantes-fiadores, no dia 14/06/2010 (vd. Docs. 1 – 4 juntos na contestação), tendo tais cartas sido enviadas e recebidas pelos destinatários.
3.- Perante a manutenção do incumprimento, a embargada não teve alternativa do que dar entrada da execução.
4.- Todos os responsáveis/executados foram dados por citados na execução a 02/04/2012.
5.- O contrato de mútuo de €7.500,00 dado à execução inicial e que foi afiançado pelos aqui executados/embargantes foi dado por resolvido pela mutuante/exequente, por virtude da declaração de insolvência do mutuário E…, na data da declaração da respectiva insolvência daquele, isto é, a 19/04/2012.
6.- A partir de tal data (19/04/2012), a embargada já não dispunha da possibilidade de assegurar aos aqui embargantes a possibilidade de cumprir os contratos de mútuo, que o mutuário determinou, pelo pedido de insolvência, a respectiva resolução, pelo que os embargantes não podiam beneficiar de prazo de cumprimento.
7.- Os aqui executados/embargantes foram informados da falta de pagamento das prestações acordadas para o crédito cumulado à execução e foram interpelados para o cumprimento das prestações vencidas.
8.- Só por manifesto lapso é que a embargada, quando deu entrada do RE inicial não peticionou, desde logo, a dívida vencida de ambos os créditos.
9.- Os aqui embargantes tomaram conhecimento da totalidade da dívida exequenda cumulada e nunca a vieram a regularizar, porque não quiseram.
10.- Em relação ao acima referido contrato de mútuo com hipoteca e fiança objecto da execução cumulada, está ainda em dívida o total de capital de € 66.783,91.
11.- O valor da venda/adjudicação do imóvel na insolvência do mutuário foi suficiente para liquidar toda a sua dívida perante a aqui exequente, ficando extinta a dívida aqui reclamada.
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Não resultaram provados todos os demais factos alegados relevantes, designadamente a demais factualidade constante dos temas de prova/articulados, em especial os demais artigos da petição de embargos e da contestação, mas sem prejuízo do que provado ficou.
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Todas as demais alegações vertidas nos articulados que não se encontram directa ou indirectamente compreendidas na presente decisão são irrelevantes, repetidas, impertinentes, conclusivas ou constituem matéria de direito.”
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É pois de acordo com tal decisão que devem ser apreciadas as questões suscitadas neste recurso e antes melhor identificadas.
Vejamos:
A primeira questão à qual importa dar resposta é a de saber se no caso concreto os embargantes/executados B… e C… renunciaram ou não, à perda do benefício do prazo a que alude o artigo 782.º do Código Civil.
Ora como resulta do disposto no artigo 627.º do CC, a fiança consiste na prestação de uma garantia, à custa do património de quem a presta, de cumprimento de uma ou várias obrigações de um terceiro, sendo acessória da obrigação principal.
É por isso que tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, (cf. art.º 634.º do mesmo Código).
E isto não obstante se lhe confira – se não afastado contratualmente – o benefício da excussão, consagrado no artigo 638.º do Código Civil, como aliás resulta do seu artigo 640.º.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1981, a pág.29, o benefício do prazo consagrado no artigo 782.º do CC: “também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias reais e pessoais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.
Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria”.
É também este o entendimento de Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, Almedina, 2011, pág. 1014 e seguintes, segundo o qual, a perda do benefício do prazo se traduz no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do referido artigo 782.º.
Defende, ainda, que não é feita nenhuma distinção entre garantias reais e pessoais.
Perante o acabado de expor, resulta pois o entendimento de que a perda de benefício do prazo em apreço, não é extensiva aos fiadores.
Porém, é pacífica ideia de que a norma do artigo 782.º do Código Civil, tem natureza supletiva, podendo, por isso, nos termos do disposto no artigo 405.º do Código Civil, ser afastada por convenção em contrário.
