Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3182/03.6TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: PROVAS
PROIBIÇÃO DE PROVA
TESTEMUNHA
DOCUMENTO
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
PECULATO
SUBTRACÇÃO DE DOCUMENTO
CO-AUTORIA
BURLA
MODO DE VIDA
Nº do Documento: RP201101123182/03.6TDPRT.P1
Data do Acordão: 01/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não constitui prova proibida o depoimento de testemunha que, sendo embora portadora de atraso mental entre ligeiro e médio, não se encontra interdita por anomalia psíquica.
II - As cópias de cheques, para poderem servir como meio de prova, não têm que estar certificadas.
III - Um relatório pericial, para poder servir como meio de prova, não tem que ser lido ou examinado na audiência.
IV - A nova redacção do art. 256º do Código Penal, dada pela Lei nº 59/2007, não alterou essencialmente os elementos típicos do crime de falsificação de documento.
V - O crime de peculato não é um crime de “mão própria”, podendo ser cometido em co-autoria por participante não funcionário.
VI - Para que se verifique a acessibilidade, como elemento típico do crime de peculato, não basta a proximidade do bem ou a facilidade na sua apropriação.
VII - A subtracção de um cheque preenchido e assinado subsume-se na previsão do art. 259º do Código Penal.
VIII - Há co-autoria quando todos os autores realizam todos os actos de execução – co-autoria executória directa –, bem como quando se verifica uma repartição de tarefas de execução – co-autoria parcial.
IX - O preenchimento do conceito “modo de vida”, para o efeito previsto no art. 218º, nº 2, alínea b), do Código Penal, tem subjacente a ideia de profissionalização, de carreira.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 3182/03.6TDPRT.P1

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto,
I.
1. Por acórdão, proferido, em 2008/06/23, no processo comum nº 3182/03.6TDPRT, foi – além do mais, sem interesse para a presente decisão – decidido:
1.1. Parte Penal:
1.1.1. – Absolver os arguidos B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K… ([1] do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artº 299º, nos 1 e 2, do Código Penal (CP);
1.1.2. – Absolver os arguidos E…, F…, G…, H… e I… da prática, em co-autoria material, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP;
1.1.3. – Absolver o arguido L… da prática, em autoria material, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP;
1.1.4. – Condenar o arguido B… pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP, por força do disposto na Base X, nº 2, a), do Decreto-Lei nº 448/99 de 04/11 (DL 448/99), de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3 do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, als. a) e b), do CP, tendo em consideração ainda o disposto no artº 28º, nº 1, do CP, respectivamente, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, 3 (três) anos de prisão e 4 (quatro) anos de prisão;
1.1.4.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido B… na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
1.1.5. – Condenar a arguida C…, pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP, por força do disposto na Base X, nº 2, a), do DL 448/99, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, als. a) e b), do CP, tendo em consideração ainda o disposto no artº 28º, nº 1, do CP, respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;
1.1.5.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida C… na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
1.1.6. – Condenar a arguida D… pela prática, em co--autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP, por força do disposto na Base X, nº 2, a), do DL 448/99, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, als. a) e b), do CP, tendo em consideração ainda o disposto no artº 28º, nº 1, do CP, respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;
1.1.6.1.– E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida D… na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão efectiva;
1.1.7. – Condenar a arguida E… pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. b), do CP, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
1.1.7.1.– E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida E… na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
1.1.8. – Condenar o arguido F… pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. b), do CP, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
1.1.8.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido F… na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
1.1.9. – Condenar o arguido G… pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. b), do CP, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
1.1.9.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido G… na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
1.1.10. – Condenar o arguido H…, pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do CP, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos de prisão, 3 anos de prisão e 2 anos e 10 (dez) meses de prisão;
1.1.10.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido H… na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva;
1.1.11. – Condenar a arguida I… pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do CP, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos de prisão, 3 anos de prisão e 2 anos e 10 (dez) meses de prisão;
1.1.11.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida I… na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva;
1.1.12. – Condenar a arguida J… pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP, por força do disposto na Base X, nº 2, a), do DL 448/99, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, als. a) e b), do CP, tendo em consideração ainda o disposto no artº 28º, nº 1 do CP, respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
1.1.12.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida J… na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
1.1.13. – Condenar a arguida K… pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º do CP, por força do disposto na Base X, nº 2, a), do DL 448/99, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, als. a) e b) do CP, tendo em consideração ainda o disposto no artº 28º, nº 1 do CP, respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
1.1.13.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida K… na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
1.1.14. – Condenar o arguido M… pela pratica, em autoria e co-autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão e suspender a execução desta, à luz do disposto nos artos 50º e 53º do CP, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04/09 (L 59/2007), pelo período de 1 (um) ano;
1.1.15. – Condenar a arguida N… pela prática, em autoria e co-autoria material, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do CP, em concurso real, em autoria material e na forma consumada, com um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP, nas penas, respectivamente, de 1 (um) ano de prisão e de 1 (um) ano de prisão;
1.1.15.1. – E em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar a arguida N… na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, e suspender execução desta, à luz do disposto nos artos 50º e 53º, do CP, na redacção introduzida pela L 59/2007, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
1.2. Parte Cível:
– Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos cíveis deduzidos por O…, P…, Q…, S… e T… e, em consequência, absolver os demandados dos pedidos formulados;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido pelo Instituto de Segurança Social e em consequência condenar os demandados B… e G… a pagar a favor do demandante a quantia de € 1321,76, no demais se absolvendo todos os demandados;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por U… e em consequência condenar a demandada E… a pagar à demandante a quantia de € 3.919,20, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e a quantia de € 250,00, a titulo de compensação por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por V… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar à demandante a quantia de € 356,70, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e a quantia de € 250,00, a titulo de compensação por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por W… e em consequência condenam-se solidariamente os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 1280,64, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e a quantia de € 250,00 a titulo de compensação por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por X… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar à demandante a quantia de € 1558,80, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e a quantia de € 250,00, a titulo de compensação por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por Y… e em consequência condenar os demandados B…, I… e H… a solidariamente pagarem a favor do demandante a quantia de € 425,49, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e a quantia de € 250,00, a titulo de compensação por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por Z… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar à demandante a quantia de € 10,23, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AB… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar à demandante a quantia de € 340,50, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AC… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 764,10, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AD… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 807,36, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AE… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 807,36, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AF… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 438,30, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AG… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 216,49, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AH… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 84,40, quantia acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AI… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 69,60, os demandados B… e G… no pagamento das quantias de € 69,90, € 69,90 e € 16,24, os demandados B… e C… a quantia de € 69,90 e os demandados B… e F… a quantia de € 67,28, quantias estas a acrescer com os juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AJ… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 40,90;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AK… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e C… a pagar ao demandante a quantia de € 587,29, a titulo de ressarcimento e compensação indemnizatória;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AL… e em consequência condenar a solidariamente os demandados B… e D… a pagar ao demandante a quantia de € 1653,78;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AM… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e D… a pagar ao demandante a quantia de € 362,67, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AN… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e D… a pagar ao demandante a quantia de € 576,11, os demandados B… e F… no pagamento das quantias de € 66,11, os demandados B… e G… a quantia de € 207,78 e os demandados B…, I… e H… a quantia de € 283,34, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AO… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 466,80, quantia acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AP… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 532,20, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AQ… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, D… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 698,00, a titulo de ressarcimento por danos patrimoniais e compensação por danos não patrimoniais, quantia acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AS… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 150,14;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AT… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 121,12, os demandados B… e F… no pagamento da quantia de €68,43, os demandados B… e G… a quantia de € 356,54 e os demandados B…, I…. e H… a quantia de € 256,62, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AU… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 348,00;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AV… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 20,45;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AW… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 1380,49, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AX… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 1095,60, quantias acrescidas de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por AY… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 321,00;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por AZ… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 356,93, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BA… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 55,80, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BB… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e G… a pagar ao demandante a quantia de € 71,34, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BC… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e N… a pagar ao demandante a quantia de € 2064,80;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BD… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e N… a pagar ao demandante a quantia de € 327,24;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BE… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…. e J… a pagar ao demandante a quantia de € 352,17;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BF… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 2420,62, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BG… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 478,80, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BH… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 739,60, a titulo de ressarcimento e compensação por danos sofridos, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BI… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, E… e F… a pagar ao demandante a quantia de € 356,70, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BJ… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 836,87, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BK… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 5.025,02, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BL… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 793,65, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BM… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 205,20;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BN… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e J… a pagar ao demandante a quantia de € 609,00, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BO… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, H… e I… a pagar ao demandante a quantia de € 698,32;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BP… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, H… e I… a pagar ao demandante a quantia de € 255,20;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BQ… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, H… e I… a pagar ao demandante a quantia de € 125,00, no demais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BS… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, H… e I… a pagar ao demandante a quantia de € 520,20;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BT… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B…, H… e I… a pagar ao demandante a quantia de € 226,20;
– Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido por BU… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e K… a pagar ao demandante a quantia de € 915,53;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BV… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e K… a pagar ao demandante a quantia de € 825,30, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, do mais se absolvendo do pedido;
– Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por BW… e em consequência condenar, solidariamente, os demandados B… e K… a pagar ao demandante a quantia de € 1560,55, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento, do mais se absolvendo do pedido;
– Julgar procedente por provado o pedido de indemnização cível deduzido por BX… e em consequência condenar o demandado B… a pagar à demandante a quantia de € 239,73, acrescida de juros contados à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento.
* * *
2. Inconformados com esta decisão dela recorreram os seguintes arguidos condenados.
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6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em conferência, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à conferência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
II.
1. Questão prévia:
Há que tomar posição relativamente às questões suscitadas no requerimento interposto pelo recorrente G…, na sequência da notificação que lhe foi feita do despacho de 2010/11/17 (cfr., supra, I.6.).
1.1. O presente recurso não é julgado em audiência, senão em conferência.
A aplicação, no caso, do disposto no n.º 3 do artº 424.º do CPP, não transforma o processo de julgamento em julgamento em audiência. Tal norma aplica-se à conferência por analogia, porque, situando-se, embora, nas normas que regem o julgamento em audiência, enuncia um princípio hoje impostergável em qualquer forma ou sistema de julgamento, que é de não ser proferida decisão sem precedência do necessário contraditório.
Porém, tratando-se, como se trata, de uma singela alteração da qualificação jurídica dos factos, o contraditório que se abre é, apenas, sobre essa questão, que é de aplicação do direito aos factos e não de apuramento de novos factos.
Não há, como tal, que abrir qualquer nova produção de prova. O nosso processo não o prevê, nem admite. Pode afirmar-se que, no processo penal português, não é admissível, por regra [2], a produção de provas novas, em sede de recurso. A lei permite, tão só, a renovação de prova, quer dizer, da prova já produzida, no apertado circunstancialismo do disposto no art.º 430.º, nº 1, do CPP, a realizar em audiência.
Aliás, se se tratasse de terem, da prova produzida, resultado apurados novos factos que não importassem uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, em resultado do reexame, em recurso, da prova produzida em audiência de julgamento, o problema pôr-se-ia da mesma forma.
O contraditório sobre os novos factos, limitar-se-ia à extensão, em recurso, da discussão sobre sustentar ou não a prova produzida a conclusão da verificação dos factos em causa, como factos provados.
Não tinha, portanto, qualquer razão de ser a pretensão do recorrente a que fosse enxertada, nesta fase decisória, uma nova audiência de produção de prova.
A alteração da qualificação jurídica dos factos, não tinha de ser fundamentada no despacho de 2010/11/17, como – lugar paralelo – as qualificações jurídicas dos factos não são fundamentadas nas acusações nem nas decisões instrutórias de pronúncia. Nem, por maioria de razão, a quando das notificações que tenham lugar, em primeira instância, no quadro da previsão do art. 358, do CPP.
A alteração não substancial dos factos opera sempre no quadro alargado dos factos estruturais já discutidos em audiência – mesmo crime concreto – e resulta da prova já produzida. A defesa a cuja preparação se dá lugar com o cumprimento do disposto no nº 1 do artº 358º do CPP não inclui a introdução – produção e exame – de novas provas, mas sim, apenas, a possibilidade do reposicionamento da posição da defesa relativamente às provas já produzidas e à posição do tribunal em consequência dessa produção. Quando muito, admitir-se-á que tais provas voltem a ser abordadas, em algum aspecto que necessite de melhor esclarecimento, em razão dos factos adicionados.
E a alteração da qualificação jurídica dos factos, essa, por definição, supõe que os factos que constituem o thema probandum, não sofram alteração.
Ora a fundamentação da qualificação jurídica dos factos é obra da fundamentação de direito da sentença e não do despacho prévio que a anuncia. Nesta, apenas se anuncia que, face aos factos – que acabamos de ver serem aqueles de que o arguido já teve oportunidade de se defender – se verifica determinado crime.
É portanto, à decisão final que cabe a fundamentação da qualificação jurídica dos factos, sob pena de, a não ser assim, se dar lugar à abertura de discussões intercalares sobre tal questão, passíveis de ser prolongadas em recurso, totalmente anódinas e dilatórias, porque a questão sempre terá de discutir-se a final, quando os destinatários da decisão final não se conformem com ela. E é aí que tem interesse e eficácia discuti-la. Por algum motivo a lei determina que não há recurso do despacho de pronúncia!
Não há, como tal, qualquer nulidade do despacho de 2010/11/17, por falta de fundamentação.
1.1.3. Tem razão o recorrente quando diz que a menção, no despacho de 2010/11/17, de “um crime de falsificação, qualificado pela al. e) do nº 1 do artº 256° (além de pelo nº 3 do mesmo artigo), em vez de pela al. a) dos mesmos números e artigo”, não corresponde à versão da norma incriminatória anterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
É claro que o recorrente foi condenado pelo crime de falsificação, na redacção anterior à lei em questão, em homenagem ao princípio tempus regit actus (cfr. pág. 230/231 do acórdão recorrido). Sendo também verdade que a questão da sucessão de leis no tempo, quanto ao crime de falsificação de documento, foi claramente tratada nesse local do acórdão recorrido, pelo que nenhuma confusão de substância pode haver a tal respeito.
A alteração é, como muito bem compreendeu o recorrente, da al. a) para al. c), do nº 1, (além do n.º 3), do artº 256º do CP, na versão em vigor antes da entrada da referida lei nº 59/2007. Como não pode deixar de se entender, porquanto há uma perfeita correspondência entre as als. c e e), respectivamente das versões anterior e posterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007, do número e artigo em referência, sendo a supressão da expressão, na segunda, da expressão «(…) fabricado ou falsificado por outra pessoa» a mera eliminação de uma redundância.
Tratou-se portanto da notificação cujo objecto foi imperfeitamente definido. Mas tendo essa incorrecção tido uma natureza muito mais formal do que material, porque dos termos do despacho resultava evidente que a alteração não podia ser outra senão aquela que ali estava referida – ainda que por referência, não à versão da norma indicada na notificação, mas à que vigorava à data da prática dos factos, sendo a correspondência, aliás, óbvia –, a irregularidade verificada não teve qualquer influência na validade do acto. A notificação foi feita de forma a cumprir a sua função: Habilitar os recorrentes a pronunciarem-se quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos provados.
Aliás, isso mesmo decorre da resposta dada pelo recorrente G… que demonstra que compreendeu perfeitamente o alcance da notificação em todos as suas implicações jurídicas e se determinou em consequência, respondendo às alterações que, de facto, lhe foram anunciadas e não a outras, sem qualquer hesitação.
Não houve, como tal, violação de qualquer garantia constitucional ou legal do recorrente.
1.1.4. Na defesa que aduziu face à nova qualificação jurídica do crime de falsificação o recorrente veio levantar a questão do concurso aparente entre os crimes de falsificação e de burla.
Porém não lhe é permitido levantar tal questão em resultado da notificação que lhe foi feita nos termos do disposto no artº 424º, nº 3, do CPP. Isto porque o recorrente foi condenado por um crime de falsificação de documento e por um crime de burla. A alteração que lhe foi comunicada diz respeito apenas à subsunções dos factos a diferentes alíneas dos mesmos crimes. Assim, a questão do pretenso concurso aparente entre os crimes de falsificação de documento e de burla, deveria ter sido levantada na motivação do recurso interposto e não agora. Nesta altura equivale a uma ampliação da motivação, sem nenhum fundamento legal, uma vez que o objecto do recurso fica definido pelas conclusões da motivação, nos termos do disposto no artº 412º, nº 1, do CPP, tal como tem sido pacificamente entendido. Ou seja, nesta parte, a defesa apresentada não corresponde ao motivo legal da sua apresentação e, em consequência, não pode ser atendida [3].
Como tal a questão agora suscitada não será incluída nas questões objecto do presente recurso.
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4. Cumpre, previamente, esclarecer, que, onde o Exmo PGA refere que «foi por lapso que os arguidos F… e E… foram condenados pela prática de um crime de peculato estando preenchidos os legais pressupostos de punibilidade de um crime de receptação, por cada um deles», labora, certamente, num equívoco, porquanto os dois arguidos referidos foram condenados pela autoria de crimes de receptação e não de peculato.
As questões postas:
5. Os vícios da decisão contemplados no artº 410º, nº 2, do CPP.
Vários recorrentes, como vimos, argúem a decisão de padecer dos referidos vícios: “contradição entre os factos provados e a fundamentação”, “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, “erro notório na apreciação da prova”, “contradição insanável da fundamentação” e “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão”.
Vejamos,
As várias alíneas do artº 410º, nº 2, do CPP abrem ao tribunal a possibilidade de conhecer de facto, onde, por regra, o seu conhecimento seria restrito à matéria de direito. Permite, assim, v. g., que, no seu estrito âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), proceda a “revista alargada” à matéria de facto.
