Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5246/04.0TVPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
IMÓVEL PENHORADO
REGISTO PREDIAL
REGISTO DA PENHORA
REGISTO DE AQUISIÇÃO
TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP201807115246/04.0TVPRT-B.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 678, FLS 349-359)
Área Temática: .
Sumário: I - Decorre da conceção restrita de “terceiros”, acolhida no AUJ n.º 3/99 e vertida no n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial: que a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, in casu, de uma penhora; que o exequente/embargado não é considerado terceiro em relação aos embargantes e, apesar de ter registado a penhora antes do registo de propriedade daqueles, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, uma vez provada a aquisição da propriedade em momento anterior ao registo da penhora.
II - Tendo o embargante adquirido o imóvel ao executado, não tem de alegar nem provar factos integradores da aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o ato translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada), considerando que o exequente não pode pôr em causa o direito de propriedade do executado após ter promovido a penhora do bem, porque ao fazê-lo reconheceu a existência daquele direito na esfera jurídica do executado, restando-lhe, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respetivo título, alegando factos integradores da sua invalidade ou ineficácia.
III - Provando-se a aquisição derivada da propriedade, transferida e consolidada no património do adquirente/embargante por mero efeito do contrato (artigos 408.º e 879.º, al. a), do Código Civil), e a prática de atos integradores da posse na sequência dessa aquisição, sem que o exequente tenha alegado factos suscetíveis de pôr em causa a validade do negócio, a propriedade, apesar de registada em momento ulterior, prevalece sobre a penhora, por esta ser incompatível com o direito do embargante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5246/04.0TVPRT-B.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Corre termos na 1ª Secção de Execução - J1, da Instância Central do Tribunal da Comarca do Porto, a ação executiva comum n.º 5246/04.0TVPRT, instaurada pelo Banco B..., S.A., contra C...[1], na qual foi penhorada fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a espaço comercial, sita no piso zero, com entrada pelo número .., a qual faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na ..., Rua ..., números .. a .., na atual União das Freguesias ... (extinta freguesia ...), concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 1406-A e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 13509.
Em 20.02.2016, D... e E... vieram deduzir embargos de terceiro, alegando que em momento anterior à penhora adquiriram ao executado C... a fação penhorada.
O exequente Banco B..., S.A., deduziu contestação, alegando em síntese: a aquisição de um bem imóvel é um facto sujeito a registo obrigatório nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código de Registo Predial; o registo predial tem em vista dar publicidade à situação jurídica dos prédios, conferindo uma segurança ao comércio jurídico imobiliário nos termos do artigo 1.º do referido código; o facto sujeito a registo, enquanto não for registado, não pode ser invocado oponível a terceiros de boa fé nos termos do disposto no artigo 5.º do Código de Registo Predial; a invocada aquisição foi somente registada a 22 de janeiro de 2016; no entanto, sobre o mesmo bem imóvel foi registada uma penhora a favor do Exequente Banco B... em data anterior ao registo de aquisição a favor dos Embargantes, ou seja, em 22 de dezembro de 2015; decorre do exposto que o direito dos embargantes não é oponível ao embargado/exequente.
Em 27.03.2017 foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu: dispensar a realização da audiência prévia; julgar verificados todos os pressupostos formais que permitem a apreciação do mérito dos embargos; definir o objeto do litígio “A validade e exigibilidade da obrigação exequenda”; enunciar os temas de prova, e designar data para julgamento.
Realizou-se a audiência de julgamento em três sessões (14.06.2017, 6.09.2017 e 19.10.2017), após o que, em 30.10.2017, foi proferida sentença na qual se julgaram procedentes os embargos e se determinou o levantamento da penhora.
Não se conformou o exequente/embargado e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto da Douta Sentença que julgou totalmente procedentes os presentes embargos de terceiro e, em consequência, determinou o levantamento da penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º 1406-A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 13.509.º, da extinta freguesia ....
2.O Banco B..., S.A. intentou a presente execução em 8 de outubro de 2004 para a cobrança da quantia exequenda de € 55.174,39 (cinquenta e cinco mil, cento e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos) contra C... e outros.
3.Em 22 de dezembro de 2015, foi registada a penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “A” correspondente ao piso zero, espaço comercial, com entrada pelo n.º .., do prédio urbano situado na Rua ..., n.º .. a .., da freguesia ..., do concelho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º 1406 e inscrito na anterior matriz sob o artigo 7.336.º, atual artigo 13.509.º.
4.A 10 de março de 2016, D... e E... deduziram Embargos de Terceiro invocando a propriedade do referido bem imóvel penhorado titulada por escritura de compra e venda outorgada a 9 de dezembro de 2015, tendo sido a aquisição registada a 22 de janeiro de 2016 através da Ap. 3401.