Ou seja, nada sendo convencionado em contrário, ao fiador não pode ser oposta a perda do benefício do prazo a que se refere o artigo 782.º, acima citado (neste sentido e entre outros, o acórdão desta Relação do Porto, de 23.06.2015, Processo nº6559/13.5TBVNG-A.P1 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2018, Processo nº13426/07.0TBVNG-B.P1.S1 e de 06.12.2018, Processo nº4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, todos em www.dgsi.pt).
A este propósito é o seguinte o entendimento do Tribunal “a quo”:
“Nada consta dos autos nem foi junto qualquer documento comprovativo da declaração unilateral de resolução do contrato quanto aos aqui embargantes/fiadores em data anterior à apresentação da execução cumulada (arts. 432.º, n.º 1, 433.º, 436.º, n.º 1, 224.º e 236.º a 239.º, todos do Cód. Civil).
Por outro lado, sendo os aqui executados/embargantes co- obrigados do devedor/mutuário insolvente, a citada perda do benefício do prazo não se estende aos mesmos, por força do art.º 782.º do Cód. Civil, instituto jurídico que tem uma natureza pessoal e se aplica nas obrigações solidárias (art.º 512.º e sgs. do Cód. Civil).
É certo que as partes podem afastar, por acordo, o regime do art.º 782.º do Cód. Civil, matéria que importa analisar.
Ora, neste caso concreto, cremos que das cláusulas do contrato de mútuo e do documento complementar juntos pela exequente na execução cumulada como integrando tal convenção de afastamento do regime do art.º 782.º do Cód. Civil, se pode extrair tal conclusão, atento o seu teor literal, o contexto em que se integram, as regras da boa-fé, e a qualidade e a natureza dos sujeitos intervenientes (cfr. os arts. 236.º a 239.º, todos do Cód. Civil).
Os aqui executados/embargantes constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à D… credora em consequência de tal empréstimo, dando ainda o seu acordo a quaisquer modificações de prazo ou moratórias ou a alterações da taxa de juro, aceitando também que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança, e mais declarando que conheciam perfeitamente o conteúdo do documento complementar, pelo que dispensavam a sua leitura, estando tal documento complementar assinado por todas as partes, incluindo os aqui embargantes, nele constando, entre o mais, que à D… credora era reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixasse de cumprir algumas das suas obrigações resultantes de tal contrato [como indicado na cláusula 16.º, al. d)].
O citado contrato de mútuo com hipoteca e fiança foi incumprido pelo devedor/mutuário, o qual veio depois a ser declarado insolvente, sendo o imóvel hipotecado vendido/adjudicado na insolvência, como tudo resulta dos factos provados.
A venda forçada no processo da insolvência do imóvel aqui hipotecado era obrigatória, tratando-se de uma alienação desencadeada sem o consentimento/vontade da credora/mutuante/exequente, configurando uma causa objectiva de vencimento antecipado do empréstimo, de funcionamento automático, aplicando-se ao mutuário e aos fiadores, como foi logo conhecido e acordado por todas as partes.
Face aos factos provados e ao acima referido, em relação aos aqui embargantes/fiadores não há dúvidas que também perderam o benefício do prazo previsto no art.º 782.º do Código Civil, vencendo-se toda a dívida em relação a ambos, conforme ficou expressamente clausulado no contrato de empréstimo aqui em causa, pelo menos depois da alienação forçada do imóvel hipotecado na insolvência e sem consentimento da credora, tal como também se entendeu no douto Ac. do STJ de 06/12/2018, relatado pelo Sr. Cons. Dr. Tomé Gomes, no proc. n.º 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/., para cuja argumentação e doutrina aqui se remete e à qual se adere, face à sua qualidade, extensa fundamentação e similitude com o caso destes autos.
