Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1300/12.2TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE DO MANDANTE
CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201807111300/12.2TYVNG.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 839, FLS 160-186)
Área Temática: .
Sumário: I - Qualifica-se como mandato sem representação uma relação no âmbito da qual o mandante, dominando o património e dirigindo as vontades colectivas e individuais de vários intervenientes – mandatários - faz transmitir um prédio de uma sociedade para outra e trata de que os titulares das quotas sociais desta as prometam alienar a terceiro, o que eles cumprem, com isso logrando a promessa de transmissão daquele prédio e recebendo logo o preço do negócio, que fez seu, sem que qualquer dos demais intervenientes tivesse nisso qualquer interesse ou tivesse auferido qualquer resultado.
II - O mandante, no mandato sem representação, fica obrigado, perante o mandatário, a assumir a responsabilidade pela satisfação das obrigações que resultem, para este, da execução do mandato. É o mandatário que assume, perante o terceiro, todas as obrigações resultantes da execução do mandato. Porém, nas relações internas, é o mandante o responsável pelas dívidas correspondentes.
III - Sendo resolvido o contrato-promessa celebrado pelo mandatário sem poderes de representação e sendo este condenado a restituir prestação já recebida, pode ele responsabilizar o mandante pelo cumprimento dessa obrigação.
IV - Caso o mandatário não exerça esse direito, pode ele ser exercido pelo próprio credor, por sub-rogação.
V - Sendo discutida judicialmente a resolução do contrato-promessa, o prazo de prescrição de exercício do direito do mandatário contra o mandante não se inicia antes da decisão dessa causa, de onde resultou a condenação daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 1300/12.2TYVNG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

REL. N.º 516
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Lina Castro Baptista
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

B..., S.A., com sede na Rua ..., ..., em Lisboa, instaurou a presente acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C..., residente na Rua ..., n.º .., no Porto, e contra “D..., S.A”, com sede na Rua ..., n.º ..., 2º esquerdo, no Porto, pedindo que seja reconhecido o seu direito a exercer, por via de sub-rogação, o direito de crédito da segunda ré sobre a primeira, condenando-se a referida C... a pagar-lhe a quantia de 1.985.743,31 euros, sendo a quantia de 665.063,83 euros a título de capital e a quantia de 1.320.679,48 euros a título de juros de mora, contados desde 27 de Outubro de 1990 até 20 de Novembro de 2012, às taxas supletivas legais, sem prejuízo dos juros de mora vincendos até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, que a segunda ré, D..., foi condenada a pagar-lhe a quantia de 997.595,79 euros, acrescida de juros de mora, às taxas supletivas legais, desde 27 de Outubro de 1990 e até integral pagamento, encontrando-se em dívida a quantia de 665.063,83 euros, bem como os correspondentes juros de mora.
Mas afirma que se vê impedida de cobrar tal valor da ré D..., pois que esta não tem património uma vez que, tendo agido como mandatária de E..., na celebração do contrato promessa cuja resolução originou aquela condenação, este acabou por se apoderar da quantia que pagara, de 200.000.000$00 (997.595,79 euros). Com efeito, ainda na pendência da acção em que foi proferida aquela condenação, o referido E..., na qualidade de administrador e sócio dominante, em violação dos seus deveres legais e contratuais, apoderou-se dessa quantia, depositando-a numa conta bancária em seu nome, onde permaneceu até à sua morte, ocorrida a 12 de Fevereiro de 2001.
Depois desse falecimento, a primeira ré, mulher de E..., e o filho, F..., partilharam entre si o referido montante e os juros, na proporção das quotas que lhes couberam na herança daquele, e nada restituíram à segunda ré D..., S.A., ou à própria autora, apesar da aludida condenação.
Por sua vez, a D..., S.A. não possui quaisquer bens susceptíveis de penhora para além do aludido crédito, que não cobra pelo facto de a primeira ré e o filho serem os detentores da totalidade do capital social e determinarem a actuação dos seus administradores.
A ré C... contestou por excepção, invocando incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Juízo de Comércio, no que diz respeito à violação do contrato de mandato, a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial por cumulação ilegal de causas de pedir, a prescrição do direito de acção e a prescrição dos juros de mora, e por impugnação, impugnando a versão dos factos alegada pela autora.
A ré “D..., S.A” não contestou.
A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela ré.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções da incompetência absoluta, em razão da matéria, e da nulidade do processado por ineptidão da petição inicial por cumulação ilegal de causas de pedir.
O conhecimento das excepções da prescrição foi relegado para final.
Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, de que não houve reclamações.
Realizou-se o julgamento, no termo do qual foi proferida sentença que concluiu pela improcedência do pedido, sem prejuízo de ter decidido e indeferido o que qualificou como um incidente de nulidade de depoimento testemunhal, na sequência de um requerimento da autora tendente à desconsideração do depoimento da testemunha Dr. W..., a propósito do contexto e da interpretação de um documento junto aos autos, por infracção do seu dever de sigilo profissional, por ter intervindo na sua produção na qualidade de advogado.
Discordando dessa sentença, vem a autora “B...” oferecer o presente recurso, que conclui formulando as seguintes conclusões:
“1. Os factos provados sob as alíneas x), z), aa), cc), dd), gg), m, n), hh), bbb) jj) e kk) mostram que os sócios da G..., LDA deixaram a sociedade adquirir o prédio identificado na alínea l), por 6.400 contos, e prometeram ceder as suas quotas à A., por 200.000 contos, ao abrigo de um acordo com o E... que visava permitir-lhe ficar com o preço da cessão de quotas, sem suportar impostos.
2. Esses factos permitem concluir que foi o E... a urdir tal expediente, para receber e conservar o preço do prédio sem impostos, e que todos os sócios da G..., incluindo a sociedade R., nenhum interesse tiveram na operação, antes actuando exclusivamente por conta e no interesse dele.
3. O mesmo é dizer que, mesmo sem recorrer a outros meios de prova, se impunha julgar provados os factos dos artigos 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial por simples presunção judicial, extraída dos factos provados sob as alíneas x), z), aa), cc), dd), gg), m, n), hh), bbb) jj) e kk). Sem prescindir,
4. O depoimento do Dr. H..., que ajudou o E... a delinear a operação sem encargos fiscais e interveio como sócio da G..., LDA na promessa de cessão de quotas à A., é claro, conciso e merecedor de credibilidade e é muito relevante por provir de quem privou com E... no período do negócio.
5. O depoimento mostra que o projecto da transmissão do imóvel para a G... e da alienação das quotas desta sociedade, cujos termos foram gizados pelo E... para evitar a incidência de qualquer imposto sobre o rendimento, tinha como último beneficiário o próprio E....
6. O depoimento, que, a esse propósito, não foi contrariado por qualquer outro, convence que os sócios da G..., LDA se prestaram a colaborar com o E..., para lhe permitir encaixar o valor do imóvel sem encargos fiscais, tendo todos eles, incluindo a D..., actuado, no contrato-promessa de cessão de quotas, por conta e no interesse do dito E....
7. O depoimento do Dr. I..., mais emotivo, mas rico de pormenores que revelam conhecimento directo dos factos, fruto da sua qualidade de sócio da G..., LDA e da grande proximidade com os intervenientes, confirma as declarações do Dr. H... e, quanto à matéria em causa, também não foi contrariado por qualquer outra testemunha.
8. Conjugados com a presunção que se extrai dos factos das alíneas x), z), aa), cc), dd), gg), m, n), hh), bbb) jj) e kk), os depoimentos do Dr. H... e do Dr. I..., confirmados pelos da Dr.ª J... e do Dr. K..., que, com os primeiros, foram as únicas testemunhas que estiveram, em 1990, directamente ligadas aos factos ocorridos a propósito da celebração do contrato promessa de cessão de quotas ou directamente depuseram sobre os mesmos, impõem que os factos dos artigos 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial sejam julgados provados.
9. Provados os factos desses artigos da petição inicial, torna-se incontornável que o acordo formado entre o E... e os sócios da G..., LDA se traduz num contrato de mandato, tal como definido no artigo 1157º do Código Civil.
10. Sobressaem no caso dos autos os dois elementos essenciais do contrato de mandato, de acordo com a sua definição legal: a obrigação de praticar um ou mais actos jurídicos e a actuação do mandatário por conta do mandante.
11. Por vínculo, pré-assumido, com o E..., os sócios da G..., LDA – tal como, antes deles, a própria sociedade, ao adquirir o imóvel – celebraram um acto jurídico, deveras oneroso, quando outorgaram com a A. o contrato-promessa de cessão de quotas.
12. Quanto ao elemento da actuação por conta, corporiza-se no objectivo e na justificação da promessa de cessão de quotas pelos sócios da G..., LDA: a obtenção para o E... do preço de 200.000 contos – correspondente ao que a A. estava disposta a pagar pelo terreno –, sem pagamento de impostos.
13. Os sócios da G..., LDA, incluindo a R. sociedade, tiveram uma actuação de gestão dos interesses do E..., culminando com a transferência para ele dos efeitos produzidos, tal como prescrito nos artigos 1180º e 1181º, nº 1, do Código Civil.
14. O preço, devido aos sócios da G..., LDA, foi transferido para o seu mandante, para aquele que os incumbira de celebrar o negócio, com a particularidade de que todos aceitaram que ficasse logo na posse do E..., sem sequer passar pelo património deles.
15. Qualquer dos mandatários sofreu elevadíssimo prejuízo, pois, após a resolução do contrato-promessa de cessão de quotas, todos foram solidariamente condenados a restituir à A. o preço pago ao abrigo desse contrato, acrescido de juros moratórios, quando é certo que, por força do acordo com o E..., i.e. por força do mandato, nunca detiveram toda ou parte desse preço.
16. O E... ficou, assim, obrigado a indemnizar desse prejuízo a R. sociedade – sua mandatária no negócio –, face ao disposto no artigo 1167º, alínea d), do Código Civil.
17. Acresce que ao tempo da celebração do contrato-promessa de cessão das quotas da G..., LDA, o E... era administrador da D..., tendo sido ele que a representou na assinatura desse contrato.
18. Ao fazê-la outorgar tal contrato-promessa, para se poder apropriar, sem pagar impostos, do preço que a A. se dispunha a pagar pelas quotas, em atenção ao valor que atribuía ao terreno da Avenida ..., o E... actuou em verdadeiro negócio consigo mesmo, instrumentalizando a D....
19. Logo nesse momento inicial, em que, para satisfazer interesse próprio, assina um contrato em representação da D... e fica com o preço do bem que promete alienar, constata-se uma violação do dever de lealdade a que se encontrava obrigado perante a sua administrada.
20. Essa violação ganha gravidade quando, apesar da resolução do contrato-promessa e da instauração de acção judicial pela A., o E... não se dispõe a entregar os 200.000 contos, seja à A., seja aos sócios da G..., LDA, antes a integra no seu património, criando o risco, que se consumou, da condenação solidária no pagamento de capital e juros.
21. O dever de lealdade, especificado na actual redacção do artigo 64º, nº 1, alínea b), do C.S.C. e que lhe esteve sempre implícito, não se esgota numa proibição de fazer seus os bens da administrada; também veda a celebração de um negócio consigo mesmo, como o é o acordo entre o E... e a D... que, segundo a Senhora Juíza “a quo”, legitimaria a retenção dos 200.000 contos.
22. Longe de poder exonerar o E... de responsabilidade perante a D..., esse acordo sobre a apropriação do preço das quotas da G..., LDA, celebrado entre administrador e administrada, representa, quanto não se queira negar-lhe qualquer validade, à luz do artigo 397º, nº 2, do C.S.C., mais uma fonte de responsabilidade, desta vez por via dos artigos 64º e 72º do C.S.C..
23. A acção tem um único pedido e duas causas de pedir que se provaram, visto que, como foi alegado na petição inicial e se demonstrou, o comportamento do E... preenche não só a previsão do artigo 1.167º, alínea d), do Código Civil, como também a do artigo 72º, nº 1, do C.S.C..
24. A responsabilidade do E... deve ser aferida face às duas causas de pedir, uma vez que, como resulta do acórdão do STJ de 26.06.2012, a competência do juízo do comércio abrange toda a acção, com ambas as causas de pedir, só predominando a que assenta no artigo 72º do C.S.C. para efeitos de competência material.
25. Quanto à responsabilidade que decorre do artigo 1.167º, alínea d), do Código Civil, a prescrição não se deu, mesmo que o prazo de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil, se reportasse à data em que se venceu a obrigação de reembolsar o preço das quotas à A., na sequência da resolução do contrato-promessa.
25. A obrigação de reembolsar o preço da promessa de cessão de quota só se venceu 30 dias depois da sua recepção, ou seja em 27/10/1990, e antes disso não é possível equacionar qualquer dano causado pelo mandato, pelo que o prazo de prescrição só se perfaria 20 anos depois, em 27/10/2010.