Trata-se, se bem vemos, de uma reminiscência dos tempos em que não era admissível que a prova produzida perante o tribunal colectivo fosse sujeita a qualquer processo de conservação, com vista à sua reapreciação pelo tribunal de recurso. Nesse contexto, configurava-se como a derradeira válvula de segurança do sistema, contra o patente erro de julgamento de facto, logo, contra o erro judiciário evidente. E, como vimos, ainda hoje mantém a sua actualidade nos casos de julgamento do recurso pelo STJ.
Naturalmente decorrente do processo histórico da sua geração e do necessariamente restrito âmbito da sua aplicação – no fundo, trata-se de permitir que um tribunal actue ao arrepio da sua legal vocação – o artº 410º, nº 2, no corpo do número em referência, para que o recurso possa ter como fundamento os vícios da decisão constantes das suas três alíneas, consagra a exigência de que os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Ou seja, por definição, a invocação dos vícios em causa prescinde, para o seu conhecimento, da invocação da prova produzida e examinada em julgamento, ou melhor, proíbe-a mesmo.
Assim, v. g., se o STJ, para apreciar – oficiosamente – a existência de qualquer um dos vícios da decisão contemplados nas alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP, se socorresse da prova gravada – que, hoje, se bem pensamos, se encontra em todos os processos que pertencem à sua jurisdição – estaria a exceder os seus poderes de cognição, uma vez que não lhe compete o julgamento do recurso em matéria de facto, logo verificar se o tribunal a quo tenha terá procedido a uma valoração da prova produzida concorde com a sua própria valoração da mesma prova.
4.1. Afirma o recorrente B… que há contradição entre os factos provados e a fundamentação. Diz que nos factos não provados se refere que ele não teve ganhos e que nos factos provados se consignou que ele recorrente assinou dois cheques. Nisto consistiria a contradição.
Refira-se, por uma questão de rigor, embora, no contexto, não tenha grande importância, que, nos factos não provados, não se afirmou que o recorrente não auferiu ganhos. Apenas não de seu como provado que ele os tenha auferido, o que não corresponde a ter-se provado que ele não os auferiu.
Acresce que não há contradição alguma entre os factos provados e o facto não provado, referidos. O recorrente poderia muito bem ter assinado os cheques independentemente de, desse acto concreto, lhe advirem ou não, a si, ganhos patrimoniais.
Refira-se, ainda, que, a existir a pretendida contradição, se trataria de uma contradição da fundamentação. E que, no caso, seria sanável. Não pela via da invocação dos vícios da decisão, do artº 410º, nº 2, do CPP, mas pela do conhecimento de facto do tribunal de recurso e alteração da matéria provada em conformidade com uma correcta apreciação da prova produzida.
5.2. Os recorrentes C…, D…, E…, F… e K… alegam que a decisão padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Vício que, recorrendo aos sumários de dois acórdãos que citam [4], qualificam dos seguintes modos:
«Estamos em presença de Insuficiência de matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos após o julgamento não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado.»;
e,
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão concernente, se colhe faltarem elementos que podendo e devendo ser indagados são necessários para se formar um juízo seguro de condenação ou de absolvição.» - Ac. STJ de 08.05.1997, in BMJ, 467, 442.»
Salvo o devido respeito, apenas na segunda das hipóteses referidas estaremos, com efeito, na presença do vício em questão, já que, no primeiro, tratar-se-á, tão só, de uma errada subsunção dos factos ao tipo ou tipos legais de crimes em causa, que, mediante uma decisão de direito, dará lugar à absolvição.
Ora, no caso ora em apreço, não se põe, nos recursos, sequer, a questão de se ter deixado por investigar ou apurar factos com relevo para uma justa decisão da causa.
Aliás, é sintomático de que o que os recorrentes pretendem se situa fora do quadro de aplicação do nº 2 do artº 410º do CPP, o facto de todos eles, ainda no âmbito dessa alegação, passarem para a chamada à colação de concretos depoimentos de testemunhas, afirmando-se, v. g. no recurso da recorrente C… [5] que “a matéria de facto dada como provada, nos pontos referidos inicialmente, deve ser julgada não provada, por falta do respectivo suporte probatório, designadamente por falta de confirmação nos depoimentos das testemunhas”.
Não só a “filtragem” dos factos provados através da prova produzida é matéria de impugnação de facto – que, como vimos não é comportada pela análise da decisão, ela mesma, à luz das suas possíveis contradições internas e das incompatibilidades que apresente com as regras da experiência comum –, como também, a existir um vício insanável, da ordem do que é invocado, a consequência não seria determinada matéria ser dada como não provada, mas, antes, o reenvio do processo, para novo julgamento, relativamente à totalidade da causa ou a parte dela.
Não se verifica, como tal, o invocado vício, nem o mesmo foi arguido com propriedade, considerando o uso que foi feito de uma terminologia de cuja precisão dogmática a lei se serve para a atribuição de efeitos precisos.
5.3. O erro notório na apreciação da prova.
Os mesmos recorrentes referidos supra, em II.4.2., a que se soma o recorrente G…, alegam a existência, no acórdão recorrido, de erro notório na apreciação da prova.
Os primeiros não identificam, no texto da decisão recorrida, onde e porquê entendem verificar-se o aludido erro notório, limitam-se a perorar sobre a natureza do vício invocado, referindo-se uma vez mais e de modo genérico à prova produzida – e não ao texto do acórdão e à violação, por esse texto, das regras da experiência comum – e o princípio in dubio pro reo.
Argumentou-se, v. g, assim:
«Com efeito, da prova produzida, não podiam os factos ser dados como provados, pois, no mínimo subsistiam dúvidas razoáveis quanto à sua verificação.
Impunha-se ao tribunal «a quo», quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do «princípio in dubio pro reo».
Quanto ao recorrente G…, mistura ele, patentemente, a impugnação da matéria de facto provada, que deduz artigo a artigo, com a invocação dos vícios da decisão. Assim, alegando, sistematicamente, que de toda a prova produzida em audiência de julgamento não se conseguiram provar os factos que, sucessivamente foi referindo, invocou a existência de erro notório na apreciação da prova (factos provados 14 e 16, 29, 55 [6], e 67 [7]), ausência de prova para a decisão da matéria de facto, o que qualificou como vício da alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP (factos provados factos provados 17, 18, 29, 55 e 67).
Tanto basta para se concluir que nenhum destes recorrentes se move no âmbito de uma correcta invocação dos vícios da decisão, tal como a lei os contempla e autoriza que sejam arguidos, mas sim no da impugnação da matéria de facto provada, na sua confrontação com a prova produzida.
Acresce que nada permite que se qualifique a ausência de prova de um determinado facto como erro notório da apreciação da prova, enquanto vício da decisão previsto na alínea c) do nº 2 do artº 410º do CP – que é, repetimos, aquele que é tão evidente que avulta da simples leitura da decisão recorrida, quer em si mesmo, quer no seu confronto com as regras da experiência comum –, embora se trate de um erro na apreciação da prova, a indagar no confronto com a documentação da prova produzida em audiência, em sede de impugnação, portanto.
Já quanto à natureza anódina de um qualquer facto, para a boa decisão da causa, trata-se de uma questão de direito, totalmente estranha à discussão da existência e conhecimento, pelo tribunal, dos vícios da decisão do nº 2 do artº 410º do CPP.
Invoca também, o recorrente, a existência de contradição insanável da fundamentação, por se ter dado como provado, no ponto 30 dos factos provados, que «[a] pedido, quer do arguido F…, como do arguido G…, BY…, portador de atraso mental, levantou cheques emitidos pela segurança social a favor de terceiros, cuja proveniência ilícita eles bem conheciam, ao que o referido BY… acedeu por ser amigo daqueles e desconhecer a proveniência de tais cheques» e se ter dado como não provado, no ponto 40, dos factos não provados, que «[o]s cheques a cujo levantamento procedeu BY…, nos termos aludidos em 31) dos factos provados, lhe tenham sido entregues pelo arguido G…;»
Ora não há necessariamente contradição entre os dois factos. Uma coisa é pedir-se a alguém que faça algo, outra coisa é entregar-se algo a alguém, para essa pessoa fazer aquilo que antes se lhe pedira.
Assim, na motivação dos factos provados, a respeito destes pontos escreveu-se:
«[O tribunal] teve (…) em consideração, os seguintes meios probatórios:
- o depoimento da testemunha BY…, que relatou ao tribunal conhecer os arguidos G… e F…, com quem se relaciona diariamente. Mais disse que qualquer um deles lhe pediu para lhe ir levantar cheques, o que fez, entregando-lhes eles os cheques para o efeito. Referiu que, acto continuo, fazia a sua assinatura no cheque, levantava o dinheiro na Rua … e ia entregar o dinheiro a quem lhe tinha entregue o respectivo cheque, nada recebendo em troca, explicitando que é normal fazer recados aos vizinhos visto não trabalhar.
Confrontado com as cópias de cheques de fls. 421 e os juntos aos inquéritos 223/03.0 e 1740/03.8, confirma a sua assinatura no verso;»
E na motivação dos factos não provados consignou-se:
«Mais ficou por demonstrar relativamente aos títulos de credito(…) [que] a sua posse tenha advindo a cada um dos arguidos que deles dispôs por forma ilícita, por desvio perpetrado pelo arguido B… (…).
A mesma conclusão se terá de carrear quanto aos cheques feitos levantar por BY…, por BZ… e CA…, visto que nenhum deles identificou quem lhe entregou os cheques que, respectivamente, levantaram.»
Em conclusão, o que o tribunal deu como provado foi que a testemunha BY… levantou cheques a favor de terceiro, a pedido dos arguidos F… e G…, sabendo estes da proveniência ilícita desses cheques.
Esta circunstância poderia inserir-se na configuração de um crime cujos demais elementos constitutivos se tivessem demonstrado, para delinear uma autoria moral da parte dos arguidos F… e G….
Porém tal como se encontra fixada é anódina para a economia dos presentes autos. Não se sabe quais foram os cheques, nem em que consistia a sua proveniência ilícita, nem quem foram os terceiros a favor de quem foram feitos os levantamentos, nem o destino dos respectivos montantes. Percebe-se, porque essa conclusão é iniludível, que não se trata dos cheques em causa nos presentes autos, uma vez que, desses, aqueles que a testemunha BY… levantou chegaram às suas mãos de proveniência desconhecida.
Aliás, a dilucidação desta questão não tem qualquer relevo prático, porque não foi em função do facto provado em 30 que o recorrente G… foi condenado. Trata-se de uma reminiscência da acusação inicial, sem qualquer peso na decisão da causa, no confronto com os demais factos provados e não provados. Nesta medida, teria sido profilático da escorreiteza da decisão que não tivesse sido levado aos factos provados. Tal como está, não interessa, nem prejudica.
5.4. O recorrente alega, ainda, que o acórdão recorrido padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (cfr. o ponto 143 do recurso). Mas trata-se de uma conclusão sem fundamento. Não há, ao longo da motivação do recurso, uma única alegação de contradição entre a fundamentação e a decisão que se suporte no texto do acórdão posto em crise.
O que o recorrente, de facto, afirma, é que a decisão está em oposição com aquilo que ele, recorrente, entende que devia ter sido dado como provado, em resultado da prova que, ainda ele, recorrente, entende ter-se feito em julgamento. O que nada tem a ver com o vício da decisão do artº 410º, nº 2, al. b), do CPP.
6. De certa forma conexionando-o com o invocado vício de erro notório na apreciação da prova, os recorrentes referidos em 4 e, ainda, a recorrente N…, alegam que o tribunal não respeitou o princípio in dubio pro reo.
Não vemos que possam ter razão. O princípio em referência é uma emanação do princípio da presunção da inocência do arguido, com especial projecção na apreciação da prova dos factos. Nessa medida, é um princípio que rege a actividade probatória e que determina que o Juiz, na dúvida entre dar um facto por provado ou por não provado, deve decidir-se pela não prova do mesmo. É, ainda, uma reordenação do princípio de que a prova dos factos incumbe a quem os alega, não estando a parte contrária onerada com a prova dos factos que contrariem o facto alegado ou com a prova da não existência deste, probatio diabolica.
Em processo penal, por maioria de razão, a prova também incumbe a quem acusa, MP ou assistente e, como tal, se quem acusa não faz prova convincente do facto acusado deve este ser dado como não provado.
Mas quando seja apresentada prova do facto, o juízo relativo ao seu poder de convicção compete ao tribunal, exceptuados os casos de prova vinculada, nos termos do disposto no artº 127º do CPP. E, dado que, o tribunal julga livremente de acordo com a sua íntima convicção e as regras da experiência comum, sindicar este juízo é, na prática, impossível, a não ser quando a valoração da prova que o tribunal faça contrarie patentemente as regras da experiência comum.
Ora, no caso que nos ocupa, não há evidência de que o tribunal não tenha usado as regras da experiência comum, na valoração das provas que perante si foram postas para o julgamento da causa. Antes pelo contrário. Poderá até ter-se deixado levar para lá delas, no que se situará já no lugar-comum da convicção colectiva, ou seja, no preconceito. Referimo-nos, como veremos infra, a certos raciocínios que extravasam a mera presunção judiciária, para se projectarem no que poderíamos designar como um conhecimento temerário do facto.
Coisa diferente da violação do princípio in dubio pro reo é o julgamento do facto feito contra prova ou sem prova, em incorrecto julgamento da matéria de facto. Este sindicável, nos termos do disposto no artº 412º do CPP, mediante a análise das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, relativamente às passagens em que se funda a impugnação.
Não houve, em conclusão, qualquer ofensa do princípio in dubio pro reo no acórdão recorrido.
7. Fica, em consequência do que dissemos em 4.4., prejudicado o conhecimento da questão suscitada sobre a admissibilidade do depoimento da testemunha BY…, uma vez que do seu depoimento não resultou a prova de qualquer facto que implicasse a responsabilidade criminal do arguido recorrente que suscitou a questão, nem de qualquer outro arguido.
Em todo o caso, sempre se dirá que o que se deu como provado foi que a testemunha era portadora de um atraso mental. Ora os atrasos mentais podem ir de ligeiros a profundos. Há portadores de atrasos mentais, capazes de reger as suas pessoas e outros portadores de deficiências que os impossibilitam de, responsavelmente, executar qualquer tarefa. Pelo meio, há-os que, com limitações de vária ordem, são, ainda assim, capazes de perceber a realidade com razoável correcção e de a relatar.
O atraso mental de que a testemunha do nosso caso é portadora está na fronteira com o médio e o ligeiro, a fazer fé no exame às faculdades mentais do BY…, que se encontra a fls. 4398 e ss. dos autos, e não a incapacitou para se dirigir ao balcão de um banco e ai proceder aos trâmites necessários ao levantamento de cheques. E é tal a confiança do recorrente nas capacidades da testemunha, que chega a acusá-la – sem qualquer fundamento credível, diga-se – de ter falsificado a assinatura do[s] cheque[s] (ponto 74 do recurso).
Trata-se, portanto, de alguém portador de um atraso mental entre ligeiro e médio.
Ora, a lei nega a capacidade para ser testemunha às pessoas que se encontrem interditas por anomalia psíquica. Ou seja àquelas cujo grau da anomalia as impede de reger as suas próprias pessoas. Poderia, eventualmente, ser o caso do BY… se ele tivesse sido interditado. Mas não o foi.
É, portanto, legalmente capaz para depor.
Quanto às dúvidas que possam suscitar-se relativamente à aptidão mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, a autoridade judiciária fará verificar tal aptidão, mediante exame, quando isso for necessário para avaliar a sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo, conforme dispõe o nº 2 do artº 131º do CPP.
Fora desta hipótese, o depoimento da testemunha será avaliado nos termos do disposto no artº 127º do CPP, merecendo tanto maior credibilidade, quanto maior for a capacidade de percepção da realidade demonstrada pela testemunha e de adesão da mesma à realidade percebida, bem como à consistência estrutural do depoimento em si mesmo.
Não estamos, portanto, perante um caso e utilização de prova proibida, como pretende o recorrente. De resto, não consta dos autos que em algum momento do julgamento se tenha posto a questão da credibilidade da testemunha em função do atraso mental de que sofre e de se realizar exame à sua aptidão mental para depor.
8. Os recorrentes C…, D…, E…, F… e K… colocam a questão de os cheques dos autos não poderem ser usados como prova por não estarem certificados.
Invocam, a favor da sua posição o disposto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 110/89, de 13 de Abril (DL 110/89), que dispõe:
«Artº 3º As fotocópias de cheques têm a mesma força probatória dos respectivos originais, mesmo quando se trate de ampliações obtidas a partir do mi­crofilme, desde que sejam autenticadas com a assina­tura do responsável pelo serviço ou seu substituto e o selo branco da instituição.»
O DL 110/89 é um diploma legal que rege sobre o sistema de arquivamento de cheques, a cargo da instituição de crédito que procedeu ao seu pagamento.
Nada dispõe quanto a permitir ou interditar a utilização de cópias não certificadas de cheques como provas em processo penal, limitando-se a fazer equivaler o valor probatório das cópias certificadas dos cheques, mesmo após microfilmagem, ao dos originais. Ou seja, dá a essas certidões o valor de documentos autênticos.
Mas isso não se repercute sobre o uso que possa ser feito de quirógrafos não autenticados dos cheques, como prova da sua existência, conteúdo e tramitação, em processo penal.
Desde sempre foram usados em processo penal, cópias não autenticadas de cheques, remetidas aos tribunais pelas instituições bancárias, para prova dos mais variados factos relacionados com a emissão e pagamento – ou recusa de pagamento – dos mesmos.
Tais provas são livremente apreciadas pelo tribunal, segundo o regime de prova livre, contemplado no artº127º do CPP.
E mesmo em processo civil, o uso destas fotocópias como meio de prova só não seria permitido nos casos em que a lei exigisse, para prova do facto a existência de documento autêntico ou autenticado. Fora disso, nenhum obstáculo, ressalvada naturalmente a possibilidade de impugnação do documento, reservada à parte contra a qual é produzido.