A obrigação de pagamento da citada dívida vencida recai sobre os aqui executados/embargantes, pois prestaram fiança, garantindo a satisfação do crédito bancário concedido, ficando pessoalmente obrigados perante o credor, assumindo a obrigação de principais pagadores, de forma solidária com o devedor/mutuário, com renúncia ao benefício da excussão prévia e com afastamento do benefício do prazo do art.º 782.º do Cód. Civil (cfr. os arts. 627.º, 628.º, 634.º, 638.º, 640.º e 782.º, todos do Cód. Civil).
A citada fiança prestada pelos aqui executados/embargantes é válida e eficaz, mantendo-se vigente, inexistindo qualquer causa de extinção/liberação de tal fiança e da responsabilidade associada à mesma.
Assim sendo, no caso dos autos, como resulta da factualidade assente, o citado contrato de mútuo com hipoteca e fiança junto com a execução cumulada tem, pois, força executiva contra os ora executados/embargantes/fiadores.”
Perante tal entendimento impõe-se, antes do mais, recordar aqui qual o conteúdo da cláusula 16º, alínea d) do Documento Complementar, elaborado nos termos do nº2 do art.º 64 do Código do Notariado e que após a sua celebração, passou a constituir parte integrante do contrato de empréstimo com hipoteca em que eram parte credora: a D… e parte devedora: E… e que é o seguinte:
“À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes do contrato em apreço.”
Ora tal redacção mais não faz do que traduzir o que a propósito das dívidas liquidáveis em prestações está consagrado no art.º 781º do Código Civil e que é recorde-se o seguinte: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”

A ser deste modo, têm razão os embargantes ora apelantes quando defendem que a inserção de tal cláusula no referido Documento Complementar não afasta as regras previstas no supra citado art.º 782º do Código Civil.
Assim é verdade que apesar do carácter supletivo desta norma e do que decorre do princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405º do Código Civil, o entendimento correcto é o que a identificada cláusula 16ª, alínea d) por si só não pode, no caso, ter aplicação imediata.
E as razões para se chegar a tal conclusão são as que constam da fundamentação que sustenta a decisão proferida no acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2018, Processo nº2971/17.9T8CBR-B-C1, www.dgsi.pt e que é em síntese a seguinte:
A de que a declaração de que “se constitui fiador e principal pagador”, não acarreta qualquer renúncia ao benefício do prazo de pagamento das prestações ou o afastamento do disposto no art.782º do CC, sendo inócua para o efeito.
A de que a cláusula que confere ao credor de “poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento”, em caso de ocorrência de qualquer uma das circunstâncias aí previstas, não é de funcionamento automático, sendo uma faculdade que o credor pode exercer, ou não, e caso a pretenda exercer, terá dela dar conhecimento ao devedor.
A de que a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, sendo necessário que lhe seja dado conhecimento da interpelação efectuada ao devedor – de que encontrando-se determinadas quantias em falta, lhe é dado um determinado prazo para cumprir, sob pena de vencimento das restantes prestações – para a antecipação do vencimento produza os seus efeitos relativamente ao fiador.
A de que a citação dos fiadores para a execução – para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento – não pode suprir a falta de tal notificação, pois através dela não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas.
No mesmo sentido vai, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2018, Processo nº2351/12.2TBTVD-A, www.dgsi.pt., onde no respectivo sumário se consignou o seguinte:
“I - Se, num contrato de mútuo, liquidável em prestações, as partes acordam que “um dos fiadores se constitui principal pagador da dívida contraída pelo devedor principal, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia”, significa que é vontade das mesmas permitir que o credor possa exigir a dívida do devedor principal ou do fiador, sem que este invoque que só pagará quando aquele já não tiver património suficiente para responder pela dívida.
II - O regime de exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações previsto no art.º 782.º do CC é supletivo e, não tendo sido afastado pelas partes, implica que o credor interpele o devedor exigindo a totalidade da dívida.
III - A perda do benefício do prazo do devedor não se estende ao fiador – art.º 782.º do CC –, sendo necessário que, também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação, interpelação que não se verificou no caso dos autos.”
