Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1913/09.0TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: ACIDENTE
INDEMNIZAÇÃO
DANO DA MORTE DA VÍTIMA
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RP201302261913/09.0TBSTS.P1
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A perda do direito à vida da vítima, com 76 anos de idade à data do acidente e do seu decesso, deve ser compensada com uma indemnização de 60.000,00 €, por traduzir o limite mínimo pela perda de qualquer vida humana.
II - É indemnizável, ao abrigo do n° 3 do art. 495° do CCiv., o dano da autora, viúva, que sofre de doença que a incapacita fisicamente de, sozinha, levar a cabo as necessidades mais básicas do seu dia-a-dia, em cuja realização era, diária e permanentemente, auxiliada pelo marido, vítima do acidente, e que, devido ao óbito deste, carece da ajuda permanente de terceira pessoa.
III - Com base na sub-rogação legal consagrada no art. 71° da Lei n° 32/2002, de 20/12, o ISS/CNP tem direito a exigir do responsável civil [e/ou da sua seguradora ou do FGA; neste caso inexistindo seguro válido e eficaz] o que pagou aos familiares da vítima (com direito a tal) a título de subsidio por morte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Pc. 1913/09.0TBSTS.P1 – 2ª Sec.
(apelação)
______________________________
Relator: M. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B……, C......, D….., E….., F….., G….., H….., I….., J….., K….. e L….., todos de apelidos M….., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra N….., SA, Fundo de Garantia Automóvel, O….. e P….., todos devidamente identificados nos articulados, pedindo que, na procedência da acção:
“1 – A 1ª ré, N….., SA, (seja) condenada:
a) A pagar à primeira autora a indemnização no montante global de €124.465,00 (cento e vinte e quatro mil quatrocentos e sessenta e cinco euros), com as proveniências descritas em 56º a) supra;
b) A pagar a cada um dos segunda, terceiro, quarta, quinta, sexta, sétima, oitavo, nona, décimo, décimo primeiro e décimo segundo autores uma indemnização, também, com as proveniências descritas em 56º b) supra, no montante de €19.943,18 (dezanove mil novecentos e quarenta e três euros e dezoito cêntimos); e
c) Em custas e procuradoria.
2 – Ou, para a eventualidade de se entender que, afinal, a responsabilidade não cabe à 1ª ré seguradora, serem os 2º, 3º e 4º réus, nos mesmos moldes supra referidos em 1, als. a) e b), solidariamente condenados a pagarem aos autores as peticionadas quantias de, respectivamente, €124.465,00 à 1ª autora e €19.943,18 a cada um dos segunda, terceiro, quarta, quinta, sexta, sétima, oitavo, nona, décimo, décimo primeiro e décimo segundo autores e, bem assim, nas custas e procuradoria”.
Fundamentaram tais pedidos no facto de Q......, marido da 1ª autora e pai dos restantes, ter sido vítima mortal de atropelamento causado pelo veículo ..-..-CZ, conduzido pelo réu O......, com o consentimento e no interesse do réu P......, proprietário do mesmo, que circulava a mais de 80 km, dentro de uma localidade, e invadiu a faixa de rodagem contrária, tendo embatido no peão (Q......) quando este se encontrava a 90 cm da berma esquerda.

Os réus contestaram.
A primeira ré, além de ter impugnado a descrição do sinistro e os danos alegados pelos autores, invocou, ainda, a nulidade do seguro, tendo pugnado pela improcedência da acção, com as legais consequências.
O segundo réu impugnou a factualidade articulada na petição inicial e concluiu no sentido da improcedência da acção e da sua absolvição do pedido.
O réu P...... arguiu a sua própria ilegitimidade e impugnou parte da factologia alegada pelos autores, tendo concluído em conformidade.
O réu O...... também invocou a sua ilegitimidade e impugnou a descrição do acidente e os danos alegados na p. i., tendo pugnado, sucessivamente, pela sua absolvição da instância ou pela improcedência da acção.

Os autores replicaram.