Ora, vista a procedência dos cheques juntos aos autos e a circunstância de os seus emissão, teor e apresentação a pagamento ou depósito serem factos pacíficos na economia do processo, não contestados por ninguém, bem andou o tribunal em neles apoiar, na medida em que o fez, a formação da sua convicção sobre os factos provados e não provados.
A questão da certificação dos cheques nem se pôs nem era de se pôr.
9. A questão, colocada pelos mesmos recorrentes referidos em “II.5”, do uso das escutas realizadas no processo.
A oposição feita às escutas ou ao uso que delas fez o tribunal é inconsistente. Não se taxam as escutas de ilegais, que, essa sim, seria uma objecção de monta.
Quer-se dar a entender que elas não foram suficientemente escrutinadas em audiência de julgamento. Não vemos porque o não terão sido. Mas, a ser, de algum modo, assim, a responsabilidade dos recorrentes por essa circunstância não será inexistente nem menor. Num processo desta natureza não é materialmente possível analisar, um por um, todos os documentos juntos aos autos, sob pena de o julgamento se tornar interminável – e isto não é uma figura de retórica –, com real prejuízo da aplicação da justiça. Analisa-se, antes de mais, tudo aquilo que possa ser controverso, na decisão do thema probandum. Para isso está o contraditório e toda a panóplia de direitos a desencadear no âmbito do seu exercício.
Aliás, tendo em vista o legalmente disposto, nomeadamente, nos artos 188º, nºs 1, 9, 355º, nº 2, e 356º, nº 1, al. b), do CPP, o tribunal podia usar as escutas como prova independentemente do seu exame em audiência. Exame que sempre se vai fazendo de modo não sistemático no decorrer da audiência, pois o resultado das escutas são uma das referências das testemunhas de acusação e os arguidos são interrogados sobre esses factos. Ponto é que queiram responder.
Quanto à distinção entre meios de prova e prova, não é ela, no caso, de qualquer interesse. É claro que as escutas, enquanto processo de aquisição de elementos concretos, o acto de escutar, digamos, são um meio de prova, e que o seu produto, concretizado nos trechos escutados e, pelo seu interesse probatório, transcritos para os autos, são prova. Não vemos, repetimos, o interesse em chamar à colação a distinção.
Relativamente à contextualização das escutas no objecto do processo, ao contrário do que pretendem os recorrentes, nenhum problema se levanta, porque ela é de inequívoca transparência. Não se põe, sequer, no caso, o problema da desencriptação do teor das conversas escutadas, tão comum nos processos criminais, dado que os aqui recorrentes, quando escutados, falaram sem grandes disfarces.
Não procede, portanto, a objecção deduzida ao uso das escutas pelo tribunal, um tanto imprecisa, aliás, visto que os recorrentes não deduziram dessa oposição qualquer consequência concreta. Assim, parece ser que eles visaram tão só o enfraquecimento do valor probatório das escutas numa lógica de impugnação dos factos provados.
10. Levanta o recorrente G… a questão da inadmissibilidade legal do relatório do exame à escrita, com dois fundamentos: o relatório não foi lido em audiência; o relatório nem sequer foi arrolado como prova na acusação pública deduzida. Conclui pela “nulidade dessa prova, por inadmissível, nos termos do disposto no artº126º, do CPP ”.
Quanto ao segundo, é manifestamente infundado. Os autos de recolha de autógrafos de fls. 1231 a 1234, do arguido G…, são expressamente referidos nos pontos 108-109 (fls. 4490), da especificação do material recebido para exame do “Relatório de Exame n.º 200613653, a fls. 4478 e ss. dos autos, e foi com base no mesmo material que se procedeu ao exame (cfr., v. g., fls. 4504 - «Comparação C-1). Assim, as conclusões do referido exame, nomeadamente a que encabeça fls. 4511: «Admite-se como provável que a escrita suspeita do grupo III descrito em Nota, constante das assinaturas “G…” apostas no verso dos cheques de fls. 1 e 37 (docs. 4 e 40) seja da autoria de G…», tem origem na análise do material em causa.
E também não há dúvida de que o relatório de exame à escrita foi relacionado como prova, na acusação deduzida pelo MP, como consta de fls. 4927, onde se lê: «Prova (…) Pericial (…) Exame do LPC, de fls. 4478 a 4822».
Quanto à invocada falta de leitura do exame, temos que:
A lei impõe que as provas sejam produzidas ou examinadas em audiência - artº 355º, nº 1, do CPP, para poderem valer em julgamento para o efeito de formação da convicção do tribunal.
Mas, há que dizê-lo, a leitura mecânica de exames em audiência em nada contribui para a discussão dos mesmos. Trata-se de um mero formalismo sem conteúdo. Aliás levada ao extremo, a exigência de leitura em audiência de todos os documentos em que o tribunal venha a alicerçar a sua convicção, poderia agravar, em termos incomportáveis, a possibilidade de o tribunal levar por diante a tarefa que lhe está cometida, pelo enormíssimo acréscimo de esforço material e de tempo gasto, para a satisfazer.
O ponto é que todas as provas estejam à disposição dos intervenientes processuais de modo a que possa permanente e livremente ser produzido contraditório sobre elas. Qual seria o interesse de estar a reproduzir, mecanicamente, repete-se, dezenas, centenas, ou milhares – em alguns casos, muitos milhares – de documentos, quando ninguém põe em causa a sua existência e fidedignidade?
O que é indispensável é que os interessados – maxime os arguidos – não sejam surpreendidos com provas cuja existência seja desconhecida deles e que, conhecendo a existência de todas as provas estejam em condições de todas discutir e pôr em causa.
Assim, o que realmente releva é que, no decurso da discussão da causa, todos aqueles que detenham a respectiva legitimidade, possam discutir e fazer examinar as provas, de acordo com as objecções que tenham por bem levantar-lhes.
Nenhum sentido teria examinar provas, como forma de lhes apor um mero visto formal de autorização de utilização delas pelo Tribunal. Não é para isso que a audiência deve servir e, claramente, ela não pode servir para isso.
E, por isso, a ressalva que a lei estabelece à obrigação de exame das provas em audiência, no n.º 2 do artº355º, citado: «Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.»
Ora nos termos do artº356º, nº 1 e sua alínea b), do CPP, é permitida a leitura em audiência de autos de instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas. Nestes estão incluídos os exames realizados, devendo a expressão “autos” ser interpretada extensivamente, como “actos”.
Neste sentido, v. g., o Ac. STJ de 15 de Outubro de 2003, Proc. 1882/03-3.ª, Rel. Henriques Gaspar, com a seguinte proposição I, da nota de síntese publicada [8]
– No plano da investigação, das diligências realizadas segundo as leges artis para a procura, recolha e reunião de elementos de prova no inquérito destinados a fundamentar a decisão de deduzir acusação ou de arquivamento, são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei; no plano do julgamento, com as regras sobre a produção da prova em audiência, e a consideração e valoração da prova para fundamentar a convicção do juiz, apenas podem servir as provas produzidas ou examinadas em audiência, como dispõe o artº 355º, nº 1, do CPP, ressalvando-se, nos termos do nº 2, as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos arts. 356º e 357º do mesmo diploma.»
Não se verifica, assim, a nulidade invocada pelo recorrente.
11. Questão próxima da anteriormente referida é colocada pelos recorrentes F…., E… e N…, qual seja a do valor da perícia desacompanhada de outros meios de prova.
Não é exacto que a perícia à letra e assinatura, de fls. 4478 e ss., esteja desacompanhada de qualquer outro elemento de prova.
Quanto ao recorrente F…, nem sequer no que se refere estritamente ao crime de falsificação de documento. O exame encadeia-se com as demais provas descobrindo uma linha de actividade do arguido, actividade essa cujos componentes se vão subsumir aos elementos dos tipos legais de crime em causa. Assim, como refere o Ex.mo PGA no seu parecer “(…) o arguido F… erra quando afirma que estes elementos de prova estão desacompanhados de outros meios de prova.
Não é verdade, porque uma das evidências, em matéria de prova, é a que nos é fornecida pelos depósitos efectuados nas suas contas, que tornam claro o interesse e a consequente autoria dos actos de falsificação necessários ao depósito.
A falsificação, por outro lado, evidencia o conhecimento da proveniência ilícita ou não legítima dos cheques.
A prova é, como se vê, concordante no sentido da autoria deste arguido relativamente aos crimes de receptação, falsificação e burla que lhe são imputados.”
Os mesmos argumentos servem para as recorrentes E… e N…, uma vez que ambas receberam e depositaram em contas por si tituladas e co-tituladas cheques a que acederam ilicitamente. Assim, aos exames em causa, acrescem os documentos dos autos, nomeadamente os cheques apropriados, falsificados e depositados, as informações bancárias e escutas telefónicas (recorrente E…)
12. Alega, também, o recorrente B…, que a matéria dada como provada consubstancia uma alteração substancial dos factos, porquanto, segundo ele:
– «(…) o ponto 38 dos factos provados diz: "A arguida J… depositou os cheques abaixo discriminados em contas por si (co) tituladas: (...) na conta n.° …….. do CB…, co-titulada pelo seu filho BZ…: (...) no dia 8 de Abril de 2002, o cheque n.° ………, CB…, C.R.S.S. – Norte, datado de 25.3.2001, no montante de 1.558,80 €, emitido à ordem de X…, cuja assinatura em nome do beneficiário no verso do mesmo foi produzida pelo arguido B… como se daquela se tratasse; (...) no dia 6 de Junho de 2002, o cheque n.° ………., CB…, C.R.S.S. – Norte, datado de 22.5.2002, no montante de 69,60 €, emitido à ordem de AI…, cuja assinatura em nome da beneficiária no verso do mesmo foi produzida pelo arguido B… como se daquele se tratasse; (...)" [sublinhado nosso].
Ora, facilmente se percebe que tal é realmente um lapso de escrita, pois nenhum cheque foi dado como assinado pelo Recorrente nem mesmo foi nas suas contas depositadas.
Em todo o caso, tal matéria não constava da acusação pelo que estamos aqui perante uma alteração substancial dos factos que acarreta a nulidade de todo o processado que expressamente se argui.»
A alteração, a existir, seria uma alteração não substancial dos factos mas não é nessa sede que o problema deve pôr-se e sim na de impugnação da matéria de facto provada. Na realidade não foi feita prova no sentido de que o arguido B… tenha produzido as assinaturas dos beneficiários dos cheques em referência, nos versos dos mesmos. Aliás esta matéria surge completamente desenquadrada com todos os factos que foram dados como provados e não provados, quer relativamente ao recorrente B…, quer aos seus co-arguidos.
Como refere o Ex.mo PGA no seu parecer, “tais cheques deram origem aos inquéritos 1522/02.TAVNG e 544/03.TAVNG.
Destes inquéritos não consta qualquer elemento de prova que permita a conclusão de que o arguido B… falsificou o endosso desses cheques. E, por outro lado, consta da fundamentação do acórdão recorrido que "o arguido B… actuou bem sabendo que (os cheques que) lhes entregou não lhe pertenciam e que ao serem assinados pelos seus co-arguidos, ou alguém a seu mando ..."
E sendo assim, haverá que dar como não provados os referidos factos, a final, o que desde já se adianta.
13. Vejamos, agora, a matéria das impugnações de facto deduzidas:
13. 1. Como vimos supra, tem razão o recorrente B…, quanto aos dois cheques ……… CB… e ………. CB…, que impugna ter assinado.
Já quanto a ter ele entregado aos seus co-arguidos os cheques identificados nos autos e a não ter consciência do valor dos cheques que entregou, não tem qualquer razão. Ele era a única fonte possível (em termos práticos) da aquisição pelos seus co-arguidos dos cheques identificados nos autos. No universo formado por ele e pelos co-arguidos em causa, à época, não se vislumbra qualquer outra origem de aquisição dos mesmos cheques, nem tal hipótese foi, sequer, aventada por ninguém.
Quanto a não ter ele consciência dos montantes dos cheques de que se apropriou, é uma pretensão inverosímil. Sabendo-se que ele se apoderava de envelopes fechados, não é credível que os transmitisse nesse estado. O normal é que apenas transmitisse o conteúdo dos memos, os cheques. Há ainda que ter presente que o arguido pretendia, com a sua acção, pelo menos, o benefício de congregar as graças afectivas da co-arguida J…, e que, portanto as “dádivas” perseguiam um fim. E, sendo assim, sempre o arguido teria o interesse de saber o alcance da influência que alcançava, medida que só lhe podia ser dada pelo conhecimento dos valores dos cheques que ia entregando. E mesmo que assim, não fosse, sempre o arguido haveria de ter o retorno noticioso daquilo que entregava. O contrário seria um absurdo, em tudo contrário à experiência comum, face aos impulsos naturais, na situação dada e considerando que esta se arrastou por muito tempo.
13.2 A recorrente C… limita-se a afirmar que o tribunal faz uma narração prática de uma série de actos sem qualquer suporte factual. Como impugnação é pouco e não dá sequer cumprimento às imposições processuais legais em matéria de impugnação da matéria de facto por incorrecto julgamento. Mesmo tendo como referência a ausência de prova e não a existência de contra-prova, sempre haveria que indicar, relativamente a cada facto, o porquê de se afirmar que não tinha sido feita a correspondente prova.
Assim, o que nos fica é a motivação de facto do acórdão recorrido e a convicção formada pelo tribunal a quo, confirmada, de resto, por um valioso acervo probatório, que não nos cumpre, aqui, voltar a enumerar.
Há, no entanto, que precisar os contornos de uma zona de sombra que, na matéria provada, fica por esclarecer e da efectiva projecção da imprecisão em causa na aplicação do direito aos factos.
Na matéria de facto provada é recorrentemente usada a expressão «(…) ou alguém a seu mando e interesse». Tal expressão figura nos nos 17, 66 e 67, dos factos provados. Mediante a sua utilização supera-se a indeterminação de quem escreveu os dizeres que falsamente figuravam como endosso de cheques que foram descontados, depositados ou entregues em pagamento pelos arguidos. Na realidade não foi feita qualquer prova sobre quem praticou os actos materiais da falsificação, num número considerável de cheques. Compulsada a motivação de facto do acórdão recorrido, verifica-se que a única prova directa da autoria material das falsificações que aí se menciona é o já referido exame, cujo relatório está a fls. 4478 e ss.
Impugnados os factos relativos à falsificação dos cheques por vários arguidos, veio o Ex.mo PGA no seu parecer, defender que “é correcto, por estar de acordo com as regras da experiência, o juízo que, partindo da utilização dos cheques, responsabiliza quem deles tira proveito pela falsificação do endosso necessário ao [seu] levantamento ou depósito.
Pensamos que, não existindo, em direito penal, presunções legais de culpabilidade, o referido raciocínio só pode encontrar apoio, em presunções judiciais ou de facto. E estas permitem que de um facto conhecido se infira um outro, desconhecido, se o segundo decorrer do primeiro, de acordo com as regras da experiência, com um grau de probabilidade que raie a certeza ou, noutra expressão, que exclua qualquer dúvida razoável.
Assim será, relativamente ao grupo de arguidas que actuaram em estreita ligação com o arguido B…, a saber, K…, C…, J… e D…. Se estas arguidas receberam os cheques que depois utilizaram das mãos do co-arguido B… e logo, sem outro percurso, os cobraram ou depositaram, apresentando os ditos cheques endossos falsos, é legítimo presumir que foram as mesmas arguidas que cobraram ou depositaram os cheques que fizeram as falsificações dos endossos. Ou pela própria mão ou pela de alguém à ordem ou a pedido de cada uma delas. Não há outra explicação razoável, no domínio dos factos.
Neste grupo, acrescem, ainda, provas materiais directas da falsificação relativamente à arguida J… (facto provado 38, 40 e 41).
Mas há outros arguidos condenados por crime de falsificação: São eles E…, F…, G…, H…, I… e N….
Relativamente a este grupo de arguidos, não foi feita prova do modo como os cheques lhes chegaram às mãos. (Embora dadas as relações entre eles e as co-arguidas do primeiro grupo se intua que o trajecto nem foi longo nem sinuoso; mas os factos provados são os que são e aqueles que os arguidos não impugnam e não integrem vícios da decisão, de conhecimento oficioso, estão definitivamente fixados). E, quanto a estes arguidos, há provas concretas de que falsificaram cheques o E… (factos provados 23, 28, 29 32 36 e 37), a N… (facto provado 33) e a I… (factos provados 42 e 45).
Relativamente aos demais, E…, G…, H… e N…, não há qualquer prova de que tenham falsificado qualquer cheque. Nem o conhecimento do modo como adquiriram os cheques que vieram a usar, nos permite saber em que estado se encontravam os mesmos, por modo a, com recurso a uma presunção de facto, se poder concluir que foram eles que os falsificaram.
Porém, isto apenas significa que não se demonstrou que os referidos arguidos tenham assinado os cheques pelo seu próprio punho ou que alguém os tenha assinado a seu mando. Mas é incontornável que – a não terem sido eles quem assinou ou mandou assinar os cheques, alguém os assinou no seu interesse, facto que eles não podiam desconhecer, uma vez que receberam os cheques bem sabendo da sua proveniência ilícita e, consequentemente, que os endossos que dos mesmos constavam tinham de ser falsos. Assim sendo, do facto provado 67 e com relação a estes arguidos, tem de subsistir a expressão “no seu interesse”, pois a experiência comum não comporta outra explicação.
Assim, os factos provados permitem, ainda, a subsunção da conduta destes arguidos à previsão do artº 256, nº 1, al. e), do CP., uma vez que não há dúvidas de que eles usaram os cheques falsificados nos termos da al. a), do n.º 1, do artº 256º, quando os depositaram e apresentaram a pagamento, com pleno conhecimento de que assim procediam.
Não há, para a qualificação dos factos agora pontada, qualquer alteração dos factos provados – pois o que, agora, se considera provado contém-se, ainda, no que estava dado como provado na decisão recorrida – nem do crime imputado aos arguidos, apenas divergindo a alínea a cujo título se faz a imputação.