Regressando à hipótese dos autos o que está dado como provado, é, entre o mais, o seguinte:
Antes da instauração da execução cumulada e sua notificação, os aqui embargantes nunca tiveram, por qualquer modo, conhecimento de qualquer comunicação/interpelação ao mutuário para pôr termo à mora a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações ou para evitar o incumprimento definitivo do contrato de mútuo dado à execução cumulada (facto provado 13).
Antes da instauração da execução cumulada e em relação ao contrato de mútuo dado à execução cumulada, os aqui embargantes não foram interpelados/notificados dos valores em dívida decorrentes da mora e ou do incumprimento definitivo do mutuário (facto provado 14).
Antes da instauração da execução cumulada e em relação ao contrato de mútuo com hipoteca e fiança dado à execução cumulada, os aqui embargantes não foram interpelados para procederem ao pagamento das respectivas prestações em atraso ou da totalidade dos valores em dívida exigidos na execução cumulada (facto provado 15).
A circunstância da embargada/exequente nunca ter informado os embargantes/fiadores da situação de prestações em atraso em relação ao contrato de mútuo dado à execução cumulada e antes da instauração da execução cumulada, impediu-os, desde logo, de regularizar o valor em dívida, pondo cobro à mora, bem como os impossibilitou de prevenir o incumprimento do contrato e evitar o agravamento da situação (facto provado 16).
Está ainda provado o que consta do ponto 5 e que é o seguinte: Os aqui executados/Embargantes foram notificados para os efeitos da presente execução cumulada por cartas registadas enviadas em 06/03/2019, considerando-se notificados em 11/03/2019, como tudo consta dos autos principais, apresentando os presentes embargos em 21/03/2019.
Ou seja, por força do que acabou de se verificar impõe-se pois concluir, como fazem os embargantes/apelantes nas suas alegações, que só com a instauração da execução cumulada é que os mesmos tiveram conhecimento do incumprimento definitivo do contrato de mútuo, não tendo tido em devido tempo, oportunidade de pôr fim à mora.
A ser assim, deve considerar-se que no caso, a perda do benefício do prazo não pode ser oponível aos embargantes/executados.
Têm pois razão os executados aqui embargantes quando afirmam que a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação do disposto nos artigos 781º e 782º do Código Civil.
Procede assim a primeira das suas pretensões recursivas.
E o mesmo ocorre no que toca à inexigibilidade da obrigação exequenda.
Vejamos, pois, seguindo os argumentos inscritos no acórdão desta Relação do Porto de 27.04.2017, Processo nº2903/06.0TBGDM-A.P1, www.dgsi.pt. que trata situação em tudo semelhante à dos autos e onde se afirma o seguinte:
“Como é sabido a finalidade da acção executiva é o de exigir e obter coercivamente o cumprimento de uma obrigação, que se pressupõe incumprida. A execução tem necessariamente de basear-se num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do art.º 10.º n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil, sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor.
A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pág. 141.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 703.º do C.P.Civil, podem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Verifica-se assim que a exequibilidade destes títulos depende da verificação de um requisito formal – serem documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal – e de um requisito substantivo – importarem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
No caso dos autos, os títulos executivos são duas escrituras públicas, denominadas de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” e de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, pela qual os executados C… e mulher, D…, se confessaram e constituído solidariamente devedores das mesmas à ora exequente.
Por seu turno, os executados F… e E…, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos.
Da matéria de facto provada nos autos resulta que:
- ficou acordado nas cláusulas 8.ª e 9.ª dos documentos complementares anexos às referidas escrituras públicas que os executados/mutuários deveriam amortizar os empréstimos em prestações mensais de capital e juros, a primeira no dia 17.03.99 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
- os executados/mutuários deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos referidos, respectivamente, nos dias 17.01.2005 e 17.09.2005.
