Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
224/11.5T6AVR-B.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
DIVÓRCIO
Nº do Documento: RP20161013224/11.5T6AVR-B.P2
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 72, FLS.157-265 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: Só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no nº. 1, do artº. 2016º-A do Código Civil, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (nº. 3, do artº. 2016º-A do Código Civil); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos nº. 3, do artº. 2016º-A do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 224/11.5T6AVR-B.P2
Relator: Ataíde das Neves
Ex. mos Desembargadores Adjuntos:
Amaral Ferreira; Deolinda Varão

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B…, divorciada, reformada, residente na Rua …, nº .., em Ovar intentou acção para continuarem a manter-se os alimentos contra C…, divorciado, residente na Rua … nº …, …, …, Aveiro, pedindo que seja mantida a obrigação de prestação alimentos por parte do requerido.
Alega em síntese que tem a pensão de reforma de € 393,05 e esta não chega para suportar as suas despesas.
A requerente é uma pessoa de 76 anos de idade, doente, necessitada de medicação, gastando cerca de € 109,91 mensais, continuando a ser notória a sua dificuldade para suportar as despesas, pois com o casamento com o réu perdeu o direito a pensão por viuvez do seu anterior marido, e com o s € 100,00 que o requerido lhe pagou durante 18 meses, ia equilibrando o seu orçamento.
O requerido tem uma situação desafogada e recebe duas pensões, uma no valor de € 993,90 € mensais da América e outra de € 239, 99 em Portugal.

Foi designada a conferência prevista no artigo 936º nº3 do Código de Processo Civil, não tendo sido possível acordo.

O requerido foi notificado para contestar o pedido nos termos do artigo 936º nº 3, última parte do Código de Processo Civil.

O requerido C… contestou o pedido, alegando em síntese que não chegou a viver com a requerente mais de seis meses e que enquanto foram casados, a contribuição para a economia do casal por parte da requerente foi nula.
A requerente vive numa casa própria, uma vivenda em Ovar, é sócia de uma casa de fotografia e possui economias e uma reforma que lhe permite ter uma vida digna.

O requerido tem despesas mensais de cerca de € 700,00 e apenas aufere uma reforma de € 252,65, vivendo com a ajuda dos filhos.

Foi designada audiência prévia e elaborado despacho saneador e seleccionados os temas de prova.

Foi designado dia para a audiência de julgamento. Vindo a ser proferida a seguinte sentença:
“Face ao exposto, julgo procedente o pedido formulado pela autora B… e condeno o requerido C… a continuar a pagar uma prestação de alimentos à requerente no valor de € 100,00 (cem euros).

Inconformado com tal decisão, dela veio o R. C… apelar para este Tribunal da relação do Porto, oferecendo as suas alegações, que terminaram com as seguintes conclusões:

1- A Sentença recorrida, dá como provada que a pensão de alimentos da autora é de 393,05 €. Para assim concluir, baseou-se no documento de folhas 6 do Apenso A.
No entanto, tal documento apenas demonstra que, em Dezembro de 2003 a pensão era desse montante.
Doze anos volvidos, a pensão teve de ter atualizações que a fizeram subir.
Assim, para bem decidir, o tribunal, à míngua de outras provas, não podia fixá-la naquele montante, mas em quantia que resultasse das atualizações que a segurança social fez ao longo dos últimos doze anos.
2- O tribunal a quo entendeu como provado que a reforma que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 273,70€. O único elemento probatório para extrair esta conclusão, corresponde à folha de pagamento do mês de Janeiro de 2014, junta com a contestação (documento de folhas 14). Dele consta como sendo o valor da pensão a quantia de 252.65€. O remanescente recebido (21,05€) refere-se aos duodécimos do subsídio de Natal. Logo, para corretamente decidir, a sentença deveria dar como provado que atualmente, a pensão que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 252,65€.
3- A A. alegou que o R. tinha uma pensão de reforma de 993,90€, vinda da América, transferida mensalmente para o Banco D…. Não juntou elementos probatórios que sustentasse a sua alegação, nem logrou prova testemunhal nesse sentido. O Tribunal notificou aquela instituição bancária para que esclarecesse o facto.
A resposta está contida no documento de folhas 69 dos autos, onde se informa que “nas contas tituladas pelo R. nos últimos meses não se registou quaisquer transferências provenientes dos Estados Unidos da América”. Assim como na Sentença se refere, não pôde o tribunal dar como provado esse facto.
4- Ainda para aferir dos rendimentos do R., o Tribunal ordenou-lhe que juntasse aos autos declaração de IRS, respeitante aos anos de 2012 e 2013, o que foi feito.
Nesse documento – folhas 64 dos autos- o serviço de finanças certifica que o Réu não possui rendimentos que o obriguem à apresentação de declaração de I.R.S.
5- Mas, como a certidão não especifica em concreto, quais os rendimentos do R. o tribunal a quo entende como não provado que o único rendimento que o R. tem é a sua reforma no valor mensal de 252,65€.
6- Mais se provou que era o R. quem pagava toda a alimentação e todas as despesas do casal, e por isso conclui o tribunal que tinha que ter outros rendimentos para além da sua pensão.
7- Foi alegado, e a sentença recorrida considera provado (motivação de folha 10) que o R. contava com a ajuda dos filhos que vivem nos E.U.A. para poder fazer face às despesas de casa. Parece-nos que para decidir como decidiu na sentença, foi esquecido este facto!...
8- Os filhos do Réu têm obrigação legal, de prestar alimentos ao pai, pois incluem-se nos parentes mencionados no artigo 2009 do Código Civil. Mas, já não têm tal obrigação relativamente à Autora, sua madrasta!
9- Face Às provas produzidas, o tribunal, para concluir que o R. além da sua pensão tinha outros rendimentos, só pode querer referir-se às ajudas que os filhos dele lhe prestam. Ao equacionar estas ajudas, para fixar a pensão de alimentos a prestar pelo R. à autora, está de facto, embora de forma indireta, a vincular os filhos do R. à obrigação de contribuir para os alimentos da A. violando as disposições contidas no artigo 2009 do C.C.
10- O julgamento correto dos factos provados, obriga a concluir que o único rendimento, que o R. tem, e que possa servir de cálculo para fixar à A. pensão de alimentos é a sua reforma que recebe da Caixa Geral de Aposentações no valor de 252,65€. Ao decidir em contrário, não aplicou devidamente o disposto no artigo 607 do C:P.C.
11- A sentença recorrida, aplicou mal as normas contidas nos artigos 2004 nº 1 do C.C., uma vez que, face ao rendimento da Autora, constituído pela sua pensão de reforma (que em 2003 era de 393,05€) e (5.502,70€ anuais) é hoje necessariamente superior, às suas despesas mensais de 492,18€, onde parte delas respeitam ao filho que com ela vive, não é patente a necessidade de obter do Réu pensão de alimentos.
12- Por outro lado, não tem o R. possibilidade – de à custa do património que não tem e dos seus rendimentos, que se restringem à reforma que recebe da Caixa Nacional de Pensões, no valor de 252,65€, - pagar alimentos à A. não tendo os seus filhos de contribuir para a composição de qualquer pensão a arbitrar-lhe, pois não estão os enteados, vinculados a tal obrigação, atento o disposto no artigo 2009 do código civil.
13- Em nosso modesto entendimento, o tribunal a quo, não dez aplicação correta das normas do artigo 2016-A do Código Civil, uma vez que a curta duração do casamento (18 meses a destes, apenas viveram juntos 6 meses) a não contribuição da Autora para a economia do casal, a idade dos cônjuges 76 e 78 anos de idade, os rendimentos de cada um, são circunstâncias decisivas para que, no caso em apreço, não se fixa qualquer pensão de alimentos à ora recorrida.
14- Verifica-se clara contradição entre a motivação, nomeadamente a que se explana no penúltimo parágrafo de folhas 5 da Sentença e a decisão de obrigar o Réu ao pagamento de pensão de alimentos peticionada, desrespeitando as disposições contidas no artigo 607 nº 3 e 4 do Código do Processo Civil.
15- Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido, violou e não fez a correta aplicação das normas contidas nos artigos 2004, 2009, e 2016 – A do Código Civil e 607 nº 3 e 4 do Código de Processo Civil.
Pelo que deve a Sentença ser revogada e substituída por douto Acórdão que absolva o réu do pedido.