26. Proposta a primeira acção em 19/10/2010, o prazo, se estivesse a correr, ter-se-ia interrompido, por força do artigo 323º, nº 2, do Código Civil, em 24/10/2010, mantendo-se o efeito dessa interrupção com a instauração de nova acção nos 30 dias subsequentes ao trânsito da decisão que absolveu as RR. da instância na primeira.
27. Porém, enquanto a acção instaurada pela A. para reaver o referido preço não foi definitivamente dirimida, a R. sociedade, que a contestou, não reunia condições para pedir indemnização ao E..., pelo que, face ao disposto no artigo 306º, nº 1, do Código Civil, só após o trânsito em julgado do acórdão do STJ de 16.10.2008, começou a contar o prazo de prescrição.
28. No que toca à responsabilidade do E... por violação dos seus deveres de administrador, objecto de um prazo especial de prescrição, com uma regra específica para o seu início de contagem, previsto no artigo 174º, nº 1, alínea d), do C.S.C., há que ter presente o artigo 318º, alínea d), do Código Civil.
29. O artigo 318º, alínea d), do Código Civil implica que o artigo 174º, nº 1, alínea d), do C.S.C. visa os casos em que a conduta dolosa ou culposa do administrador, ou a sua ocultação, prosseguiu para lá do termo das suas funções, ou em que o dano se verificou posteriormente a esse termo.
30. É precisamente o que se verifica no caso dos autos, em que a conduta dolosa ou negligente do E... não cessou, pois continua por entregar à R. sociedade o preço das quotas prometidas ceder de que aquele se apropriou, em flagrante violação do dever de lealdade que o vinculava.
31. Essa conduta não cessou com a morte do E..., pois os seus sucessores, também administradores da R., pelo menos entre 1988 e Julho de 2003, apesar de cientes da responsabilidade que se lhes transmitira, e que até partilhavam, face ao artigo 73º, nº 1, do C.S.C., continuaram, dolosamente, a reter os 200.000 contos.
32. Face ao momento do início da contagem do prazo do artigo 174º, nº 1, do C.S.C., este nem sequer começou a correr, sendo certo que, como a R. sociedade não pôde exercer o seu direito antes do trânsito em julgado do acórdão de 16.10.2008, também relativamente à responsabilidade por violação dos deveres de administrador, o prazo de prescrição nunca poderia começar a contar antes final de Outubro de 2008.
33. Assente que está a responsabilidade do E..., com base em qualquer das causas de pedir invocadas pela A., a R. C... deve ser condenada no pedido, como sua herdeira.
34. A douta sentença recorrida violou as normas dos artigos 762º, nº 2, 798º, 1157º e 1167º, alínea d), do Código Civil e dos artigos 64º, 72º, nº 1, e 78º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que reconheça o direito da A. a exercer, por via de sub-rogação, o direito de crédito da ré sociedade sobre a 1ª ré e que condene esta última no pedido.”
*
A R. C... respondeu ao recurso da R, pronunciando-se pela sua improcedência, mas suscitando antes uma questão relativa à nulidade de que a sentença recorrida padece, por se fundar em depoimentos inadmissíveis, por consusbtanciadores de violações a deveres de sigilo profissional que impenderiam sobre várias das testemunhas ouvidas. Concluiu nos seguintes termos:
A) A Recorrida, já em 29/09/2017, pelo requerimento refª CITIUS 16290836 havia alertado o Tribunal para o que considerava ser uma nulidade o depoimento produzido com infracção ao dever de segredo profissional, por violação do disposto no artigo 92.º do E.O.A., (seguindo de perto o entendimento de Lebre de Freitas in Código de Processo Civil anotado, 2º volume, pág. 536), consequentemente, não podendo fazer prova em juízo, ex vi do disposto no n.º 5 do citado artigo 92.º do E.O.A.
B) Analisando a fundamentação da douta sentença a quo vemos que as resposta á matéria controvertida teve por base os depoimentos prestados pelas testemunhas Drs. H..., I... e K....
C) As referidas testemunhas tomaram conhecimento dos factos no âmbito da sua actividade profissional enquanto Advogados, os primeiros enquanto mandatários do Sr. E..., o Dr. K... enquanto director geral dos serviços jurídicos da Autora.
D) Nos termos do disposto no artigo 92º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, publicado pela Lei 145/2015 de 9 de Setembro, o advogado é obrigado a guardar sigilo profissional, no que respeita a todos os factos, cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
E) Nos termos do disposto no nº 5 daquele preceito, os actos praticados pelo advogado, com violação do sigilo profissional, não podem fazer prova em juízo.
F) A quebra de sigilo - a ter de ocorrer - terá de o ser por via do incidente previsto no artigo 135º do C.P.Penal, aplicável também aos processos de natureza cível.
G) Quem interveio como Advogado não pode intervir como testemunha Trata-se sempre de qualidades incompatíveis numa mesma questão.
H) A prova inadmissível não deverá ser admitida pelo juiz, ao abrigo do princípio da proibição da prática de atos inúteis (art.s 6.º n.º 1 e 130.º CPC).
Fundamentando-se, a douta sentença a quo, nos ditos depoimentos, legalmente inadmissíveis ou prova proibida, a mesma incorre em nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do C.P.C., na estrita medida em que tal irregularidade influi directamente na decisão da causa, pelo que, expressamente se vem arguir, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 636.º do C.P.C., com as demais consequências legais.
I) A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cf. Artigo 351.º do C.C.).
J) Considerar como provado que o Sr. E... urdiu um plano, para receber o dinheiro correspondente ao preço do negócio, livre de impostos, cujos sócios da G..., Lda intervieram “por conta e no interesse daquele”, decorrente da matéria valorada como provada, fundamentada nas alegadas presunções judiciais, como defende a Recorrente, quando da prova que se logrou produzir e de tais factos valorados como provados resulta que o direito de propriedade sobre o prédio, objecto de compra e venda em análise, estava registado a favor da L..., limitando-se a intervenção de E... à sua qualidade de gerente e legal representante (cf. alíneas g), h) e m) da matéria assente, vertida na Sentença), seria violar as regras probatórias, caindo num esquema de conjecturas infundadas e, como tal, legalmente inadmissíveis.
K) Atento o que se escreveu na fundamentação da resposta á matéria de facto – páginas 15 e 16 e 23 – afastada fica a prova de ascendente por parte de E..., acordo de vontades, ou “esquema” engendrado e imposto por E....
L) É lícito à Relação tirar ilações da matéria de facto, mas desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam consequência lógica destes. Tendo-se respondido como não provada a matéria dos artigos 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial, não podem dar-se os factos neles vertidos como provados, com base em presunções.
M) Ao contrário do alegado em sede de motivação de recurso, o depoimento da Dr.ª J..., pessoa que em representação da Recorrente acompanhou as negociações, não é capaz de corroborar a tese desta, ou até mesmo, o depoimento das testemunhas H... e I....
N) Se a Mma. Juíza a quo fez a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, inexistem razões bastantes para alterar a factualidade.
O) Atento o depoimento da Dr.ª J... (vide declarações prestadas em 29/06/2017 - CD com registo n.º 2017062941403_66379944_2871617, ao minuto 29.28 a 30.05, conforme acta de audiência de julgamento), bem como o expendido na douta sentença – páginas 16 e 23 - é peremptório concluir que da prova produzida, em audiência de discussão e julgamento não resulta que o Sr. E... urdiu um plano, em seu exclusivo interesse, por forma a obter vantagens fiscais
P) Os depoimentos testemunhais de H... e I..., que a Recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (arts. 396º do Cód. Civil e 655.º, n.º 1, do C.P.C.).
Q) Constatando-se que o tribunal “a quo” não incorreu num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, inexiste razão ou fundamento legal para a alteração da matéria de facto.
R) Percorrendo a matéria dada como provada constata-se que os pressupostos do mandato sem representação não se verificam, desde logo, porque a intervenção de E... se restringiu à qualidade de Administrador daquela, sem depositar qualquer interesse pessoal no negócio.
S) Ainda que o preço tenha sido depositado parcialmente em conta titulada pelo Sr. E..., não se provou qual o destino dado a essa quantia e a Recorrente não logrou provar que, à data da morte de E... existisse, em conta titulada por aquele, a quantia de 200.0000.000$00, paga pela Autora.
T) A restituição da quantia na sequência da resolução do contrato promessa é um efeito da resolução, apreciada na outra acção e não na relação de mandato, muito menos do invocado direito de indemnização previsto no artigo 1167.º, alínea d), do Código Civil.
U) A relação de mandato não serve de fundamento ao pedido formulado, na medida em que não era o incumprimento do contrato promessa nem os efeitos da sua resolução que permitiriam reconhecer o exercício do alegado direito sub-rogatório.
V) As sociedades comerciais são dotadas de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, compreendendo, a sua capacidade, os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim (cf. artigos 5.º e 6.º do C.S.C.).
W) Bem andou o Tribunal a quo, ao concluir que a intervenção do Sr. E... se limitou aos poderes que lhe foram consignados enquanto gerente e legal representante da dita sociedade comercial.
X) Do quadro factual referente à Ré D... não se revela uma situação efectiva de insolvência, como se exige.
Y) Tratando-se de uma obrigação solidária (cf. alínea q) da matéria assente), nos termos do artigo 512.º, n.º1 do C.C., “cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera”.
Z) Se, de forma deliberada e consciente, a Recorrente, prescindiu ou renunciou ao direito de receber a totalidade do crédito, junto dos codevedores, Dr. H... e Dr. I..., a acção sub-rogatória não é o meio essencial para satisfação do dito crédito, pois, a credora, ainda que assim, não pretenda, protegida pela legislação vigente, poderia socorrer-se de outras vias, designadamente junto dos demais co-devedores.
AA) Impondo-se ao credor provar que, sem o exercício do direito de indemnização da sociedade contra o administrador, dificilmente verá o seu crédito satisfeito, o que não logrou concretizar, não se mostram satisfeitos os pressupostos que fazem depender a acção subrogatória.
BB) Tendo o terreno sido transferido, dias antes da celebração do contrato promessa, pelo valor de 6 240 contos, da titularidade da L... para a G..., LDA e as quotas alienadas por 200 mil contos. – alínea cc) dos factos dados como provados – resultou um incremento patrimonial da Ré D...
CC) Resultando provado – alínea ccc) - que entre 1990 a 1997 o Sr. E..., fez entrar na Ré D... 1.454.897,814 Euros, isto é, quantia superior àquela a que esta tinha direito por força do dito negócio (contrato promessa de cessão de quotas), nenhum prejuízo adveio para esta.
DD) Do depoimento da testemunha Dr. M... resulta que “Não tem dúvidas de que os suprimentos financiaram a actividade da ré “D...” – o dinheiro entrou paulatinamente e foi criado stock de valor equivalente. Referiu, ainda, que na análise que fez não detectou qualquer elemento susceptível de concluir pela existência de uma gestão negligente ou danosa.” – página 22 da douta sentença.
EE) Tendo a Recorrente aceitado pagar a totalidade do preço através de dois cheques, um deles emitido à ordem do Sr. E... e o outro à ordem do Dr. F... (cf. alínea ii), a Recorrente aceitou assumir os riscos inerentes ao negócio.
FF) A D... não sofreu qualquer dano/prejuízo efectivo e real com a actuação do Sr. E..., quer se enquadre no âmbito do mandato, quer no exercício das suas funções como administrador.
GG) Competindo à Recorrente, pretensamente lesada, provar a ilicitude da conduta do Administrador, ou seja, o facto constitutivo da responsabilidade do demandado, a mesma não logrou cumprir tal ónus.
HH) tendo sido aprovadas as contas do exercício de 1990 – ano da alegada “lesão”– em 31 de Março de 1991, com intervenção dos sócios que representavam a totalidade do capital social (E..., a aqui Recorrida, F..., N... e O...), nem nessa data, nem posteriormente, ao longo destes quase vinte anos, accionista, credor social ou terceiro (apesar dos meios legais possíveis, mesmo em caso de inércia de accionistas ou da sociedade) agiram em conformidade, fazendo interromper esse efeito decorrente do decurso de prazo prescricional.
II) Não se pode admitir que os credores possam exercer um direito da sociedade quando a própria sociedade já não é titular desse direito, quando já desapareceu da sua esfera jurídica, seja por renúncia, transacção ou prescrição, como é o caso.
JJ) O prazo prescricional iniciou-se na data em que o Sr. E..., alegadamente, recebeu o dinheiro e não o fez entrar na sociedade (em 20 e 24 de Agosto de 1990 – vide alínea ii) factos provados)) ou, considerando a hipótese de ocultação, tal conduta dolosa acabaria por ser revelada aquando da prestação de contas e apresentação de relatórios desse ano, em 31/03/1991, pelo que, o direito social se extinguiu, por prescrição, como sobredito, em 1 de Abril de 1996 – nº 1 do artigo 174º do CSC.
KK) Mesmo na versão da Recorrente, tendo o Sr. E... cessado as funções de presidente do concelho de administração em Abril de 1994 (cf. alínea b) da matéria assente), o prazo prescricional desencadeou-se a partir de então, ininterruptamente, operando os efeitos extintivos do direito, a partir de Abril de 1999.
LL) A interpretação adoptada pela Recorrente, sobre a alínea b) do n.º 1, do artigo 174.º do C.S.C., é contrário ao princípio e escopo que subjaz ao mesmo, pelo que, não tem qualquer fundamento legal, não podendo ser considerado.
Termos em que julgada verificada a nulidade, na parte em que se funda a douta sentença nos depoimentos prestados pelas testemunhas em violação do disposto no artigo 92º do EOA, julgando-se improcedente o recurso interposto e mantendo-se a douta decisão a quo, na parte em que absolveu a Ré do pedido, far-se-á JUSTIÇA.
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A recorrente, encontrando nas “contra-alegações” da ré C... um requerimento de ampliação do âmbito do recurso, exerceu o contraditório, rejeitando a ocorrência da nulidade invocada.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, cumprindo agora apreciar o respectivo objecto.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Dados os termos em que a questão foi suscitada na resposta ao recurso, pela recorrida C..., antes mesmo de se apreciar o objecto do recurso da autora, caberá decidir de uma possível nulidade da sentença, fundada na invocada nulidade de alguns dos depoimentos testemunhais, e determinar as respectivas consequências para a acção, sendo caso disso.
Já quanto ao recurso da autora, caberá decidir da pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, de forma a darem-se por provados os factos dos artigos 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial, por presunção judicial a extrair dos factos provados sob as alíneas x), z), aa), cc), dd), gg), m, n), hh), bbb) jj) e kk), bem como em razão dos depoimentos do Dr. H... e do Dr. I..., confirmados pelos da Dr.ª J... e do Dr. K....
Sucessivamente, caberá verificar se a factualidade provada demonstra a existência de uma relação de mandato entre E... e os sócios da G..., LDA, incluindo a ré D..., no âmbito da qual todos estes contraíram obrigações que àquele caberia cumprir, ou se daí decorre uma obrigação de indemnização à luz da sua responsabilidade enquanto seu administrador, responsabilidade essas entretanto transmitida por via sucessória para a ré C..., cujos termos, em qualquer caso, não tenham prescrito.
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Para a apreciação destas questões é útil ter presente a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto, que se passa a transcrever:
- Factos provados:
“a) A sociedade comercial “D..., S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ........., com sede na Rua ..., n.º ..., 2º esquerdo, ..., Porto, tendo por objecto a construção, compra e venda de propriedades, importações, representações, comércio de artigos de vestuário ou tecidos, compra e venda de títulos de crédito, sendo administrador único P..., designado a 28 de Junho de 2003;
b) E... foi accionista da sociedade comercial ré e foi presidente do conselho de administração entre 1988 e Abril de 1994;
c) C... e o Sr. Dr. F... foram administradores da sociedade comercial ré, pelo menos, entre 1988 e Julho de 2003;
d) A sociedade comercial “G..., Lda.” foi constituída a 8 de Março de 1982, com sede na Rua ..., n.º ...., 1º esquerdo, no Porto, tendo por objecto a prestação de serviços e secretariado, com o capital de 3.000.000$00, distribuído por quatro quotas, uma com o valor nominal de 2.250.000$00, titulada pela sociedade comercial “D..., S.A.” e três com o valor nominal de 250.000$00, tituladas por H..., I... e F...;
e) Foram designados gerentes o sócio F... e Q...;
f) F... transmitiu a sua quota a favor do sócio H..., a 7 de Fevereiro de 2006;
g) A sociedade comercial “L..., Limitada” foi constituída a 11 de Novembro de 1980, com sede na Rua ..., n.º ..., 7º esquerdo, no Porto, tendo como objecto a prestação de serviços na legalização e orientação da administração de bens imóveis, tendo como sócios E..., titular de duas quotas no valor nominal de 75.000$00 e de 700.000$00, N..., titular de três quotas no valor nominal de 45.000$00, 15.000$00 e 15.000$00, O..., titular de três quotas no valor nominal de 45.000$00, 15.000$00 e 15.000$00, e “D..., S.A.”, titular de uma quota no valor nominal de 500.000$00;
h) E... foi gerente da sociedade comercial identificada na alínea anterior, obrigando-se esta com a sua assinatura (ou com a assinatura de dois outros gerentes), o qual se verificava, designadamente, em 1990;
i) A 13 de Março de 1992 e a 4 de Fevereiro de 1997 as quotas tituladas por N... e O... foram transmitidas a favor de C...;
j) Por escritura pública outorgada a 24 de Julho de 2003, no Sexto Cartório Notarial do Porto, C..., como sócia-gerente e em representação da sociedade comercial “L..., Limitada”, com sede na Rua ..., n.º ..., rés-do-chão, esquerdo, no Porto, declarou, dando cumprimento ao deliberado na assembleia geral de 21 de Julho de 2003, dissolver tal sociedade comercial, não possuindo a mesma qualquer activo ou passivo, dando por liquidada;
k) A dissolução e o encerramento da liquidação estão registados desde 28 de Julho de 2003;
l) Encontra-se descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia ..., com o número 202/19871020, o prédio rústico com a área total de 1.040 m2, sito na Avenida ..., a confrontar do Norte com Avenida, Sul e Nascente com S..., Limitada, e do Poente com acesso ao T...;
m) Por escritura pública outorgada a 21 de Agosto de 1990, E..., na qualidade de sócio e gerente e em representação da sociedade comercial “L..., Limitada”, declarou vender à sociedade comercial “G..., Lda.”, representada pelo sócio e gerente Dr. I..., que declarou comprar, para revenda, pelo preço de 6.240$00, já recebido, o prédio identificado na alínea l);
n) Por documento datado de 27 de Agosto de 1990, denominado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”, cuja cópia se encontra junta a fls. 176 e seguintes e cujo teor se dá aqui por reproduzido, a sociedade comercial “D..., S.A.”, representada pelo presidente do conselho de administração E..., e o Dr. H..., que outorgou por si e como procurador dos Srs. Drs. F... e Dr. I..., declararam prometer vender à “B..., S.A.” e a quem esta indicar, as quotas que representavam a totalidade do capital social da “G..., Lda.”, pelo preço global de 200.000.000$00, entregue integralmente no acto e de que foi dada quitação;
o) Da “Cláusula 3ª” do referido acordo consta o seguinte:
“1 – São pressupostos essenciais e base do negócio:
a) O reconhecimento pela B... da homologação do pedido de viabilidade para construção de um Posto de Abastecimento pela Câmara Municipal ..., do prédio referido nas Cláusulas anteriores, conforme Despacho sobre o requerimento n.º 7172 que se junta e fica a fazer parte integrante deste contrato.
b) A situação económico-financeira da G... ser semelhante ou igual à manifestada na declaração feita por aquela sociedade, relativa ao ano de 1989 conforme modelo 22 do IRC, à excepção do mobiliário e equipamento que se admite seja cedido.
c) A existência no património da G... do prédio sito no Porto, na Av. ..., com a área de 1040 m2, confrontando a Norte com a Av. ..., a Sul e Nascente com o S..., Lda.” e a Poente com o acesso ao T..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto na ficha n.º 00202/201087, da Freguesia ..., Concelho do Porto e que é parte destacada do Prédio inscrito no Artigo 60 da respectiva Matriz Predial.
2 – O primeiro outorgante compromete-se a diligenciar por todos os meios no sentido e ser viabilizado pela Câmara Municipal ... o projecto de construção, podendo, para o efeito, solicitar a colaboração do Sr. E....
3 – No caso de impossibilidade absoluta da construção do referido Posto de Abastecimento por não serem obtidas as autorizações necessárias e até ao 30º dia após comprovação dessa impossibilidade, deverão ser devolvidas, sem juros, todas as quantias entregues, descontadas das despesas efectuadas pela G..., por causa deste contrato, documentalmente comprovadas.”;
p) A 24 de Setembro de 1992, a autora instaurou contra a sociedade comercial “D..., S.A.”, o Dr. F..., o Dr. H..., o Dr. I... e U... acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que fosse declarada a resolução do contrato promessa referido na alínea n), com efeitos desde 26 de Setembro de 1990, e a condenação solidária dos réus a devolverem à autora a quantia de 200.000.000$00 e a pagarem juros de mora à taxa mais alta das operações activas de crédito, acrescida de 2% sobre tal quantia, pelo menos desde 27 de Outubro de 1990, até efectiva liquidação, os quais, contabilizou à data no montante de 76.383.560$00;
q) Tal acção correu termos pelo Tribunal da Comarca do Porto, 5ª Vara, 3ª Secção Cível, com o número 7620/1992, no âmbito da qual, a 6 de Dezembro de 2006, foi proferida a sentença cuja certidão se encontra junta a fls. 31 e seguintes e cujo teor se dá aqui por reproduzido, objecto de aclaração por despacho de 31 de Janeiro de 2007, que declarou resolvido o aludido contrato promessa, absolveu do pedido a ré U... e condenou os demais réus, “em consequência da resolução automática do contrato, a devolverem, solidariamente, à autora a quantia que actualmente é de €997.595,79 (…), desde 30 de Novembro de 2001, bem como a pagarem-lhe juros de mora, contados desde essa data até integral pagamento, às taxas supletivas legais, até efectiva liquidação”;
r) Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 22 de Novembro de 2007, tal sentença foi revogada no que respeita aos juros de mora, considerando-se vencidos desde 27 de Outubro de 1990;
s) O acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido a 16 de Outubro de 2008;
t) A 22 de Novembro de 2008 foi celebrado entre a autora e os Srs. Drs. H... e I... um acordo, denominado “Protocolo”, cuja cópia se encontra junta a fls. 630 verso e 631 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, nos termos do qual estes entregaram à autora, naquela data, por conta da dívida reconhecida nas decisões judiciais referidas p) a s), cada um a importância de 100.000,00 euros, obrigando-se, adicionalmente, em conjunto, a entregar à autora, por transferência bancária, prestações mensais de 5.000,00 euros, vencíveis no último dia útil daquele mês e dos meses subsequentes, até que o total das quantias entregues ascendesse a 800.000,00 euros, bem como a ceder à autora as quotas no valor nominal de 1.250,00 euros que possuíam no capital da sociedade comercial “G..., Lda.”, obrigando-se a autora, por sua vez, a abster-se de “quaisquer iniciativas processuais” contra aqueles, “enquanto se verificar o regular cumprimento (…) das obrigações assumidas no presente protocolo” e a dar-lhes “integral quitação pela sua dívida, uma vez liquidada a totalidade do valor referido (…), sem prejuízo de continuar a exigir dos restantes devedores solidários a parte restante da dívida (…)”;
u) A autora instaurou contra o Sr. Dr. F... acção executiva, tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de 3.559.029,97 euros, a qual correu termos pelo 2º Juízo, 3ª Secção, dos Juízos de Execução do Porto, com o número 6685/09.5YYPRT, no âmbito da qual não foi penhorado qualquer bem, direito ou crédito;
v) A autora instaurou contra a sociedade comercial “D..., S.A.” acção executiva, tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de 3.482.714,19 euros, a qual correu termos pelo 2º Juízo, 3ª Secção, dos Juízos de Execução do Porto, com o número 8278/08.5YYPRT, onde, a 17 de Maio de 2010, lhe foi adjudicada a quota de que a executada era titular na sociedade comercial “G..., Lda.”, no valor nominal de 11.222,95 euros, pelo valor de 400.000,00 euros;
w) No âmbito de tal acção executiva apenas foi possível penhorar a referida participação social, não lhe sendo conhecidos outros bens ou direitos, não exercendo qualquer actividade na respectiva sede;
x) Em 1990, E... iniciou negociações com a autora, tendo em vista a venda do prédio identificado na alínea l);
y) A compra de tal prédio interessava à autora, com a condição de ser possível nele instalar um posto de abastecimento de combustíveis;
z) A autora acertou com E... os termos da compra e venda do referido prédio, incluindo o respectivo preço;
aa) A propriedade do prédio identificado na alínea l) estava registada a favor da sociedade comercial “L..., Limitada”, de cujo património o E... dispunha livremente, sem oposição dos demais sócios, entre eles a mulher e empregados;
bb) A 20 de Março de 1990, a sociedade comercial “L..., Limitada”, representada pelo sócio e gerente E..., solicitou junto da Câmara Municipal ... informação acerca da viabilidade de instalar um pequeno posto de venda de combustível no prédio identificado na alínea l);
cc) A fim de evitar o pagamento do imposto, em sede de IRC, que a venda do prédio identificado na alínea l) pela sociedade comercial “L..., Limitada” à autora, pelo preço referido na alínea n), acarretaria, E... e os sócios da sociedade comercial “G..., Lda.” acordaram realizar a compra e venda escrita na alínea m) e posteriormente ceder as quotas de que eram titulares nesta última sociedade à autora;
cc-1) – E... decidiu alienar o imóvel, por 6.240 contos, a uma sociedade com um capital representado por quotas detidas pelos sócios desde data anterior à entrada em vigor dos Códigos de IRS e IRC (1/1/1989).
cc-2 - A fim de, posteriormente, fazer vender à A., por sua conta e no seu interesse, as quotas dessa sociedade em vez do próprio prédio, evitando custos ficais.
cc-3 – A sociedade que para tanto elegeu foi a G..., Lda, cujo capital social era representado por quotas detidas desde data anterior à entrada em vigor do CIRS.
dd) O preço a pagar pela autora seria entregue ao E..., com o acordo dos mesmos sócios;
ee) À data, era o E... quem determinava a gestão da sociedade comercial ré;
ff) À data, as pessoas singulares sócias da sociedade comercial “G..., Lda.” estavam ligadas ao E... por laços de parentesco (em relação ao sócio Sr. Dr. F...) ou de amizade (em relação aos sócios Srs. Drs. H... e I...);
gg) A sociedade comercial “G..., Lda.”, à data, não tinha património significativo e os seus sócios não tinham interesse em prosseguir com a mesma qualquer actividade;
hh) Na sequência do aludido acordo, foi celebrado, por sua vez, o denominado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”, mencionado nas alíneas n) e o);
ii) A autora, por indicação de E... e com o acordo dos sócios da sociedade comercial “G..., Lda.”, pagou o preço referido na alínea n) através de dois cheques, no valor unitário de 100.000.000$00, sacados sobre o “V...”, datados de 20 e 24 de Agosto de 1990, com os números .......... e .........., o primeiro à ordem do Sr. Dr. F... e o segundo à ordem de E...;
jj) A sociedade comercial “D..., S.A.” e os Srs. Drs. F..., H... e I..., enquanto sócios da sociedade comercial “G..., Lda.”, na altura referida na alínea ii), não receberam o preço referido na alínea n), na devida proporção;
kk) Uma parte do preço, pelo menos, esteve depositada numa conta bancária titulada pelo E...;
ll) Por despacho do Vereador do Pelouro e Urbanismo e Reabilitação Urbana da Câmara Municipal ..., de 2 de Agosto de 1990, foi indeferido o requerimento referido na alínea bb);
mm) A autora teve conhecimento do despacho referido na alínea anterior após a assinatura do acordo descrito nas alíneas n) e o);
nn) A autora, por carta datada de 26 de Setembro de 1990, comunicou ao Sr. Dr. H... o seguinte:
“Conforme consta do contrato promessa celebrado, é pressuposto essencial e base do negócio de cessão de quotas da D..., a viabilidade para construção de um Posto de Abastecimento em terreno, propriedade daquela Sociedade, sito na Av. ..., no Porto.
Tendo a B... tomado conhecimento de que a Câmara Municipal ... revogara, em 2 de Agosto de 1990, o deferimento constante do despacho de 28 de Maio de 1990, sobre a viabilidade para instalação do Posto de Abastecimento e estando assim postos em causa os fundamentos do contrato celebrado entre as partes, consideramos o contrato resolvido, pelo que deve ser imediatamente restituída à B... a importância entregue a título de sinal, reservando-nos todos os demais direitos que nos assistam nos termos do contrato e da lei.”;
oo) O Sr. Dr. H... remeteu à autora a resposta cuja cópia se encontra junta a fls. 595 verso a 596 verso, datada de 27 de Setembro de 1990, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
pp) E... faleceu a 12 de Fevereiro de 2001, deixando como seus únicos herdeiros legitimários a mulher, C..., e o filho Sr. Dr. F...;
qq) Por escritura pública outorgada a 4 de Janeiro de 2002, no Primeiro Cartório Notarial de Vila do Conde, a ré C... (também instituída herdeira da quota disponível por testamento) e o filho, Sr. Dr. F..., declararam proceder à partilha da herança do referido E..., identificando as seguintes verbas:
- Verba número um: metade indivisa do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com o n.º 00693;
- Verba número dois: fracção autónoma designada pela letra C, do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia ..., com o n.º 3024;
- Verba número três: ¼ indiviso do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia ..., com o n.º 4506;
rr) Aos bens e direitos referidos na alínea anterior foi atribuído o valor de 66.510,58 euros;
ss) Tais verbas foram adjudicadas à ré C... (com uma quota de 2/3), com a obrigação de repor o excesso ao filho (com uma quota de 1/3), o qual declarou ter recebido as tornas apuradas;
tt) Na sequência da morte de E..., a cabeça de casal, a ré C..., apresentou junto da Fazenda Nacional a relação de bens cuja cópia se encontra junta a fls. 388 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
uu) A ré “D..., S.A.” não exigiu à ré C... e ao filho o pagamento de qualquer quantia por causa da condenação referida nas alíneas p) a s);
vv) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 31 de Março de 1991, presidindo à mesa o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social – E..., C..., Sr. Dr. F..., N... e O..., foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1990;
ww) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 30 de Março de 1992, presidindo à mesa o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social – E..., C..., Sr. Dr. F..., N... e O..., foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1991;
xx) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 30 de Março de 1994, presidindo à mesa o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social – E..., C..., Sr. Dr. F..., N... e O..., foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1993;
yy) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 16 de Julho de 1996, presidindo à mesa o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social – E..., C..., Sr. Dr. F..., N... e O..., foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1995;
zz) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 26 de Maio de 1997, presidindo à mesma o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social, foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1996;
aaa) Na assembleia geral da ré “D..., S.A.” realizada a 17 de Junho de 1998, presidindo à mesma o Sr. Dr. H... e estando presentes os accionistas representantes da totalidade do capital social, foram, para além do mais, aprovadas, por unanimidade, o relatório e contas referentes ao exercício de 1997;
bbb) O preço referido na alínea n), corresponde ao valor atribuído do prédio identificado na alínea l);
ccc) Nas contas da sociedade comercial ré, a título de suprimentos, entre 1990 e 1997, estão inscritos os seguintes montantes:
- 1990 – 30.000.000$00;
- 1991 – 132.000.000$00;
- 1992 – 182.000.000$00;
- 1993 – 189.000.000$00;
- 1994 – 186.900.000$00;
- 1995 – 249.900.000$00;
- 1996 – 252.616.699$00;
- 1997 – 236.481.115$00;
ddd) A autora, a 19 de Outubro de 2010, instaurou contra as ora rés uma acção declarativa com processo ordinário, a qual foi distribuída com o número 9398/10.1TBVNG, à 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, pedindo que fosse reconhecido o seu direito a exercer, por via de sub-rogação, o direito de crédito da ré sociedade sobre a primeira ré e que seta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 2.425.891,70 euros, sendo 665.063,83 euros de capital em dívida e 1.760.827,90 euros de juros de mora, contados desde 27 de Outubro de 1990 e até 15 de Outubro de 2010, às taxas supletivas legais, sem prejuízos dos juros vincendos até integral pagamento, com os fundamentos também alegados na presente acção;
eee) No âmbito de tal acção foi proferida decisão que declarou a incompetência daquele tribunal, em razão da matéria, para conhecer da acção, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, o qual, por sua vez, foi conformado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 26 de Junho de 2012;
fff) No âmbito de tal acção, a autora declarou ter recebido dos co-obrigados solidários a quantia global de 355.000,00 euros;
ggg) A presente acção deu entrada neste Juízos de Comércio a 26 de Novembro de 2012.
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Factos não provados.
Não se provaram outros factos, designadamente os demais alegados nos artigos 9º, 14º, (20º a 22º eliminados deste elenco) 23º e 24º, 36º, 37º, (38º- eliminado deste elenco), 45º, 57º, 60º a 62º e 69º da petição inicial e nos artigos 64º, 68º, 69º, 77º, 88º da contestação e no artigo 53º da réplica.
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Na resposta que ofereceu ao recurso, a ré C... arguiu a nulidade da sentença, em virtude de o respectivo segmento correspondente à decisão sobre a matéria de facto se justificar na ponderação de vários depoimentos que igualmente qualifica como nulos.
Esta nulidade resultar-lhes-ia da circunstância de os respectivos depoentes - Drs. H..., I... e K... – terem tido conhecimento dos factos sobre que testemunharam no âmbito da sua actividade profissional enquanto advogados: os primeiros enquanto mandatários de E...; o Dr. K... enquanto director geral dos serviços jurídicos da autora. Os seus depoimentos teriam, por isso, violado os seus deveres de sigilo profissional, em razão do que não poderiam ter sido valorados, como foram.
Refere ter suscitado essa questão no seu requerimento de 29/9/2017, arguindo agora a questão ao abrigo do disposto no art. 636º, nº 2 do CPC.
Dispõe esta norma: “2 — Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.”
No caso em apreço, a utilização deste expediente processual ocorre de forma sui generis, pois que não lhe é apontado um fim que seja inteligível.
Por um lado, tendo a sentença decretado a improcedência da pretensão da autora, a arguição da respectiva nulidade pela ré/recorrida só seria compreensível se fosse feita a título subsidiário. Porém, não é isso que resulta expresso na resposta ao recurso, onde essa nulidade vem arguida pura e simplesmente, não se enunciando aquela hipótese de subsidiariedade.
Mas ainda que se admitisse que essa subsidiariedade estava implícita na arguição – isto é, que só se suscitava a questão para a hipótese de procedência da apelação - a recorrida também não identifica quais as consequências que deveriam decretar-se em razão do reconhecimento da nulidade de tais depoimentos.
Com efeito, na sequência da arguição da nulidade desses depoimentos, seria indispensável a extracção de consequências para a decisão em crise, designadamente no tocante à identificação dos factos que, tendo resultado provados, por consequência da nulidade haveriam de ser tidos por não provados. E, consequentemente, haveria de desenvolver-se a explicitação de um raciocínio em função do qual, na ausência de tais determinados factos, a acção haveria de improceder.
Porém, nada disso é apresentado. A recorrida limita-se a afirmar uma genérica nulidade de toda a sentença, esquecendo que a nulidade dos depoimentos apenas haveria de produzir efeitos ao nível da decisão da matéria de facto, e deixando por referir em que termos é que isso haveria de, subsidiariamente, determinar a improcedência da acção. É que, mesmo a concluir-se pela nulidade daqueles actos instrutórios, isso jamais poderia redundar numa genérica nulidade da decisão final, em face do disposto no nº 2 do art.195º do CPC.
Note-se, com efeito, que a nulidade apontada à sentença não pode subsumir-se a qualquer das hipóteses previstas no art. 615º do CPC, sendo inequívoco que o que está em causa é uma arguição de nulidade do procedimento, a poder ter efeitos na decisão, e não uma nulidade intrínseca da decisão. Porém, nenhum desses efeitos vem sequer referido.
Em qualquer caso, esta inadequada forma de arguição da referida nulidade – em termos que sempre prejudicariam a sua eficácia, como vimos - resulta inconsequente, porquanto, como veremos, nem tal nulidade poderia agora ser declarada, nem, a final, se haveria sequer de reconhecer a sua ocorrência.
Com efeito, os depoimentos em questão tiveram lugar em 29/6/2017 – o do Dr. H... – em 30/6/2017 – o do Dr. I... – e em 14/9/2017 – o do Dr. K... – e decorreram sem que qualquer questão fosse suscitada quanto a um qualquer fundamento de escusa para a sua prestação. Nada foi oposto ou requerido a propósito da prestação de tais depoimentos testemunhais, como resulta das actas das sessões de audiência de julgamento, jamais tendo sido arguido que os mesmos poderiam redundar em transgressão ao dever de sigilo profissional dessas testemunhas, dada a sua qualidade de advogados e a natureza das suas intervenções nos factos em discussão. E isso não obstante a recorrida estar devidamente representada, pelo seu Il. Advogado, nas sessões da audiência de julgamento em que tais depoimentos foram colhidos.
Alega agora a recorrida que tais actos (depoimentos) não são admitidos por lei, dado o disposto no art. 92º do E.O.A., e, por poderem influenciar na decisão da causa, deverão ser declarados nulos, não podendo ser valorados enquanto meio de prova. Subsume tal nulidade ao regime do art. 195º, nºs 1 e 2, do CPC.
A ser assim – o que apenas se admite por hipótese teórica – a tese da recorrida compreenderia em si mesma as razões da sua falência: nos termos do art. 199º, nº 1 do CPC, a nulidade em questão só poderia ter sido arguida no próprio acto, já que a parte que agora a invoca ali se encontrava representada. Não o tendo sido, ficou precludida a possibilidade da sua arguição. O mesmo é dizer-se, ficou sanada tal nulidade pelo decurso do tempo.
A este propósito, repete-se, nada opôs a ré, ora recorrida, à prestação dos depoimentos das referidas testemunhas, apesar de estar presente (representada) no acto judicial respectivo, onde haveria de ter suscitado as questões que agora coloca. De resto, foi até a autora que, em 28/9/2017 veio arguir a nulidade do depoimento de outra testemunha, por razões idênticas, em termos que foram indeferidos por decisão incluída no texto da própria sentença. E só em resposta a esse requerimento é que a ré, em 29/9/2017, mencionou, e então como mera hipótese e em reacção ao requerimento da autora, a possibilidade de os depoimentos do Dr. H..., do Dr. I... e do Dr. K... poderem revelar-se violadores dos deveres de sigilo profissional a que estavam sujeitos. Ou seja, nem então – e mesmo então já isso seria extemporâneo – arguiu a nulidade de tais depoimentos.
Deve, pois, concluir-se que, mesmo a terem sido obtidos em violação de deveres de sigilo profissional, a nulidade que daí adviria para os depoimentos dos Drs. H..., I... e K..., só poderia qualificar-se como nulidade secundária, resultante do disposto no art. 195º, nº 1 do CPC (de resto, tal como entende a recorrida). E, nesse caso, para que pudesse ser conhecida, haveria de ter sido arguida aquando da prestação dos próprios depoimentos, pela parte a quem tal interessava, que então se encontrava representada por advogado. E não o foi.
Jamais, poderia, pois, ser agora declarada a nulidade de tais depoimentos (neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 20/9/2007, proc. nº 07B2224, em dgsi.pt: “1 . De entre as várias figuras – incapacidade para depôr, impedimento para depôr, recusa de prestação de depoimento e escusa de prestação do depoimento – a do advogado, relativamente ao sigilo profissional não objecto de dispensa, integra-se nesta última. 2. Neste caso, deve o causídico que estiver abrangido pelo segredo profissional, escusar-se a depor relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo; 3 . O juiz, feito o interrogatório preliminar, deve também vedar o depoimento violador de tal sigilo. E, na circunstância, a parte contra quem a testemunha foi arrolada pode impugnar a sua admissão, no respeitante à matéria sigilosa. 4 . Se, apesar do dever imposto à testemunha, da imposição de actuação do juiz ou da concessão da faculdade à contraparte, aquela vier a depor, o depoimento, na parte afectada, é nulo. 5 . Esta nulidade é secundária, devendo a parte prejudicada observar – se não houve já esgotamento nos termos do artigo 637.º, n.º1 do Código de Processo Civil - o regime temporal previsto no artigo 201.º do mesmo código.(…).
Contra a conclusão pela sanação da nulidade dos actos em questão, caso se tivesse verificado – o que não se concede - nem se afirme que só agora resultou oportuno operar tal arguição, pois que só agora, na sentença, a questão foi alvo de decisão. É certo que, na sentença, conhecendo do requerimento autora relativamente ao depoimento do Dr. W... e à sua intervenção na elaboração de um documento relevante para a decisão da causa e sua eventual afectação pela violação de sigilo profissional, tese esta que foi rejeitada, o próprio tribunal acabou por estender a sua argumentação aos depoimentos das restantes testemunhas referidas. Porém, quanto a estas, nem sequer estava o tribunal a decidir qualquer questão, pois que nada lhe fora requerido a tal respeito, designadamente através do requerimento de 29/9 que, como se disse, nenhuma nulidade arguiu. E bem, como se viu, pois que extemporaneamente o teria feito, se tivesse sido caso disso.
Não deve, pois, declarar-se a nulidade dos referidos depoimentos e, muito menos, a nulidade da sentença que, no decurso do processo, lhes sobreveio, o que sempre haveria de conduzir à improcedência da pretensão da recorrida.
De qualquer forma, poderia entender-se que, mesmo a não ser declarada a nulidade desses depoimentos, sempre os mesmos haveriam de ser ignorados pelo tribunal, em aplicação directa da solução prescrita pelo nº 5 do art. 92º do EOA, que dispõe: “Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.”
Na medida em que tais depoimentos tivessem sido valorados, em sede de sindicância do juízo de prova do tribunal recorrido, os mesmos deveriam ser desconsiderados, não podendo motivar a convicção do tribunal sobre a factualidade correspondente. E, nessa medida, se poderia incorrer num outro juízo sobre a factualidade controvertida (cfr. neste sentido, as considerações constantes do Ac. do TRP de 13/9/2011, proc. nº 2055/09.3TVPRT.P1, em dgsi.pt: “Entendemos porém que, neste caso particular de segredo profissional, norma reforçada existe, constante do disposto no artº 87º nº5 do E.O.A., segundo o qual não podem fazer prova em juízo as declarações feitas por advogado em violação do segredo profissional. Desta forma, a admissão do depoimento de um advogado, em violação do dever de sigilo, pese embora a sanação da nulidade processual, não atinge a previsão prospectiva de irrelevância até do que for dito em juízo com violação da obrigação de segredo – o que for dito em juízo, em tais condições, tendo contribuído para a convicção do tribunal, pode constituir, nessa base, fundamento de recurso.”).
No entanto, no caso em apreço, tal efeito não se poderá produzir, por duas ordens de razões.
A primeira, como já antes se referiu, resulta da circunstância de a recorrida, mesmo a título subsidiário, não ter operado uma efectiva impugnação sobre específicos pontos da matéria de facto, apontando e dizendo qual a solução alternativa que, na ausência daqueles depoimentos, tais pontos deveriam merecer. Incumpriu, assim, o disposto no art. 636º, nº 2 do CPC, prejudicando uma eventual intervenção correctiva deste tribunal de recurso nessa matéria.
A segunda, mais relevante, resulta, enfim, na conclusão de que nenhuma das referidas testemunhas incorreu na violação de deveres de sigilo profissional a que estivessem sujeitos em razão da sua qualidade de advogados.
E isso porquanto, como resulta claramente dos termos da causa e do teor desses mesmos depoimentos, nenhuma destas testemunhas interveio nas relações e situações jurídicas que constituem a causa de pedir desta acção na sua qualidade de advogados de qualquer das partes, designadamente o Dr. K... como advogado da autora e os Drs. H... e I... como advogados de E..., antecessor da ré C..., ou da co-ré D....
Com efeito, o primeiro teve intervenção nos factos discutidos na causa na qualidade de funcionário da autora, como director de serviços jurídicos, e não no âmbito de um relacionamento de mandato ou patrocínio judiciário. A sua participação nos actos que integram a relação jurídica em causa ocorreu enquanto elemento da organização colectiva que a autora constitui e não enquanto advogado, com um intervenção externa, paralela e de aconselhamento, auxilio, ou preparação de actos jurídicos em que a autora, como sua cliente, houvesse de intervir.
Por sua vez, os segundos, tiveram intervenção na mesma relação jurídica, não por terem sido advogados de E... ou da co-ré D..., S.A., mas por terem sido verdadeiramente parte no negócio jurídico celebrado com a autora, no âmbito da transmissão de quotas sociais num sociedade que integravam com a D..., S.A.. E a sua intervenção nessa qualidade é tão óbvia que acabaram pessoalmente responsabilizados pelo pagamento de 400.000,00€, cada um, à ora autora, o que jamais haveria de ter acontecido se de advogados das partes desse negócio se tratassem.
Por todo o exposto, só pode rejeitar-se a arguição de nulidade deduzida pela recorrida, a propósito dos depoimentos das testemunhas referidas, mais se afirmando que nem sequer a sua qualidade de advogados afecta a utilidade dos respectivos depoimentos à luz do nº 5 do art. 92º do EOA, por não se concluir que tenham tido intervenção, nessa qualidade, no negócio jurídico que integra a causa de pedir da presente acção.
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Cumpre, então, passar à apreciação do recurso da autora.
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Começa a apelante por pretender que à factualidade provada se adicione a matéria que alegara sob os arts. 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial. Afirma que isso deve inferir-se, por presunção, de outros factos provados, bem como dos depoimentos de testemunhas, que especifica. É óbvio, assim, que cumpre o ónus processual imposto pelo art. 640º do CPC, cabendo apreciar o seu recurso também nessa parte.
Alega, então, que os factos provados sob as alíneas x), z), aa), cc), dd), gg), m, n), hh), bbb) jj) e kk) mostram que os sócios da G..., LDA deixaram a sociedade adquirir o prédio identificado na alínea l), por 6.240 contos, e prometeram ceder as suas quotas à A., por 200.000 contos, ao abrigo de um acordo com o E... que visava permitir-lhe ficar com o preço da cessão de quotas, sem suportar impostos, e que estes factos permitem concluir que foi o E... a urdir tal expediente, para receber e conservar o preço do prédio sem impostos, e que todos os sócios da G..., incluindo a sociedade R., nenhum interesse tiveram na operação, antes actuando exclusivamente por conta e no interesse dele. Assim, por presunção, conclui pela comprovação dos factos descritos nos artigos 20º, 21º, 22º, 38º e 39º da petição inicial.
Tais artigos apresentam o seguinte teor:
20 - (E...) Urdiu o expediente de alienar o imóvel, por baixo preço, a uma sociedade com um capital representado por quotas detidas pelos sócios desde data anterior á entrada em vigor dos Códigos de IRS e IRC (1/1/1989).
21 - A fim de, posteriormente, fazer vender à A., por conta e no interesse dele (E...) as quotas dessa sociedade em vez do próprio prédio, evitando custos ficais, designadamente face ao disposto no art. 5º do D.L. 442-A/88, de 30/11, que aprovou o Código do IRS.
22 – A sociedade que para tanto elegeu foi a G..., Lda, cujo capital social era representado por quotas detidas desde data anterior à entrada em vigor do CIRS.
38 – A R. sociedade, tal como os restantes sócios da G..., Lda, ao outorgar no contrato-promessa, actuou por conta e no interesse de E...
39 – Tendo exclusivamente em vista permitir ao E..., através da cessão de quotas da G..., Lda, alienar o imóvel sem suportar custos fiscais.
Por sua vez, já sem controvérsia, o tribunal deu por provado:
- Que em 1990, E... iniciou negociações com a autora, tendo em vista a venda do prédio;
- Que a autora acertou com E... os termos da compra e venda do referido prédio, incluindo o respectivo preço;
- Que a propriedade desse prédio estava registada a favor da sociedade comercial “L..., Limitada”, de cujo património o E... dispunha livremente, sem oposição dos demais sócios, entre eles a mulher e empregados;
- Que a venda do prédio pela “L..., Limitada” à autora, pelo preço de 200.000 contos acarretaria pagamento de imposto em sede de IRC, pelo que E... e os sócios da sociedade comercial “G..., Lda.”, para o evitarem, acordaram realizar a compra e venda do prédio pelo valor de 6.240 contos para a G..., Lda, cujas quotas seriam posteriormente cedidas à autora;
- Que o preço a pagar pela autora seria entregue ao E..., com o acordo dos mesmos sócios;
- Que a G..., à data, não tinha património significativo e os seus sócios não tinham interesse em prosseguir com a mesma qualquer actividade.
- Que foi nessa sequência que, em 27 de Agosto de 1990, através de um “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”, os sócios da G..., Lda declararam prometer vender à autora as quotas que representavam a totalidade do capital social da “G..., Lda.”, pelo preço global de 200.000.000$00, entregue integralmente no acto e de que foi dada quitação;
- Que os promitentes vendedores não receberam a parte do preço correspondente à proporção das suas quotas;
- Que pelo menos uma parte do preço esteve depositada numa conta bancária titulada por E...;
- Que o preço entregue pelas quotas corresponde ao preço por que foi negociado o prédio.
Sem prejuízo da desconsideração dos segmentos que sejam meramente conclusivos ou correspondam a conceitos jurídicos, a análise destes factos já incontroversos nos autos levam-nos a concluir pela comprovação daqueles que a apelante pretende que se tenham por adquiridos.
Com efeito, o que resulta dos factos que vêm de se enunciar é que as sociedades L..., G..., Lda e D... sempre foram meros instrumentos de execução dos projectos negociais e, nessa medida, da exclusiva vontade, de E.... Isso resulta claramente da circunstância de ter sido ele que negociou, pessoalmente, os termos do negócio da venda do prédio com a autora. E, a final, de ter sido ele quem ficou com o preço pago pela autora, com total acordo dos alienantes, preço esse que foi depositado, pelo menos parte dele, numa conta sua. Mas isto é, por outro lado, coerente com o facto de os sócios da G..., Lda não terem recebido esse preço na proporção das quotas que detinham nesta sociedade, escolhida como veículo para operar a transmissão do prédio para a autora. De resto, nada, a não ser o prédio, tinha valor na G..., Lda, como se verificou: não tinha património e os seus sócios não iriam prosseguir qualquer actividade, no desenvolvimento de qualquer vertente do respectivo objecto social.
Por outro lado, a L... vendeu à G..., Lda o prédio em questão, por pouco mais de 6.000 contos, que correspondia ao preço pelo qual esse imóvel estava contabilizado no seu património. Mas isso ocorreu quando já estava prevista a sua venda à autora por 200.000 contos, a concretizar através da alienação das quotas da G..., Lda. Um negócio que pareceria tão prejudicial para a L..., deixando a outrem embolsar o lucro que poderia ter angariado se negociasse com a autora, obviamente que nenhuma perplexidade gerou para os respectivos sócios, pois que também estes eram meros instrumentos da vontade negocial de E..., tendo o tribunal dado por provado que era este E... que dispunha livremente do respectivo património, pois que os sócios dessa empresa foram sendo a mulher e meros empregados.
Acresce que o tribunal recorrido verificou com clareza a causa de o negócio ter sido concretizado nestes termos: prevenir a sua tributação fiscal. Vendendo as quotas da sociedade que fosse dona do prédio, transitaria para o comprador o património dessa sociedade, in casu, o prédio pretendido pela autora; e isso concretizar-se-ia sem tributação, ao abrigo que uma norma fiscal transitória. Se a L... vendesse o prédio, a diferença entre o valor pelo qual o mesmo estava registado no seu património (6.240 contos) e o preço de venda (200.000 contos) geraria um significativo custo tributário. Através do expediente utilizado, foi prevenida tal base de tributação.
A nosso ver, além da factualidade alegada pela autora se inferir da factualidade provada, como se acaba de explicar, devendo, por isso, ter-se por provada nos termos permitidos pelos arts. 349º e 351º do C. Civil, a questão essencial sob análise reconduz-se à plena sujeição do processo negocial, do domínio sobre o prédio a vender e da vontade colectiva das sociedades intervenientes (L..., D... e G..., Lda) à exclusiva vontade de E....
Ora uma tal sujeição foi devidamente caracterizada e explicada nos impressivos depoimentos dos Il. Advogados Dr. I... e Dr. H..., cuja seriedade, isenção e credibilidade de forma alguma podem ser – ou foram, mesmo em contra-instância - postos em causa. O primeiro, mais influenciado por uma componente afectiva, e o segundo, de forma mais crua e esclarecedora, em termos totalmente convincentes, bem descreveram o contexto de familiaridade e profunda amizade entre ambos e o seu amigo de infância e colega de faculdade Dr. F..., filho de E..., e o apoio que deste sempre receberam, justificado num implícito interesse de E... em que os demais ajudassem o seu filho, quer na conclusão do curso de Direito, quer no início do exercício da profissão de advogados. Descreveram como a própria G..., Lda havia sido constituída com quotas para eles – embora com um pleno domínio da sociedade D..., pertencente e controlada também por E... – em data anterior e como a questão da sua utilização para ser o veículo de transmissão do prédio para a autora se traduziu naquilo que o Dr. H..., no seu depoimento, repetidamente apelidou como uma solução de “eficiência fiscal”. Descreveram como nenhuma parcela do preço receberam, tendo sido E... a embolsar todo o valor, repartido por cheques e depositado de forma a não suscitar especial atenção do fisco. Descreveram como E... logo tratou de gastar e investir o dinheiro recebido, numa casa nova, em carros e na compra de imóveis, no giro da sua actividade e no desenvolvimento de actividades de sociedades como a L... e outras. E mais descreveram todo o domínio de E... ainda durante o processo de impugnação da decisão administrativa que motivou a resolução do negócio pela autora e a pretensão de devolução do dinheiro pago, que E... sempre lhes garantiu que devolveria se a tal fossem condenados, pois que mantinha meios financeiros disponíveis para o efeito, o que até acreditam que aconteceria se ele não tivesse morrido e se a autora e ou o filho F... se não tivessem apropriado do dinheiro, em sede de partilhas subsequentes a tal óbito.
Ou seja, a tal ponto chegou a influência de E... sobre as próprias testemunhas Dr. I... e Dr. H... que estes, ainda hoje, depois dos custos pessoais e económicos que inequivocamente sofreram, ainda acreditam que nada disso teria acontecido se E... não tivesse morrido, pois ele assumiria as consequências da resolução do contrato, como assumiu todo o processo negocial e todos os efeitos do negócio celebrado com a autora, durante a sua vida. E isso, incluindo no tocante à impugnação da decisão administrativa que, obstando à construção de um posto de gasolina no imóvel, motivou a resolução do negócio, bem como no tocante à defesa de todos os RR – sócios da G..., Lda – na acção em que a ora apelante pediu a respectiva condenação à devolução do dinheiro pago. Como contaram, tal defesa foi dirigida pelo Dr. X..., contratado por E..., independentemente de qualquer aconselhamento ou acompanhamento das circunstâncias pelos próprios Dr. I... e Dr. H....
Note-se, por outro lado, que do depoimento da Dra. J..., que representou a autora em sede negocial, nada se retira de molde a infirmar o que vem de expor-se. Pelo contrário, afirmou expressamente (9´40´´) que foi E... que negociou com a autora e que a opção pela alienação das quotas da G..., Lda, a quem a L... vendera o imóvel, se deveu a “motivos fiscais dele” (9’56’’). E se admite que o Dr. H... tenha estado nas circunstâncias da negociação em que ela própria esteve, acaba por admitir quer que pode ter havido outras reuniões em que ela não tenha estado, nas quais a hipótese de ele também não estar presente não é de excluir, quer que o Dr. H... lá não estava como advogado, mas a acompanhar E.... Ou seja, não obstante a menor exactidão do seu depoimento, justificada pelo tempo decorrido, mesmo a presença que refere, do Dr. H..., não é mais do que para a reduzir a mera companhia de E..., não obstante ser diversa a interpretação da recorrida.
Acresce que, como narraram de forma absolutamente isenta e convincente os Drs. I... e H..., além de terem conseguido acabar por transferir o património da G..., Lda, através da alienação das suas quotas, e da de F... (que entretanto tinha sido “posta em nome” do Dr. H...), para a autora, que havia adquirido, em execução, a da própria sociedade ré D..., S.A., estas testemunhas ainda acabaram por pagar, pessoalmente e cada um, 400.000,00€, dado que foram solidariamente condenados, com a D..., S.A. a restituir o valor dos 200.000 contos e juros, que haviam sido entregues pela autora no âmbito deste negócio, e que ninguém mais devolveu.
De resto, na análise feita à prova produzida perante si, o tribunal a quo não divergiu essencialmente do que vem de expor-se. Apenas entendeu que, em função dos elementos formais da situação – tais como o prédio ser pertença da L... e não de E... – não deveria avançar até à conclusão da existência de um total domínio de E... sobre sociedades e demais intervenientes no negócio (o que, obviamente, não inclui a autora), bem como até à conclusão, que com isso seria coerente, sobre o condicionamento de todos os termos do negócio em função, exclusivamente – da vontade daquele. Porém, salvo o devido respeito, com tal limitação quase incorreu em contradição com outra factualidade que deu por provada, designadamente a descrita sob as als. z), aa), dd), ff), e jj).
Acresce que, se dúvidas houvesse, a ponderação sobre o destino dado ao dinheiro pago pela autora logo as eliminaria: revelando a personalização do negócio no próprio individuo E... e não em qualquer das sociedades que utilizou para o efeito – a L..., a G..., Lda e a D..., S.A. – foi ele próprio que tratou de embolsar os 200.000 contos, que aplicou em despesas pessoais – v.g. casa particular e carros – além de outros investimentos, esses eventualmente no âmbito das sociedades que dominava. Tudo como descreveram as testemunhas citadas, em termos sinceros, isentos e convincentes. Aliás, como infra se repetirá, mesmo a explicação segundo a qual esse capital reingressou na D..., S.A. funda-se na identificação de um crescente montante de suprimentos nas contas desta sociedade. Porém, enquanto classificado como suprimento, esse capital sempre seria alheio, gerando passivo para a sociedade, a favor do autor desses mesmos suprimentos.
Daqui se tem de retirar que a intervenção de E... na construção e na execução do negócio feito com a autora não se traduz numa representação orgânica de qualquer das sociedades intervenientes, designadamente daquelas relativamente às quais tinha poderes de administração. Pelo contrário, tais sociedades foram meros veículos para a execução da sua vontade pessoal, na execução de um negócio pretendido para a sua própria esfera jurídica, para a qual reverteram de imediato os resultados financeiros do negócio.
Assim, da conjugação da factualidade dada por provada e da demonstração que desta deriva, por presunção judicial, quanto aos factos sob análise, com os depoimentos sinceros, isentos e absolutamente convincentes das referidas testemunhas (particularmente analisados pelo tribunal recorrido em termos que se acolhem), concluímos resultar provada a matéria alegada pela autora e que vimos analisando, a qual, reduzida a elementos factuais, se traduz no seguinte:
1 – E... decidiu alienar o imóvel, por 6.240 contos, a uma sociedade com um capital representado por quotas detidas pelos sócios desde data anterior à entrada em vigor dos Códigos de IRS e IRC (1/1/1989) (art. 20º da p.i.)
2 - A fim de, posteriormente, fazer vender à A., por sua conta e no seu interesse, as quotas dessa sociedade em vez do próprio prédio, evitando custos ficais (art. 21º da p.i.)
3 – A sociedade que para tanto elegeu foi a D..., Lda, cujo capital social era representado por quotas detidas desde data anterior à entrada em vigor do CIRS. (art. 22º da p.i.).
Não caberá, no entanto, enunciar que a R. sociedade, tal como os restantes sócios da G..., Lda, ao outorgar no contrato-promessa, actuou por conta e no interesse de E... (art. 38º da p.i.), pois que tal afirmação tem natureza conclusiva, havendo de ser extraída dos factos provados, se for caso disso; nem repetir a afirmação correspondente à matéria do art. 39º da pi., já inscrita com suficiente clareza na al. cc) dos factos provados.
Aqueles factos serão inseridos entre os itens dados por provados no correspondente segmento da sentença, sob a al cc-1), a cc-3), isso mesmo se assinalando graficamente, no lugar próprio. Rectificar-se-á, em coerência, o elenco dos factos não provados.
*
Cumpre, de seguida, em atenção à factualidade dada por provada, incluindo aquela que acima se determinou aditar, verificar da viabilidade da pretensão indemnizatória da autora.
Na sua tese, E... é responsável para com a D..., S.A. pela indemnização do prejuízo inerente à respectiva condenação no pagamento, à autora, do valor resultante da resolução do contrato promessa de cessão de quotas da G..., Lda. Tal responsabilidade, por sua vez, transmitiu-se de E... para a ré C..., por esta ter sido herdeira e ter partilhado a herança de E.... Por outro lado, a autora, enquanto credora da D..., pode sub-rogar-se a esta, no exercício do direito a uma tal indemnização.
Assim, caberá decidir:
1º - Se E... seria responsável para com a D..., pela indemnização do prejuízo que lhe resulte da sua condenação no pagamento, à autora, do valor determinado pela resolução do contrato promessa de cessão de quotas da G..., Lda
2ª –Se a autora, enquanto credora da D..., pode sub-rogar-se a esta, no exercício do direito a uma tal indemnização;
3º - Se essa responsabilidade se deve ter por transmitida para a ré C..., por esta ter sido herdeira e ter partilhado a herança de E....
4ª – Se ocorreu a prescrição daquele direito.
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A apelante afirma expressamente que baseia a sua pretensão em duas causas de pedir: por um lado, na existência de um contrato de mandato, em execução do qual a ré D..., a par dos outros sócios da G..., Lda, celebrou por conta e no interesse de E... o contrato-promessa cuja resolução determinou a obrigação de restituição de restituição dos 200.000 contos e juros; por outro lado, numa actuação violadora do dever de lealdade de E..., enquanto administrador da D..., S.A., pois que embolsou o dinheiro, obstando a que esta permanecesse dotada com o capital necessário à satisfação daquela obrigação.
*
O contrato de mandato é um contrato típico, cuja definição consta do art. 1157º do C. Civil, nos seguintes termos: “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.”
Tal contrato pode ser executado com poderes de representação (cfr. art. 1178º do C. Civil) ou sem poderes de representação (cfr. art. 1180º do C. Civil). Neste caso, a situação jurídica mostra-se prevista nos termos seguintes: “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.”
O que caracteriza o mandato sem representação é, então, o facto de o mandatário agir em nome próprio. Por isso, os actos por ele praticados, em vez de produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante (como no caso de haver representação), produzem-nos na esfera jurídica do mandatário (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág.541).
Como se explícita no ac. do STJ de 12/1/2012 (proc. nº 987/06.0TBFAF.G1.S1, em dgsi.pt) “Pode definir-se o contrato de mandato sem representação como aquele pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse acto; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um acto jurídico que ao segundo respeita. (…) No mandato sem representação, o mandatário, apesar de intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu representante, agindo, pelo contrário, em nome próprio, e não em nome do mandante, pelo que é ele, mandatário, que adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra.”
De relevo é ainda a previsão, na norma citada, de que para o funcionamento deste regime é indiferente a circunstância de o terceiro ter conhecimento da existência do mandato instituído a montante da relação jurídica que venha a estabelecer com o mandatário.
Descrito o instituto jurídico em questão, cumpre procurar os elementos que poderão identifica-lo na situação sub judice.
Não restam dúvidas que a vontade de realizar o negócio de alienação do prédio a favor da autora foi de E.... Acresce que a sua intervenção era pessoal e não consubstanciadora de uma representação orgânica de qualquer pessoa colectiva cuja administração então integrasse, como se referiu antes.
O prédio a alienar estava inscrito como património da L..., mas E... agia com um pleno domínio sobre esta sociedade, cujos sócios eram sua mulher e seus empregados (al. aa).
A E... foi destinado e efectivamente entregue o preço combinado para o negócio. Também foi E..., e não qualquer pessoa colectiva por este integrada a qualquer título, que se comprometeu a colaborar com a autora para obter a viabilização do projecto de instalação de um posto de combustíveis no prédio em questão.
Foi no interesse por si definido de evitar ou reduzir o pagamento de impostos, que o prédio foi vendido pela L... à G..., Lda (al. cc-1 a cc-3).
Foi na execução do acordo correspondente à vontade de E... que todos os sócios da G..., Lda, incluindo a sociedade D... S.A., celebraram um contrato-promessa de alienação das respectivas quotas a favor da autora. Este contrato fora negociado pelo próprio E... e não pelos sócios da G..., Lda. Os sócios na G..., Lda nenhum interesse próprio tinham em tal negócio, incluindo a ré D..., S.A., nenhum valor tendo recebido do preço pago pela autora em retribuição da promessa de venda das quotas que lhes pertenciam (al. jj).
Dos factos que acabam de se assinalar, além dos demais apurados, conclui-se que a celebração do contrato-promessa de venda das quotas de que eram titulares na sociedade G..., Lda, por parte da D..., S.A., tal como por parte dos Drs. F..., I... e H... foi um acto jurídico praticado por conta e no interesse de E....
Foi praticado por sua conta, porquanto o foi à custa dos seus meios e sob a direcção da sua vontade; e foi praticado no seu interesse, já que destinou a executar essa mesma vontade e a satisfazer um interesse patrimonial próprio, traduzido na aquisição, para si, dos efeitos do contrato prometido, a par da diminuição dos custos fiscais que haveriam de estar associados a tal operação, se realizada noutros termos.
De resto, ao serviço dessa vontade e tratando ab initio o prédio a transmitir como coisa pertencente a E... e da qual ele dispunha com toda a liberdade, a própria L..., em cujo património o mesmo estava integrado, procedeu á respectiva venda à G..., Lda, para que esta pudesse ser alienada, através da venda das suas quotas sociais, assim funcionando como veículo para a transmissão do prédio.
Apesar de a contratação da venda das quotas da G..., Lda ter sido praticada por conta e no interesse de E..., foi celebrada pelos titulares dessas mesmas quotas, como não podia deixar de ser. Não sendo E... pessoalmente titular de qualquer delas, não poderia ser ele a outorgar o contrato-promessa da respectiva venda com a autora, pelo que foram esses mesmos titulares a fazê-lo. E isso com pleno conhecimento da autora, ora apelante.
Temos, pois, sucessivos actos jurídicos vocacionados para a venda do prédio em questão à autora, praticados, primeiro, pela L...; depois, pelos titulares das quotas da sociedade G..., Lda, para a qual, para esse efeito, fora antes transmitida a propriedade do prédio; todos eles por conta e no interesse de E..., como vimos dever concluir-se; e, não é demais recordar, em seu exclusivo e pessoal proveito.
A situação jurídica, consubstanciada por uma típica interposição de sujeitos na cadeia negocial, é, pois, subsumível ao disposto nos arts. 1157º e 1180º do Código Civil. O mesmo é dizer-se, quanto ao que nos interessa, que a celebração do negócio com a autora, na parte em que interveio a ré D..., S.A., o foi em execução de um mandato sem representação, constituído pelo mandante E..., por sua conta e no seu interesse.
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A conclusão que acaba de se enunciar projecta-nos para a questão seguinte a decidir, referente à possibilidade de repercussão, na esfera jurídica de E..., dos efeitos que acabaram por resultar, para a D..., S.A., do cumprimento daquele mandato.
Como se sabe (al.p) dos factos provados), em Setembro de 1992, a autora instaurou contra a sociedade “D..., S.A. e restantes sócios da G..., Lda, todos intervenientes no contrato promessa de cessão das respectivas quotas, acção declarativa de condenação, pedindo que fosse declarada a resolução do contrato promessa em questão (al. n) dos factos provados), com efeitos desde 26 de Setembro de 1990, e a condenação solidária dos réus a devolverem-lhe a quantia de 200.000.000$00, a acrescer com juros de mora à taxa mais alta das operações activas de crédito, acrescida de 2% sobre tal quantia, pelo menos desde 27 de Outubro de 1990, até efectiva liquidação, os quais, contabilizou à data no montante de 76.383.560$00.
Tal acção correu termos na 5ª Vara Cível do Porto, sob o nº 7620/1992, culminando em sentença que declarou resolvido o aludido contrato promessa, e condenou solidariamente os demais réus (com excepção de um, que não releva para o caso), incluindo a D..., S.A,. a devolverem à autora a quantia calculada em €997.595,79, com referência á data de 30/11/2001, bem como a pagarem-lhe juros de mora, contados desde essa data até integral pagamento, às taxas supletivas legais, até efectiva liquidação. O TRP, em acórdão ulteriormente confirmado pelo STJ, alterou essa sentença, declarando que os juros devidos se vencem desde 27/10/1990. (al. q) e ss).
Perante tal condenação, em 22/11/2008, os Drs. H... e I... celebraram um acordo com a A. nos termos do qual lhe entregaram, naquela data, por conta da dívida, cada um, a importância de 100.000,00 euros, obrigando-se, adicionalmente, em conjunto, a entregar à autora, por transferência bancária, prestações mensais de 5.000,00 euros, até que o total das quantias entregues ascendesse a 800.000,00 euros. Mais lhe cederam as quotas que possuíam no capital da “G..., Lda”, obrigando-se a autora, por sua vez, a abster-se de “quaisquer iniciativas processuais” contra aqueles, “enquanto se verificar o regular cumprimento (…) das obrigações assumidas no presente protocolo” e a dar-lhes “integral quitação pela sua dívida, uma vez liquidada a totalidade do valor referido (…), sem prejuízo de continuar a exigir dos restantes devedores solidários a parte restante da dívida (…)” – al t) dos factos provados.
Em coerência com tal acordo, além deste valor, a A. obteve outro pagamento, resultante da adjudicação da quota de que a D... era titular na G..., Lda. contabilizado pelo valor de 400.000,00€.
Nas execuções intentadas contra F... e D..., S.A., a autora peticionou o valor aproximado de 3.500.000,00€, nada tendo obtido no âmbito da primeira execução e tendo obtido a quota da D..., S.A., como referido, na execução movida contra esta.
Significa isto, sem preocupação de precisão, pelo menos por ora, que contabilizados o capital devido e os juros vencidos até ao presente e descontados os valores já cobrados, não está, seguramente, liquidado o crédito fixado à B... na decisão condenatória referida. E isso, desde logo, em função do assinalável volume dos juros, tudo redundando no pedido actual da autora, traduzido num capital de 665.063,83€, acrescido de um valor de 1.320.679,48€ a título de juros de mora, contados desde 27 de Outubro de 1990 até 20 de Novembro de 2012, às taxas supletivas legais, sem prejuízo dos juros de mora vincendos até integral pagamento. Pode afirmar-se, enfim, que existe ainda uma proporção significativa do crédito resultante da sentença condenatória supra referida, que a B... não realizou.
Para além disso, tal como resulta da referida decisão condenatória, a ré D..., S.A. é devedora solidária do valor que tal crédito venha a representar.
A questão que agora se coloca, já tendo por adquirido que a ré D..., S.A. interveio no negócio de que emergiu tal crédito da autora como mandatária sem poderes de representação de E..., é a de decidir se este poderia ser responsabilizado pela satisfação desse mesmo crédito.
A este propósito, dispõe o art. 1182.º do C. Civil: “O mandante deve assumir, por qualquer das formas indicadas no n.º 1 do artigo 595.º, as obrigações contraídas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo, deve entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse cumprimento.”
Tal art. 595º, nº 1, por sua vez, dispõe:
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.”
Significa isto que o mandante, no mandato sem representação, fica obrigado, perante o mandatário, a assumir a responsabilidade pela satisfação das obrigações que resultem, para este, da execução do mandato.
Como referem P. de Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, Vol II,3ª ed., pg. 751-752) esta solução é coerente com a prescrita pelo art. 1180º, segundo a qual é o mandatário que assume, perante o terceiro, todas as obrigações resultantes da execução do mandato. Porém, nas relações internas, é o mandante o responsável pelas dívidas correspondentes.
Assim, para que o mandante seja directamente responsável perante o credor, terá este de ratificar esse negócio. Caso tal não aconteça, o mandatário é responsável perante o credor e o mandante é responsável perante o mandatário.
Ensinam ainda os mesmos autores que, em tal caso, não dispõe o credor de uma acção directa sobre o mandante. Porém, não está o mesmo impedido de se sub-rogar ao mandatário, se este não exercer os seus direitos sobre o mandante, nos termos do art. 606º e ss. do C. Civil.
A subsunção da situação sub judice ao regime que acaba de se descrever é simples: não tendo E... assumido, com assentimento da autora, as obrigações resultantes da resolução do contrato-promessa de cessão das quotas da G..., Lda, pelo cumprimento das mesmas ficaram responsáveis a D..., S.A., bem como os restantes sócios, solidariamente. Isso, conforme decretado na sentença proferida no processo nº 7620/1992, da 5ª Vara Cível do Porto.
Todavia, E... é responsável, perante estes, designadamente perante a D..., S.A., pelo pagamento do valor que a esta couber satisfazer, em cumprimento dessa sentença.
Acontece, porém, que a D..., S.A., até hoje, jamais exerceu qualquer pretensão tendente a obter de E... ou dos seus sucessores os meios aptos a conseguir cumprir aquela condenação (al. uu) dos factos provados). Mais se verifica que, depois de penhorada a quota de que era titular na G..., nenhum outro património tem que faculte, por si, aquele cumprimento, inclusivamente por via coerciva.
Dispõe o art. 606º do C. Civil:
“1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.
2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.”
No caso, não só a D... jamais demandou E... ou os seus sucessores para a habilitarem financeiramente ao cumprimento da decisão condenatória de que foi alvo, como o facto de estar desprovida de património impede a autora de obter, à custa deste, a satisfação do seu crédito.
Por conseguinte, a demanda, por via de sub-rogação (já que, como vimos, a B... não dispunha de acção directa contra o mandante no negócio celebrado) desses sucessores para que, à luz do cumprimento da sua obrigação para com a D..., S.A., facultem ao credor a realização do seu crédito só pode ter-se por admissível.
Tal admissibilidade resulta, ainda da circunstância de se revelar essencial, pois que sem tal sub-rogação não poderá a autora obter da D..., S.A a satisfação do (remanescente do) seu crédito.
Entendemos, assim, que a esta conclusão não pode opor-se a afirmação de que a sub-rogação não se revela essencial, pois que a autora poderia ter obtido ainda a satisfação do remanescente do seu crédito por via da respectiva cobrança aos demais devedores solidários, tendo sido por mera opção sua que os exonerou do pagamento do valor que transcendesse os 800.000,00€ que eles lhe pagaram.
Com efeito, a natureza solidária da condenação a que a D..., S.A. foi sujeita, a par dos demais sócios da G..., Lda faculta ao credor a cobrança do seu crédito a qualquer dos devedores. O pressuposto da essencialidade constante da regra do nº 2 do art. 606º é, por isso, estabelecido por referência ao relacionamento entre o credor e o devedor adstrito à satisfação do seu crédito, e não em atenção à alternativa de cobrança do mesmo crédito no âmbito da relação com outros devedores.
O sentido da restrição constante do nº 2 do art. 606º do C. Civil tende a impedir a sub-rogação no caso de o mesmo devedor poder responder ao crédito por outro meio que não a sub-rogação do credor num direito seu (do devedor) sobre um terceiro. Não se alarga à imposição do dever de cobrança do crédito à custa de outros co-devedores. Caso contrário, o instituto da sub-rogação redundaria numa limitação ao regime de solidariedade, que não se considera que possa ter sido pretendida pelo legislador.
De resto, é facilmente configurável – até no caso em apreço – o interesse do credor em demandar alguns dos devedores solidários só até certo limite da sua responsabilidade, designadamente se isso, por consenso, lhe garantir ou garantir mais rapidamente a realização parcial do seu crédito. Mas essa vantagem, que lhe advém do regime de solidariedade com que o legislador tutelou o seu crédito, não deve redundar numa desvantagem, como resultaria da inibição de cobrança do remanescente, de outro devedor, no caso de este apenas ser titular, por si, de créditos sobre terceiros. Tal solução traduzir-se-ia num privilégio, para esse devedor, que o regime da solidariedade imposto à sua dívida, por definição, já tratara de excluir.
Por outro lado, contra a conclusão que supra se enunciou, também não procede a argumentação a recorrida segundo a qual a evolução do valor de suprimentos registados anualmente na contabilidade da D..., S.A. revela que a quantia de dinheiro recebida por E... foi sucessivamente entregue à própria D.... A natureza de suprimento dos valores assim registados significa a entrada de capital próprio dos sócios no giro financeiro da sociedade, que desse mesmo capital fica devedora para com o autor dos suprimentos. Não coincide com o engrandecimento do património da sociedade, assim enriquecida pelo valor do suprimento. De forma que nenhum efeito se reconhece a tal argumento da apelada.
Não colhem, pois, as razões desenvolvidas, a este propósito, pela recorrida, antes se concluindo pela admissibilidade da sub-rogação da autora, no direito da D..., S.A., sobre E..., como anteriormente descrito.
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É, entretanto, oportuno relembrar que a A. havia lançado mão de uma causa de pedir alternativa, nos termos da qual E..., actuando como administrador da D..., havia determinado a sua intervenção na alienação da quota de que esta era titular no capital da G..., Lda, mas depois, em vez de conservar o valor recebido no respectivo património, dele se teria apropriado. Um tal incumprimento de deveres societários - apontando a A., acima dos demais, o dever de lealdade – geraria a sua responsabilidade pessoal perante a sociedade, segundo o disposto no art. 72º do Código das Sociedades Comerciais. Subsequentemente, nos termos do art. 78º do mesmo diploma, E... seria responsável pelo cumprimento da obrigação da D... perante a B..., decretada na sentença mencionada supra.
Apesar de se ter qualificado a intervenção da D..., S.A. como mandatária, sem poderes de representação, por conta e no interesse de E..., nem por isso deixam de se inscrever na esfera jurídica da própria D..., S.A. os efeitos do contrato celebrado com a A., em execução desse mesmo mandato, como vimos. Pareceria, assim, que ao apropriar-se do dinheiro pago pela B..., E... o teria retirado à D..., S.A., que a parte dele, pelo menos, teria direito.
Porém, reconhecendo-se um tal contrato de mandato, como reconhecemos, era obrigação da D... transmitir para E..., mandante, o valor recebido pelo negócio que fizera por sua conta e no seu interesse.
Nestes termos, a responsabilidade de E... define-se pela sua posição de mandante, nos termos supra apreciados, e não por ter praticado, enquanto administrador da D..., um acto indevido, de apropriação pessoal do valor recebido da B.... Essa apropriação pessoal estava implícita na verificada relação de mandato.
Significa isto, em suma, que as duas causas de pedir analisadas se excluem reciprocamente: o reconhecimento de uma relação jurídica de mandato sem representação entre E... e a D..., S.A. obsta à sua responsabilização enquanto administrador da D..., S.A.
Será, pois, exclusivamente no âmbito da citada relação de mandato sem representação que se prosseguirá na apreciação da pretensão da autora.
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Tendo-se concluído supra pela responsabilidade de E... perante a ré D..., S.A. e, por sub-rogação no direito desta, perante a própria B..., pelo cumprimento da obrigação reconhecida na decisão condenatória proferida no processo nº 7620/1992, da 5ª Vara Cível do Porto, importa agora verificar se a ré C..., que sucedeu àquele após o seu falecimento, pode ser obrigada a esse mesmo cumprimento.
Da matéria provada resulta que, após o falecimento de E..., a ré C... e seu filho Dr. F... partilharam a respectiva herança, descrevendo prédios que foram adjudicados àquela, contra o pagamento de tornas a este, logo dadas por recebidas. A partilha foi operada na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente, pois que a C... cabia também a quota disponível.
Para além dos referidos nessa escritura de partilha, outros bens foram declarados como objecto de transmissão sucessória, na declaração feita à Fazenda Nacional (al. tt).
Verifica-se, assim, que a herança de E... foi partilhada, designadamente pela sua herdeira C..., agora ré.
Por consequência, nos termos dos arts. 2068º e 2071º, nºs 1 e 2 do C.Civil, a mesma é responsável pelo pagamento da dívida correspondente à responsabilidade que E... tinha perante a D..., S.A., na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098º, nº 1 do C. Civil), sem prejuízo de que lhe caberia a alegação e a prova de uma eventual limitação da sua própria responsabilidade, em função do inferior valor dos bens herdados (nº 2 do art. 2071º do C.Civil).
Tal limitação seria, com efeito, um facto condicionador (parcialmente impeditivo) do direito da autora. Como tal, para ser relevante, em cumprimento do ónus imposto pelo nº 2º do art. 342º do C. Civil, deveria ter sido alegado e demonstrado pela ora recorrida.
Da inobservância de tal ónus resulta, assim, a ausência de qualquer limitação que se deva impor ao direito da autora, em função da vertente sucessória da responsabilidade da ré C....
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Cumpre, por fim, aferir da eventual prescrição do direito aqui exercido pela autora.
A apelada arguiu a prescrição do direito que a autora se apresenta a exercer com fundamento num regime de responsabilidade de E... fundado sobre a sua relação com a D..., enquanto seu administrador.
Vimos, porém, que não é essa a relação jurídica ao abrigo da qual se deve definir a responsabilidade de E..., ou mais actualisticamente, da ré C..., para com a B..., prevalecendo a que consubstanciou uma relação de mandato sem representação.
Fica, por isso, desprovida de fundamento a invocação do prazo prescricional de cinco anos, para sustentar a arguição da prescrição do direito da autora.
Por consequência, nos termos do art. 309º do Código Civil, o prazo de prescrição do direito que a autora se apresenta a exercer é de 20 anos.
Em rigor, no entanto, convém recordar que esse direito – o que a autora se apresenta a exercer – não é seu: o direito que ela exerce, por sub-rogação, é o direito da D..., S.A.
Importa, com atenção a essa realidade, verificar quando começou a correr tal prazo, se se suspendeu ou interrompeu e, consequentemente, se se completou antes da citação da ré C... para a presente acção, que deu entrada em juízo em 26 de Novembro de 2012, na sequência da decisão sobre questão competência material suscitada numa outra que, com o mesmo pedido, fora intentada contra as mesmas rés, em 19 de Outubro de 2010, que foi distribuída com o número 9398/10.1TBVNG, à 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.
A este respeito é relevante ter presente que, conforme consta dos factos provados, a autora, em 26/9/1990, por carta dirigida ao Dr. H..., declarou ter o contrato-promessa de cessão das quotas da G..., Lda por resolvido, pedindo a devolução do valor anteriormente entregue.
Depois, a 24 de Setembro de 1992, a autora instaurou contra a sociedade comercial “D..., S.A.”, e outros a acção declarativa de condenação onde pediu que fosse declarada a resolução do contrato promessa em questão e a condenação solidária dos réus a devolverem-lhe a quantia de 200.000.000$00, a acrescer com juros.
Tal acção mereceu procedência em termos que acabaram por ser confirmados pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido a 16 de Outubro de 2008.
Como foi sendo referido em diversos momentos do litígio, a imposição à ré D..., S.A. – e aos demais réus na acção nº 7620/92, da 5ª Vara Cível do Porto, com ela solidariamente condenados - da obrigação de devolução dos 200.000 contos entregues pela autora, valor este acrescido de juros, foi um efeito da resolução do contrato-promessa de cessão de quotas da G.... E resulta dos factos anteriormente descritos, a decisão correspondente, que tornou definitiva tal obrigação, foi proferida pelo STJ em 16 de Outubro de 2008.
Tendo já por adquirido que essa obrigação sobreveio à ré D..., S.A. no âmbito de um contrato de mandato sem representação, só depois desse acórdão do STJ ficou esta mesma sociedade habilitada a exigir do mandante aquilo que, por efeito desse mandato, ficou obrigada a satisfazer ao seu credor, isto é, à B....
Por conseguinte, atento o disposto no art. 306º, nº 1 do C. Civil (1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; (…)”, só depois de 16/10/2008 começou a correr o prazo de prescrição do seu crédito.
Significa isto que, nestes autos, mesmo que se olvidassem os efeitos interruptivos da acção intentada em 2010, quando a presente acção foi intentada e para ela foi a ré citada, jamais poderia estar prescrito o direito em questão.
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Resta, nestes termos afirmar o vencimento da pretensão da autora, na procedência da presente apelação, com a necessária revogação da sentença recorrida.
Cabe, em suma, concluir pela verificação dos pressupostos de condenação da ré C... a satisfazer à autora B..., sub-rogada no direito da D..., S.A., a indemnização correspondente à diferença entre o valor cujo pagamento foi ordenado pela decisão proferida no processo nº 7620/1992, do Tribunal da Comarca do Porto, 5ª Vara, 3ª Secção Cível e o valor que a B..., ao abrigo dessa sentença, já recebeu, sem prejuízo do limite do pedido aqui formulado.
Na presente acção, a autora calcula esse valor em 1.985.743,31 euros, sendo a quantia de 665.063,83 euros a título de capital e a quantia de 1.320.679,48 euros a título de juros de mora, contados desde 27 de Outubro de 1990 até 20 de Novembro de 2012, às taxas supletivas legais, acrescendo ao pedido os juros de mora vincendos até integral pagamento.
No citado processo nº 7620/1992, do Tribunal da Comarca do Porto, 5ª Vara, 3ª Secção Cível, a D..., S.A. e restantes réus (com exclusão de U..., indiferente para estes autos) foram condenados, “em consequência da resolução automática do contrato, a devolverem, solidariamente, à autora a quantia que actualmente é de €997.595,79, bem como a pagarem-lhe juros de mora, contados desde 27 de Outubro de 1990, até integral pagamento, às taxas supletivas legais, até efectiva liquidação.
Apurou-se que, em cumprimento dessa sentença, a ré recebeu a quota de que a D..., S.A., era titular na G..., Lda, que lhe foi adjudicada por 400.000,00€; recebeu as quotas dessa mesma sociedade de que eram titulares os Drs. F..., I... e H..., cujo valor se desconhece. E recebeu 800.000,00€ pagos por estes.
É impossível definir, assim, qual o valor daquela condenação que, depois destes pagamentos, permanece em dívida e que a ré D... poderia exigir da ré C..., no exercício de um direito que, por sub-rogação, compete agora à autora. Tal valor haverá, por isso, de ser apurado ulteriormente, em incidente de liquidação, sem prejuízo do limite do valor do pedido formulado nestes autos.
Procederá, nestes termos, a presente apelação.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a presente apelação, em razão do que revogando a decisão recorrida, a subsituem por outra nos termos da qual condenam a ré C... a pagar à autora B..., S.A a quantia que se vier a liquidar em ulterior incidente de liquidação, correspondente à diferença entre o valor cujo pagamento foi ordenado pela decisão proferida no processo nº 7620/1992, do Tribunal da Comarca do Porto, 5ª Vara, 3ª Secção Cível e juros aí fixados, e o valor que a B..., ao abrigo dessa sentença, já recebeu, por via da aquisição das quotas da G..., Lda, a apurar nesse incidente, e dos pagamentos recebidos dos Drs. I... e H..., sem prejuízo do limite do pedido aqui formulado.
Custas por apelante e apelada, na proporção do vencimento apurado a final.
Reg. not.

Porto, 11/7/2018
Rui Moreira
Lina Baptista
Fernando Samões