Assim e em conclusão, apenas a expressão ou alguém a [ou no] seu (…) interesse pode aplicar-se aos arguidos acabados de referir, E…, G…, H… eN….
Pelo que, ainda assim, estes arguidos cometeram o crime de falsificação de documento por que foram condenados, ao usarem livre e conscientemente documentos falsificados por outrem, como propósito de obter para si mesmos beneficio ilegítimo.
13.3. Em termos formalmente muito semelhantes aos da recorrente C… argumentam os recorrentes D…, E…, F… e K….
Todos clamam com a falta de prova dos factos dados como provados censurando o tribunal por se limitar a tirar conclusões sem qualquer suporte factual.
Isto é ignorar toda a pesada factualidade que incontornavelmente conforma a acção dos arguidos. A subtracção dos cheques, a dispersão destes pelos arguidos – e note-se que os arguidos têm uns com os outros uma cadeia de relações muito bem definida – os endossos falsificados, as cobranças fraudulentas, os depósitos em contras próprias ou conjuntas, tudo isto não aconteceu por acaso. Não se trata de acontecimentos isolados ou insólitos em que um qualquer arguido pudesse ser envolvido inopinadamente. Não, o que se passou revela uma clara congregação de esforços numa forte cadeia de cumplicidades, visando um único fim: o locupletamento à custa alheia através da prática de crimes.
Se algum reparo se pode fazer ao tribunal é o de ter sido extremamente escrupuloso na análise da prova, com vista à prova dos factos.
É claro que há factos que não foram tratados pelas testemunhas: Todos os que são do foro interno da consciência dos arguidos, que só poderiam ser revelados mediante confissão. Mas os factos desta natureza vai o tribunal percebê-los no “pedaço de vida” que os desenha e evidencia. Pode alguém duvidar, v. g., face à prova dos autos, de que os arguidos B…, K…, C…, J… e D… actuaram em acordo? Não, porque a actuação combinada emerge claramente do conjunto das acções por eles desenvolvidas e essa conjugação na acção pressupõe o acordo deles. Não há outra forma de interpretar a realidade.
Os recorrentes invocam os depoimentos de testemunhas, chamando a atenção para o que elas não disseram. Mas o que se extrai dos depoimentos funda-se no seu conteúdo positivo e, como já referimos acima, das inferências possíveis desses conteúdos, conjugados com a demais prova atendível. Assim, um depoimento nunca pode ser avaliado por extractos – para mais, omissivos –, tendo que ser valorado pelo sentido que emerge do seu todo, em conjunto com os demais depoimentos e com toda a restante prova legalmente produzida.
No mais, serve o que já deixamos dito, relativamente à recorrente C…. Não têm razão, portanto os recorrentes referidos.
13.4. O recorrente G… impugna os factos supra mencionados em II.2.7.5.
O conhecimento pelo requerente de que os cheques eram furtados e de que se fazia passar falsamente por seu legítimo proprietário é um facto que não é externamente perceptível, por ser do foro íntimo do agente, mas que se revela nas demais circunstâncias da acção.
O arguido não tinha qualquer via legítima de acesso àqueles – muitos, setenta e seis – cheques.
E não se argumente com os cheques que são habitualmente descontados aos pensionistas – por regra idosos – em estabelecimentos comerciais. Essa prática, que era comum, relevava da dificuldade de os titulares dos títulos se deslocarem aos correios ou bancos onde os mesmos eram cobráveis e tinha lugar por obséquio do comerciante para com a pessoa a quem descontava o título em causa. Inscrevia-se na esmagadora maioria dos casos, no âmbito de relações comerciais e pessoais totalmente estabilizadas no tempo. Por vezes os titulares dos cheques ou vales postais eram clientes com contas no estabelecimento e à intenção de prestar favor somava-se a de assegurar a cobrança de créditos, já que as duas operações tinham lugar concomitantemente.
A realidade social que acabamos de referir nada tem a ver com a dos autos. O recorrente usou, em seu benefício, de setenta e seis cheques, todos eles objecto de apropriação ilícita, sem uma única desculpa concreta plausível, para que tal tivesse acontecido.
Não tendo o recorrente qualquer relação com os titulares dos cheques e não justificando a posse dos mesmos por uma cadeia regular de endossos, antes constando de todos eles um único endosso falsificado, é irrecusável a conclusão de que o ora recorrente quando depositou e levantou os cheques em causa, tinha de saber da proveniência ilícita dos mesmos. Ainda mais quando a acção se desenrolou durante cerca de oito meses o que dá a medida da regularidade de abastecimento e dos cheques, o que só poderia ser possível mediante uma ligação estável entre o recorrente e a respectiva fonte, não sendo minimamente credível que tal pudesse estabelecer-se sem o conhecimento, pelo recorrente da ilegalidade de tal fonte.
A isto acresce – facto provado 30 – que o recorrente pediu à testemunha BY… que lhe levantasse cheques emitidos pela Segurança Social a favor de terceiros, de proveniência ilícita, o que só vem reforçar o que já era uma convicção formada: que o recorrente G… estava perfeitamente ao par da proveniência ilícita dos cheques que ia depositando e levantando.
Tem razão, o recorrente, quanto aos factos dados como provados sob 17, 18 e 67 – no que a si mesmo e aos actos de falsificação dos cheques se refere – como já foi mencionado supra.
A prova do levantamento dos cheques pelo recorrente é de ordem documental – informações bancárias – e harmoniza-se sem fissuras com a demais prova produzida relativa à actividade do mesmo. Não há, assim, porque pôr em causa a convicção do tribunal quanto ao facto 29.
O facto provado 30 subsiste, nos termos já expostos supra.
O facto provado 55 é um facto central da culpabilidade do arguido e está demonstrado documentalmente.
Os segmentos impugnados dos factos provados 68, 69, 70 e 72, referem-se ao elemento subjectivo dos crimes em presença e são percepcionados pelo tribunal nos termos também já acima referidos – de forma indirecta, partindo da análise de todas as circunstâncias externas da acção, directamente perceptíveis. Foram dados como provados no uso da faculdade de livre formação da convicção do tribunal sobre os factos, consagrada no artº 127º, do CPP. Não há porque sindicá-los, portanto. Quanto ao segmento “obtidos de forma ilícita”, do facto provado 70, considerado no plano objectivo, serve o que acima já foi dito. Não se nos põem dúvidas de que a forma de aquisição dos cheques pelo recorrente foi ilícita e de que ele tinha perfeita consciência desse facto.
13.5. Os recorrentes H… e I… impugnam os factos mencionados em II.2.7.7..
Já vimos, supra, que é dada razão ao Recorrente H…, quanto aos factos relativos às falsificações de cheques.
No mais, não lhes assiste razão. Que eles agiram em acordo um com o outro, resulta na existência dos depósitos e levantamentos conjuntos, que seriam impossíveis tantas vezes, em tais montantes e durante tanto tempo, sem o acordo de ambos. Resulta também do facto de os dois terem pedido a terceira pessoa que procedesse ao levantamento de cheques por eles.
Também a convicção sobre o conhecimento da origem ilícita dos cheques deriva dos factos de não se tratar de actos isolados, mas de uma cadeia de cheques, todos falsificados – parte deles, seguramente, pela própria recorrente – e de não haver qualquer hipótese válida de que os recorrentes os tenham adquirido de forma lícita ou, sequer, aparentemente lícita.
Acrescente-se que o argumento dos recorrentes, no recurso, para tentar desvalorizar os depoimentos que lhes são adversos, patenteiam um irrealismo gritante, v. g., quando dizem, “fica-nos quase a certeza de que todos os cheques lhe foram entregues não para que os depositasse e levantasse, mas para que com eles ficasse porque os arguidos tiveram pena da testemunha e eram seus amigos”; isto dizem relativamente a duas testemunhas.
Quanto aos factos 79, 94, 100, 103 e 127 a 131, não se trata de uma verdadeira impugnação – isto, já passando por alto as deficiências da impugnação dos demais factos – mas de mera alegação de subsidiariedade da responsabilidade civil da responsabilidade penal ou seja, de se dizer que se os factos da responsabilidade penal não subsistirem estes tampouco podem subsistir. Ora, do já dito decorre que as posições dos recorrentes não podem obter acolhimento.
É, portanto, votada ao insucesso a impugnação dos factos deduzida por estes recorrentes, exceptuada a parte a que já fizemos referência.
10.6. J… impugna os factos referidos em II.2.7.8.
A impugnação dos factos desta recorrente resume-se numa negação obstinada de todas as evidências. Atento o que já vem, por nós, sendo referido, quanto às provas existentes e ao modo como o tribunal a quo as apreciou, o que se aplica, geralmente, a este recurso, o mesmo, nesta pare não nos merece outra qualquer observação, sob pena de nos passarmos a repetir sistematicamente.
13.7. A recorrente N… impugna os factos referidos sob II.2.7.10.
Invoca o princípio in dubio pro reo a propósito da falsificação do cheque nº ………. e que há uma contradição insanável entre esse fato, 33, e o facto provado 17 onde se diz que os arguidos escreveram ou alguém a seu mando.
Relativamente ao princípio in dubio pro reo, como já foi dito acima o tribunal não fez mais do que apreciar a prova do acordo com a sua convicção livremente formada sobre as provas existentes e as regras da experiência. Cumpre-nos, talvez, aqui realçar que os peritos de exame à letra e assinatura são, por regra muito escrupulosos nos termos em que procedem aos seus exames e não há qualquer indicação que nos leve a pôr em dúvida de que neste caso o tenham sido também. Aliás, basta ler os termos do relatório para se concluir que, de, de facto, o foram. E, num relatório desta natureza uma indicação de “provável” que está acima da conclusão “pode ter sido”, aponta para uma probabilidade muito séria e concreta. Se aos termos do relatório acrescentarmos todo o circunstancialismo envolvente da acção, nomeadamente a relação de proximidade da recorrente e do arguido M… com a com as arguidas E… e – por via desta, C… –, bem como o facto de a recorrente e o co-arguido M… terem depositado oito cheques falsificados, e a própria recorrente mais quatro. O conjunto deste circunstancialismo diz-nos que o tribunal apreciou a prova, no aspecto ora em causa, bem de acordo com as regras da experiência.
Não há, ao contrário do que também pretende a recorrente, contradição entre os factos provados 17 e 33 da matéria de facto provada. O facto de a arguida praticar a falsificação de um dos cheques pelo seu próprio punho, não impede que, em relação aos restantes ela o possa ter feito por si mesma ou por intermédio de outrem, à sua ordem ou a seu pedido.
Quanto ao conhecimento da origem ilícita dos cheques, vale o que acima já dissemos, a propósito de idêntica alegação noutros recursos. Não havendo qualquer explicação concreta aceitável, para uma aquisição lícita dos cheques ou pelos menos com uma aparência de licitude que pudesse induzir a recorrente em erro, a única conclusão possível é que ela adquiriu os cheques bem sabendo da sua origem ilícita.
E relativamente à actuação conjunta da recorrente com o co-arguido M…, como disse o Ex.mo PGA no seu parecer, “a prova da co-autoria resultou, como se vê da fundamentação do acórdão, do facto de a conta onde foram depositados os cheques, ser conjunta, dela beneficiando ambos os arguidos, tendo a arguida E… negado a prática de qualquer depósito, mas constando de dois cheques a sua assinatura de endosso, facto que não só demonstra a actuação do arguido M… no depósito destes cheques, por ser a outra pessoa que poderia tê-lo feito como demonstra também a prática de actos de depósito por parte da arguida.
Conjugados estes factos, só a actuação concertada e a co-autoria explicam que os depósitos se tenham feito nesta conta e não nas contas de que cada um era titular único”.
Além do que, o facto de um dos cheques depositados na conta conjunta da recorrente e do co-arguido M… ter sido materialmente falsificado por ela, arruína, só por si, a pretensão de distanciamento da recorrente em relação a essa conta e aos depósitos de cheques falsificados feitos na mesma.
Não tem, portanto, razão a recorrente, na impugnação de facto que deduziu.
14. Da co-autoria dos crimes de falsificação e de burla, pelo recorrente B….
Não foram dados como provados actos concretos de falsificação dos cheques apropriados pelo arguido B…. Ou antes, foram-no, mas erradamente, como já referimos supra. O ponto é que tais factos provados não subsistem na presente decisão.
Ainda assim, o crime de falsificação é-lhe imputável a título de co-autoria com as suas co-arguidas que cometeram tal crime e com as quais formou a decisão conjunta dada como provada no ponto 4. dos factos provados: C…, K…, J… e D….
Pode argumentar-se que não se demonstrou que o arguido B… tenha participado em qualquer acordo para a falsificação posterior dos cheques de que se apropriou, mas esse argumento não é verdadeiro, porquanto sem virem a ser falsificados os cheques de nenhum interesse seriam para nenhum dos co-arguidos a cujas mãos vieram a parar. As falsificações dos endossos dos cheques e o posterior engano das instituições de crédito com base nesse artifício eram condições sine qua non da possibilidade de cobrança dos cheques. Assim, o acordo referido no “facto provado 4.” Abrange necessariamente as falsificações dos cheques e os demais actos fraudatórios praticados com a finalidade de que os cheques fossem “depositados nas contas dos próprios ou de terceiros ou levantados por estes ou por terceiros a seu pedido.
Por isso, não concordamos com o Ex.mo PGA, quando este avança, no seu parecer, que “além do acordo que se deu como provado no ponto 4 [dos factos provados] a co-autoria pressupõe também a prática de actos que se integrem na execução da tarefa planeada e esta execução não existiu quanto a este arguido, relativamente aos crimes de falsificação e de burla.
Em nosso entender não é assim. A contribuição, essencial, aliás, do arguido B… para os crimes de falsificação e de burla, consistiu na entrega às suas co-arguidas dos cheques que ele mesmo subtraiu. Esse é o facto matricial desenvolveram na sequência dessas entregas, para dar execução ao primitivo acordo. Pode afirmar-se, sem hesitação, que o arguido B… teve o domínio do facto relativamente ao acordo inicial, participando activamente na sua execução com a subtracção e entrega dos cheques.
15. A questão da pretendida aplicação do regime penal mais favorável ao crime de falsificação, em função da sucessão de leis no tempo, levantada pelo recorrente B….
Diz o recorrente na sua motivação de recurso que:
«De acordo com as regras da sucessão e aplicação das leis no tempo teremos que ter em atenção que o preenchimento do tipo legal de crime p. e p. pelo artº 256º do Código Penal exige uma conduta, com a redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro e rectificada pela Rectificação n.º 102/2007, de 31 de Outubro, diferente da que era exigida para preencher aquele tipo legal de crime de acordo com a redacção do mesmo preceito legal, mas de acordo com a Redacção de 1995.
Assim, dado que a lei a aplicar seria a redacção anterior, nunca o Recorrente poderia ser condenado por este tipo legal de crime, pois não o preencheu com a sua actuação.
Diz o artº 256º do Código Penal de acordo com a redacção de 1995:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;
b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou
c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
Dito isto, pela leitura do preceito legal que deveria ter sido aplicado facilmente se conclui que o Recorrente não preencheu, com a sua conduta, este tipo legal de crime, tal como consta na douta Sentença relativamente aos factos provados onde refere que o Recorrente nunca assinou nenhum dos cheques, pelo que não pode nem deve ser punido por um crime que não cometeu.
Além de tudo o que vem sendo exposto é certo que um dos princípios gerais de processo penal é a aplicação da lei mais favorável ao arguido que na presente demanda seria a aplicação da redacção do artº 256º do Código Penal de 1995 e não a actualmente em vigor – redacção de 2007 –, pelo que não é nem poderá ser indiferente a aplicação de uma outra lei conforme refere a própria Sentença, isto salvo melhor opinião.
Assim, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova, nem tão pouco nos autos tal prova constava de que o Recorrente tivesse cometido o crime de falsificação de documentos, pelo que, e mais uma vez de acordo com os princípios gerais de processo penal, não se pode punir o Recorrente por este tipo legal de crime se prova não existe.»
O recorrente confunde duas questões: a da pretensa não prova de uma conduta subsumível à incriminação pelo crime de falsificação e a da aplicação da lei mais favorável ao arguido, havendo, como há, sucessão de leis penalizadoras diferentes.
A não prova de factos integradores do tipo legal de crime, só teria interesse, enquanto problema de sucessão de leis penais no tempo, se os factos provados integrassem uma das normas penais incriminadoras e não integrassem outra. Quer dizer, se estivéssemos perante uma neo-criminalização, caso em que a lei nova não poderia aplicar-se, ou perante uma descriminalização, caso em que a lei nova teria necessariamente que aplicar-se.
O recorrente não explica em que medida é que a alteração do artº 256º do CP, introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro (L 59/2007) se projecta na qualificação como crime da conduta dada como provada. Lendo-se o que escreveu parece que entende que a norma actualmente vigente é mais ampla que a que vigorava à data dos factos e que, à luz desta, a conduta não é punível. E, interrogamo-nos nós, poderia ela sê-lo, na visão do recorrente, nos termos da versão do artº 256º do CP introduzida pela L 59/2007? Ele não chega a explicá-lo, porque radicaliza o seu argumento com a asserção de que não se provaram factos que integrem o crime, sem mais subtilezas, não chegando a definir a distinção que nos intriga. Mas parece deixá-la subentendida naquilo que diz.
Seja como for, não tem razão. A conduta imputada ao recorrente é punível à luz da previsão legal que previa e punia o crime de falsificação anteriormente à modificação introduzida pela L 59/2007 e continua a sê-lo depois dessa modificação.
A redacção dada ao artigo 256º do CP pela L 59/2007 não alterou essencialmente os elementos típicos do crime de falsificação. Apenas, a expressão «… ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime», torna mais compreensivo o âmbito da norma, quando, v. g., o benefício só possa ser obtido mediante a prática de outro crime, sendo o caso mais comum o do benefício económico obtido mediante a burla cometida com utilização do cheque falsificado. Porém, sempre se tem entendido que este benefício ulterior está compreendido no dolo da falsificação e que se verifica concurso efectivo entre os crimes de burla e de falsificação compreendidos na mesma conduta delituosa.
Também visará, a modificação, tornar mais claros os casos em que a falsificação for efectuada sem que dela resulte um evidente benefício ou prejuízo imediato, para terceiros. Porém, também aqui a novidade não é grande, porquanto sempre se entendeu que a falsificação atinge o interesse público na fidedignidade dos documentos e, por essa via, prejudica o Estado. Assim sendo, a alteração introduzida mostra-se, de certa forma, redundante, porquanto o que hoje é punível por constituir a preparação, facilitação ou encobrimento de outro crime, já o era por causar prejuízo ao Estado, nos termos sobreditos.
A isto se junta que o que é imputado ao recorrente é a própria falsificação material dos endossos dos cheques, por que a conduta das suas co-arguidas nessa falsificação se lhe comunica – apesar de ele a não ter praticado pela sua própria mão – porque constitui um acto da execução da conduta criminosa pactuado entre eles e para a qual todos contribuíram com acções pessoais parcelares.
São portanto anódinas, para a situação em análise, as alterações introduzidas pela L 59/2007 no artº256º do CP, pelo que, se é certo que a conduta deve ser punida pela lei vigente à data da prática dos factos, isso em nada altera o substrato material da decisão.
16. A autoria do crime de peculato pelas arguidas C…, D…, K… e J….
Põem estas arguidas a questão de o crime de peculato lhes não ser comunicável, por se tratar de um crime de mão própria que só pode ser cometido pelo próprio funcionário e não por co-autor não funcionário.
Não é assim. O peculato não se classifica como “crime de mão própria”, senão como “crime específico impróprio” [9]. Pode, portanto, ser cometido em co-autoria por comparticipante não funcionário, desde que este conheça a qualidade de funcionário do comparticipante que detenha tal qualidade. “Aplicam-se as regras gerais da ilicitude na comparticipação ínsitas no artº 28º [do CP].” [10] [11].
Outras questões, prévias, se levantam porém, cuja solução vem a retirar o interesse desta:
– As da qualificação do crime cometido pelo arguido B…, com a subtracção dos cheques e a da participação das referidas arguidas neste crime.
17. Até este momento considerámos a eventual comparticipação das arguidas C…, D…, J… e K… no crime de peculato presuntivamente cometido pelo arguido B….
Porém, suscita-se, agora – oficiosamente e como forma de não prolongar equívocos na aplicação do direito aos factos – o problema da qualificação jurídica dos factos provados da esfera de actuação do arguido B….
Adiante-se, desde já, que a solução a atingir nesta questão
São especialmente relevantes, neste contexto, os factos provados sob os n.os 1, 7, 8, 9, 10 e 11 da matéria de facto provada.
A propósito do tipo objectivo de ilícito do crime de peculato, diz-nos Conceição Ferreira da Cunha
«(…) Agente do presente tipo legal terá de ser um funcionário (sobre este conceito cf. artº 386º) Não basta, no entanto que se trate de um funcionário; necessário é que o funcionário, em razão das suas funções, tenha a posse do bem (cf. infra § 11 s.) objecto do crime; é essa qualidade do agente (e essa relação do agente com o objecto) que torna a ilicitude do crime de peculato mais grave do que a do furto (…).
(…)
(…) tem de se tratar de bens que tenham sido entregues, estejam na posse ou sejam acessíveis ao agente, em razão das suas funções (…).
(…)
O conceito de posse, para efeitos deste tipo legal, deve, de facto, entender-se em sentido lato, englobando quer a detenção material quer a disponibilidade jurídica do bem, ou seja, a detenção indirecta – quando a detenção material pertence a outrem, mas o agente pode dispor do bem ou conseguir a sua detenção material mediante um acto para o qual tem competência em razão das suas funções (neste sentido NÉLSON HUNGRIA, apud LEAL-HENRIQUES / SIMAS SANTOS 1618, referindo-se à "disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados" e também no mesmo sentido face ao artº 314º do CP italiano, CRESPI / STELLA / ZUCCALÀ artº 314° 695). Ora, este conceito lato de posse engloba quer a situação em que o bem foi entregue ao agente (como é evidente, por título não translativo da propriedade, que é o que aqui está em causa) – detenção material –, quer a noção de acessibilidade se a entendermos como sinónimo de disponibilidade (por ter a detenção material ou a disponibilidade jurídica); assim sendo, a posse poderia abarcar os outros dois conceitos. No entanto, se entendêssemos a acessibilidade num sentido ainda mais lato – não só a detenção material ou a disponibilidade jurídica como a proximidade do bem ou a facilidade na sua apropriação –, já seria este conceito o mais amplo. Porém, tendo em conta que a acessibilidade deve derivar das funções do agente, parece que deverá haver uma efectiva deten­ção material ou disponibilidade jurídica do objecto, não sendo suficiente, segundo cremos, a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação (…). Sendo assim, posse em sentido lato e acessibilidade seriam conceitos que se identificariam e abarcariam a situação de entrega do bem (…)
(…)
(…) O agente deve ter a posse do bem "em razão das suas funções"; o facto da relação do agente com o bem derivar das funções que o agente exerce confere especificidade a este tipo legal, agravando a ilicitude da apropriação (cf. supra § 7
(…)
(…) trata-se, assim, de um abuso ou infidelidade à função que o agente exerce (…) que só existirá quando o agente tem, devido exactamente às funções que exerce, a posse do bem.»
Sufragamos inteiramente o entendimento explanado de que não basta a proximidade do bem ou a facilidade na sua apropriação para que se encontre preenchido o requisito da acessibilidade, como elemento do tipo legal de crime de peculato, ainda que essa proximidade ou facilidade sejam consequência da qualidade de funcionário. E de que é necessário que exista, em virtude dessa qualidade, uma detenção material ou disponibilidade jurídica da coisa objecto da apropriação ilegítima, em quem e esta procede.
Porém, como resulta dos pontos de facto acima referidos o arguido B… nunca deteve os cheques de que se apropriou – ou, para sermos mais exactos, a correspondência que continha os cheques de que veio a apropriar-se – no exercício das suas funções de funcionário. Ele tinha simples funções de carteiro de giro e, como decorre claramente dos factos provados, apenas lhe era entregue a correspondência correspondente ao seu giro e que ele devia distribuir. E de tal modo era assim, que ele foi subtrair os envelopes que continham os cheques de que se apropriou às caixas que continham a correspondência de outros giros, que não o seu, como modo de afastar suspeitas ou de não ser descoberto como consta do facto provado 11.
O que demonstra claramente que ele não tinha qualquer vínculo funcional com a correspondência que se encontrava nessas caixas e que a sua qualidade de carteiro de giro se limitou a dar-lhe livre acesso ao espaço físico onde as caixas se encontravam.
Assim sendo, não estão preenchidos os elementos típicos do crime de peculato.
Nem tampouco os estão os de um crime de furto.
Na subtracção de um “cheque”, devidamente preenchido e assinado, o que o agente transfere para a sua posse não é o valor titulado pelo cheque – consistente na quantia pecuniária no mesmo inscrita – que, esse, permanece na conta sacada até que o cheque seja pago e, portanto, na esfera patrimonial do sacador do cheque.
Assim, a subtracção do cheque atinge, tão só, o próprio documento em que o mesmo consiste, isto é, o valor do cheque como documento – o valor probatório da existência e regularidade formal do acto jurídico em que o cheque se traduz – que é posto em crise com aquela subtracção.
Trata-se, portanto, não de um crime de furto, mas sim de um crime de subtracção de documento ou, com mais propriedade, de um crime de “danificação ou subtracção de documento ou notação técnica”, p. e p. p. 259º, do CP.
Diz o artº 259º, do CP.
«Artigo 259º
(Danificação ou subtracção de documento e notação técnica)
1 – Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente dispor, ou de que outra pessoa pode legalmente exigir a entrega ou apresentação, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 – A tentativa é punível.
3 – É correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 256º.
4 – Quando sejam particulares os ofendidos, o procedimento criminal depende de queixa.»
Como se afirmou na fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 Julho 2004, relator António Artur Rodrigues da Costa, Processo: 1252/04, pub. in Colectânea de Jurisprudência, nº 176, Tomo II/2004 (Abril/Julho), “… [o] furto (…) consumou-se integralmente com a apropriação dos títulos, nuns casos constituindo furto de documento, nos termos do artº 259º do CP (os títulos já preenchidos em que o ofendido figurava como tomador) e noutros, furto do simples papel do cheque, praticamente sem valor económico.” (Sublinhado nosso)
O arguido subtraiu todos os cheques na execução de uma única decisão prévia, livre e conscientemente, bem sabendo que lhe não pertenciam e que a sua conduta era proibida e punida por lei. Ao proceder sob o impulso de uma única resolução criminosa, toda a conduta é unificada num único crime de subtracção de documento.
O limite superior da pena aplicável é de três anos de prisão ou trezentos e sessenta dias de multa.
Temos, portanto, desde já, que a pena máxima aplicável ao crime é inferior à pena que concretamente foi aplicada ao recorrente pelo crime de peculato, em razão do que, adiante, haverá que reformular esta, de acordo com a nova qualificação jurídica dos factos e os critérios enumerados nos artos 70º e 71º do CP.
18. Com base na acusação que foi deduzida no processo, demonstrou-se ter havido entre o arguido B… e as suas co-arguidas que com ele foram condenadas pelo crime de peculato, não apenas um acordo, mas também uma actuação conjunta, pré-programada, com início na apropriação dos cheques e termo na apropriação do valor titulado nos mesmos, pelo conjunto dos arguidos que pactuaram tal plano.
Assim, embora se tenha dado com provado o pacto para actuação conjunta para apropriação dos cheques e posteriores depósitos ou levantamentos dos mesmos, sempre com vista à apropriação dos correspondentes montantes – facto provado 4 –, o certo é que não há factos provados de execução material, pelas arguidas C…, K…, J… e D…, da subtracção dos cheques, nem de que estas arguidas tenham, de alguma forma, participado nessa acção. Assim, não se provou qualquer participação directa das arguidas C…, D…, K… e J… nos actos de subtracção dos cheques, nem qualquer influência que elas tenham tido no número dos cheques subtraídos, nos seus montantes e no ritmo das apropriações. Tudo se passou, nos termos do que se provou, como se o arguido B… actuasse, nessa parte, sob o exclusivo domínio da sua própria vontade.
Dispõe o artº 26º do CP, que:
«Artigo 26º
(Autoria)
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.»
De acordo com um o critério objectivo-material de delimitação da figura do autor do crime, desenvolvido a partir da teoria final da acção e maioritariamente aceite, actualmente, pela doutrina e jurisprudência [12], a autoria supõe o domínio final do facto. É autor quem domina finalmente a realização do crime, ou seja, quem, em linhas gerais, decide do “se” e do “como” da realização do mesmo. Só quem tenha a última palavra e decida sobre se o crime se comete ou não, deve ser considerado autor.
É autor imediato quem de um modo directo e pessoal pratica o facto delituoso. E é autor mediato quem comete o crime por intermédio de outrem, de que se serve como seu instrumento, mas conservando, o primeiro, o domínio do facto.
Considerando a hipótese de uma pluralidade de actuações, há co-autoria quando todos os autores realizam todos os actos de execução – co-autoria executória directa –, bem como quando se verifica uma repartição das tarefas de execução – co-autoria parcial.
E pode verificar-se ainda uma co-autoria executória, nos casos em que a repartição de intervenções na execução de um crime é feita de tal forma que algum ou alguns dos co-autores nem sequer estão presentes no momento dessa execução. Para tal, torna-se necessário lançar mão de um critério material que supere uma visão estritamente formal da co-autoria, que é, ainda aqui, o do domínio do facto.
O decisivo na co-autoria é que, o domínio do facto, o tenham várias pessoas que, em virtude do princípio da repartição funcional de actuações, assumem, por igual a responsabilidade da sua intervenção. Para isto não é bastante a realização de um acordo prévio de vontades. É necessário, além disso, que se contribua de algum modo na realização do crime – e não necessariamente na sua execução, de tal modo que tal contribuição possa considerar-se como um elo importante de todo o acontecer delituoso [13].
Neste sentido se decidiu, v. g., no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009/05/07, relator Artur Rodrigues da Costa, publicado na Colectânea de Jurisprudência, nº 216, Tomo II/2009, p. 193 e ss, com a seguinte primeira proposição da respectiva nota de síntese:
«I- Na co-autoria não é necessário que o comparticipante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico; basta que a sua participação, segundo o acordo, expresso ou tácito, entre todos eles, se ajuste à dos restantes, de forma co-decisiva, para produzir o evento que a lei incriminadora quer evitar. » (sublinhado nosso).
Acresce que a consumação do crime de furto de documento se dá, com a subtracção do mesmo, seguida de um estado mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa subtraída, no caso os próprios cheques.
Ora, se vistas as coisas do lado do arguido B…, este contribui para a actividade subsequente das co-arguidas com a sua própria acção de subtrair e, sobretudo, de lhes ir entregando os cheques – de fornecer os cheques, digamos – já se enfocados os acontecimentos do lado das arguidas, estas não praticaram actos que contribuíssem para a acção do arguido B… de subtrair os cheques ou a complementassem.
Assim, sendo, a conduta típica preenche-se e esgota-se com a apropriação dos cheques pelo arguido B… nenhuma relevância tendo para a consumação do crime a posterior transmissão dos cheques às co-arguidas aqui em referência.
A contribuição destas para a acção delituosa, limitou-se, de acordo com os factos provados ao acordo prévio para a subtracção dos cheques e apoderamento dos respectivos montantes, mas esse acordo inscreve-se, ainda, no âmbito dos actos preparatórios, não sendo, como tal punível, se desacompanhado de actos de efectiva execução.
A recepção pelas arguidas dos cheques subtraídos e os actos delas que se sucederam a essas transmissões, não mostram qualquer vínculo funcional com o crime de subtracção de documento, que se foi consumando a cada nova subtracção, pela exclusiva actividade do arguido B…. Isto, sem que as referidas transmissões e acções subsequentes, voltadas para as cobranças ilícitas dos cheques, tivessem qualquer projecção prática quer nas subtracções que as precederam, nem naquelas que se lhes tenham seguido.
Em resumo, concluímos que o domínio do facto no crime de subtracção de documento pertenceu exclusivamente ao arguido B…, não tendo as co-arguidas C…, D…, K… e J… qualquer capacidade de determinar o se e o como de tais acções. Aliás, de acordo com os factos provados, elas limitaram-se a tomar para si o que o arguido B… lhes “deu”, sem qualquer tipo de controlo sobre se as subtracções dos cheques eram ou não feitas, dos momentos dessas apropriações, da quantidade e montante dos cheques apropriados, da regularidade das entregas e nem, sequer, de que todas as subtracções feitas lhes eram destinadas. Não há, de resto, a certeza de que o tenham sido, uma vez que, v. g., foi dado como provado nos n.os 14 e 15 dos factos provados que os arguidos aí referidos receberam parte dos cheques subtraídos pelo arguido B… em circunstâncias e de pessoas que não foi possível apurar. Ora, se o arguido B… tivesse agido sempre em obediência ao pactuado com as arguidas C…, D…, K… e J… não poderia haver dúvidas, pelo menos, de que os cheques adquiridos pelos arguidos mencionados nos trechos em questão da matéria de facto provada, só lhes poderiam ter advindo das mãos de alguma daquelas arguidas – C…, D…, K… e J….
Assim sendo, a expressão, constante do nº 71 dos factos provados, de que os arguidos B…, C…, D…, J… e K… agiram em comunhão de vontades esforços e fins e em execução de um plano previamente delineado, é no que concerne à imputação às arguidas do crime de subtracção de documento e na falta de factos concretos que a sustentem – já que, relativamente à acção típica desse crime e às referidas arguidas, o termo “agiram” se mostra despido de conteúdo –, uma mera conclusão e, como tal, anódina para integrar o elemento objectivo do crime referido.
Entendemos, assim, que as condutas das referidas arguidas não integram o crime de subtracção de documento, mas sim o de receptação, já que se provou que todas elas adquiriram, com intenção de obter para si as vantagens patrimoniais inerentes ao seu desconto fraudulento, cheques que tinham sido obtidos mediante crime contra o património, o que fizeram de modo livre e consciente e com o perfeito conhecimento da origem ilícita dos cheques e com a consciência da punibilidade da conduta.
19. Levanta, ainda, o arguido G… as questões da não punibilidade do crime de falsificação por existência de “falso grosseiro” e da não qualificação do crime de burla.
Vejamos.
19.1. Há consenso quanto a que o falso grosseiro não integra o crime de falsificação.
Porém, no caso presente, a questão do falso grosseiro não se põe. A falsificação do cheque, por falsificação dos endossos, como é o caso dos presentes autos, é praticamente indetectável no momento da apresentação a pagamento do cheque. O banco ou o funcionário que o representa não tem qualquer meio de controlar assinatura dos titulares endossantes. Esse elemento é aceite com base na presunção de boa-fé negocial de quem apresenta o cheque a pagamento e a sua falsidade só por conta da responsabilidade deste pode correr.
Portanto, do ponto de vista de quem paga o cheque, este apresenta-se como genuinamente emitido e regularmente endossado. Os elementos da falsificação não são detectáveis à simples vista.
Não se põe, portanto, a questão do falso-grosseiro, que, como o próprio nome indica, consiste numa falsificação de tal modo grosseira que qualquer homem médio a detecta imediatamente à simples vista. É um falso que salta à vista de uma pessoa normalmente avisada e não especialmente precavida.
19.2. Este recorrente foi condenado pela autoria de um crime de burla qualificada, p. e p. p. artº 218º, n.º 2, al. b), do CP.
Dispõem o n.º 2 e al. b) em causa que “[a] pena é de prisão de dois a oito anos se o agente fizer da burla modo de vida.
Diz o recorrente, que não foram provados factos que integrem tal circunstância qualificativa.
Na fundamentação do acórdão recorrido, nada se diz quanto à qualificação do crime de burla cometido pelo arguido G… pela alínea b), em causa.
E, no plano dos factos provados, apenas no facto provado 6 se referem factos susceptíveis de ser subsumidos à previsão da mesma alínea, não se referindo eles ao arguido G….
Há, assim um erro na qualificação da burla pela alínea em referência.
Todavia, na fundamentação de direito e relativamente ao crime de burla e ao arguido G…, ficou, além do mais, a constar:
«Já o arguido G… obteve, por essa via, uma mais valia patrimonial de € 19.911,00.»
E mais adiante:
No que tange ao arguido G… impõe-se que concluamos pela verificação da prática, em autoria material e em concurso real (….) de um crime de burla qualificada, p. e p. p. pelo artº 218º, nº 2, al. b), do Código Penal, tendo em conta que o último acto criminoso ocorreu em 2003 e que o valor da unidade de conta era então de 16.000$00 (ou naturalmente o seu contravalor em euros).
Não há dúvidas, face ao texto sublinhado, que a qualificação da burla se fez em razão do valor – nº 2, al. a) – e não em razão de o agente fazer da burla modo de vida – nº 2, al. b).
Tratar-se-á, portanto de um lapso de escrita, que, uma vez cometido, foi, depois, “arrastado” para outros lugares da decisão (muito possivelmente pelo modo como se trabalha na composição de texto em processadores informáticos).
O certo é que a qualificação correcta da burla é pela alínea a) do nº 2 do artº 218º do CP e que esta alteração da qualificação é permitida, na decisão do recurso, uma vez que não há alteração de factos, o crime é o mesmo e o arguido tinha sido acusado pela autoria de um crime de burla qualificada, nos termos agora referidos, não resultando, como tal, para ele, nenhuma surpresa, da qualificação em que agora assentamos.
20. Suscita, ainda, o Ex.mo PGA, a questão da não qualificação do crime de burla pelas als. a) e b) do nº 2 do artº 217º do CP. E fá-lo nos termos seguintes:
«Do crime de burla qualificado em função do valor consideravelmente elevado
As arguidas C…, D…, J… e E… foram condenadas pela prática do crime de burla qualificado nos termos da alínea a) do artigo 218 do Código Penal, ou seja, em função do valor consideravelmente elevado.
É consideravelmente elevado o valor superior a 200 unidades de conta, nos termos da alínea b) do artigo 202 do Código Penal e cada unidade de conta tem, agora, o valor de 96€, ou seja, de valor superior a 19.200€.
Como se vê de fls. 214 do acórdão recorrido nenhuma destas arguidas beneficiou, individualmente, de valor superior a 19.200€.
A C… beneficiou do valor de 9.226€; a D… beneficiou do valor de 6.743€; a J… beneficiou do valor de 18.882€; e a K… beneficiou do valor de 5.215,32€.
Estas arguidas fazem parte do grupo referenciado no ponto 4 do acórdão relativamente ao qual foi dado como provado que formaram o acordo para se apropriarem dos cheques, os levantarem e se apropriarem do dinheiro correspondente.
Com base neste acordo foi considerado que actuaram em co-autoria e, através deste raciocínio foi imputado a todos os arguidos o valor de todas a apropriações individuais, ou seja, o valor global de 40.066,32€, consideravelmente elevado.
Como vimos o acordo desacompanhado de qualquer acto de execução do crime visado, quando não traduza a autoria moral, por intermédio de outrem, também não traduz a co-autoria.
As condutas destes arguidos, no que toca aos crimes de falsificação e burla terá de ser considerada individualmente, em autoria material e o valor a considerar será o do benefício que cada uma obteve.
O crime cometido é o crime de burla qualificado nos termos do n° 1 do artigo 218 e não da alínea a) do n° 2 do mesmo artigo.
(…)
Do crime de burla qualificado em função da circunstância fazer modo de vida
Foi também entendido no acórdão recorrido que o crime de burla cometido por estas arguidas, tal como pelos arguidos F…, G… e E… era qualificado em função da alínea b) do n° 2 do artigo 218, ou seja, em função da circunstância "O agente fazer da burla modo de vida".
Ora da matéria provada não resulta qualquer facto imputado, a estes arguidos do qual se conclua que faziam da burla o seu modo de vida
Pelo contrário, à data dos factos quase todos tinham ocupação profissional através da qual garantiam a subsistência: a C… era reformada, mas executava trabalhos de costura e labores para terceiros — fls. 79; a D… sobrevivia do apoio dos pais com quem vivia — fls. 80; a E… estava desempregada, mas sobrevivia dos proventos auferidos pelo marido, o arguido F… - fls. 81e 82; o arguido F… era pasteleiro — fls. 82; o arguido G… era padeiro — fls. 83; a arguida J… executava tarefas domésticas para terceiros — fls. 87; a K… era beneficiária do rendimento mínimo garantido — fls. 88.
Verifica-se, quanto a estes crimes de falsificação e burla, a insuficiência da matéria de facto para a condenação pela sua prática em co-autoria.»
20.1. Relativamente à actuação individual de cada uma das arguidas referidas e, portanto, à não verificação de co-autoria entre elas, estamos de acordo com o Ex.mo PGA.
Já não o estamos quanto ao valor a partir do qual se verifica a qualificação pelo valor consideravelmente elevado. Como vimos supra – nota 15 – a unidade de conta teve, entre os anos de 2001 e 2004, o valor de € 79,81. Ser o valor elevado ou consideravelmente elevado é uma circunstância que se refere à data da prática dos factos, nos termos do disposto no artº 202º, al. a) e b), do CP. Assim, o valor elevado, para os factos em análise, é aquele que excede € 3.990,50 e o valor consideravelmente elevado o que excede €15.962,00.
Em consequência, a burla cometida pela arguida J… é qualificada nos termos do disposto no artº 217º, nº 2, al. a), e as das restantes arguidas referidas, nos do nº 1 do mesmo artigo.
Refira-se, de passagem, que também as burlas cometidas pelos arguidos E… e F… – estes, em co-autoria um com um outro) e G… – este, como já referimos, supra – são qualificadas pelo valor consideravelmente elevado.
20.2. Já quanto à qualificação em função de o agente fazer da burla modo de vida, estamos em completa concordância com a doutrina enunciada pelo Ex.mo PGA:
Diz-se no Comentário Coninbricense, em comentário ao artº 218º [14]:
«Quanto à natureza das “circunstâncias qualificadoras” enunciadas no artº 218º, são várias as concepções defensáveis em função dos pressupostos teóricos adoptados. Por razões que se prendem com a manutenção da unidade do presente comentário, dado que tais circunstâncias coincidem com algumas das que se encontram consagradas no artº 204º, deverá conferir-se-lhes a mesma índole que assumem no âmbito do furto qualificado. A autonomia dos dois delitos não justifica qualquer diferença no tocante ao enquadramento dogmático da questão.»
Assim, e quanto ao que nos importa, refere Faria Costa [15]:
§ 41 Modo de vida é a maneira (…) pela qual quem quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade. (…)
§ 44 Por outro lado, a plasticidade com que hoje se captam os diferentes modos de vida – em tudo quase coincidentes com as profissões que todos conhecemos — tidos por normais e aceitáveis na actual sociedade — v. g., canalizador, médico, pedreiro, advogado — não pode também deixar de se reflectir neste domínio. Explicitemos, no entanto, um pouco o que se acaba de dizer. Os modos de vida, hoje, mesmo os que se afirmam como os mais tradicionais ou comuns, não se espelham nem cristalizam em um só segmento. Aí está o pluriemprego ou o emprego em tempo parcial a prová-lo. Para além de que a hipermobilidade no trabalho e o trabalho à distância são manifestações inequívocas dessa precisa ausência de monolitismo na percepção dos modos de vida. As pessoas tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo, tendem a trabalhar em diferentes domínios ao mesmo tempo, e isso é o seu modo de vida. Ora, se isto é assim em uma chamada vida normal não temos a menor dúvida em considerar que o mesmo se passa quando alguém se lança na carreira criminosa da prática de furtos. Quer isto significar de forma muita clara que não é absolutamente preciso que o delinquente se dedique, de jeito exclusivo, aos furtos para que se possa dizer que dessa prática faz um modo de vida. Bem pode ter uma profissão socialmente visível — o que não poucas vezes até facilita a actividade ilícita que se realiza às ocultas — e, mesmo assim, poder considerar-se que a série de furtos que pratica seja factor determinante para que se possa concluir que ele disso — isto é, desse pedaço da vida — faça também um modo de vida.(…)
(…)
§ 45 Temos vindo a defender que a noção modo de vida deve ser olhada menos como categoria dogmática atinente ao direito e mais como noção indesmentivelmente ligada a um valor estritamente sociológico. Uma tal forma de apreciar este elemento faz com que afastemos qualquer ligação, materialmente fundada, entre modo de vida e habitualidade. Na verdade, se é certo que as duas noções que oram se confrontam têm, formalmente, um elemento comum, qual seja, uma série reiterada de modelos de comportamento, é evidente que as representações sociais que se ligam ao modo de vida e à habitualidade são radicalmente diversas. Para o modo de vida temos uma representação de estabilidade ligada, sem margem para dúvidas, a um comportamento que, em princípio, se traduz em benefício pessoal e social enquanto a habitualidade cristaliza, nas representações sociais, como uma forma de conduta reiterada tout court. Forma de conduta que, desde sempre, foi valorada pelo direito penal.»
Segundo este ensinamento, não é a circunstância de os arguidos terem profissões, digamos, legais, que obstam a que a circunstância “modo de vida” releve.
Mas, em sentido oposto, também não é a frequência da reiteração da conduta que, por si, permite caracterizá-la como “modo de vida”.
Também não poderá ser, pensamos nós, o facto de as quantias auferidas permitirem que o agente sobreviva com base exclusivamente nelas. O produto de um só golpe milionário também o poderia, em tese, permitir e daí não se conclui que se verificasse “modo de vida” da correspondente conduta ilícita.
Deve verificar-se, como diz Faria Costa, a estabilidade do comportamento que se traduz em benefício pessoal e social.
De certa maneira, a ideia de modo de vida não prescinde da de profissionalização, que lhe subjaz, de carreira. Não é casual que o autor acabado de citar afirme que “a plasticidade com que hoje se captam os diferentes modos de vida – em tudo quase coincidentes com as profissões que todos conhecemos — tidos por normais e aceitáveis na actual sociedade — v. g., canalizador, médico, pedreiro, advogado — não pode também deixar de se reflectir neste domínio.” Um modo de actuar assemelhado à profissionalização parece necessário para a verificação da figura em análise.
A jurisprudência divide-se quanto à identificação de modo de vida com profissionalização.
Assim, no sentido de que não é necessária a profissionalidade, v. g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 Outubro 1998, proferido no processo nº 697/98, Relator Augusto Alves, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, 1998, com a seguinte proposição I do sumário publicado:
«I - Para a qualificação da burla, por o agente fazer da burla modo de vida, não é necessária a profissionalidade. O que importa, é que o complexo das infracções revele um sistema de vida, como é o caso de burlão que vive sem trabalhar, dos proventos dos seus delitos de burla. Fazer da burla modo de vida é a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri-reincidência, devendo ser tomadas em conta não só as anteriores condenações do agente mas também as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais e todos os outros elementos testemunhais ou documentais.»
Em sentido idêntico, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 Janeiro 2002, proferido no processo n.º 3128/01, relator Dinis Alves, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/2002, com a seguinte proposição II do sumário publicado:
«II - Assim, para que se verifique a qualificativa "modo de vida" não é necessário, nem a habitualidade, nem a profissionalização; basta que se comprove a existência de uma série mínima de furtos envolta numa intencionalidade que possa dar substância a um modo de vida tal como este conceito é entendido pelo comum dos cidadãos.»
No sentido da “profissionalidade” pronunciou-se, v. g., o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 29 Outubro 2008, proferido no processo nº 1612/08, relator Artur Rodrigues da Costa, in Colectânea de Jurisprudência, nº 211, Tomo III/2008, com a seguinte proposição V do sumário publicado:
«V - A circunstância agravante relativamente a quem faça da prática de furtos um modo de vida significa que o agente dedica-se a essa actividade como se fosse uma profissão ou um emprego, ainda que tenha outras fontes de rendimento, designadamente uma "profissão socialmente visível".
Seja como for, sempre será preciso que a conduta delituosa se configure como “sistema de vida” – expressão que, diga-se, nada acrescenta à de “modo de vida, no sentido da “densificação” desta –, o que não correrá sem que ocupe um lugar central e estável na forma como o agente subsiste economicamente.
Ora, como vimos, toda a actividade de todos os arguidos que incorreram em burlas estava totalmente dependente da do arguido B…. Não tendo ficado demonstrado que qualquer deles tivesse meios para desencadear ou controlar a acção deste último. Assim sendo, as burlas praticadas foram sempre o produto de uma actividade aleatória, cuja estabilidade temporal, regularidade e dimensão os seus autores não podiam controlar. Nestas condições, podemos afirmar que a prática de burlas não era, para os arguidos, um modo de vida, por muito lucrativa e constante que se tenha mostrado durante determinado período. Todos os arguidos tinham o seu sistema de vida organizado à parte das burlas que cometeram, mostrando-se estas como um acrescento, ocasional, ao que seriam as suas vidas – e proventos – normais.
Em conclusão, não se verifica, no caso, relativamente a nenhum dos arguidos, a circunstância da al. b) do nº2, do artº218º do CP, fazer da burla modo de vida.
21. A pretensão da recorrente N… de que não cometeu o crime de receptação que lhe foi imputado, assenta no pressuposto de que lhe assistiria razão na impugnação de facto que deduziu. Mas, como vimos, supra, em II.10.7, tal razão não lhe foi reconhecida.
Para além disto diz a recorrente que ainda que se aceitasse que foi ela que recebeu e depositou os cheques, sempre teria de ser absolvida, por o crime de receptação implicar dolo específico relativamente à proveniência da coisa, não se tendo efectuado qualquer prova de que a recorrente soubesse que os cheques tinham sido obtidos mediante facto ilícito contra ao património.
O facto do conhecimento de que os cheques tinham sido obtidos mediante crime contra o património foi dado como provado, relativamente à arguida N…, nos pontos 15 (com referência ao facto 14 pelo advérbio também). Estes dois pontos lêem-se, quanto à arguida N…, de modo a significar que também a arguida bem sabia da origem dos cheques, referida no ponto 15, ou seja, que os mesmos haviam sido subtraídos aos seus proprietários.
Acrescem os factos provados nos pontos 70 e 72, para completar os elementos típicos do crime de receptação.
Já vimos, supra, que o tribunal, ao dar como provada esta matéria de facto, actuou no uso da faculdade de formar a sua livre convicção, com base na prova produzida e no respeito pelas regras da experiência comum. A experiência comum afirma-nos, sem rodeios, que não é possível alguém sucessivamente adquirir doze cheques, todos da mesma origem ilícita, sem ter consciência dessa origem, ainda mais quando as aquisições foram sucessivas e nada na actividade normal do sujeito justificava as aquisições.
Não tem, portanto, razão a recorrente, também neste ponto.
22. Dos crimes verificados, das medidas das penas e da suspensão da execução das penas.
Todos os recorrentes, com excepção da N… levantam as questões da medida das penas a eles aplicadas – que reputam excessivas – e das suspensões das execuções das que lhes possam vir a sê-lo.
22.1.Para tratar tal questão é necessário resumir quais os crimes que, finalmente, se verificam, na esfera de actuação de cada arguido.
– O B… a autoria material, em concurso efectivo, de um crime de subtracção de documento, p. e p. pelo artº 259º, nº 1, do CP, um crime de falsificação de documento, p. e p. p. artº 256º, nos 1, al. a), e 3, do CP, e um crime de burla qualificada, p. e p. p. 218º, nº 2, al. a), do CP;
– A C…, a autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal;
– A D…, a autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, nº 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal,
– A E…, a co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3 do Código Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro [16];
– O F… a co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1 do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal,
– O G…, a autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1 do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3, do Código Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº59/2007, de 4 de Setembro, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal,
– O H…, a prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1 do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3, do Código Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
– A I…, a co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal, e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal;
– A J…, a autoria material, na forma consumada de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal.
– A K…, a autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3 do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal.
– A N…, a co-autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e, em concurso real, a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal;
22.2 Previamente ao tratamento da questão das penas aplicar e da eventual suspensão da execução das mesmas, importa aqui registar que sufragamos as considerações plasmadas no acórdão recorrido, relativas à sucessão de leis penais no tempo que dizem respeito ao crime de falsificação e à suspensão de execução da pena, que passamos a reproduzir:
«Após a prática dos factos pelos arguidos (…) ocorreu a entrada em vigor da Lei nº59/2007 de 04/09 que introduziu alterações ao Código Penal pelo que importa, à luz do principio da retroactividade da lei penal mais favorável que se encontra inscrito no seu artº 2º, nº 4 desde diploma, levar a cabo a comparação dos diversos regimes penais, de forma a dar-se lugar à aplicação da lei mais favorável.
Aí está estipulado que “Quando as disposições penais vigentes no momento da pratica do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
Aliás, diga-se que tal ditame da lei substantiva penal é decorrente da imperativa norma da lei constitucional contida no artº 29º da Lei Constitucional nº 1/2005 de 12/08, que com cariz de direito fundamental o estabelece como um dos princípios basilares da aplicação da lei criminal.
Em face da mencionada alteração legislativa há que atender, desde logo, à nova nomenclatura do tipo legal de crime inscrito no artº 256º do Código Penal.
Passou tal disposição a ter a seguinte letra “1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) fizer constar falsamente de documento ou qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
Achando-se, no nº 3 que “Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autentico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de cambio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro titulo de credito não compreendido no artº 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.
Ao passo que se conclui, no nº 4, explanando que “Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 foram praticados por funcionário, no exercício de funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”
Feita uma leitura aprofundada da norma e a necessária comparação com a letra vigente, verificamos que as alterações são ao nível da forma, no sentido da simplificação, visto que o conteúdo da alínea a) nº 1 da citada norma viu-se desdobrado em diversas alíneas, sem que, contudo, o seu conteúdo sofresse alterações ao nível da incriminação.
Igualmente, em sede de moldura penal abstracta, nenhuma inovação foi coligida, mantendo-se, na íntegra, a que estava moldada no anterior regime penal.
Impõe-se, assim, concluamos que a aplicação concreta da nova lei penal teria como consequência necessária a aplicação das mesmas penas concretas, a cada um dos arguidos, visto que, também, no que respeita aos critérios para a fixação da pena concreta, a que alude o artº 71º do Código Penal, eles se mantêm intactos.
Nessa medida, e porque a retroactividade da lei penal, é apenas aplicável caso a nova lei seja mais favorável, o que “in casu” não se verifica, afasta-se a sua aplicabilidade, em homenagem ao princípio do “tempus regit actus”.
Em face da entrada em vigor da mencionada Lei nº 59/2007 de 04/09 ocorreram alterações, também, no que alude ao regime da suspensão da execução da pena, única matéria que, nesta sede, importa ponderar com vista à aplicação da lei mais favorável.
No que tange aos fundamentos da aplicação dessa verdadeira pena de substituição, a que se reconduz a suspensão da execução da pena, mantiveram-se os mesmos intactos, visto que a letra da nova lei – no seu artº 50º – tem uma redacção que, embora modificada, vai no sentido anteriormente consignado.
(…)
Para além da referida inovação legislativa ter rompido com a tradição, moldou um novo regime, no que ao prazo da suspensão de pena respeita.
Com efeito, achamos na norma do nº 5 desse mesmo dispositivo legal que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.»
É neste último segmento da norma que a questão do regime mais favorável se põe, porque no regime vigente à data da prática dos factos o período da suspensão não estava vinculado à extensão da pena de prisão, sendo fixado entre um e cinco anos.
Há, porém, que ter em conta que a questão é mais teórica do que prática.
Na realidade no regime anterior, como só se podia suspender penas até três anos de prisão, o período de suspensão podia ser maior do que a pena de prisão, o que, já por si, era indicativo da proporcionalidade entre a pena e o período de suspensão.
Sendo o mínimo e o máximo da suspensão, com a lei nova, iguais à pena, o novo regime implica, em abstracto, um benefício para o condenado, uma vez que o limite máximo do período de suspensão não foi alterado e o limite máximo das penas cuja execução pode ser suspensa foi elevado até coincidir com aquele referido limite.
Onde a questão concretamente se poderia pôr seria nos casos de penas até três anos de prisão, em que, por a necessidade de prevenção especial de socialização ser muito reduzida, o Juiz pretendesse fixar um período de suspensão da execução da pena inferior a esta. No regime antigo poderia fazê-lo, no regime actualmente em vigor não pode.
Como se depreende, serão casos muito raros e praticamente desprezíveis, pois onde os itens atendíveis para a fixação da pena determinarem que a mesma se fixe em determinada medida, só quase como exercício teórico se pode conceber que os motivos que regem a fixação do período de suspensão da execução da pena possam aconselhar que este seja inferior à pena em si. É que os critérios de determinação da medida da pena e do período de suspensão da sua execução não são nem exclusivos de uma e de outra operação nem estanques entre si, havendo uma interacção senão uma interdependência entre eles.
Em todo o caso, sempre se mencionará, infra, qual dos regimes, em concreto é mais favorável ao arguido, nos casos em que tal questão se puser, que serão os de a suspensão da execução da pena ser de decretar e se tratar de penas iguais ou inferiores a três anos de prisão.
22.3, Cumpre também mencionar que será tomado em conta o tempo decorrido desde a prática dos factos, enquanto factor de diminuição das necessidades de prevenção, nomeadamente de carácter especial de socialização.
22.4. Posto isto, temos, tão sinteticamente quanto se mostre possível, quanto a cada um dos arguidos:
22.4.1. O arguido B….
Há, como referimos, uma diferença nas molduras penais abstractas dos crimes de peculato e de subtracção de documento. O primeiro é punível com pena de prisão e um a oito anos e o segundo é punível com pena de prisão até três anos ou multa (até 360 dias).
Entre o crime por cuja autoria o arguido foi condenado em primeira instância e aquele que resulta da qualificação dos factos do presente acórdão, há um abaixamento dos limites mínimo e máximo da pena aplicável, bem como se apresenta a possibilidade de aplicação de uma pena não privativa de liberdade.
Há, assim, que ponderar, ex novo, a pena a aplicar pelo referido crime e reponderar as restantes penas, em função da alegação, formulada no recurso, de que mostram excessivas, com vista à sua alteração ou não.

Considerando:
– O dolo directo [17] e muito intenso com que ao arguido agiu, revelado, além do mais, na reiteração da conduta criminosa por mais de dois anos;
– O motivo por que o fez, que, tanto quanto o mostram os factos provados, não foi além da satisfação de um impulso de luxúria, uma vez que o arguido já à época tinha e ainda hoje mantém um agregado familiar – nele incluída a relação matrimonial –, que se revela organizado e funcional;
– O grau da ilicitude, que foi muito elevado, em razão do total dos montantes auferidos pelos beneficiários das burlas, bem como dos prejuízos causados aos lesados por elas – e, ainda, da natureza do objecto dos crimes, consistente, este, na apropriação ilegítima de prestações da segurança social;
– O facto de este arguido já ter antecedentes criminais por crime de falsificação de documento.
– E as parcas circunstâncias atenuantes dadas como provadas: a confissão parcial dos factos e o arrependimento, que lhe foi conferido. E, ainda, ter uma condição socioeconómica modesta e uma relação familiar estável e apresentar um comportamento isento da prática de crimes no período de tempo posterior ao factos puníveis aqui em causa.
Quanto à imagem social positiva, de que goza (cfr. o “facto provado” 136) é patente que tal imagem se revela por contraste com o esbatimento dos factos que nos cumpre apreciar. Não é, portanto, significativamente relevante.
Entendemos que as exigências de prevenção são muito elevadas no plano da prevenção geral positiva e um pouco menos no da prevenção especial de socialização, tendo em conta, quanto a esta, o tempo decorrido, mantendo o arguido uma conduta de que se mostra ausente a prática de novos crimes.
Dadas as exigências de prevenção referidas, a gravidade da conduta e a sua repercussão social, entendemos que não é de optar por uma pena de multa, por esta não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão.
Temos, assim, por adequadas, as penas de 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de subtracção de documento, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do disposto no artº 77º do CP, considerando a culpa elevada, a gravidade dos factos, a personalidade do arguido – demonstrada nos factos e no seu percurso pessoal, anterior e posterior aos mesmos –, a idade dele à data dos factos e o tempo decorrido desde a prática dos mesmos, temos como ajustada a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
A suspensão da execução da pena:
Este recorrente pretende ver a pena suspensa na sua execução. Nesta questão mereceu parecer concordante do Ex.mo PGA.
Este parecer apenas destaca, quanto ao arguido B… que ele desfruta de uma imagem social positiva.
Porém, a decisão recorrida nada no diz quanto às exigências de natureza ética do cosmos social em que essa imagem se forma e se projecta, que deverá ser, predominantemente, o da vizinhança do lugar de residência do arguido, “…”, adicionado do grupo dos familiares e amigos do mesmo.
Mas a decisão condenatória – esta, como as demais – projecta-se em toda uma sociedade, que espera do sistema de justiça penal que, através das suas decisões, convalide a sua crença no valor e eficácia das normas – nomeadamente das normas penais –, como forma de materialização da protecção dos valores essenciais que regem a vida em sociedade. E não apenas isso, como também que a conforte na convicção de que a aplicação de tais normas assegura o bem-estar da comunidade, em facetas tão caras a esse valor como são as da segurança pessoal e da protecção do património. Sem esquecer que a protecção do património é um fundamento indispensável de estabilidade das vivências individuais e, por essa via, da segurança pessoal, lato senso.
Os factos provados não servem, como tal, para gerar “uma imagem positiva”, que seja reconhecível na mundividência de um grupo social, que, este, seja, por sua vez, paradigmático – pela sua amplitude e composição heterogénea – dos destinatários da sanção penal, enquanto veículo de afirmação do primado da legalidade.
Diz, além do mais, a este título, o Ex.mo PGA, no seu parecer, que:
«Resulta do artigo 50 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão quando for possível, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior ao crime, criar a esperança de que, motivado pela censura do facto e pela ameaça do cumprimento da pena, se comportará, no futuro, de acordo com as normas estabelecidas, abstendo-se de cometer crimes.»;
E que:
«Resulta do artigo 50 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão quando for possível, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior ao crime, criar a esperança de que, motivado pela censura do facto e pela ameaça do cumprimento da pena, se comportará, no futuro, de acordo com as normas estabelecidas, abstendo-se de cometer crimes.»
Tudo isto é certo. Mas não é tudo, nem é o bastante.
O artº 50º, n.º1, do CP dispõe, efectivamente, que:
«Artigo 50º
(Pressupostos e duração)
1 – O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)»
A norma desdobra-se numa sucessão de pressupostos da suspensão da execução da pena, três ligados à pessoa do agente – personalidade, condições de vida e conduta anterior e posterior ao crime – um mais marcadamente objectivado no crime propriamente dito – as circunstâncias do crime (ainda que tais circunstâncias sejam um revelador incontornável da personalidade do arguido e, por esse lado, exista aqui, também, um plano de análise de ordem subjectiva) – e um quinto, de natureza normativa, que é o de a conjugação dos restantes permitir a conclusão de que a censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Queremos dizer e é isso que não transparece do parecer acima parcialmente transcrito, que por muito que os requisitos subjectivos pareçam estar presentes se da sua conjugação com as circunstâncias do crime não resultar que a suspensão da execução da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal suspensão não deve ser decretada.
Ora as finalidades da punição são duas, como resulta do disposto no artº 40º, n.º 1 do CP: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
E se se pode dizer que a ressocialização do agente, além de ser um fim em si mesma, serve, indirectamente, o primeiro dos dois objectivos referidos, também é verdade que não o esgota nem o pode postergar. Ou seja, se tiver que se determinar uma hierarquia de valor entre os dois fins das penas, o primeiro deverá preceder o segundo, por salvaguardar o interesse comum.
Dada a natureza subsidiária do direito penal, através dele só se protegem valores essenciais à vida comunitária e da forma mínima suficiente para assegurar a sua prevalência.
Nesta situação, a defesa dos bens jurídicos penalmente tutelados estabelece um limite, para trás do qual não se pode recuar, sob pena de perda de bens essenciais. Sendo, assim, um objectivo prioritário do direito penal e, em consequência, da sanção penal.
Pois bem, já acima referimos que os crimes dos presentes autos têm uma especial ressonância social. Tratou-se, no caso do recorrente B…, de furtar importâncias enviadas pela Segurança Social aos seus beneficiários. Estas remessas visam, por regra, colmatar situações económicas deficitárias dessas pessoas. Trata-se de pensões, subsídios de desemprego, pagamentos de baixas por doença e de outros subsídios. Normalmente trata-se de quantias destinadas a pessoas com necessidade de as receber e que, privadas das mesmas, sofrerão carências de vária ordem.
Por isso a censura social que comportamentos do tipo do que o arguido levou a cabo é muito grande. E à censura junta-se o alarme social, pelo medo de que a situação não seja atalhada e tais condutas vão indo em aumento e acabem por se instalar, como toleradas.
Há, portanto, expectativas comunitárias no poder contrafáctico das normas que cumpre respeitar e cuja vulneração impõe que a sanção a aplicar atinja a severidade correspondente à sanação dessa lesão. Ou seja, não se deve suspender a execução de uma pena de prisão quando o efectivo cumprimento seja necessário para que se restaure a confiança da comunidade na validade da norma violada.
E é o que entendemos estar em causa no caso do recorrente B…, em função da natureza e das circunstâncias dos crimes, nomeadamente da intensidade do dolo e dos graus das ilicitudes.
Pelo que não é de suspender a pena de prisão aplicada ao arguido B….
As considerações e conclusão acabadas de consignar aplicam-se, infra, também aos arguidos G…, J….
22.4.2 A arguida C… actuou com dolo intenso e persistente. A ilicitude é de grau médio, tendendo para elevado, nos crimes de receptação, e de grau médio, no crime de burla. São atenuantes da conduta a ausência de antecedentes criminais, tendo na data dos factos, entre 62 e 64 anos, e a modestíssima situação socioeconómica.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida, o seu bom comportamento anterior e posterior à prática dos crimes e a modestíssima situação económico-social, temos como adequada a pena única de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão.
22.4.3. A arguida D… também actuou com dolo intenso e persistente, verificando-se que a ilicitude é de médio, nos três crimes verificados. Tinha entre 20 e 22 anos quando os factos ocorreram. Além de uma certa inexperiência ditada pela sua juventude à data dos factos, milita a seu favor uma condição socioeconómica modestíssima e não ter antecedentes criminais. O seu comportamento depois dos factos é isento da prática de novos crimes, embora não tenha mostrado uma evolução francamente favorável no que se refere à criação e hábitos de trabalho e meios de subsistência económica honestos. Assinala-se-lhe, de positivo, ter encetado diligências para angariação de trabalho.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documentos e 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida, a ausência de antecedentes criminais, o comportamento posterior aos factos isento da prática de novos crime e situação socioeconómica muito modesta, temos como ajustada a pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
22.4.4. A arguida E… actuou em co-autoria com o arguido F…, ambos com dolo muito intenso e persistente. Os graus da ilicitude verificados são médio, no crime de burla – tendo-se presente que este é, já, qualificado pelo nº 2 do artº 218º do CP – e elevado nos crimes de receptação e de falsificação de documento. A arguida contava entre vinte e oito e trinta e um anos de idade, à época dos factos, idade em que a formação da personalidade está consolidada e a experiência de vida é, já, bastante. Não tem antecedentes criminais e o seu comportamento posterior aos factos não revela práticas delituosas. Tem formação escolar básica – 4º ano de escolaridade – e uma situação económico-social de extrema modéstia. Não exerce qualquer profissão. Vive em união de facto com o co-arguido F… e o casal tem um filho de tenra idade.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 3 (três) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, sem notícia da prática de outros crimes, a parca preparação escolar e a situação económico-social muito modesta, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
22.4.5. O arguido F… tinha entre trinta e dois e trinta e quatro anos quando praticou os factos puníveis. Tem antecedentes criminais por crime de falsificação de documento. Completou, apenas, o primeiro ciclo do ensino básico e trabalha com regularidade desde os treze anos. Cumpriu serviço militar obrigatório e exerce a profissão de pasteleiro, mantendo estabilidade de emprego desde há doze anos. Paga pensão de alimentos a um filho menor que tem, resultante de uma relação matrimonial dissolvida antes de encetar a união de facto que mantém com a arguida E….
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 3 (três) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade dele à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos – sendo relativamente pouco importantes os antecedentes criminais que apresenta e tendo mantido boa conduta depois da prática dos crimes dos presentes autos –, a parca preparação escolar e a situação económico-social modesta, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
22.4.6. O arguido G… agiu com dolo muito intenso e persistente, traduzido na manipulação de setenta cheques e na consequente apropriação de € 19.991,00. O grau da ilicitude é elevado, nos crimes de receptação e falsificação, e médio a tender para elevado, no crime de burla, considerando a qualificação do crime pelo artigo 218º, n.º 2, do CP.
Cumpre aqui realçar que não faz qualquer sentido a alegação, do recorrente [18], de que ele é “condenado por uma agravativa que resulta da soma aritmética do valor pecuniário de todos os cheques envolvidos”. Desde logo porque não há qualquer circunstância típica agravativa modificativa ou qualificativa pertencente ao tipo de crime de falsificação de documento, relacionada com o valor pecuniário da falsificação. E, ainda, porque na ponderação das circunstâncias atendíveis na determinação da pena, apenas foram consideradas – como não podia deixar de ser – as que estão referidas à culpa individualizada do recorrente, nomeadamente as que directamente se projectam no grau da ilicitude, maxime o número e valor dos cheques que ele recebeu e, em suma, de cujo valor se apropriou.
Tinha ente 33 e 36 anos à época da prática dos factos. Tem antecedentes criminais, ainda que não importantes, por crime de ofensa à integridade física. Depois dos factos dos presentes autos não lhe são apontadas acções delituosas. Não chegou a completar o quarto ano de escolaridade. Está desempregado, vive sozinho e é apoiado pela mãe e pela acção social. Tem uma filha com quem mantém contactos, que está à guarda da mãe. Tem condição social modesta e situação económica muito modesta e precária.
São adequadas as penas de 2 (anos) de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade dele à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos – sendo relativamente pouco importantes os antecedentes criminais que apresenta e tendo mantido boa conduta depois da prática dos crimes dos presentes autos –, a parca preparação escolar e a condição social modesta e situação económica muito modesta e precária, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
22.4.7. O arguido H… actuou em co-autoria com a arguida I…, ambos com dolo muito intenso, que perdurou ao longo da manipulação dos trinta e tês cheques em que se materializou a conduta delituosa deles. A ilicitude atingiu um grau médio, rendendo para elevado nos crimes de receptação e de falsificação de documento e é de grau elevado quanto ao crime de burla, considerando a incriminação por burla qualificada nos termos do disposto no nº 1 do artº 218º do CP.
O arguido tinha entre 28 e 31 anos, à data dos factos. Não tem antecedentes criminais e depois da prática dos factos não cometeu mais crimes. Completou o sétimo ano de escolaridade. Trabalha, de forma irregular, a consertar electrodomésticos. Tem saúde frágil. É casado com a co-arguida I… e o casal tem uma filha, menor, a seu cargo. Têm uma situação socioeconómica muitíssimo modesta e precária.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade dele à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos – tendo mantido conduta normativamente ajustada depois da prática dos crimes dos presentes autos –, a reduzida preparação escolar e a situação económico-social muito modesta e precária, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
22.4.8. A arguida I… tinha entre trinta e sete e quarenta anos à época da prática dos factos. Não tem antecedentes criminais e, depois dos factos dos presentes autos, não voltou a cometer crimes. Tem, de escolaridade, o primeiro ciclo do ensino básico. Tem três filhos, dos quais, uma, do género feminino, nascida do actual matrimónio com o co-arguido H…, é menor de idade, estudante e está a cargo do casal. A arguida não trabalha, em função de falta de saúde, que lhe determina incapacidade laboral.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, a reduzida preparação escolar e a situação económico-social muito modesta e precária, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
22.4.9. A arguida J… agiu com dolo muito intenso e pertinaz, o que se revela em ter, à sua conta, manipulado 76 cheques e auferido um montante de € 18.882,00. Acresce que ela, através da sua relação com o arguido B…, ocupou um lugar central na motivação deste e, assim, na génese da acção delituosa de todos os arguidos, circunstância que não ignorava e que aproveitou até às últimas consequências. A sua culpa é grave. O grau da ilicitude é elevado nos crimes de falsificação e receptação e é médio, a tender para elevado, no de burla. As exigências de prevenção geral positiva são claras e ingentes. Não tem antecedentes criminais. Tinha entre 35 e 37 anos de idade à época dos factos e não cometeu, depois deles, outros crimes. Completou a quarta classe de escolaridade. Afirma sobreviver com o que ganha na prestação de serviços domésticos, mediante remuneração à hora – vulgo, “mulher-a-dias” – mas não foi possível obter conformação desses factos nem qualquer indicação sobre a sua efectiva inserção social (cfr. o ponto 145, a fls. 87, do acórdão recorrido). Às exigências de prevenção geral positiva soma-se, no caso desta arguida, uma sensível necessidade de prevenção especial de socialização, dada a grande incerteza que paira sobre a sua real inserção social.
São adequadas as penas de 2 (anos) de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 3 (três) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, a reduzida preparação escolar e a situação económico-social muito modesta, temos como adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
22.4.10. A arguida K… agiu com dolo de média intensidade e o grau da ilicitude dos três crimes que cometeu é médio. Não apresenta antecedentes criminais nem cometeu crimes depois dos factos dos presentes autos. Tinha ente vinte e sete e trinta anos, à época da prática dos factos dos pressentes autos. Não tinha antecedentes criminais e de então para cá mantém comportamento acorde com a lei. Fez o quarto ano de escolaridade, com catorze anos. É casada e o casal tem quatro filhos menores a seu cargo. Não tem actividade profissional. O agregado familiar sobrevive com base em rendimentos sociais e alguns proventos que o marido da arguida angaria a recolher e vender sucata. Tem condição social modestíssima e situação económica marcada pela pobreza.
São adequadas as penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pelo crime de receptação, 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de falsificação de documento e 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, e tendo em conta a medida da culpa, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a idade da arguida à data dos factos, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, a reduzida preparação escolar e a situação económico-social muito modesta e precária, temos como adequada a pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
22.5. A suspensão da execução das penas.
Vimos, supra, que há razões de prevenção geral de integração que tornam necessária a imposição de penas de prisão efectiva aos arguidos B…, J… e G….
Dos restantes, encontram-se numa situação de charneira, entre a prisão efectiva e a suspensão da execução da pena, os arguidos E… e F…, uma vez que o dolo e o grau da ilicitude apontam para a aplicação de uma pena de prisão efectiva a estes arguidos, enquanto que as condições da vida deles, de entre as quais se realça a de terem um filho de tenra idade, aliadas às demais circunstâncias pessoais atendíveis, fazem pender o fiel da decisão para a solução de uma suspensão da execução da pena de prisão, pelo período correspondente à pena de prisão – quatro anos e quatro meses –, acompanhada, a suspensão, por regime de prova, nos termos do disposto no artº 53º, nº 3, do CP. No limite, esta solução protege, ainda, a prevenção geral positiva, pois a sensibilidade pública não é indiferente à injustiça material consistente em que o mal da pena recaia sobre não culpados, sobretudo se são crianças. Neste contexto, a comunidade assume-se na ideia de que o castigo ceda perante a clemência.
Já quanto aos restantes arguidos, C…, D…, H…, I… e K…, é nosso entendimento que, tendo actuado com dolos menos intensos e graus da ilicitude menos elevados do que aqueloutros co-arguidos antes mencionados, as suas personalidades – no que destas se revela na ausência de prática de crimes, antes e depois da dos presentes autos –, as condições da sua vida – sobretudo manifestadas em condições económicas muito modestas precárias, que, aliadas à generalizada pobreza das educações, se projectam atenuativamente na culpa, pela pressão que exerceram sobre a livre determinação deles, na recusa ou aceitação das condutas delituosas –, o tempo decorrido desde a prática dos factos, tudo, enfim, se conjuga para nos levar a concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sendo assim, é de suspender a execução da pena de prisão a cada um destes arguidos, pelos períodos correspondentes às medidas das penas únicas em que vão condenados, ou seja, respectivamente, por três anos e sete meses, dois anos e quatro meses, quatro anos, quatro anos, e dois anos e três meses.
22.6. Cumpre mencionar, por motivo de clareza da decisão, que a pena da arguida N…, bem como a respectiva suspensão de execução, permanece intocada.
23. A questão civil.
Levantaram a questão da legitimidade da acção civil, os arguidos B…, J… e G….
Os dois primeiros levantaram a questão nos pontos IV e III, respectivamente, das suas motivações de recurso, mas não a levaram às conclusões.
O terceiro e último desenvolveu largamente a questão na motivação do recurso e levou-a às conclusões 74ª a 77ª, sobretudo a esta.
Não é completamente claro se os recorrentes querem excepcionar a sua própria ilegitimidade passiva, se a ilegitimidade activa dos lesados, como demandantes civis.
O arguido G…, que é o mais aguerrido neste ponto e cujas alegações, cobrem, largamente as questões concretamente postas pelos demais, razoa extensamente no sentido de que os lesados devem demandar Segurança Social, os correios e os bancos. A primeira porque era ela a proprietária dos envelopes subtraídos, que, nunca tendo sido entregues aos seus destinatários, nunca deixaram de lhes pertencer (invoca neste sentido o disposto no artº 4º do Decreto Lei nº 176/88); os segundos por responsabilidade extracontratual, nos termos da lei geral, para que remete a Base XXVIII, da Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração de Serviços Postais no Território Nacional, instituída pelo Decreto-Lei n 448/99, de 4 de Novembro, e os terceiros, também, ao que se presume, por responsabilidade civil extracontratual, por os seus funcionários terem sido negligentes no pagamento dos cheques (o recorrente não o diz exactamente assim, mas é o que resulta daquilo que efectivamente diz).
Temos, deste modo, invocada uma ilegitimidade que não se chega a perceber completamente se é activa, dos demandantes, para demandar estes demandados (apenas a teriam para demandar outros), se é passiva, deles demandados, por serem parte legítima passiva a Segurança Social, os Correios e os Bancos, mas eles não.
Passam por alto, os recorrentes, que fossem quais fossem os motivos que os demandantes pudessem ter para demandar outras entidades, isso nunca apagaria a própria responsabilidade deles, demandados/recorrentes, e que tais entidades, se fossem responsabilizadas com a obrigação de indemnizar, sempre gozariam de direito de regresso contra eles, ora demandados, que seriam sempre os responsáveis em última linha.
E parecem esquecer, também, que a legitimidade, enquanto pressuposto processual relativo às partes, se afere pelo interesse em demandar do autor e pelo interesse em contradizer do réu, interesses estes que se exprimem, respectivamente, pela utilidade derivada da procedência da acção e pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo, ainda, que, no silêncio da lei são considerados titulares de interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor (cfr. artº 26º do CPC[19] [20]).
A esta luz, é inegável que quer os demandantes, quer os demandados são partes legítimas.
Outra questão é a de saber se o prejuízo se verificou efectivamente na esfera patrimonial dos demandantes ou se os causadores dos prejuízos foram efectivamente os demandados.
Ou seja, se a causa de pedir, o facto jurídico que está na base da pretensão – consistente no próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direito – se demonstra através da acção.
Ora não há dúvidas de que, no caso, os demandados, com a sua acção, causaram directamente prejuízos na esfera patrimonial dos demandados, correspondentes aos valores dos cheques que subtraíram, falsificaram e descontaram ou depositaram, deles se apropriando, no final.
E é para nós claro, ao contrário do que pretende o recorrente G…, que os cheques, uma vez emitidos à ordem dos demandantes – titulando quantias que estes tinham direito de receber – aos mesmos pertenciam e já não à entidade emitente dos mesmos. E tanto assim é que estes tinham o direito de os cobrar, sem qualquer intervenção adicional de quem quer que fosse, não assistindo, sequer ao emitente o direito de cancelar o seu pagamento.
O argumento que o recorrente G… recolhe do artº 4º do Decreto Lei nº 176/88, de 18 de Maio não convence.
O referido decreto-lei tem por objecto regulamentar o Serviço Público dos Correios e não é sua vocação estabelecer direitos de propriedade.
E o artº 4º em referência, que se refere aos “objectos postais” e não ao seu conteúdo, visa claramente orientar e legitimar o serviço de correio no destino a dar às cartas e encomendas que, por razões de que não nos compete, aqui, curar, não cheguem a ser entregues aos seus destinatários postais.
Assim, e para se dar um exemplo simples, se A empresta um livro a B e este o devolve por correio, este facto em nada influi na propriedade do livro, que permanece sempre na esfera de A. Assim, se a encomenda que contém o livro devolvido for furtada nas instalações do correio, antes, portanto, de ser entregue a A, é este e não B que é patrimonialmente lesado.
As eventuais responsabilidades de terceiros no pagamento das quantias apropriadas pelos demandados, aos legítimos credores delas, não contendem, de forma alguma, com aquelas que para os demandados resultam da responsabilidade extracontratual pelos ilícitos que cometeram. Aliás, ao contrário do que também foi pretendido pela arguida J…, o tal eventual direito dos demandantes a serem indemnizados pela Segurança Social não foi esclarecido – e muito menos estabelecido –, no presente PIC, pelas declarações da testemunha CD…, que se limitou a dar, sobre este ponto, uma opinião pessoal, sem qualquer valor jurídico vinculativo.
Tanto basta para que concluamos pela sem razão dos recorrentes, quanto à questão em ponderação.
Como tal, as condenações cíveis serão mantidas, nos precisos termos em que foram proferidas.
III.
Por todo o exposto,
Acordamos em dar parcial provimento aos recursos e decidimos:
1. Alterar a matéria de facto provada, no sentido de:
1.1. Considerar como não provado, com referência ao facto provado nº 38 do cordão recorrido, que as assinaturas, em nome dos beneficiários, apostas nos versos dos cheques nº ………, CB…, C.R.S.S. – Norte, datado de 25.3.2001, no montante de 1.558,80 €, emitido à ordem de CC…, e nº ………., CB…, C.R.S.S. – Norte, datado de 22.5.2002, no montante de 69,60 €, emitido à ordem de AI…, tenham sido produzidas pelo arguido B… como se das dos beneficiários dos cheques se tratasse;
1.2. Considerar como não provado, com referência aos factos provados nos 17 e 67 do acórdão recorrido e aos arguidos E…, G…, H… e N… que tenham sido tais arguidos a assinar os cheques ou alguém a seu mando. Vale assim para este grupo de arguidos, relativamente ao facto provado nº 17 em vez da expressão “(…) ou alguém a seu mando e interesse (…)”, a expressão “(…) ou alguém [no] seu interesse (…)”; e relativamente ao facto provado nº 67, em vez da expressão “(…) actuaram bem sabendo que os cheques aludidos em 1) a 49) não lhes pertenciam e que ao assiná-los, ou alguém a seu mando e no seu interesse, e endossá-los como se fossem os legítimos portadores, imitavam uma ordem de pagamento que estes não tinham dado nem queriam dar, usando cheques falsificados, (…); ” a expressão (…) actuaram bem sabendo que os cheques aludidos em 1) a 49) não lhes pertenciam e que estavam assinados por alguém no seu interesse e endossados como se fossem [eles] os legítimos portadores, imitando uma ordem de pagamento que estes não tinham dado, usando cheques falsificados, (…)»
2. Condenar os arguidos abaixo indicados, pelos crimes e nas penas que correspondentemente a cada um vão referidas, nessa medida alterando a decisão proferida em primeira instância:
2.1. – O B…, pela autoria material, em concurso efectivo, de um crime de subtracção de documento, p. e p. pelo artº 259º, nº1, do CP, um crime de falsificação de documento, p. e p. p. artº 256º, nos 1, al. a), e 3, do CP, e um crime de burla qualificada, p. e p. p. 218º, nº 2, al. a), do CP, nas penas respectivamente de 2 (dois) anos de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, de efectivo cumprimento.
2.2 – A C…, pela autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão.
2.3. – A D…, pela autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e 2 (dois) anos de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2.4. – A E…, pela co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3 do Código Penal, este na redacção anterior à data de entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 3 (três) anos de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2.5. – O F…, pela co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1 do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 3 (três) anos de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2.6. – O G…, pela autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1 do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3, do Código Penal, este na redacção anterior à data de entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal, nas penas respectivamente de 2 (anos) de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de efectivo cumprimento.
2.7. – O H…, pela co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1 do Código Penal e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), e nº 3, do Código Penal, este na redacção anterior à data de entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
2.8. – A I…, pela co-autoria material e em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, do Código Penal, e a autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código Penal, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
– A J…, pela autoria material, na forma consumada de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 2, al. a), do Código Penal, nas penas respectivamente de 2 (anos) de prisão, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 3 (três) anos de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, de efectivo cumprimento.
2.9. – A K…, pela autoria material, em concurso real, de um crime de receptação, p. e p. p. artº 231º, n.º 1, do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. a), e nº 3 do Código Penal e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 218º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal, nas penas respectivamente de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, 2 (dois) anos de prisão e 2 (dois) anos de prisão.
E em cúmulo das referidas penas parcelares, nos termos do artº 78º, do CP, na pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
2.10. Relativamente à N…, mantém-se a decisão do acórdão recorrido.
3. Suspender a execução das penas dos arguidos C…, D…, E…, F…, H…, I… e K…, por períodos respectivamente correspondentes a cada uma das penas aplicadas.
4. Em tudo o mais, confirmar a decisão recorrida.
Não são devidas custas pelos arguidos O B…, C…, D…, E…, F…, G…, H… e I…, J… e K…, atento o parcial provimento dos recursos interpostos por estes arguidos.
Condena-se a arguida N… no pagamento de 3 UC, de taxa de justiça.
Porto, 2011/01/12
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] Todas os arguidos, bem como demais pessoas, a vários títulos nomeadas nesta decisão, se encontram devidamente identificados no processo,
[2] É controvertida a questão da admissibilidade da apresentação, em recurso de documentos, supervenientes – em si mesmos ou pelo conhecimento que deles se teve – à discussão na instância recorrida, com relevo para a decisão do recurso.
[3] Isto sem esquecer que a questão em si mesma está de há muito resolvida pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2000, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 119, de 23 de Maio de 2000, com o seguinte jurisprudência fixada: «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artº 256º, nº 1, al. a), e do artº 217º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto nº 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes».
Os factos de as alíneas consideradas no Assento e as agora em causa não coincidirem e de, entretanto, ter havido outras revisões do CP, não interferem com a pertinência e actualidade da jurisprudência fixada, que reputamos continuar em vigor.
[4] Os recursos referidos são muito similares, quanto à forma como tratam as questões que levantam.
[5] Todos os recursos em referência, contêm, aliás, expressões semelhantes, a propósito do mesmo.
[6] Aqui o arguido, denominado o pretenso vício como de “carência de relevância probatória para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”, não hesitou em subsumi-lo à al. c) do nº 2 do artº 40º do CPP.
[7] Idem.
[8] Apud, Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal, Notas E Comentários”, Coimbra Editora 2008, p. 733 e s.
[9] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha, «Crimes contra o Estado», Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 692.
[10] Idem, p. 701.
[11] A mesma solução é defendida por Muñoz Conde/Garcia Arán; Cfr. Francisco Muñoz Conde/Mercedes Garcia Arán, Derecho Penal - Parte General, Tirant lo Blanch Libros, 1996, p. 466.
[12] Cfr por todos, quanto à influência da teria final da acção na jurisprudência o Acórdão de fixação de jurisprudência nº11/2009, publicado no Diário da República, Serie I, n.º 139, de 2009/07/21
[13] Cfr. Francisco Muñoz Conde/Mercedes Garcia Arán, Derecho Penal - Parte General, Tirant lo Blanch Libros, 1996, p.p. 454/55.
[14] Cfr. A. M. Almeida Costa, «Crimes Contra o Património – Burla Qualificada», Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 311.
[15] Cfr. José de Faria Costa, «Crimes Contra o Património – Furto Qualificado», ibidem, p. 70-72.
[16] Actualmente, após a entrada em vigor da lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, p. e p. p. artº 256º, nº 1, al. e), e nº 3, do Código Penal
[17] Todos os arguidos actuaram com dolo directo, relativamente a todos os crimes que cometeram.
[18] Introduzida no requerimento do recorrente de resposta à notificação a si feita nos termos do disposto no artº 424º, nº 3, do CPP.
[19] A redacção dada pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, ao nº 3 do artº 26º do CPP consagrou definitivamente a posição de Barbosa de Magalhães sobre a definição do conceito de interesse como requisito de legitimidade das partes.
[20] Sobre este ponto, cfr., ainda, v.g., Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil – Edição Policopiada coligidas e publicadas por Abílio Neto, Almedina, Coimbra – 1971, II, pp. 165 e ss.