A Autora apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos, foi proferido Acórdão em 5 de Novembro de 2015, que julgou improcedente a apelação tocante à impugnação da decisão da matéria de facto.
Quanto à apelação da decisão da matéria de direito, entendeu este Tribunal da Relação naquele mesmo Acórdão que “entendendo que a solução da questão se encontra no apuramento real da pensão que a Autora aufere actualmente, tal como acima ficou descrito no ponto I deste Acórdão, isto sem prejuízo de o Tribunal melhor indagar da situação financeira actual do Réu, decide-se no sentido ali exarado, dando sem efeito a decisão da matéria de facto do ponto 5. da sentença recorrida, ficando anulada a sentença recorrida e determinando-se a renovação da prova quanto ao mesmo, determinando-se, ao abrigo do art. 662º nº 2 al. b) do CPC, a baixa dos autos à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido, em sede de audiência de julgamento determine que se oficie à Segurança Social a fim de ser informado nos autos o valor da pensão actualmente auferida pela requerente, seguindo-se os subsequente termos processuais.”

Os autos baixaram à 1ª instância, tendo sido realizada a diligência probatória referida, vindo a ser proferidas alegações em sede de audiência final, após o que foi mantida a decisão acima transcrita.

Inconformada com esta decisão, dela veio novamente o requerido apelar para este Tribunal da Relação, juntando as respectivas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

1- A Sentença recorrida, dá como provada que a pensão de alimentos da autora é de 393,05€, não tendo em consideração que a este valor acresce os duodécimos do subsídio de Natal, donde resulta que o valor anual recebido é de 5.502,70€, perfazendo assim a média mensal de 458,50€.
2- O tribunal a quo entendeu como provado que a reforma que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 273,70€. O único elemento probatório para extrair esta conclusão, corresponde à folha de pagamento do mês de Janeiro de 2014, junta com a contestação (documento de folhas 14). Dele consta como sendo o valor da pensão a quantia de 252.65€. O remanescente recebido (21,05€) refere-se aos duodécimos do subsídio de Natal. Logo, para corretamente decidir, a sentença deveria dar como provado que atualmente, a pensão que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 252,65€.
3- A A. alegou que o R. tinha uma pensão de reforma de 993,90€, vinda da América, transferida mensalmente para o Banco D…. Não juntou elementos probatórios que sustentasse a sua alegação, nem logrou prova testemunhal nesse sentido. O Tribunal notificou aquela instituição bancária para que esclarecesse o facto.
A resposta está contida no documento de folhas 69 dos autos, onde se informa que “nas contas tituladas pelo R. nos últimos meses não se registou quaisquer transferências provenientes dos Estados Unidos da América”. Assim como na Sentença se refere, não pôde o tribunal dar como provado esse facto.
4- Ainda para aferir dos rendimentos do R., o Tribunal ordenou-lhe que juntasse aos autos declaração de IRS, respeitante aos anos de 2012 e 2013, o que foi feito.
Nesse documento – folhas 64 dos autos- o serviço de finanças certifica que o Réu não possui rendimentos que o obriguem à apresentação de declaração de I.R.S.
5- Mas, como a certidão não especifica em concreto, quais os rendimentos do R. o tribunal a quo entende como não provado que o único rendimento que o R. tem é a sua reforma no valor mensal de 252,65€.
6- Mais se provou que era o R. quem pagava toda a alimentação e todas as despesas do casal, e por isso conclui o tribunal que tinha que ter outros rendimentos para além da sua pensão.
7- Foi alegado, e a sentença recorrida considera provado (motivação de folha 10) que o R. contava com a ajuda dos filhos que vivem nos E.U.A. para poder fazer face às despesas de casa. Parece-nos que para decidir como decidiu na sentença, foi esquecido este facto!...
8- Dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, não existe qualquer base sólida para se poder concluir que ´Réu tenha outros rendimentos além da sua pensão de 252,65€, resultando pelo contrário, que para fazer face às suas despesas, tem necessidade de ajuda dos filhos que vivem nos E.U.A.
9- Os filhos do Réu, têm obrigação legal, de prestar alimentos ao pai, pois incluem-se nos parentes mencionados no artigo 2009 do Código Civil. Mas, já não têm tal obrigação relativamente à Autora, sua madrasta!
10- Face às provas produzidas, o tribunal, para concluir que o R. além da sua pensão tinha outros rendimentos, só pode querer referir-se às ajudas que os filhos dele lhe prestam. Ao equacionar estas ajudas, para fixar a pensão de alimentos a prestar pelo R. à autora, está de facto, embora de forma indirecta, a vincular os filhos do R. à obrigação de contribuir para os alimentos da A. violando as disposições contidas no artigo 2009 do C.C.
11- O julgamento correto dos factos provados, obriga a concluir que o único rendimento, que o R. tem, e que possa servir de cálculo para fixar à A. pensão de alimentos é a sua reforma que recebe da Caixa Geral de Aposentações no valor de 252,65€. Ao decidir em contrário, não aplicou devidamente o disposto no artigo 607 do C:P.C.
12- A sentença recorrida, aplicou mal as normas contidas nos artigos 2004 nº 1 do C.C., uma vez que, face ao rendimento da Autora, constituído pela sua pensão cuja média mensal (com duodécimos incluídos) é de 458,50€, ou seja (5.502,70€ anuais) tendo por isso valor muito próximo às suas despesas mensais de 492,18€, onde parte delas respeitam ao filho que com ela vive, não sendo patente a necessidade de obter do Réu pensão de alimentos.
13- Por outro lado, não tem o R. possibilidade – de à custa do património que não tem e dos seus rendimentos, que se restringem à reforma que recebe da Caixa Nacional de Pensões, no valor de 252,65€, - pagar alimentos à A. não tendo os seus filhos de contribuir para a composição de qualquer pensão a arbitrar-lhe, pois não estão os enteados, vinculados a tal obrigação, atento o disposto no artigo 2009 do código civil.
14- Em nosso modesto entendimento, o tribunal a quo, não fez aplicação correta das normas do artigo 2016-A do Código Civil, uma vez que a curta duração do casamento (18 meses a destes, apenas viveram juntos 6 meses) a não contribuição da Autora para a economia do casal, a idade dos cônjuges 76 e 78 anos de idade, os rendimentos de cada um, são circunstâncias decisivas para que, no caso em apreço, não se fixa qualquer pensão de alimentos à ora recorrida.
15- Verifica-se clara contradição entre a motivação, nomeadamente a que se explana no final do primeiro parágrafo de folhas 6 da Sentença e a decisão de obrigar o Réu ao pagamento de pensão de alimentos peticionada, desrespeitando as disposições contidas no artigo 607 nº 3 e 4 do Código do Processo Civil.
16- Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido, violou e não fez a correta aplicação das normas contidas nos artigos 2004, 2009, e 2016 – A do Código Civil e 607 nº 3 e 4 do Código de Processo Civil.
Pelo que deve a Sentença ser revogada e substituída por douto Acórdão que absolva o réu do pedido, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA

A Autora apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos, apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Antes do mais haverá que registar e sublinhar que a presente apelação é exactamente igual à interposta pelo apelante da (primeira) sentença proferida nos presentes autos em 28 de Março de 2015 (fls. 72 a 82 dos autos), apelação que culminou com o Acórdão que proferimos em 5 de Novembro de 2015, o qual, no tocante á matéria de facto, relativamente ao ponto 5 dos factos provados cuja decisão fora impugnada pelo tribunal, decidiu anular a sentença recorrida e determinar a renovação da prova quanto ao mesmo facto 5, “determinando-se, ao abrigo do art. 662º nº 2 al. b) do CPC, a baixa dos autos à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido, em sede de audiência de julgamento determine que se oficie à Segurança Social a fim de ser informado nos autos o valor da pensão actualmente auferida pela requerente, seguindo-se os subsequente termos processuais.”

Proferida nova decisão, o apelante vem atacar novamente a decisão recorrida, desta feita novamente em relação à mesma factualidade e bem assim também no tocante à decisão da matéria de direito, sendo as conclusões de uma e outra apelação exactamente as mesmas, com excepção tocante ao dito facto 5, que, agora esclarecido pela Segurança Social e provado nos termos do ponto 5 da nova sentença, pretende o apelante extrapolar para o recebimento pela apelada daquele valor por quatorze meses, as doze mensalidades do ano acrescidas dos subsídios de férias e de Natal.

Ora, como é natural, tendo este Tribunal feito já o esforço de análise da impugnação da matéria de facto em momento anterior, irá também recorrer ao trabalho feito, aqui reproduzindo os passos do Acórdão de 5 de Novembro em tudo quanto for tido adequado:

I – Da Impugnação da decisão da matéria de facto:
Recorrendo o apelante da decisão da matéria de facto, deixemos aqui a que resultou provada:
1-Foi decretado o divórcio entre a Autora e o Réu, por sentença proferida em 13 de Janeiro de 2012 (este facto já se encontra assente desde a audiência prévia, por se encontrar provado por documento.
2-Antes do casamento com o Réu a Autora recebia uma pensão de viuvez no montante de € 270,18, que deixou de receber depois de ter contraído matrimónio com o réu (este facto já se encontra assente desde a audiência prévia, por se encontrar provado por documento).
3-Por transacção datada de 17 de Setembro de 2012, no apenso A, e que foi homologada por sentença, ficou acordado que o réu pagaria a autora a título de alimentos a quantia de € 100,00, durante 18 meses (este facto já se encontra assente desde a audiência prévia, por se encontrar provado por documento).
4-O réu e a ex-mulher doaram aos filhos no dia 16 de Julho de 2007, os prédios e o recheio destes, onde se inclui a casa onde o réu vive, ficando apenas com o usufruto (escritura de folhas 15 a 18) (este facto já se encontra assente desde a audiência prévia, por se encontrar provado por documento).
5-A Autora o único rendimento que tem é a sua pensão no valor de € 394,62 mensais.
6- A autora despende mensalmente a quantia de € 22,76 com gás, € 83,18 com electricidade, € 27,76 com água, cerca de € 250,00 com alimentação.
7- A autora tem 76 anos de idade e em medicação gasta mensalmente a quantia de cerca de € 109,00.
8- O réu aufere uma pensão no valor de € 273,70 proveniente da Caixa de Aposentação.
9- Cerca de 4 meses depois de a Autora estar casada com o Réu, deixou este na casa que habitavam e regressou à casa onde residia em Ovar.
10-Tentaram uma reconciliação no ano de 2011, vindo a autora juntar - se ao marido durante cerca de dois meses, findo estes, voltou a regressar a casa, onde residia em Ovar definitivamente.
11-A autora nunca contribuiu para a economia do casal.
12-Era o réu que suportava as despesas com a alimentação, água e luz.
13-A autora administrava os seus dinheiros como entendia.
14- A autora foi dona de uma casa de fotografia “ E…, Lda”, a funcionar na Rua … nº .. e na Rua …, nº …, em Ovar.
15- A autora tem três filhos maiores, vivendo um com a autora.
16- O réu na alimentação, água, luz, vestuário, gaz e medicamentos, gasta mensalmente cerca de € 700,00.
17-O réu tem 78 anos de idade e vive sozinho.

Vejamos:

DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
I - Num primeiro momento, considera o apelante que, dando o tribunal como apurado que a pensão de alimentos da autora é de 393,05 € [o apelante manteve o valor que consignou nas primeiras alegações, quando este valor foi já alterado para 394,62 € (actual resposta ao ponto 5 da matéria de facto provada], deveria ter considerado “que a este valor acresce os duodécimos do subsídio de Natal, donde resulta que o valor anual recebido é de 5.502,70€, perfazendo assim a média mensal de 458,50€”.
Ponderando, diremos apenas que o tribunal, depois de cumprir a diligência probatória que este Tribunal determinou, deu como provado que “A Autora o único rendimento que tem é a sua pensão no valor de € 394,62 mensais”, baseando essa decisão no ofício da segurança social constante de fls. 125, onde consta o valor da pensão que a autora recebe”.
Ora, torna-se óbvio que a impugnação deste acto carece de qualquer motivação, sendo que a questão da ponderação do dito subsídio de natal apenas em sede de direito terá sentido.
Decai assim a apelação neste primeiro ponto da impugnação da decisão da matéria de facto.

II – Seguidamente, sustenta o apelante que o tribunal recorrido deu como provado, sob o nº 8 dos factos provados, que a reforma que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 273,70 €, para tanto dispondo, como único elemento probatório, da folha de pagamento do mês de Janeiro de 2014 junta com a contestação (documento de folhas 14), do qual consta como sendo o valor da pensão apenas a quantia de 252.65 €, sendo o remanescente de 21,05 € auferido a título de duodécimo do subsídio de Natal.
Termina sustentando que a sentença deveria dar como provado que actualmente, a pensão que o R. recebe da Caixa Geral de Aposentações é de 252,65€.
Ponderando, embora a questão não tenha efeitos relevantes em sede decisória final, porquanto o valor apurado reflecte um recebimento mensal do Réu, embora reportado a direitos distintos (o direito à pensão mensal e o direito a título de duodécimo do subsídio de natal dessa mesma pensão), não hesitaremos em conceder que assiste inteira razão ao apelante, estranhando-se que o tribunal não tenha tido o rigor decisório para concluir no sentido do alegado pelo mesmo, já que é isso mesmo que o documento espelha, que “o Réu aufere uma pensão mensal de 252,65 € acrescida do duodécimo de 21,05 € referente a subsídio de Natal”, assim ficando alterada, por mero esclarecimento, a decisão da matéria de facto, ao abrigo do art. 662º nº 1 do CPC.

III – Seguidamente, vem o apelante reagir contra o facto de o tribunal, depois de a A. ter alegado que o R. tinha uma pensão de reforma de 993,90€, vinda da América, transferida mensalmente para o Banco D… e não ter junto aos autos quaisquer elementos probatórios nesse sentido e ter o Tribunal notificado aquela instituição bancária para que esclarecesse o facto, vindo esta a informar, a fls. 69 dos autos, que “nas contas tituladas pelo R. nos últimos meses não se registou quaisquer transferências provenientes dos Estados Unidos da América”, pelo que não pôde o tribunal dar como provado esse facto.
Ora, não se compreende o que pretende o apelante com estas conclusões da sua apelação, sendo que do corpo das alegações também tal não se vislumbra, uma vez que tais alegações e conclusões mais não espelham a concordância do apelante quanto ao resultado da prova realizada, o de que não pôde o tribunal dar como provado aquele recebimento da pensão dos USA de 993,90 €.

IV – Seguidamente, alega o apelante que, ”Ainda para aferir dos rendimentos do R., o Tribunal ordenou-lhe que juntasse aos autos declaração de IRS, respeitante aos anos de 2012 e 2013, o que foi feito”, sendo que “Nesse documento – folhas 64 dos autos- o serviço de finanças certifica que o Réu não possui rendimentos que o obriguem à apresentação de declaração de I.R.S.” o que levou a que o tribunal viesse a considerar que, “como a certidão não especifica em concreto, quais os rendimentos do R. o tribunal a quo entende como não provado que o único rendimento que o R. tem é a sua reforma no valor mensal de 252,65€”, com o que o apelante não concorda.
Apreciando, olhando a sentença recorrida, verificamos que o Tribunal, no seu despacho de motivação da decisão da matéria de facto, considerou que Perante a informação do D… de folhas 69 e a declaração de Finanças, o Tribunal teve que dar como não provado que o Réu recebia todos os meses uma pensão dos Estados Unidos no valor de 993,90 mensais proveniente da América e transferida pelo Banco D….”
E continua:
“Até porque as testemunhas em causa nunca mencionaram que viram um documento comprovativo de que ele recebia essa pensão, mas só sabiam o que o réu lhes tinha dito.”
O Tribunal também deu como não provado que o único rendimento que o réu tem é a reforma no valor mensal de € 252,65, porque a declaração das Finanças de folhas 64, não refere os rendimentos do réu, mas só que este não tem rendimentos suficientes para apresentar a declaração de IRS e as testemunhas do Réu F…, G… e H…, referiram que os filhos do réu o ajudavam todos os meses com as despesas da casa.
Portanto o Tribunal face ao documento das Finanças, não sabe os concretos rendimentos que o réu recebe, mas apenas que estes não chegam ao valor que obrigue o réu a apresentar a declaração de IRS.”
Como tal, não merece crítico o procedimento do tribunal, neste contexto inexistindo qualquer factualidade a alterar.

DO RECURSO DE DIREITO
II – Nesta sede de direito, ponderou o tribunal recorrido o seguinte:
“…
E conforme documento junto aos autos a folhas 64 o réu não apresentou declaração de rendimentos às Finanças, por não atingir um rendimento que o obrigasse a apresentar essa declaração.
No entanto, desconhece-se os outros rendimentos que o réu tem, mas o que resulta provado é que os seus rendimentos lhe permitiam quando estava casado com a autora suportar todas as despesas do casal.
Pois ficou provado que a autora nunca contribuiu para a economia do casal (facto nº 11), era o réu que suportava as despesas com a alimentação, água e luz (facto n º 12) e a autora administrava os seus dinheiros como entendia (facto nº 13).
Ou seja perante estes factos, verifica-se que o réu tinha que ter mais rendimentos que a pensão da Caixa de Aposentação, para poder suportar os alimentos da autora, quando estava casado com ela, pois pagava toda a alimentação e todas as despesas do casal.
Pelo que o réu, tem rendimentos que lhe permitem pelo menos ajudar na alimentação da autora, no valor de €100,00.
E tanto assim é que após o divórcio o réu tem conseguido suportar essa prestação de alimentos que paga à autora no valor de €100,00, sem porem em causa a sua subsistência, não tendo sido alegado, nem feita nenhuma prova que a situação do réu se alterou de forma a que este não possa continuar a contribui r com essa prestação.
Assim entende-se que se encontram reunidas as condições para o réu continuar a prestar à autora a prestação de alimentos no valor de € 100,00 (cem euros)”, assim concluindo no sentido da procedência da acção.”
Vejamos:
Na análise desta questão, importará ter presente tão só a factualidade apurada (com a alteração esclarecedora feita ao facto 8) e a sua subsunção aos princípios e normas de direito.
Desde logo, que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges divorciados entre si não é tratada pela lei com a mesma abrangência e firmeza que é conferida à obrigação de alimentos entre pessoas casadas, pelo motivo óbvio de que o divórcio, pondo termo ao casamento, faz cessar todas as relações pessoais e patrimoniais que eram emergentes do casamento (cfr. art. 1788.º do Código Civil).
Só a título excepcional é que a lei mantém ou permite restabelecer algumas dessas obrigações, como sucede com a obrigação de alimentos, conferindo-lhe, porém, compreensivelmente, um conteúdo patentemente mais contido e restrito do que tem a obrigação entre cônjuges, intervindo agora de forma parcimoniosa.
É o que resulta, desde logo, do preceito do n.º 1 do art. 2016.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, aplicável ao nosso caso, o qual estabelece a regra de que "cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio", estatuindo o n.º 3 do art. 2016.º-A, aditado pela mesma Lei, que o ex-cônjuge não tem "o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio". Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo prescreve que, em caso de concorrência no direito a alimentos entre o ex-cônjuge e os filhos do obrigado, "o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge". Preceito este que reafirma o carácter excepcional e precário do direito a alimentos entre ex-cônjuges.
É dentro desta concepção que Tomé Ramião, reportando-se a este preceito, refere que "com a sua introdução pretende-se afirmar que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida" [1]
Daqui resulta, pois, que a medida da obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuge tem, na sua própria configuração legal, carácter excepcional, transitório e precário, em vista a permitir-lhe a satisfação das suas necessidades básicas até poder reorganizar autonomamente a sua vida fora do casamento.
No caso concreto, embora a sentença recorrida se tenha referido a estes princípios, acabou por ponderar que as possibilidades económicas do requerido não se alteraram desde a pendência do casamento, altura em que ele fazia face a todas as despesas do casal, pelo que se mantém essa mesma possibilidade de manter a pensão mensal de 100,00 € ora requerida pela Autora, isto porque, ao fim de contas, entende que o Réu não logrou provar que apenas recebe aquela pensão mensal de 252,65 € acrescida de 21,05 € mensais de subsídio de Natal, embora reconhecendo que se “desconhece os outros rendimentos que o réu tem”.
Ora, com todo o respeito, afigura-se-nos inexistirem bases sólidas fácticas para se concluir que o Réu tem (!) outros rendimentos para além daquela pensão, até porque esses mesmos rendimentos não ficaram minimamente evidenciados.
Como realça o acórdão do STJ de 11-06-2002[2] o obrigado a alimentos só poderá ser coagido a prestá-los sem perigo para a sua manutenção e dos que dele dependem, em estado conforme à sua condição. É o ex-cônjuge que deve procurar angariar proventos com o seu trabalho, exercendo as suas qualificações profissionais".
Ora, no caso vertente, no entendimento do tribunal recorrido, não tendo o apelante Réu demonstrado que o seu nível de vida se alterou após o divórcio com a Autora, a ponto de não ter essa disponibilidade acrescida à satisfação das suas necessidades pessoais, sempre incumbiria à Autora demonstrar que o mesmo aufere acima daquela pensão de 252,65 € (que se cifra abaixo do limiar da pobreza), valor esse que, ante a austeridade crescentemente agravada e vivida por todos os cidadãos portugueses nos últimos anos, evidencia a inexistência de espaço financeiro para que o Réu se veja obrigado a manter esta obrigação, o que acaba por ser afirmado pelas testemunhas F…, G… e H…, que referiram que os filhos do Réu o ajudavam todos os meses com as despesas da casa (vide a motivação da decisão da matéria de facto, depoimentos que o tribunal não desconsiderou).
Como se decidiu em acórdão desta Relação, de 15 de Setembro de 2011 (disponível em www.dgsi.pt), desde a versão inicial do Código Civil (Decreto-lei nº 47334 de 25 de Novembro de 1966) até à versão actual introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (aqui aplicável), pelas alterações introduzidas no art. 2016º, os alimentos devidos entre os ex-cônjuges foram vistos, primeiro, basicamente, como uma sanção sobre o cônjuge único culpado, ou o cônjuge principal culpado pelo divórcio quando ambos sejam considerados culpados, passando depois a predominar a sua natureza indemnizatória na reforma de 1977 (Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro), que ainda se mantém na mais recente actualização do referido preceito legal, como parte de uma reforma mais abrangente que eliminou a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos entre os ex-cônjuges (Lei 61/2008).
Quanto ao montante de alimentos, enquanto na versão inicial do Código Civil não existia norma especial relativa a alimentos em caso de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, devendo aplicar-se a regra geral do art.º 2004º - segundo a qual os alimentos eram proporcionados aos meios daquele que haveria de prestá-los e à necessidade daquele com direito a recebê-los, considerando também a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência -, já a reforma de 1977 estabeleceu um regime especial para o efeito no art.º 2016º, nº 3, segundo o qual “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
E foi assim também que a jurisprudência transitou da ideia de que o cônjuge culpado deveria proporcionar ao alimentando uma situação económica tendencialmente idêntica à da constância do matrimónio, para a posição de que “o direito a alimentos do divorciado, ao abrigo do art.º 2016º, tem natureza alimentar, pelo que não nasce por mero efeito da verificação do pressuposto da culpa previsto no n.º 1 do mesmo artigo, nem tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento[3].
A versão actual do Código Civil, dada pela Lei 61/2008, foi mais longe, viabilizando o divórcio a pedido de um cônjuge sem o consentimento do outro, com afastamento da apreciação da culpa por violação dos deveres conjugais, e com base na mera constatação de ruptura do casamento (art. 1773º nº 3 e 1781º do CC).
Além de reforçar a ideia de que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (por mútuo consentimento ou sem o consentimento do outro) afirmou o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência depois do divórcio (art.º 2016º, nº 1) e deixou expresso em letra de lei que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (art.º 2016º-A).
Para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge necessitado, além dos elementos acima referidos e indicados no art.º 2016º, nº 3, na versão da reforma de 1977, a última reforma acrescentou: a duração do casamento; a colaboração prestada à economia do casal; e um novo casamento ou união de facto.
E se o princípio da autonomia económica do ex-cônjuge não foi tão longe quanto se chegou a propor - pois no texto da Proposta de Lei n.º 509/X, que chegou a ser aprovada no Plenário da Assembleia da República e no âmbito da qual resultou o Decreto da AR n.º 232/X, era então estipulado, no artigo 2016°-B do C.C, que a obrigação de alimentos devia ser estabelecida por um período limitado, salvo razões ponderosas, sendo que este período podia ser renovado, preceito que foi eliminado -, a verdade é que cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência.
E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los.
Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário[4], e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência, num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
Na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, a prestação alimentar ganha autonomia e afere-se, então, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do cônjuge, mas, também pelo que é suficiente para satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família, de acordo com o seu padrão de vida normal, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Com efeito, a obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio, a que alude o artigo 2016º, do CC, constitui um efeito jurídico novo, que se radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal[5].
Como tem sido entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio, porquanto este, sem embargo do direito que lhe assiste a uma existência economicamente autónoma e condigna, não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, nem a expectativa jurídica da garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do casamento.
O alcance do auxílio a prestar ao ex-cônjuge que pretenda exercer um direito a alimentos concebe-se num plano intermédio, visando colocar, se possível, o ex-cônjuge numa situação razoável, isto é, acima do limiar de sobrevivência, nos termos dos limites de uma vida sóbria, embora provavelmente abaixo do padrão de vida que o casal atingiria.
Mas, a carência de alimentos não se esgota nas condições de sobrevivência. Sempre que possível, deverá visar igualmente um mínimo de condições de conforto que impeça uma ruptura absoluta com o nível de vida de que tal cônjuge usufruía durante a vigência do matrimónio, sem que isso signifique, contudo, o direito à manutenção do nível de vida existente na pendência do matrimónio”, que esse não contende, já, com a vida de divorciado.
Como refere o Professor Pereira Coelho[6], “supomos que esta orientação cabe na nossa lei, desde que queiramos dar ao adjectivo “indispensável”, do art. 2003.º, n.º 1, uma interpretação mais folgada quando o pedido de alimentos for formulado por um ex-cônjuge, com base numa acentuação da ideia de solidariedade pós-conjugal.”
O entendimento perfilhado, e agora consagrado na nova redacção do art. 2016º, afasta-se, assim, da ideia indemnizatória ou compensatória da prestação de alimentos, que resultava da redacção anterior, ao conceder o direito a alimentos, em geral, apenas ao cônjuge inocente, ou ao menos culpado no divórcio.
Ou seja, o direito do divorciado a alimentos tem natureza, não indemnizatória ou compensatória, mas sim alimentar, e é condicionado pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante.
Quer isto significar que a prestação alimentícia nasce sempre de uma situação de carência; a delimitação dessa situação é que poderá variar consoante as situações; apenas tem direito a alimentos quem deles necessitar e na medida respectiva, e só está obrigado ao pagamento quem tiver condições económicas que lhe permitam efectuá-lo sem colocar em causa a sua própria subsistência.
Logo, o apuramento da real necessidade de alimentos implica que se pondere a possibilidade do próprio alimentado prover à sua subsistência, total ou parcialmente, seja com base no seu património pessoal, seja por referência à sua capacidade de trabalho, através da ponderação da sua aptidão física, qualificações profissionais e possibilidade real de efectiva ocupação laboral, fazendo “jus” ao disposto no nº 1 do art. 2016.º do CC de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio”.
Subjacente a esta disposição legal está o princípio de que “o ex-cônjuge deve providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência, e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e este, por sua vez, eternamente ficar vinculado a essa obrigação”[7].
Em suma e em conclusão, só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3 do art. 2016.º-A); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos (n.º 3 do art. 2016.º).
Ora, pese embora o tribunal tenha lançado mão de um conjunto de indícios no sentido de que o apelante pode continuar a pagar á Autora a pensão alimentar mensal de 100,00 €, o certo é que a autora não logrou demonstrar, de forma inequívoca e clara, que o mesmo manteve o nível de vida que lhe permitia assumir todos os encargos da vida do casal assim como lhe permitiu pagar à autora durante os 18 meses posteriores ao divórcio aquela pensão, de forma a que de alguma forma se possa vislumbrar como segura tal possibilidade.
Ora, ante quanto acima ficou descrito no tocante à disciplina legal e doutrinal que rege a questão dos alimentos entre ex-cônjuges, considerando que a Autora recebe a da Segurnaça Social a pensão mensal de 394,62 €, cifrando-se as suas despesas em 492,18 € mensais, haverá que admitir desde já que a mesma não consegue, só com aquela pensão, manter o nível de vida existente ao tempo em que se encontrava casada com o Réu.
Porém, também não ficou provado que o Réu tenha outros rendimentos para além da pensão mensal que aufere no valor de 252,65 € acrescida do duodécimo de 21,05 € referente a subsídio de Natal (facto 8), ficando apurado que as suas despesas mensais ascendem a € 700,00, aqui ficando compreendidos os gastos com água, luz, vestuário, gaz e medicamentos (facto 16).
De onde resulta que o Réu gasta mais do que ganha, só se podendo compreender tal ante a circunstância de, tal como é referido na fundamentação da decisão da matéria de facto, os filhos do casal o ajudarem todos os meses nas despesas da casa.
Assim, não logrou a Autora demonstrado que a sua situação financeira actual do Réu reune condições económicas para que se lhe possa impor a manutenção da pensão requerida, ante os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A.
Com efeito, a situação económica do Réu tem de ser objectivada, não podendo ser especulada ou conjecturada, para que se lhe possa impor a manutenção da obrigação alimentar pretendida ao abrigo do art. 2016º - A nº 1 do CC, devendo o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do quem os presta”.
De facto sopesando os factos apurados de que “a autora nunca contribuiu para a economia do casal (facto nº 11), era o réu que suportava as despesas com a alimentação, água e luz (facto n º 12) e a autora administrava os seus dinheiros como entendia (facto nº 13), e não se conhecendo outros rendimentos que o réu tenha actualmente, não é possível concluir que eram estes rendimentos, os agora apurados, que permitiam quando estava casado com a autora suportar todas as despesas do casal.
Nem será possível conjecturar, como foi feito na sentença que, “perante estes factos, verifica-se que o réu tinha que ter mais rendimentos que a pensão da Caixa de Aposentação, para poder suportar os alimentos da autora, quando estava casado com ela, pois pagava toda a alimentação e todas as despesas do casal.”
E daqui concluir que, assim como tinha aquando casado, ainda tem…
Pois o que está em causa apurar, para que, tal como pretende a Autora, se mantenha a obrigação alimentar do Réu para além dos 18 meses acordados em fase de divórcio, é o que o Réu aufere agora e não aquilo que auferiu durante a pendência do casamento com a Autora, não podendo presumir-se, só porque era ele o inteiro sustento da família, que o mesmo tenha actualmente a mesma situação financeira que tinha quando estava casado com a Autora.
Para que a Autora lograsse vencimento na sua pretensão de manutenção da obrigação alimentar do Réu impunha-se que a mesma demonstrasse a manutenção da capacidade financeira do Réu para tanto, em igualdade ou pelo menos proximidade das condições existentes à data em que foram casados e que, então sim, o Réu pagava todas as despesas familiares.
Tal não demonstrou a Ré, antes pelo contrário tendo ficado apurado, refere-o o tribunal recorrido, que o Réu consegue fazer face às suas despesas mensais porque nisso é ajudado pelos seus filhos.
Uma carência económica do Réu que acaba por ser indirectamente demonstrada pelo documento junto a fls 64 dos autos, do qual resulta que o Réu não apresentou declaração de rendimentos às Finanças, por não atingir um rendimento que o obrigasse a apresentar essa declaração.
Como é sabido, pode o julgador recorrer a presunções naturais no processo de formação da sua convicção, sendo que de acordo com o disposto no art. 349º CC, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, consistindo, assim, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [ou de uma prova de primeira aparência”.[8]
Ora, no caso concreto, afigura-se-nos que a presunção de que o Réu tem actualmente as mesmas condições económicas que tinha na constância do matrimónio, porque sempre foi ele que pagou as despesas familiares [a autora nunca contribuiu para a economia do casal (facto nº 11), era o réu que suportava as despesas com a alimentação, água e luz (facto n º 12) e a autora administrava os seus dinheiros como entendia (facto nº 13)] e porque não foi feita nenhuma prova que a situação do réu se alterou de forma a que este não possa continuar a contribuir com essa prestação, tal presunção não é merecedora de qualquer acolhimento, quer porque não se sabe com que esforço o Réu lograva honrar com o pagamento das despesas familiares, sendo possível que então também o fizesse com a ajuda dos seus filhos, tal como sucede nos dias de hoje a ajuda destes ao Réu seu pai, acrescendo que a circunstância de ter conseguido tal desiderato naquele tempo não significa, só por si, que nos dias de hoje mantenha capacidade, até porque a idade cada vez menos ajuda nesse sentido...
Não tendo cabimento por via de presunção natural a demonstração da capacidade do Réu para manter a sua obrigação alimentar perante a Autora, haverá ainda que ter presente que o ónus da prova de tal capacidade incumbia à Autora, por ser tal facto constitutivo do direito que pretende fazer valer sobre o Réu (art. 342º nº 1 do CC), pois é ela que vem pedir a continuação da obrigação alimentar para além dos 18 meses acordados em sede de divórcio, não cabendo ao Réu o ónus de demonstrar que essa capacidade económica já não existe actualmente.
Olhando os rendimentos auferidos pelo Réu (o Réu aufere uma pensão mensal de 252,65 € acrescida do duodécimo de 21,05 € referente a subsídio de Natal) e as suas despesas mensais (cerca de 700,00 €), é caso para dizer que “sabe Deus com que esforço logrou o mesmo manter a prestação alimentar de 100,00 € mensais devida á Autora durante os 18 meses subsequentes ao divórcio.
Tudo indica, tal como disse a Senhora Juíza na fundamentação da decisão da matéria de facto, tal como referiram as testemunhas, que tenham sido os filhos a ajudá-lo todos os meses com as despesas da casa.
Contudo, deste conseguido esforço não pode assacar-se ao Réu a obrigação de lhe dar continuidade, até porque se os filhos o têm ajudado durante estes anos, não se lhes pode impor a manutenção de tal ajuda, nem compete a estes a obrigação alimentar solicitada pela Autora nos presentes autos, até porque nem são seus filhos, mas apenas filhos do Réu.
Assim, contrariamente ao que concluiu a douta sentença recorrida, com todo o respeito pela bondade à mesma subjacente, entendemos que não é correcto o raciocínio que conduziu o tribunal recorrido a concluir “que se encontram reunidas as condições para o réu continuar a prestar à autora a prestação de alimentos no valor de € 100,00 (cem euros)”, uma vez que tal reunião de condições, por tudo quanto fica dito, não se vislumbra.
O que nos leva a concluir pela improcedência da acção e procedência da apelação.

DECISÃO

Por todo o exposto, nos presentes autos de apelação em que é apelante C… e apelada B…, Acordam os Juízes que integram esta 2ª secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, julgando a acção improcedente e absolvendo o Réu do pedido.
Custas Pela recorrida Autora
Registe e notifique.

Porto, 13 out. 2016
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
___________
[1] Em O Divórcio e Questões Conexas, p. 84.
[2] In www.dgsi.pt, proc. nº 02B1587.
[3] Amadeu Colaço, Novo regime do Divórcio, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006.
[4] Amadeu Colaço, Novo regime do Divórcio, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006.
[5] Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 12 e 162.
[6] Curso de Direito da Família, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág.s 741 e 742
[7] Tomé d’Almeida Ramião in “O Divórcio e Questões Conexas”.
[8] Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, n° 112 pág, 190. Ac. STJ 07-01-2004, proc. 03P3213.