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A oposição à execução quando esta tenha como título executivo, um dos referidos na al. b) do n.º 1 do art.º 703.º do C.P.Civil, pode ter por fundamento os que se encontram especificados no art.º 728.º do C.P.Civil, na parte em que sejam aplicáveis, bem como quaisquer outros que licitamente poderiam ser deduzidos como defesa no processo de declaração, cfr. art.º 730.º C.P.Civil.
Daí que se aponte ao processo de oposição à execução o facto de o mesmo se destinar a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção.
A oposição à execução introduz no processo executivo uma fase declarativa, autónoma e própria, com a particularidade do opoente, devedor presumido da dívida exequenda, ter de afirmar e demonstrar factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção, os quais seriam afirmados e provados pelo réu, de harmonia com o disposto no art.º 342.º n.º 2 do C.Civil.
E conforme escreve Amâncio Ferreira, in “Processo de Execução”, pág. 152: “Não sendo o título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento do exequente na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa”.
No caso dos autos estamos perante uma oposição à execução, tratando-se de uma execução para pagamento de quantia certa que tem como títulos executivos duas escrituras públicas de reconhecimento e confissão de dívida por parte dos executados/opoentes perante a exequente, alegadamente decorrente de dois empréstimos (mútuos) havido entre esta e os executados C… e mulher, D…, e para garantia de cujo cumprimento os executados/opoentes, ora apelantes, se responsabilizaram como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos.
“In casu”, os opoentes invocam, como fundamento da sua oposição, a inexigibilidade da obrigação exequenda, previsto na al. e) do art.º 729.º do C.P.Civil.
Sendo certo que a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor, nos termos do art.º 777.º n.º1 do C.Civil, ela é inexigível, por exemplo quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou, cfr. art.º 270.º do C.Civil e 715.º nº1 do C.P.Civil.”
Ora nos autos o que se verifica é o seguinte:
No requerimento executivo inicial, a embargada/exequente D…, limitou-se a reclamar a quantia de € 64.196,99, resultante do valor global de € 107.396,99, deduzido o valor da venda do imóvel (€ 43.200,00);
Só no âmbito da sua contestação de embargos é que definiu o momento a partir do qual considerou o incumprimento da obrigação - Janeiro de 2010 -;
Apesar disso, não esclareceu quando teve por vencidas antecipadamente as restantes prestações, limitando-se a referir que com a declaração de insolvência considerou a resolução de ambos os mútuos celebrados;
No entanto, já todos vimos que a eficácia desta resolução em relação aos executados aqui embargantes exigia a sua interpelação dos mesmos com a advertência de que que considerava vencida toda a dívida, caso não fosse satisfeita o pagamento das prestações vencidas, o que no caso não se verificou.
Por outro lado, deve ser entendido, como entendem os embargantes ora apelantes, que a citação para a execução não pode substituir tal omissão, já que na mesma não lhes é dada a oportunidade para procederem ao pagamento das prestações vencidas, mantendo o contrato com o pagamento escalonado das prestações vincendas.
Acresce ainda que tal imposição não ficou suprida com a junção da prova documental apresentada com o requerimento de fls.534 e seguintes (com a referência 35556248), cujo teor foi inclusivamente, objecto de impugnação por parte dos embargantes/executados através do requerimento de fls.85 v (cm a referência 35744121).
Assim sendo e face ao disposto nas regras conjugadas dos artigos 731º e 729º, nº1, alínea e) do CPC, deveriam os presentes embargos de executado ser julgados procedentes por provados, com a consequente extinção da execução (cf. o art.º 734º do mesmo diploma legal).
Em suma, procede também nesta parte o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e em consequência revoga-se nos seguintes termos a decisão recorrida:
1º) Julgam-se totalmente procedentes por provados os embargos de executado deduzidos pelos executados B… e mulher C….
2º) Em conformidade com o acabado de decidir, declara-se extinta a execução antes instaurada contra os mesmos executados pela exequente, D…, S.A.
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Custas a cargo da exequente/embargada aqui apelante D…, S.A. (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 13 de Maio de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos