Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0410450
Nº Convencional: JTRP00035755
Relator: MARQUES SALGUEIRO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
LENOCÍNIO
AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
Nº do Documento: RP200403170410450
Data do Acordão: 03/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: A prisão preventiva justifica-se se houver fortes indícios de que a arguida, cidadã brasileira, pelo menos desde Fevereiro de 2003, vem angariando cidadãs brasileiras, sem qualquer autorização de permanência ou visto de trabalho, para "trabalharem" no Bar..." na actividade de alterne e prostituição, recebendo percentagem dos pagamentos efectuados pelos clientes do bar que recorrem a tais serviços, fazendo a exploração daquelas mulheres.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto:

Nos Autos de Inquérito nº ../.., a correr termos pelos Serviços do Ministério Público da Comarca de....., após interrogatório judicial a que foi submetida a arguida B....., aí identificada, foi proferido despacho, impondo-lhe a medida de coacção de prisão preventiva, nos termos dos artº 191º, 193º, 196º, 202º, nº 1, al. a), e 204º, al. a), b) e c), todos do C. P. Penal, por se haver como fortemente indiciada a prática pela arguida de, pelo menos, um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artº 134º-A do Dec.Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as sucessivas alterações, nomeadamente a derradeira introduzida pelo Dec.Lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, de um crime de associação de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artº 135º, nº 1 e 3, do mesmo Decreto-Lei, e de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº 170º, nº 1, do C. Penal.

Inconformada, interpôs recurso a arguida, concluindo assim a sua motivação:
1. O douto despacho avalia de forma desajustada os pressupostos legais da prisão preventiva aplicada.
2. Conforme o vertido na decisão recorrida, a obrigação de permanência na habitação acautela efectivamente o perigo de fuga que, diga-se, não se concede.
3. A existirem, os factos constantes desse despacho que consubstanciam o perigo da continuação da actividade criminosa (que a arguida não reconhece) mantêm-se, quer com a prisão preventiva, quer com a aplicação da obrigação de permanência na habitação.
4. Este perigo não fica mais acautelado com a prisão preventiva do que ficaria se à arguida fosse imposta a obrigação de permanência na habitação, eventualmente cumulada com a proibição de contactos com determinadas pessoas.
5. Por último, o argumento de que existe perigo de perturbação do decurso do inquérito e aquisição de provas não tem a mínima consistência factual.
6. A arguida não pode, de facto, prejudicar a aquisição da prova documental (depois de todas as buscas e apreensões realizadas sem a mínima obstrução da sua parte) e da prova testemunhal (sendo indiferente manter-se presa em casa ou na cadeia, tendo em atenção o já supra referido).
7. Desta forma, são inexistentes os factos que permitam e justifiquem a aplicação da ultima ratio das medidas de coacção, revelando-se esta, no caso concreto, inadequada e excessiva.
8. Por outro lado, a arguida tem a sua vida completamente integrada em Portugal, tal como os seus familiares mais próximos,
9. e tem um filho, de nacionalidade francesa, menor de seis anos de idade, que sofre de paralisia cerebral e mantém uma acentuada relação emocional/psicológica com a sua mãe.
10. Assim, o perigo de fuga da arguida, se existisse - o que não se concede -, estaria deveras atenuado face à ligação emocional que tem com o filho, à necessidade que este tem da sua presença e apoio e ao facto de este menor não poder ausentar-se do País sem a autorização do pai que nunca a concederá.
11. Acresce que a arguida está com uma gravidez de risco e encontra-se num estado de maior fragilidade emocional, necessitando de todo o apoio afectivo que só lhe poderá ser dado pelos seus familiares e amigos.
12. No douto despacho em apreço estes factos não foram analisados nem tomados em consideração para a decisão proferida.
13. O perigo da continuação da actividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito e aquisição de provas, a existirem, estão atenuados e ficam devidamente prevenidos e acautelados caso à arguida seja imposta a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.
Assim, apontado como violados os artº 202° e 204° do C. P. Penal, conclui pela revogação do despacho recorrido.

Respondeu a Exmª Procuradora-Adjunta, pugnando pela confirmação da decisão impugnada.
A Exmª Juíza sustentou tabelarmente o decidido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, subscrevendo a argumentação da resposta do Mº Pº na 1ª instância, também se pronuncia no sentido do não provimento do recurso, parecer a que a arguida respondeu, terminando por reiterar as razões de facto e de direito avançadas na motivação do recurso e concluindo pela alteração da medida de coacção imposta.
Cumpridos os vistos, cabe decidir.
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A decisão recorrida é do teor seguinte:
“...., resulta fortemente indiciada nos presentes autos a prática, por parte da ora arguida, de, pelo menos, um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. pelo art° 134°-A do DL 244/98, de 8/8, com as sucessivas alterações, sendo a última pelo DL 34/2003, de 25/2, associação de auxílio à imigração ilegal p. e p. pelo art° 135°, n° 1 e 3, do aludido DL, para além do crime de lenocínio p. e p. pelo art° 170° do CP, este último podendo configurar a prática de um único crime ou de tantas quantas as mulheres vítimas do mesmo, consoante a posição assumida no que respeita ao bem jurídico protegido.
Tais fortes indícios resultam essencialmente dos relatos de diligência externa, depoimentos de testemunhas, registos de imagem (fotogramas), autos de transcrição das intercepções telefónicas, facturas e demais documentos juntos aos autos, bem como os restantes documentos que foram apreendidos no âmbito das buscas domiciliárias e não domiciliárias, devidamente autorizadas e efectuadas desde a passada quarta-feira à noite e até hoje.
Na verdade e em síntese, resultam fortes indícios de que a arguida B....., pelo menos desde Fevereiro de 2003, vem angariando mulheres, ou melhor, cidadãs brasileiras, sem qualquer autorização de permanência ou qualquer visto de trabalho, para “trabalharem” no “Bar.....” na actividade de alterne e prostituição, recebendo percentagens dos pagamentos efectuados pelos clientes do bar que recorrem a tais serviços, fazendo assim a exploração daquelas mulheres.
É ainda a arguida quem adquire as passagens aéreas, por si própria ou através de outros colaboradores, sendo tais passagens enviadas para o Brasil, onde as referidas mulheres brasileiras procedem ao seu levantamento e viajam até à Europa, sendo que a maioria delas desembarca em Paris.
Aí chegadas, são transportadas por carro ou autocarro até à cidade de...., sendo que tal transporte também é diligenciado pela arguida ou pelos seus colaboradores.
Resulta ainda dos autos, nomeadamente nos documentos apreendidos e resultantes das buscas efectuadas, que o alojamento de tais mulheres, no nosso País, é também a arguida B..... ou as demais pessoas que consigo colaboram ou trabalham quem providencia pelos contratos de arrendamento.
Resulta também dos registos de imagem que constam dos autos que a arguida costuma fazer o transporte, no seu jeep, das cidadãs brasileiras, desde o apartamento em que estas se encontram alojadas em.... até ao “Bar.....”. Algumas outras mulheres são transportadas para o referido bar na carrinha Volkswagen conduzida pelos seus colaboradores.
Existem ainda fortes indícios de que a arguida, por si ou através de outra pessoas que consigo trabalhem ou colaborem, envia quantias monetárias, precedendo ao respectivo câmbio para US dólares, para os colaboradores que tem no Brasil ou para as mulheres brasileiras que lá se encontram, através da agência......
Não obstante a arguida ter celebrado uma cessão de cotas da sociedade A....., Ldª, a exploradora do “Bar.....”, resulta dos autos, nomeadamente do teor das intercepções telefónicas e do registo de imagens, que é a arguida quem continua a explorar de facto o referido bar, sendo a arguida quem dá as ordens, dirige e organiza todas as actividades ao mesmo inerentes, bem como a já referida angariação de mulheres brasileiras para nele exercerem as actividades de alterne e prostituição.
Resulta ainda que a arguida foi já condenada na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução por 3 anos, pela prática de um crime de lenocínio, por decisão já transitada em julgado e cujo o processo correu termos no -° Juízo Criminal deste Tribunal, sob o n° 239/01.
Tendo em conta os contactos que a arguida mantém com o Brasil, a natureza dos crimes fortemente indiciados, os lucros que a mesma retira da actividade criminosa indiciada, não obstante a mesma declarar que exerce a profissão de vendedora, podemos claramente concluir que existe um perigo de fuga bem como um perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito e aquisição de provas.
Estão, assim, verificados os pressupostos que permitem a aplicação de uma outra medida de coacção para além do Termo de Identidade e Residência.
Assim, e tendo em conta os perigos supra assinalados e a gravidade dos crimes fortemente indiciados, bem como a moldura geral abstracta prevista para o crime de lenocínio - art° 170°, nº 1, C.P. -, entendemos que a única medida suficiente, capaz de acautelar tais perigos e proporcional à gravidade dos crimes em questão é a medida de coacção de prisão preventiva.
Com efeito, a obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica, não obstante poder acautelar, pelo menos em parte e no imediato, o perigo de fuga, o que é certo é que tal medida não obsta, nem impede, dado os contactos e colaboração exterior que já se referiu exaustivamente, a continuação da actividade criminosa, nem o perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente para a conservação e aquisição de prova.
Além do mais e no que concerne à necessária assistência devida ao filho da ora arguida, resulta também dos autos que o mesmo se encontra aos cuidados e vive com a avó, mãe daquela.
Por tudo o exposto e ao abrigo do disposto nos art° 191°, 193°, 196°, 202°, nº 1, a), e 204°, al, a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que a arguida aguarde os ulteriores termos do processo sujeita às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, a prestar de imediato, e ainda sujeita à medida de coacção de prisão preventiva por ser a única suficiente e proporcional e adequada.
.........”.
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Como se alcança da motivação do recurso, maxime das suas conclusões - pelas quais, como é sabido, o âmbito deste se define -, não vem questionada a justeza desta decisão na parte em que considera existirem nos autos fortes indícios da prática pela arguida dos crimes - de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artº 134º-A do Dec.Lei nº 244/98, de 8 de Agosto (na versão conferida pelo Dec.Lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro), de associação de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artº 135º, nº 1 e 3, do mesmo Dec.Lei, e de lenocínio, p. e p. pelo artº 170º, nº 1, do C. Penal - que ali lhe são imputados.
Assim, puníveis que são estes dois últimos crimes com penas de prisão de máximo superior a três anos (molduras penais de, respectivamente, 2 a 8 anos e 6 meses a 5 anos de prisão), a prisão preventiva é aqui admissível, se, consoante o nº 1 do artº 202º do C. P. Penal, as demais referidas nos artigos anteriores se mostrarem inadequadas ou insuficientes.
E é neste plano que a reacção da recorrente se posiciona.

Sustenta, com efeito, a arguida que a prisão preventiva se não justifica aqui, por não ocorrerem os requisitos aludidos no artº 204º do C. P. Penal - que o despacho impugnado considerou verificados - e por, de todo o modo, se mostrar suficiente a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, prevista no artº 201º, eventualmente cumulada com a proibição de contacto com determinadas pessoas e sujeição a vigilância electrónica.
Cabe, assim, apurar se se verificam os requisitos gerais apontados no artº 204º do C. P. Penal que possibilitam a imposição de medidas de coacção mais severas que a do artº 196º, para o que basta a ocorrência isolada de um desses requisitos, não se exigindo, pois, a sua verificação cumulativa; e, sendo a resposta afirmativa, se o único remédio é a prisão preventiva.
Vejamos, então.

A Mmª Juíza justificou a sua decisão na existência de perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, para a aquisição e conservação da prova, e perigo de continuação da actividade criminosa, ou seja, nas al. a), b) e c) do citado artº 204º.
Assim:
Quanto ao perigo de fuga, pensa-se que é eloquente a factualidade que na decisão recorrida se houve como indiciada: a acção delituosa da arguida, cidadã brasileira, que integra os crimes de auxílio e de associação de auxílio à imigração ilegal (de outras cidadãs brasileiras para Portugal), é suportada numa rede de contactos e colaboradores que, em ambos os Países, desenvolvem actividades concertadas, sendo assim óbvio que, por essa dupla ordem de circunstâncias (ser cidadã brasileira e dispor dessa “engrenagem” que lhe facilita particular mobilidade), o perigo de fuga se tem por evidente, ademais se se atentar em que, face ao que os autos mostram, não apenas se antolha a possibilidade de condenação da arguida por este processo, como ainda, nessa eventualidade, a possibilidade de ver depois revogada a suspensão da execução da(s) pena(s) em que, também por crime de lenocínio, foi condenada nos Tribunais de..... (decisão já transitada: fls. 68 a 83) e de.... (como disse na resposta aos seus antecedentes criminais: fls. 39); o que não pode deixar de ser aqui ponderado como um factor influente no ânimo da arguida para se furtar a tais consequências, a despeito de poder ter actualmente a sua vida estabilizada em Portugal e, bem assim, da alegada relação emocional/psicológica que com ela tem seu filho (de seis anos e que sofre de paralisia cerebral), mas que, segundo se assevera na decisão recorrida, está ao cuidado da avó materna, com quem vive.
Perigo este, de fuga, que se pensa não poder ser acautelado suficientemente pela medida de obrigação de permanência na habitação, medida cuja observância, em última linha, sempre ficaria dependente da vontade da própria arguida, na impossibilidade óbvia de “guardar à vista” a residência dos arguidos sujeitos a tal medida e a que o sistema de vigilância electrónica também não obstaria.

Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente na vertente da aquisição e conservação da prova:
Os elementos do processo com que este recurso foi instruído (assim, o auto de notícia aqui certificado a fls. 83/84 e vários autos de transcrição de escutas telefónicas) evidenciam a atitude da arguida perante as investigações, nomeadamente (no decurso de uma busca e já detida: referido auto de notícia) ocultando e fazendo desaparecer e/ou destruindo dois cartões de telemóveis por si utilizados e, bem assim (escutas telefónicas), instruindo várias das mulheres que exerciam a actividade de alterne/prostituição no bar “Bar.....” quanto ao sentido com que deviam dizer em tribunal, depondo por forma a negar a prática de actividades de prostituição naquele bar e, bem assim, a afastar a intervenção da arguida na direcção e titularidade da exploração daquele “negócio” e também qualquer interferência sua na angariação e vinda de mulheres do Brasil para Portugal.
Ora, estando em investigação uma actividade que se desdobra por diversas pessoas e com ramificações e pontos de contacto em vários locais, incluindo no estrangeiro, havendo certamente elementos ainda por explorar e verificar, e sendo que, como já decorre dos elementos carreados para os autos, a arguida é figura de relevo em toda a engrenagem, é naturalmente de recear que, em liberdade, conhecendo bem, como conhece, os meandros da actividade desenvolvida e os elementos que possam ser decisivos para a sua aclaração, tente dificultar o esclarecimento dos factos e a aquisição de provas ainda não exploradas; à semelhança do que, como se viu, já anteriormente fizera.
Porque assim, ponderadas as circunstâncias em presença, considera-se que apenas a medida de coacção de prisão preventiva tem virtualidade para obviar a tal inconveniente, também aqui não arredado, a nosso ver, pela medida de coacção do artº 201º do C. P. Penal (obrigação de permanência na habitação), atenta a liberdade de movimentação que, a despeito de tudo, essa medida ainda consente.

Enfim, quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa:
Consoante se mostra certificado, a arguida foi anteriormente condenada em pena de prisão, suspensa pelo período de três anos, na Comarca de..... (acórdão de 5/4/2002, já transitado) por crime de lenocínio, traduzido numa actividade que se estendeu desde o ano de 1995 até aos primeiros meses de 2000; e, conforme resposta aos seus antecedentes criminais, contará a arguida ainda uma outra condenação, esta no Tribunal de....., por idêntico crime, também em pena de prisão, suspensa na sua execução.
Não obstante a particular advertência que essa suspensão de penas devia importar para a arguida, até pelo mal que a efectivação da sua execução forçosamente representa, certo é que tal não parece ter-se mostrado bastante para evitar a recidiva de que os autos dão conta. O que significa que a arguida se não mostra disposta a afastar-se da senda que vem trilhando, certamente na mira dos elevados réditos que, como também se indicia, tal actividade lhe tem vindo a proporcionar.
Tudo isso, conjugado com os conhecimentos que a arguida tem dos meandros da actividade, a organização de que dispunha e os contactos que seguramente aí continua a ter, torna evidente haver real perigo de continuação da actividade criminosa, perigo que, pelas mesmas razões acima expostas, a medida de obrigação de permanência na habitação também não seria apta a esconjurar.
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Enfim, na sua motivação, diz ainda a recorrente que está grávida (então, de 16 semanas), sendo uma gravidez de risco, encontrando-se, por isso, num estado de maior fragilidade emocional, necessitando de todo o apoio afectivo que só lhe poderá ser dado pelos seus familiares e amigos.
Não esclarece a recorrente, em termos precisos, que objectivo pretende atingir com a alegação de tal facto, parecendo que o considerou como um argumento mais no sentido da opção por uma medida de coacção que não a de prisão preventiva.
Pensa-se que tal alegação só pode ser considerada na perspectiva do artº 211º do C. P. Penal, isto é, como fundamento para a suspensão da execução da prisão preventiva, por isso, necessariamente supondo que tal medida de coacção foi decidida.
Estabelece o nº 1 daquele preceito:
“No despacho que aplicar a prisão preventiva ou durante a execução desta o juiz pode estabelecer a suspensão da execução da medida, se tal for exigido por razão de doença grave do arguido, de gravidez ou de puerpério”, dispondo-se a seguir que a suspensão cessa logo que cesse o motivo que a determinou, sendo que, no caso de puerpério, cessará necessariamente quando se esgotar o terceiro mês posterior ao parto.
Lendo o inciso transcrito, logo ressaltam duas ilações, a saber: a) a suspensão da prisão preventiva tanto pode ser estabelecida logo no despacho que aplicou a medida de coacção, como posteriormente durante a sua execução; b) tal suspensão não decorre, como efeito automático e/ou necessário, dos eventos ali referidos - doença grave do arguido, gravidez ou puerpério -, mas apenas quando algum desses eventos for de molde a justificar a medida, isto é, quando por tal se mostre incompatível ou gravemente inconveniente a permanência do arguido em prisão preventiva. Como diz, a propósito, o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1993, 2º vol., 247, “Não se trata de suspensão ope legis, mas ope judicis, implicando, por isso, a apreciação judicial da necessidade ou conveniência da suspensão no caso concreto”.
Para ancorar a sua alegação, a recorrente juntou já nesta fase de recurso - que não na primeira instância - um atestado médico, dizendo singelamente que “se encontra grávida de cerca de 16 meses, tratando-se de uma gravidez de risco, dado ter tido filho com deficiência na gravidez anterior”.
Nada se esclarece quanto à supra aludida incompatibilidade ou inconveniência grave desse estado da arguida com a sua permanência na situação de prisão preventiva; questão para cuja elucidação será curial o parecer do médico do estabelecimento prisional onde a arguida está e que em melhor posição estará para esclarecer as condições concretas em que a arguida se encontra e as possibilidades do seu efectivo e eficaz acompanhamento pelos respectivos serviços de saúde (neste sentido, cfr. os ac. da Rel. de Coimbra, de 2/11/89 e de 9/12/93, CJ, XIV, 5º, 71, e XVIII, 5º, 70, respectivamente).
O que tudo vale por dizer que, sem prejuízo da questão poder ser expressamente suscitada na primeira instância, se não vê fundamento para, aqui e agora, se decidir pela suspensão da execução da prisão preventiva imposta à arguida.

Assim, por tudo quanto se expôs, o recurso improcede na sua totalidade.

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Destarte, pelos fundamentos apontados, acorda-se em negar provimento ao recurso da arguida B....., confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com 4 UCs de taxa de justiça.

Porto, 17 de Março de 2004
José Henriques Marques Salgueiro
Francisco Augusto Soares de Matos Manso
Manuel Joaquim Braz