5.Na Contestação apresentada, o Banco Exequente invocou que, nos termos do artigo 5.º do CRPredial, o negócio jurídico de compra e venda do bem imóvel penhorado lhe é inoponivel enquanto terceiro de boa fé e titular de um direito real de garantia – penhora – incompatível com o direito dos Embargantes. Por outro lado, o Banco Exequente impugnou os factos constantes da escritura de compra e venda, nomeadamente do alegado preço pago no montante de € 52.500,00, bem assim como a posse invocada pelos Embargantes.
6.Foi proferido o despacho saneador e realizada a audiência de discussão e julgamento com a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
7.Por sentença agora proferida, o Douto Tribunal a quo entendeu que os Embargantes D... e E... lograram provar o ato translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do Executado C... para a sua, através da junção aos autos da escritura pública de compra e venda.
8.O douto Tribunal a quo entendeu que, por se tratar de um contrato translativo do direito de propriedade, se mostra irrelevante saber por que motivo os embargantes adquiriram, quando obtiveram as chaves, se pagaram ou não o preço e até quando registaram a aquisição. Pelo exposto, o douto Tribunal a quo julgou os Embargos de Terceiro totalmente procedentes e, consequentemente, ordenou o levantamento da penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º 1406. 9.Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o Exequente Banco B..., S.A. não pode deixar de manifestar a sua discordância com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o qual decidiu julgar totalmente procedentes os embargos e ordenar o levantamento da penhora efetuada nos presentes autos.
10. A Sentença ora em crise não merece censura quando afirma que a constituição e transferência do direito de propriedade sobre uma coisa determinada se dá por mero efeito de contrato, atento o disposto nos artigos 408.º, n.º 1 e 879.º, al. a) do Código Civil. Significa, portanto, que entre as partes contraentes o negócio jurídico de constituição ou transferência do direito de propriedade é eficaz, independentemente do registo da aquisição do direito de propriedade.
11.Os Embargantes D... e E... invocam a outorga, a 9 de dezembro de 2015, de uma escritura de compra e venda celebrada com o Executado C... que teve por objeto o bem imóvel penhorado nos presentes autos. No entanto, o respetivo registo de aquisição a favor dos Embargante D... e E... somente ocorreu em 22 de janeiro de 2016.
12.Entre a outorga da escritura de compra e venda em 09 de dezembro de 2015 e o registo de aquisição a favor dos embargantes em 22 de janeiro de 2016, foi registada a penhora a favor do Banco Exequente através da Ap. 2186 de 22/12/2015.
13.A aquisição de um bem imóvel é um facto sujeito a registo obrigatório nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CRPredial, uma vez que tem em vista dar publicidade à situação jurídica dos bens imóveis, conferindo uma segurança ao comercio jurídico imobiliário. No entanto, o registo da aquisição do direito de propriedade não é constitutivo uma vez que o respetivo facto sujeito a registo é invocável pelas partes, ainda que não seja registado nos termos do artigo 4.º do CRPredial.
14. facto sujeito a registo, enquanto não for registado, embora seja eficaz entre as partes contraentes, não é oponível a terceiros de boa fé nos termos do disposto no artigo 5.º do CRPredial.
15.O Banco Exequente é um terceiro de boa fé, nos termos da referida norma, uma vez que é titular de um direito real de garantia sobre o bem imóvel adquirido pelos Embargantes, sendo aquele direito incompatível com o direito de propriedade dos Embargantes: “6. Terceiros, para efeitos de registo (art. 5.º, n.º 1 e 4 do C. Registo Predial) são aqueles que, de boa fé, tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. 7. Assim, a boa fé constitui um requisito da qualidade de terceiro, já que o artigo 5.º, n.º 1 e 4 do Código de Registo Predial apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já não o ser” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2005.
16.O Banco Exequente confiou na aparência de uma situação registral desconforme com a realidade substantiva, uma vez que, quando procedeu ao registo de penhora do bem imóvel em apreço, confiou que o mesmo era da titularidade do Executado C... e não dos Embargantes D... e E....
17.Verificada uma incompatibilidade de direito, importa atender à data dos respetivos registos, sendo que, o registo de aquisição do bem imóvel a favor dos Embargantes ocorreu em 22 de janeiro de 2016, ou seja, em data posterior ao registo de penhora a favor do Banco Exequente em 22 de dezembro de 2015.
18.A escritura de compra e venda celebrada em 9 de dezembro de 2015 é inoponível ao Banco Exequente, enquanto terceiro de boa fé e titular de um direito incompativel com o dos Embargantes.
19.O direito de propriedade alegado pelos Embargantes resultante da aquisição derivada datada de 9 de dezembro de 2015 é inoponível ao Banco Exequente e, como tal, a penhora registada a favor do Banco Exequente não pode ser afetada.
20.Nos termos do artigo 6º n.º do Código de Registo o registo da penhora sub judice, datado de 22/12/2015, goza de prioridade em relação ao registo da aquisição do bem imóvel, datado de 22/01/2016.
21.O douto Tribunal a quo entendeu que a escritura pública de compra e venda outorgada a 9/12/2015, embora não tenha sido registada, determina a transferência do direito de propriedade a favor dos Embargantes e, como tal, estes são titulares de um direito incompatível com o do banco Exequente. Acontece que, como se viu, a referida escritura de compra e venda é inoponivel ao Banco Exequente, enquanto terceiro para efeitos de registo nos termos do artigo 5.º do CRPredial.
22.O douto Tribunal a quo entende que é irrelevante saber por que motivo os embargantes adquiriram o bem imóvel penhorado nos autos, quando obtiveram as chaves, se pagaram ou não o respetivo preço.
23.Salvo o devido respeito e melhor entendimento, não cremos que tais questões sejam irrelevantes para a decisão do mérito dos presentes autos, uma vez que, por um lado, o preço acordado na referida escritura de compra e venda pode não ter sido pago e, em consequência, o negócio pode não ter sido querido pelas partes e, por outro, a data da obtenção das chaves determina o início da posse pelos Embargantes.
24.A escritura pública de compra e venda é um documento autêntico nos termos do artigo 362.º do Código Civil, sendo que, o artigo 371.º do mesmo diploma confere uma força probatória plena aos documentos autênticos relativamente aos factos praticados pela autoridade publica e aos factos atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
25.Na escritura pública de compra e venda, celebrada a 9 de dezembro de 2015, foi declarado que a venda do bem imóvel penhorado nos presentes autos seria pelo preço de € 52.500,00.
26.Numa escritura de compra e venda onde é declarado o respetivo preço, apenas é certificada a emissão da referida declaração, mas já não a veracidade do seu conteúdo, nomeadamente de que o preço acordado foi efetivamente pago pelo comprador ao vendedor.
27.Importa aferir se o preço convencionado de € 52.500,00 foi efetivamente pago pelos Embargantes D... e E... ao executado C..., uma vez que o alegado pagamento apenas foi declarado perante a autoridade publica. O que significa que somente faz prova plena a declaração prestada pelas partes perante a autoridade pública de que o preço foi pago. No entanto, a autoridade publica não sabe, nem pode saber, se o preço foi efetivamento pago pelo comprador ao vendedor. Questão diferente seria se a autoridade pública atestasse que, na data da escritura, os embargantes, enquanto compradores, entregaram um cheque no valor de € 52.500,00, o que não sucedeu.
28.O Banco Exequente podem impugnar o pagamento do preço convencionado para efeitos de aferir da seriedade do negócio e das verdadeiras intenções das partes contraentes.
29.Nos presentes autos, não foi junto qualquer documento comprovativo do pagamento pelos embargantes do preço convencionado de € 52.500,00, tendo sido apenas junto um contrato de empreitada alegadamente celebrado entre o Executado C... e a sociedade comercial “F..., Lda.” em 14 de fevereiro de 2014.
30.O Banco Exequente impugnou a veracidade e a autenticidade do referido contrato de empreitada, o qual foi outorgado por documento particular e sem reconhecimento de assinaturas, nomeadamente do legal representante da sociedade comercial “F..., Lda.”
31.De acordo com o referido contrato, à alegada empreitada foi atribuído um preço global de € 226.000,00, sendo que, uma das formas de pagamento do preço seria através da venda do executado C... do bem imóvel penhorado nos presentes autos.
32.O bem imóvel penhorado nos autos foi vendido à pessoa singular D... e não à sociedade comercial “F..., Lda.”, razão pela qual o referido contrato de empreitada não comprova o pagamento do preço da escritura de compra e venda pelos Embargantes.
33.Na Douta sentença ora em crise pode ler se que “o negócio realizado com a F..., da qual o embargante é representante, que consistia em suma a dará a esta uma empreitada, pagando parte do preço com a fração em causa dos autos .” Acontece que a venda do bem imóvel penhorado nos presentes autos foi efetuada à pessoa singular D... e não à empreiteira F..., Lda.
34.O património da sociedade comercial F..., Lda., enquanto sociedade por quotas, é distinto do património pessoal dos respetivos legais representantes.
35.Estamos em crer que, ao contrário do que resulta da sentença em crise, é relevante apurar nos presentes autos o pagamento do preço da escritura de compra e venda celebrada a 9 de dezembro de 2015 de forma a aferir as intenções dos declarantes na venda e na compra do bem imóvel.
36.Trata-se de uma dissipação de um bem por parte do Executado C... na constância de uma ação executiva, pelo que, se a F... era credora do Executado C..., também o é o Banco Exequente.
37.Também é importante apurar se a data da obtenção das chaves do bem imóvel penhorado por parte dos Embargantes D... e E..., de forma a aferir do início da respetiva posse.
38.A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real (corpus) e o faz com a intenção de agir como titular desse direito (animus). Como tal, a posse é constituída por dois elementos, por um lado, o corpus – o poder de facto, o exercício ou a prática de atos materiais – e o animus – a intenção de agir como titular do direito real correspondente aos atos materiais praticados.
39.Para efeitos de comprovar o corpus, ou seja, o exercício pelos Embargante de atos materiais sobre o bem imóvel penhorado, importa aferir a data da entrega das chaves do bem imóvel. Como tal, ao contrário do que resulta da sentença ora em crise, não é irrelevante saber quando é que os embargantes obtiveram as chaves do bem imóvel penhorado nos presentes autos.
40.Por todo o exposto, o pagamento do preço e a data de entrega das chaves são fundamentais para aferir da boa fé das partes contraentes e da sua verdadeira intenção de celebrar o negocio de compra e venda no decurso de uma ação executiva contra o Executado C.... Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta
Sentença e determinando-se o prosseguimento da execução apensa quanto ao bem imóvel penhorado, com todas as consequências, conforme é de JUSTIÇA
Os embargantes apresentaram resposta às alegações de recurso, preconizando a sua total improcedência, e concluindo:
A) A formulação legal de terceiros vertida no art.º 5.º n.º 4, do Código do Registo Predial, de que terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, é tributária da conceção restrita de terceiros, acolhida no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/99, de 18-05, segundo a qual a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora.
B) A penhora, diligência judicial no âmbito da execução, não conferiu qualquer direito, não constituiu qualquer direito a favor do exequente, ora recorrente, mas tão só um mero ónus, muito longe, portanto, do pretenso direito que aquele sustenta na conclusão 15.º das suas alegações.
C) Não havendo qualquer direito resultante da penhora, não sendo esta um direito, não se verifica o pressuposto: direito registado de que fala o recorrente, suscetível de ser arredado pela compra anterior, não registada oportunamente, feita pelos embargantes.
D) O recorrente parece ter-se olvidado que, tal como atesta o documento n.º 4 junto pelos recorridos com a sua petição de embargos, corroborado pelo teor do documento n.º 5, documentos esses valorados pelo tribunal a quo conforme resulta da motivação da sentença recorrida, através da requisição n.º 162 de 22-01-2016 da Conservatória do Registo Predial, foi requerido quanto à fração autónoma em causa nos autos, não só o registo da sua aquisição [pela Ap. 3401 de 22-01-2016 das 18:35:57 UTC], mas também o cancelamento de 3 (três) hipotecas que sobre ele incidiam [Ap.s 3402, 3403 e 3404, todas de 22-01-2016 das 18:35:57 UTC].
E) Apresenta-se, assim como uma falácia a tese sustentada pelo recorrente, pois na data em que efetuado o registo da penhora [22-12-2015] encontravam-se, ainda, registadas três hipotecas sobre o referido imóvel, as quais só viriam a ser canceladas por via da mesma requisição onde foi requerido o registo de aquisição a favor dos recorridos.
F) É incontroverso que a compra da fração transferiu a propriedade dela para os recorridos por efeito do contrato [cfr. art.º 879.º, alínea a) do Código Civil].
G) O registo predial não tem, no estado legislativo vigente, natureza constitutiva – cfr. art.º 7.º do C.R.P..
H) O momento da aquisição ou da transferência do direito de propriedade é o da celebração da escritura que o formaliza, por via do qual a propriedade efetivamente se transfere.
I) A letra do art.º 5.º n.º 1 do CRP, apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo (ou fora dele) continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já o não ser.
J) Como bem ensinam os Ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 1.ª ed., p. 67), “O exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são “terceiros”, embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos atos em que se desenvolve o processo executivo ou, mais diretamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução”.
K) No mesmo seguimento, referem ainda tais Ilustres Professores (ob. Citada) que “A ineficácia apenas se reporta aos atos posteriores à penhora, pelo que os atos de disposição ou oneração de bens, com data anterior ao registo da penhora, prevalecem sobre esta».
L) O que transfere a titularidade de um bem não é o registo, é, designadamente, o negócio de compra e venda, com a sua eficácia real - cfr. art.ºs 408.º e 879.º alínea a), do Código Civil.
M) O imóvel penhorado, no caso dos autos, já havia saído do património do devedor.
N) Portanto, nunca podia garantir nenhuma das suas dívidas.
O) Como bem alheio que é, podiam os seus titulares embargar de terceiro – como fizeram.
P) Quando a fração autónoma foi penhorada pelo banco recorrente (em 22-12-2015 – ponto 1 dos factos provados) já a mesma havia saído (em 09-12-2015 – ponto 3 dos factos provados), do património do executado, dado que o respetivo direito de propriedade se transferira por mero efeito do contrato de compra e venda para os recorridos, independentemente do seu registo, pelo que não podia ser objeto de subsequente penhora em ordem a garantir o crédito que o banco recorrente tinha sobre aquele executado.
Q) A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. In casu ainda se não efetivou a venda. Nesta perspetiva, poderia dizer-se que, a conceder-se eficácia ao registo, de alguma maneira estaria a emprestar-se-lhe capacidade impeditiva de os embargantes conservarem o seu direito de propriedade.
R) O recorrente perante o conteúdo do requerimento inicial de embargos e a sua eventual procedência, passa a saber que o prédio já não é do executado, cessando a sua boa-fé.
S) A má-fé - conhecimento da situação jurídica de certo prédio - neutraliza o requisito da publicidade registal, tornando-o irrelevante, mesmo quando estão em causa atos da mesma natureza.
T) A publicidade destina-se a dar conhecimento. Se este já existe, inútil se torna aquela.
U) Ao insistir na tese vertida nas suas alegações de recurso, em recalque do já feito em sede de articulados, o recorrente passeia-se no limbo da litigância de má-fé…
V) O banco recorrente não é considerado terceiro em relação aos embargantes recorridos e, apesar de ter registado a penhora antes do registo de propriedade daqueles, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, que foi claramente ofendida por essa diligência judicial e não pode subsistir.
W) A douta sentença recorrida fez um correto julgamento de toda a factualidade pertinente, e enquadrou-a irrepreensivelmente do ponto de vista jurídico, pelo que não merece qualquer censura ou reparo, estando o recurso condenado ao seu naufrágio.
TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o recurso interposto pelo embargado BANCO B..., S.A. ser julgado improcedente, negando-se-lhe provimento e mantendo na íntegra a douta sentença recorrida. Assim, Se fazendo, como sempre, serena e objetiva
JUSTIÇA!

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se a aquisição pelos embargantes, do imóvel penhorado, é oponível ao embargado/exequente.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada:
1. Em 22/12/2015 foi lavrada e registada através da Ap. nº 2186 a penhora à ordem da execução de que estes autos são apenso, sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a espaço comercial, sita no piso zero, com entrada pelo número .., a qual faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na .., Rua ..., números .. a .., na atual União das Freguesias ... (extinta freguesia ...), concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 1406-A e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 13509.
2. Em 22/01/2016 foi inscrita a aquisição da referida fração a favor dos embargantes D... e E..., por compra a C..., mediante a Ap. nº 3401.
3. No dia 09/12/2015, no Cartório Notarial sito na Avenida ..., Amarante, compareceram C... e D..., tendo o primeiro declarado que «…vende ao segundo outorgante, pelo preço de cinquenta e dois mil e quinhentos euros, livre de ónus e encargos, com excepção dos seguintes, o seguinte imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a espaço comercial, sita no piso zero, com entrada pelo número .., a qual faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na .., Rua ..., números .. a .., na actual União das Freguesias ... (extinta freguesia ...), concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 1406-A e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo P13509 (…). que está registada, a favor do vendedor (…) encontrando-se também registadas na ficha duas hipotecas (…) a favor do G..., SA e ainda uma hipoteca voluntária (…) a favor da sociedade “F1..., LDA”, cujos cancelamentos se encontram assegurados, conforme declaram. DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE: Que aceita a presente venda nos termos exarados.».
4. Os embargantes tomaram conhecimento da penhora decretada nos autos principais em 28 de Janeiro de 2016.
5. Os embargantes solicitaram junto dos serviços da Notária H... o registo do ato de aquisição a seu favor do referido imóvel.
6. Desde a celebração da escritura referida em 3. que os embargantes usam a fração penhorada referida em 1º, à vista de todos e sem oposição de ninguém, pagando os respetivos impostos.
Não se provou:
a) que as chaves de acesso ao imóvel foram entregues ao embargante no dia da celebração da escritura.
b) que a solicitação do registo do ato da aquisição tenha sido feita na data da escritura.

3. Fundamentos de direito
3.1. A conceção restritiva do conceito de terceiros para efeitos de registo
Sintetizando a primeira questão a dilucidar no presente recurso, o que está em causa é saber se a aquisição, apesar do registo posterior ao da penhora, é ou não oponível ao exequente.
O exequente (recorrente) instaurou execução contra C..., no âmbito da qual foi penhorada uma fração autónoma, a penhora foi registada em 22.12.2015, em 22.01.2016 foi inscrita a aquisição da referida fração a favor dos embargantes (recorridos) por compra ao executado.
Alega o recorrente (exequente/embargado), que a aquisição de um bem imóvel é um facto sujeito a registo obrigatório que, enquanto não for registado, embora seja eficaz entre as partes contraentes, não é oponível a terceiros de boa fé face ao disposto no art.º 5.º Código de Registo Predical.
Mais alega que é um terceiro de boa fé, titular de um direito real de garantia sobre o bem imóvel adquirido pelos recorridos, sendo aquele direito incompatível com o direito de propriedade por estes invocado.
Conclui que, verificada uma incompatibilidade de direito, importa atender à data dos respetivos registos, sendo que, o registo de aquisição do bem imóvel a favor dos Embargantes ocorreu em 22 de janeiro de 2016, ou seja, em data posterior ao registo de penhora a favor do Banco Exequente em 22 de dezembro de 2015, o que torna a escritura de compra e venda celebrada em 9 de dezembro de 2015 inoponível ao Banco Exequente, enquanto terceiro de boa fé e titular de um direito incompativel com o dos Embargantes (conclusões 1.ª a 20.º).
A argumentação do recorrente remete-nos para a mais do que debatida questão do conceito de “terceiros” para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial.
Sob a epígrafe “Oponibilidade a terceiros”, preceitua o artigo 5.º do Código de Registo Predial:
1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado.
A questão enunciada supra foi objeto de aceso debate doutrinário e jurisprudencial, o que justificou a prolação sobre a mesma, de dois acórdãos uniformizadores de jurisprudência, que tiveram por base situações semelhantes à que se debate nos autos: penhora com registo anterior ao registo da aquisição por terceiro (embargante).
Tratava-se de saber se o credor exequente deve ser considerado “terceiro” em relação a um adquirente anterior com registo de aquisição posterior ao registo da penhora.
Consoante se adotasse um critério mais ou menos amplo, assim diferia a resposta: o credor exequente seria considerado “terceiro” para efeitos do art.º 5.º do CRP, caso prevalecesse o critério amplo de “terceiro”; o mesmo credor não seria considerado “terceiro” para efeitos do art.º 5.º do CRP, caso prevalecesse o critério mais restritivo de “terceiro”.
Refere-se no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 20 de maio de 1997 - Acórdão n.º 15/97, publicado no Diário da República n.º 152/1997, Série I-A de 4.07.1997 que, destinando-se o registo predial a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (cf. artigo 11.º do Código do Registo Predial), tão digno de tutela é aquele que adquire um direito com a intervenção do titular inscrito (compra e venda, troca, doação, etc.) como aquele a quem a lei permite obter um registo sobre o mesmo prédio sem essa intervenção (credor que regista uma penhora, hipoteca judicial, etc.).
Consta da fundamentação do citado aresto, que «[n]ão importa apurar se o credor exequente agiu de boa ou má fé ao nomear à penhora a fracção predial em causa. É que a eficácia do registo é independente da boa ou má fé de quem regista».
E conclui-se que no caso em apreço o credor embargado e o embargante são terceiros, pelo que, não tendo sido a compra efetuada pelo embargante levada ao registo antes do registo da penhora, é aquela ineficaz em relação a esta, tendo sido uniformizada a jurisprudência na qual se optou pelo conceito de “terceiros” mais amplo, nestes termos: «Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente».
A posição sufragada no Acórdão Uniformizador de 20 de maio de 1997, veio a ser rejeitada no Acórdão Uniformizador de 18.05.1999 (Proc. n.º 98B1050, Diário da República n.º 159/1999, Série I-A de 10.07.1999), no qual se refere a tranquilidade do comércio jurídico decorrente do entendimento anterior, aludindo-se, no entanto, a “inarredáveis escolhos geradores de efeitos perversos, eles próprios génese de intranquilidade”, e questionando-se o preço a pagar por essa tranquilidade.
Na fundamentação do segundo Acórdão Uniformizador é chamada à colação a argumentação expendida no Acórdão Uniformizador 20 de maio de 1997, expressa em vários votos de vencido, exarados naquele aresto, nos quais se justifica a adesão ao conceito restrito de terceiros, nomeadamente o voto do Conselheiro Martins Costa, com o seguinte teor: “O exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são «terceiros», embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos actos em que se desenvolve o processo executivo ou, mais directamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução (ver nota 35). A ineficácia apenas se reporta aos actos posteriores à penhora, pelo que «os actos de disposição ou oneração de bens, com data anterior ao registo da penhora, prevalecem sobre esta» (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 1.ª ed., p. 67)”.
Alicerçado, sobretudo, na doutrina do Professor Manuel de Andrade, o Plenário do Supremo optou, desta feita, pela restritividade do posicionamento tradicional, concluindo: “Revendo-se a doutrina do mencionado aresto de 20 de Maio de 1997, formula-se, pois, o seguinte acórdão unificador de jurisprudência: «Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.»”.
Como se refere no acórdão do STJ, de 6.11.2012 (Processo n.º 786/07.1TJVNF-B.P1.S1), a formulação legal de terceiros vertida no n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial (aditado pelo DL n.º 533/99, de 11.12) é tributária da conceção restrita de terceiros, acolhida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 3/99, de 18.05.
E decorre da conceção restrita de terceiros, acolhida no AUJ n.º 3/99 e vertida no n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial: que a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, in casu, de uma penhora; e que o exequente/embargado não é considerado terceiro em relação aos embargantes e, apesar de ter registado a penhora antes do registo de propriedade daqueles, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, uma vez provada a aquisição da propriedade em momento anterior ao registo da penhora[2].
Face ao exposto, revela-se manifesta a improcedência da alegação do recorrente no segmento analisado: conclusões 1.ª a 20.ª.
3.2. As consequências da prova da aquisição em momento anterior à penhora
Conclui a Mª Juíza, na fundamentação jurídica da sentença recorrida:
«[…] Porém, aqui impõe-se distinguir se o embargante alega ter adquirido o bem do próprio executado ou de outrem.
Se alega ter adquirido o bem de pessoa diversa do executado, tudo se passa como acima se referiu: inexistindo presunção registral a seu favor, não lhe basta invocar uma forma de aquisição derivada do direito, tendo de invocar também uma forma de aquisição originária.
Mas se alegar que adquiriu o bem do próprio executado, a situação tem contornos diferentes.
A penhora de um bem tem como pressuposto que aquele existe no património do executado, pois que, em regra, apenas este responde pelo cumprimento coercivo da obrigação nos termos já referidos. Como já se referiu, só nos casos especialmente previstos na lei é que a execução pode incidir sobre bens de terceiro.
Por isso, quando penhora um bem, o exequente não põe em causa o direito de propriedade do executado sobre aquele bem. Pelo contrário, parte do pressuposto da existência daquele direito na titularidade do executado, aceitando toda a situação jurídica anterior à aquisição do bem pelo executado.
Por isso, o embargante que adquira do executado, não tem de alegar nem provar uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o acto translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada). E, ao contestar os embargos, o exequente não pode pôr em causa o direito de propriedade do executado, porque estaria em contradição com o comportamento anteriormente assumido quando penhorou o bem e, dessa forma, implicitamente reconheceu a existência daquele direito na esfera jurídica do executado. Resta-lhe, apenas, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respectivo título, alegando, por exemplo, a sua invalidade ou ineficácia.
No caso concreto da compra e venda, o direito de propriedade dela derivada transfere-se e consolida-se no património do comprador por mero efeito do contrato (artºs 408º e 879º, al. a) do Código Civil), pelo que, se for aquela a forma de aquisição derivada do direito invocada pelo embargante, basta a junção aos autos da escritura pública (ou de documento com o mesmo valor do original) para que se mostre provada a aquisição do direito de propriedade.
O que os embargantes fizeram.
É assim irrelevante saber por que motivo os embargantes adquiriram, quando obtiveram as chaves, se pagaram ou não o preço e até quando registaram a aquisição.
A transferência do direito de propriedade repete-se, ocorre por mero efeito do contrato, sendo irrelevante o cumprimento do mesmo – citados artºs 408º e 879º, al. a) do Código Civil.
E o registo predial não é constitutivo. Pelo que a data da aquisição não é a do registo, é a da escritura.
Assim, são os embargantes titulares de um direito incompatível com a penhora, pelo que não podem deixar de proceder os embargos».
O recorrente insurge-se contra a fundamentação da sentença, alegando que (conclusões 21.ª a 40.ª): não é irrelevante saber por que motivo os embargantes adquiriram o bem imóvel penhorado nos autos, quando obtiveram as chaves, se pagaram ou não o respetivo preço; o preço acordado na referida escritura de compra e venda pode não ter sido pago; a escritura pública de compra e venda apenas confere uma força probatória plena aos documentos autênticos relativamente aos factos praticados pela autoridade pública e aos factos atestados com base nas perceções da entidade documentadora; importa aferir se o preço convencionado de € 52.500,00 foi efetivamente pago; o banco exequente pode impugnar o pagamento do preço convencionado para efeitos de aferir da seriedade do negócio e das verdadeiras intenções das partes contraentes; é relevante apurar nos presentes autos o pagamento do preço da escritura de compra e venda celebrada a 9 de dezembro de 2015 de forma a aferir as intenções dos declarantes na venda e na compra do bem imóvel; também é importante apurar se a data da obtenção das chaves do bem imóvel penhorado por parte dos Embargantes D... e E..., de forma a aferir do início da respetiva posse.
Vejamos a factualidade relevante provada:
3. No dia 09/12/2015, foi celebrada a escritura pública (…);
4. Os embargantes tomaram conhecimento da penhora decretada nos autos principais em 28 de Janeiro de 2016.
5. Os embargantes solicitaram junto dos serviços da Notária H... o registo do ato de aquisição a seu favor do referido imóvel.
6. Desde a celebração da escritura os embargantes usam a fração posteriormente penhorada, à vista de todos e sem oposição de ninguém, pagando os respetivos impostos.
Como bem refere a Mª Juíza, tendo os embargantes adquirido o imóvel ao executado, não têm de alegar nem provar factos integradores da aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o ato translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada).
Isto porque, o exequente não pode pôr em causa o direito de propriedade do executado, após ter promovido a penhora do bem, porque ao fazê-lo reconheceu a existência daquele direito na esfera jurídica do executado, restando-lhe apenas, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respetivo título, alegando, por exemplo, a sua invalidade ou ineficácia.
Ora, na situação sub judice provou-se que desde a celebração da escritura os embargantes usam a fração penhorada, à vista de todos e sem oposição de ninguém, pagando os respetivos impostos.
Em suma, provou-se: a transmissão da propriedade, que ocorreu por mero efeito do contrato (artigos 408º e 879º, al. a) do Código Civil); a prática de atos de posse subsequentes por parte dos embargantes, correspondentes ao direito transmitido.
Salvo o devido respeito, parece-nos inconsequente a argumentação do recorrente/embargado em sede recursória, face ao que alegou na contestação.
Vejamos porquê.
No referido articulado (artigos 1.º a 28.º), o embargado alegou que o direito dos embargantes não lhe é oponível face ao disposto no artigo 5.º do Código de Registo Predial, atenta a anterioridade do registo – questão já abordada no ponto anterior.
Na parte restante (artigos 28.º a 42.º), o embargado limitou-se a alegar que os embargantes não fizeram prova do pagamento do preço (artigos 29.º a 32.º), que os embargantes limitam-se a invocar “genericamente a posse do bem imóvel penhorado” (artigos 33.º a 40.º), e que, ainda que provassem a posse, a mesma não seria oponível contra terceiros relativamente a quem se invocou a propriedade (artigos 41.º e 42.º).
Reiterando o respeito devido, como bem refere a Mª Juíza na sentença recorrida, provada a transmissão (aquisição derivada) da propriedade do imóvel e a posterior prática de atos consubstanciadores da posse real e efectiva[3], apenas restava ao embargante, para poder prevalecer a sua tese, infirmar a transmissão ou o respetivo título, alegando, por exemplo, a sua invalidade ou ineficácia.
O embargante não alega factos integradores da simulação nem de qualquer outro vício suscetível de gerar a nulidade ou a invalidade do negócio, pelo que se revela totalmente improcedente a argumentação recursória, também neste segmento.
Decorre do exposto, reiterando sempre o respeito merecido por tese divergente, que o recurso não poderá deixar de naufragar, mantendo-se a decisão recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo do recorrente.
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A presente decisão compõe-se de vinte e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 11 de julho de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] São também demandados na referida execução: I..., Lda e J....
[2] Vide acórdão do STJ, citado, de 6.11.2012, Processo n.º 786/07.1TJVNF-B.P1.S1, acessível no site da DGSI.
[3] O Tribunal deu como provado, sem impugnação o seguinte facto: «6. Desde a celebração da escritura referida em 3. que os embargantes usam a fração penhorada referida em 1º, à vista de todos e sem oposição de ninguém, pagando os respetivos impostos».