O Instituto de Segurança Social (ISS), IP, - Centro Nacional de Pensões (CNP) deduziu contra os réus pedido de reembolso da quantia de 13.639,98 €, acrescida dos respectivos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Os réus contestaram tal pedido, tendo o Fundo de Garantia excepcionado a prescrição do direito de reembolso peticionado pelo ISS/CNP, por terem decorrido mais de três anos desde a data do acidente até ao momento em que foi notificado desse pedido.

Realizou-se audiência preliminar e foi proferido despacho saneador que, além do mais tabelar, absolveu a ré N...... do pedido e julgou improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade passiva arguidas pelos réus, tendo relegado para final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição invocada pelo FGA relativamente ao pedido do ISS.
Procedeu-se à selecção dos factos assentes e foi elaborada a base instrutória, contra as quais reclamaram, com êxito, os autores e o 4º réu.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, na qual o ISS ampliou a sua pretensão e no seu termo, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos da BI, sem reclamação das partes.

Seguiu-se a prolação da sentença que, além de imputar a responsabilidade do sinistro, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo que atropelou a vítima (..-..-CZ), ou seja, ao 3º réu e de julgar improcedente a aludida excepção peremptória da prescrição, decidiu assim:
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... no pagamento aos autores, no seu conjunto, da quantia de 65.000 €, para reparação do dano da morte e do sofrimento da vítima;
b) Condeno solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... no pagamento, à autora B......, da quantia de 50.000 €;
c) Condeno solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... no pagamento, a cada um dos restantes autores, da quantia de 10.000 €;
d) Absolvo os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... do remanescente dos pedidos contra eles formulados;
e) Condeno os autores e os réus Fundo de Garantia Automóvel O...... e P...... no pagamento das custas, na proporção do respectivo decaimento;
f) Condeno os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... no pagamento, ao Instituto de Segurança Social, da quantia de 20.151,80 €, acrescida dos respectivos juros de mora legais desde a data da citação, no que toca ao montante de 13.639,98 €, e desde a data da notificação da ampliação quanto ao restante, até integral e efectivo pagamento;
g) Condeno os réus Fundo de Garantia Automóvel, O...... e P...... no pagamento das custas relativas ao pedido de reembolso da Segurança Social”.

Parcialmente inconformado com o sentenciado, interpôs o réu Fundo de Garantia Automóvel o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:
“1. A indemnização pelo dano não patrimonial da perda da vida deve ser fixada em 30.780€.
2. O apoio que o falecido prestava à autora não se subsume no conteúdo típico da prestação alimentar, traduzível pecuniariamente.
3. Sem conceder, qualquer compensação a este título não deveria exceder a importância de 10.000€.
4. A prestação de subsídio por morte é paga ao beneficiário no cumprimento de uma obrigação própria do Instituto da Segurança Social e não no cumprimento de uma obrigação de terceiro.
5. Não há coincidência entre o âmbito daquela prestação e o âmbito do direito à indemnização, não se englobando a mesma no conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante.
6. Assim sendo, o Instituto da Segurança Social não está sub-rogado nos direitos do beneficiário contra o lesante.
7. Sem conceder, em caso algum pode haver condenação ao pagamento de prestações não pagas, já que, não há sub-rogação relativamente a prestações futuras.
8. Ao decidir como decidiu o Acórdão recorrido violou o art. 16º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, o art. 4º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro e o art. 592º do Código Civil e os artigos 496.º, 494.º e 566.º do CC.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados”.

Os autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do recorrente - art. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2 do CPC, na redacção aqui aplicável, introduzida pelo DL 303/3007, de 24/08, por a acção ter sido instaurada depois de 01/01/2008 – e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas, a que alude o nº 2 do art. 660º, «ex vi» do nº 2 do art. 713º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas esgrimidos pelas partes, por mais fundamentados e respeitáveis que estes sejam, como flui do art. 664º [assim, i. a., Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
• Se a indemnização pela perda do direito à vida deve ser reduzida;
• Se há lugar a indemnização por virtude da 1ª autora necessitar de auxílio de uma terceira pessoa [que era prestado pela vítima] e, na afirmativa, se o «quantum» fixado deve ser reduzido;
• Se o ISS/CNP tem direito a ser reembolsado do subsídio por morte que peticionou e se foi condenado em prestações futuras não abrangidas pela sub-rogação legal.
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III. Factualidade provada:

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos [que as partes não questionam e que não enfermam dos vícios indicados no nº 4 do art. 712º do CPC]:
A) No dia 25 de Julho de 2004, cerca das 19,30 horas, na Rua da Devesa, na área da freguesia de São Salvador do Campo, ocorreu um embate. [alínea A) da Matéria Assente]
B) No embate interveio um veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-CZ, da marca Opel, modelo Corsa 1200, pertencente ao 4º Réu P...... e, com conhecimento e consentimento deste, conduzido pelo 3º Réu O....... [alínea B)]
C) No mesmo embate foi também interveniente Q......, marido e pai da, respectivamente, 1ªAutora e 2ª a 12º Autores. [alínea C)]
D) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, instantes antes do embate, o 3º Réu O...... conduzia o veículo automóvel no sentido S. Mamede de Negrelos - S. Salvador do Campo. [alínea D)]
E) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em A), Q...... encontrava-se parado na berma situada no lado direito da identificada Rua Devesa, atento o aludido sentido de marcha do 3º Réu, S. Mamede de Negrelos – S. Salvador do Campo. [resposta ao quesito 1º da BI]
F) Via de trânsito aquela que, no local, não estava dotada de uma passadeira destinada à passagem de peões e cujo atravessamento Q...... pretendia efectuar do lado direito para o esquerdo, atento o antecedente referido sentido S. Mamede de Negrelos – S. Salvador. [resp. qt. 2º]
G) Quando Q...... iniciou a travessia da via o CZ não lhe era visível. [resp. qts. 3º e 4º]
H) A via, no local, configura-se como recta com mais de 50 metros de comprimento e tem a largura de, pelo menos, 5,20 metros. [resp. qt. 5º]
I) Quando tinha percorrido já 4,30 metros de largura da faixa de rodagem foi o dito Q......, violenta e inesperadamente, atropelado pela frente esquerda do veículo ligeiro conduzido pelo dito 3º Réu O…... [resp. qt. 6º]
J) O Réu O...... circulava a mais de 80 Km/hora. [resp. qt. 7º]
L) Apesar de ter avistado o peão a, pelo menos, 30 metros de distância, não conseguiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. [resp. qt. 8º]
M) Tendo embatido no peão, Q......, na hemi-faixa de rodagem esquerda da via, atento o seu sentido de marcha e quando aquele, aprestando-se para concluir o atravessamento, já se encontrava a apenas 0,90 cm da berma esquerda da estrada. [resp. qt. 9º]
N) O veículo conduzido pelo Réu deixou 32,20 metros de rastos de travagem no pavimento. [resp. qt. 10º]
O) Q...... foi projectado. [resp. qt. 11º]
P) Em consequência directa desse atropelamento, Q...... ficou com traumatismo encefálico e pulmonares. [resp. qt. 12º]
Q) Lesões que, em 28.07.2004, lhe vieram a causar a morte. [resp. qt. 13º]
R) Q...... nasceu a 25.03.1928. [documentos de fls. 14 e 36]
S) A 1ª A., desde 31.01.1954 até 28.07.2004, foi casada com Q...... em primeiras e únicas núpcias de ambos. [al. E) da Matéria Assente]
T) Os 2º a 12º Autores são filhos de Q......, sendo todos fruto do antecedente casamento deste com a 1ª Autora. [al. F)]
U) Q...... era uma pessoa dinâmica e estimada. [resp. qt. 14º]
V) Sendo quem cuidava e amparava sistemática e diariamente a 1ª Autora, sua esposa. [resp. qt. 15º]
X) Com os gravíssimos ferimentos provocados pelo acidente, no período decorrente entre o momento do atropelamento e da sua morte, Q...... sofreu intensas e prolongadas dores físicas [resp. qt. 16º]
Z) Sentiu uma enorme angústia ao aperceber-se do embate, das consequências do mesmo e da própria morte, que ocorreu três dias depois do acidente. [resp. qt. 17º]
AA) Os Autores e o falecido Q...... viviam uma relação harmoniosa, sendo notório e reconhecido publicamente que aqueles o amavam e respeitavam profundamente. [resp. qt. 18º]
BB) Havia contactos telefónicos frequentes entre os 2º a 12º Autores e respectivos cônjuges e filhos, quase todos os domingos se reuniam em casa de Q...... e da 1ª Autora, ora para o almoço dominical, ora num lanche. [resp. qt. 19º]
CC) Com a morte de Q...... todos os Autores sofreram um enorme abalo psíquico, dor, tristeza e desgosto [resp. qt. 20º]
DD) Sobretudo a 1ª Autora, esposa daquele. [resp. qt. 21º]
EE) De quem era o principal apoio. [resp. qt. 22º]
FF) A 1ª Autora padecia e padece de doença incapacitante - doença ostearticular degenerativa e tremor essencial. [resp. qt. 23º]
GG) Com a morte de Q......, houve necessidade de substituir o auxílio por ele prestado à 1ª Autora pelo auxílio de uma terceira pessoa que dela cuidasse em permanência, lhe fizesse companhia e lhe satisfizesse as suas necessidades básicas. [resp. qt. 24º]
HH) Nomeadamente, para vestir-se, cuidar da sua higiene pessoal, andar, cozinhar, cuidar da casa e, em geral, efectuar todas as demais tarefas rotineiras e essenciais à vida de qualquer pessoa. [resp. qt. 25º]
II) Cuidados, zelo, assistência e companhia que, durante o dia e na dita primeira fase foram assegurados pela 4ª Autora D…… que, após deliberação familiar, passou a ocupar-se da 1ª Autora [resp. qt. 26º]
JJ) Posteriormente, a 4ª Autora e o marido passaram a ocupar-se a tempo inteiro (de dia e de noite) da Autora. [resp. qt. 27º]
LL) (De) Tal necessidade de auxílio de terceira pessoa a 1ª Autora carece e carecerá no futuro [resp. qt. 32º]
MM) Com o funeral do de cujus a 1ª Autora teve de despender a quantia de € 1.340,00 [resp. qt. 33º]
NN) P......, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 9050465736, celebrado em 12 de Agosto de 2002, tinha transferido para a 1ª Ré Companhia de Seguros N......, S.A., a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com tal veículo. [al. I)]
OO) A Companhia de Seguros N......, S.A. intentou contra o Réu P......, uma acção declarativa com processo ordinário, a qual com o nº 41/05.1 TVLSB correu termos pela 2ª Secção da 14ª Vara Cível de Lisboa. [al. J)]
PP) Na referida acção peticionou que fosse declarado nulo e sem nenhum efeito o contrato de seguro referido em NN), ou se assim não se entendesse, que fosse declarado anulado tal contrato. [al. L)]
QQ) No referido processo foi proferida decisão que julgou totalmente procedente por provada a acção, com fundamento na prestação, pelo Réu P......, de declarações inexactas, declarando nulo o referido contrato de seguro. [al. M) e certidões de fls. 279 a 304 e 431 a 449]
RR) Inconformado com a decisão, o aqui Réu P...... interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. [al. N)]
SS) No qual, com o nº 3507/08-8 da 8ª Secção, foi proferido Acórdão de 19.03.2009, que declarou improcedente tal apelação e manteve a decisão recorrida. [al. O)]
TT) Tal acórdão foi objecto de um pedido de aclaração por parte do apelante, o Réu P....... [al. P)]
UU) Por Acórdão proferido em 15 de Abril de 2010 pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi negada a revista e mantida a decisão recorrida, confirmando-se o acórdão recorrido com o esclarecimento de que a declarada invalidade do contrato de seguro resulta da sua anulação. [al. Q)]
VV) O Réu O...... conduzia o veículo de matrícula CZ no seu interesse e, simultaneamente, no interesse do Réu P....... [resp. qts. 42º e 43º]
XX) Q...... é beneficiário nº 10181230295 do ISS, IP / Centro Nacional de Pensões. [al. G)]
Z) Com base no falecimento de Q......, em consequência do embate objecto dos presentes autos, a 1ª Autora requereu, no ISS/IP/CPN, as respectivas prestações por morte as quais foram deferidas. [al. H)]
AAA) A título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, o CNP pagou à 1ª Autora, B......, no período de 08.2004 a 12.2011, o montante global de € 20.151,82, sendo € 17.958,22 a título de pensões de sobrevivência e € 2.193,60, a título de subsídio por morte. [acordo de todos os intervenientes exarado na acta de fls. 633 a 638]
BBB) Através de sentença transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) que, sob o nº 481/04.3TASTS, correu termos pelo 2º Juízo Criminal de Santo Tirso, foi o Réu O......, condutor do CZ, condenado como autor material de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art. 137º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída por cento e oitenta dias de multa [al. R)]
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IV. Apreciação do mérito do recurso:

1. Se a indemnização pela perda do direito à vida da vítima deve ser reduzida.
O FGA recorrente não põe em causa a verificação «in casu» dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, regulada nos arts. 483º e segs. do CCiv., incluindo a culpa exclusiva e causal do 3º réu, condutor do veículo que atropelou mortalmente Q......, marido da 1ª autora e pai dos restantes demandantes, nem a sua própria responsabilidade decorrente da inexistência de seguro válido e eficaz, à data do sinistro, relativamente ao veículo ..-..-CZ, propriedade do 4º réu. São, portanto, questões já assentes que não demandam a nossa indagação.
O recorrente centra a sua impugnação recursória apenas em três dos danos que foram considerados na douta sentença recorrida, mais concretamente nos que ficaram enunciados no ponto II deste acórdão.
Comecemos pelo primeiro deles: a indemnização pela perda do direito à vida da vítima Q...... [1ª conclusão das doutas alegações].
Entende que a respectiva compensação indemnizatória devia ter sido fixada em 30.780,00 € e não nos 60.000,00 € decretados na sentença. Chama à colação, no corpo da motivação, a “situação social e económica do país e os reflexos que este circunstancialismo deve ter na fixação de indemnizações”, a idade da vítima e os critérios estabelecidos na Portaria nº 377/2008, de 26/05, com as alterações da Portaria nº 679/2009, de 25/06.

Seguimos a orientação que defende que este dano [perda do direito à vida ou dano morte] – indemnizável nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 496º do CCiv. - não pode comportar distinções entre mais ou menos vida e/ou entre melhor ou pior vida, ou entre vida mais ou menos preenchida/ocupada, pois a vida é uma só e igual para todos, embora uns a vivam e preencham melhor que outros ou por mais tempo, mas estes factores não são para aqui chamados.
Não concordamos, assim, com o devido respeito, com entendimentos que, além da vida em si e como bem supremo, ponderam outros factores na fixação do respectivo montante indemnizatório, tais como a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica [cfr. Ac. do STJ de 07/07/2009, proc. 205/07.3GTLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt/jstj], por relativizarem a própria vida que é, por sua natureza, como já dissemos, um bem absoluto/supremo, de valor incalculável e que não varia de indivíduo para indivíduo, sob pena de, no extremo, só algumas vidas [e alguns indivíduos] merecerem a tutela do direito. Estes factores, de que os acabados de mencionar são exemplos, só podem, em nossa óptica, relevar no cômputo indemnizatório devido por outros danos não patrimoniais, sejam eles danos próprios da vítima, como o sofrimento que suportou entre o momento do acidente e o do seu decesso, ou danos dos seus parentes com direito a ressarcimento [nos termos do nº 2 do art. 496º do CCiv.], como a dor e padecimento resultantes da perda do ente querido, ou pelos danos reflexos; não na fixação pela perda da vida [ou dano morte].
O único factor em que admitimos alguma limitação ao que fica exposto tem a ver com a idade da vítima, não nos causando engulho que seja atribuída uma indemnização mais elevada pela perda da vida de uma criança ou de um menor que pela perda da vida de um adulto já no ocaso ou na curva descendente da sua existência terrena; mas mesmo neste último caso o «quantum» indemnizatório deve situar-se dentro de parâmetros de dignificação da vida humana, afastando considerações e compensações miserabilistas ou acanhadas.
O que aqui não releva são os argumentos economicistas conjunturais atinentes à crise económica que o País atravessa, como tentativa de diminuição das indemnizações a que os lesados/vítimas têm direito; tal questão é irrelevante para este efeito.
E também não colhe o recurso ao proclamado nas Portarias indicadas pelo recorrente, já que tais diplomas não têm por objectivo “a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, (…), o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas”, conforme expressamente consta do preâmbulo da Portaria nº 377/2008, de 26/05 [objectivo que dificilmente será conseguido, dizemos nós, por tais Portarias não assentarem as ditas «propostas razoáveis» no que os Tribunais vêm decidindo em matéria indemnizatória no âmbito dos sinistros rodoviários, prevendo valores bastante inferiores, pelo menos, em alguns dos casos enunciados nos seus anexos]. Além disso, como simples Portarias que são, sempre seriam de ter em conta as limitações que resultam da sua posição hierárquica relativamente ao Código Civil, sendo que é a este - e à CRP, acima de tudo -, e não àquelas, que os Tribunais, em primeira linha, devem recorrer na quantificação dos danos indemnizáveis [assim, i. a., Acórdãos do STJ de 17/05/2012, proc. 48/2002.L2.S2, de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1 e de 14/09/2010, proc. 797/05.1TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 07/02/2011, proc. 2942/08.6TBVCD.P1 e de 19/09/2011, proc. 1654/03.1TBVLG.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp].
Dentro deste entendimento e considerando que a Jurisprudência mais recente vem arbitrando valores que, em regra, não descem abaixo de 60.000,00€ - por traduzirem o mínimo que deve ser atribuído pela perda de qualquer vida humana; logo também pelo decesso do inditoso Q...... que tinha 76 anos de idade -, nada temos a apontar ao «quantum» fixado na douta decisão recorrida, que, por isso, deve ser mantido, tanto mais que arestos recentes têm já fixado compensações bastante superiores, embora relativamente a vítimas mais jovens [fixaram indemnizações que variaram entre os 70.000,00 € e os 100.000,00 €, para vítimas com idades compreendidas entre os 14 e os 41 anos, i. a., os Acórdãos do STJ de 07/02/2013, proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, de 13/09/2012, proc. 1026/07.9TBVFX.L1.S1, de 31/05/2012, proc. 14143/07.6TBVNG.P1.S1, de 10/05/2012, proc. 451/06.7GTBRG.G1.S2, de 31/01/2012, proc. 875/05.7TBILH.C1.S1 e de 08/09/2011, proc. 2336/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Improcede, por conseguinte, a apelação neste ponto.
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2. Se há lugar a indemnização por virtude da 1ª autora necessitar de auxílio de uma terceira pessoa [que era prestado pela vítima] e, na afirmativa, se o «quantum» fixado deve ser reduzido.
Nas conclusões 2 e 3, o FGA recorrente questiona a indemnização de 25.000,00 € que o Tribunal «a quo» fixou pelo dano decorrente de a 1ª autora, devido à incapacidade de que padece, necessitar do auxílio de uma terceira pessoa para poder levar a cabo os seus cuidados/necessidades básicos, por ter ficado privada do auxílio que o marido, vítima do acidente, lhe prestava nesse âmbito.
Na sentença, tal indemnização foi sustentada nos seguintes termos [que se transcrevem nas suas partes mais significativas]:
“A este respeito, (…), sabe-se que, com a morte de Q......, houve necessidade de substituir o auxílio por ele prestado à 1ª Autora pelo auxílio de uma terceira pessoa que dela cuidasse em permanência, lhe fizesse companhia e lhe satisfizesse as suas necessidades básicas, nomeadamente, para vestir-se, cuidar da sua higiene pessoal, andar, cozinhar, cuidar da casa e, em geral, efectuar todas as demais tarefas rotineiras e essenciais à vida de qualquer pessoa, cuidados, zelo, assistência e companhia que, durante o dia e na dita primeira fase foram assegurados pela 4ª Autora D...... que após deliberação familiar passou a ocupar-se da 1ª Autora. Posteriormente, a 4ª Autora e o marido passaram a ocupar-se a tempo inteiro (de dia e de noite) da Autora, sendo certo que, de tal auxílio de terceira pessoa, a 1ª Autora carece e carecerá no futuro.
Quid iuris?
Como se sabe, no caso de lesão de que proveio a morte, como sucede na hipótese em apreço, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural – art. 495º, nº 3, do Cód. Civil.
A jurisprudência divide-se sobre esta matéria: segundo uns, para a concessão de indemnização é indispensável a prova de que as pessoas em causa foram privadas de alimentos a que teriam direito se o lesado fosse vivo ou se ele os prestasse no cumprimento de uma obrigação natural; segundo outra corrente, bastará a qualidade de que a lei faz depender a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, independentemente da situação económica de quem reúne essa qualidade.
Todavia, uma terceira posição, mais atenta às particularidades dos diversos tipos de casos que se deparam ao julgador e, estamos em crer, por isso mesmo, com potencialidade para alcançar soluções mais justas, veio, entretanto, a ser defendida no Acórdão do STJ de 04.05.10, acessível in www.dgsi.pt.
Segundo o mesmo, podem equacionar-se distintas hipóteses, a reclamar diferente tratamento:
• se alimentos estavam efectivamente a ser prestados, é suficiente a prova de que o terceiro que os reclama é efectivamente o titular do direito a alimentos ou a pessoa a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural;
• nos casos em que o interessado não recebia nenhuma prestação do lesado, então é que naturalmente se justifica que o interessado demonstre, não apenas que detém a qualidade legal que lhe permite exigir alimentos ao lesado como ainda que deles efectivamente carece;
• no caso do dever de contribuir para os encargos da vida familiar - expressão do dever de alimentos -, não se tratando sequer de uma obrigação a que o cônjuge se possa eximir com o argumento de que o outro cônjuge deles não carece, será suficiente a prova do casamento, independentemente de os alimentos estarem a ser prestados ou da prova de deles o cônjuge carecer;
• dentro deste último caso e de acordo com a leitura do aludido Acórdão que se nos afigura ser a correcta, tendo-se em conta que a dimensão da prestação pode ser discutida quando existir diferença de rendimentos ou outras formas de contribuição patrimonial (uma vez que a obrigação é na proporção das respectivas possibilidades - artigo 1676.º, nº 1, do Código Civil), poderá discutir-se a dimensão da prestação de alimentos para efeitos do cálculo do prejuízo correspondente à perda patrimonial em causa.
Na situação em apreço, cremos que o auxílio sistemático e diário prestado pela vítima à primeira Autora, sua mulher, integrava um efectivo contributo para os encargos da vida familiar, contributo esse pecuniariamente avaliável, por referência à remuneração da prestação de serviços desta natureza.
De idêntico pressuposto partiu o Acórdão do STJ 23.04.09, acessível no mesmo sítio, e assim resumido: “É afirmativa a resposta à questão de saber se configura um dano emergente indemnizável, a contratação, por parte dos familiares com quem convivia a vítima mortal, de uma empregada doméstica, por terem ficado privados de um serviço doméstico consensualmente ajustado no agregado familiar, prestado por um dos membros do casal, sendo certo que esse trabalho profissional de desenvolvimento de tarefas domésticas tem tradução económico-financeira.”
E, citando Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família”, vol. I, 2003, 397/398: “Como dispõe o art.º 1676.º, o dever de contribuição para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges nos mesmos termos (de acordo com o princípio da igualdade dos cônjuges, não há atribuição estereotipada de funções ao marido ou à mulher) e pode ser cumprido por qualquer deles de duas formas: pela afectação dos seus recursos (rendimentos e proventos) àqueles encargos e através do trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos (…) Cada um dos cônjuges pode pois cumprir a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar de uma das formas referidas no art.º 1676.º n.º 1, da outra ou de ambas. Decerto que é possível que um dos cônjuges cumpra aquela obrigação de uma forma e o outro da outra; mas também é possível que os dois cumpram a obrigação de ambas as formas. Tudo depende do que seja convencionado entre eles.”
Assim, não só porque como cônjuge a tal contribuição estava vinculado, como, no caso, efectivamente o falecido a efectuava, importará, tão só fixar a medida da perda patrimonial decorrente da impossibilidade de prestação dessa contribuição”.

Acompanhamos o entendimento de que estamos efectivamente perante dano indemnizável ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 495º do CCiv..
Embora num contexto factual distinto do que ora está apurado, o aqui relator já teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação de tal preceito que tem como correcta. Com efeito, num aresto desta Relação do Porto que relatou [Ac. de 04/05/2010, proc. 105/08.0TBVCD.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], afirmou-se o seguinte:
“Consagra este preceito (todo ele, embora aqui só esteja em questão o seu nº 3) uma excepção à regra (no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), estabelecida no art. 483º nº 1, de que só o titular do direito violado tem direito à indemnização e de que o mesmo já não acontece relativamente a terceiros, ainda que reflexamente prejudicados pela actuação do lesante – a outra excepção (mas atinente a danos não patrimoniais, pois aquela refere-se a danos de natureza patrimonial) está proclamada no art. 496º nºs 2 e 3, parte final [segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pg. 646, há na concessão do direito indemnizatório previsto no art. 495º nº 3 “uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante”; idem, Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pg. 401 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 264 e segs.]. Prevê-se nele aquilo que vem sendo designado por «dano da perda de alimentos» e que abarca duas situações em que o terceiro (ou terceiros) reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado pelo lesante (ou por quem legalmente o substitui): quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. A primeira tem subjacente uma obrigação legal de prestação de alimentos; a segunda uma mera obrigação natural na sua prestação, nos termos definidos nos arts. 402º e 404º”.
E depois de dizermos que o caso que ali estava em questão [atropelamento mortal de um menor de 14 anos, em que os pais reclamavam, nomeadamente, a fixação de uma indemnização por danos patrimoniais futuros] era enquadrável na primeira destas situações, tal como acontece no caso «sub judice», na medida em que aqui estamos no âmbito das relações entre cônjuges, em que vigoram os deveres de cooperação [art. 1674º do CCiv. - que compreende a obrigação de socorro e auxílio mútuo entre os cônjuges e o dever de assumirem ambos as responsabilidades inerentes à vida familiar] e de assistência [arts. 1675º e 1676º - que engloba a obrigação dos cônjuges prestarem alimentos entre si e de contribuírem para os encargos da vida familiar], acrescentou-se:
“Analisando o nº 3 do art. 495º, começa o Prof. Antunes Varela [obr. e vol. cit., pg. 647] por perguntar se têm direito à indemnização por danos patrimoniais «apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo», respondendo de imediato que «o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas». E acrescenta que «se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível (…), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do art. 564º» e, bem assim, que «ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada».
Com base nestes ensinamentos, escreve o Desemb. Pinto de Almeida [no estudo “Responsabilidade Civil Extracontratual – Indemnização dos Danos Reflexos”, in www.trp.pt/index2] que a Jurisprudência vem maioritariamente entendendo que «para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos» [no mesmo sentido, Des. Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil”, vol. II, pg. 15]. Exemplos desta orientação – que também perfilhamos - são, entre outros, os Acórdãos do STJ de 08/05/2008 [proc. 08B726, relatado pelo Cons. Serra Baptista, disponível in www.dgsi.pt/jstj], que decidiu que o terceiro reflexamente lesado «tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado», «podendo a própria necessidade de alimentos ser futura», «apenas tendo que ser previsível»; de 20/10/2009 [proc. 85/07.9TCGMR.G1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que «parece certo que o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo art. 495º, nº 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir»; e desta Relação do Porto de 09/02/2009 [proc. 0835934, relatado pela Des. Deolinda Varão, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], que declarou perfilhar a posição do Prof. Antunes Varela, no sentido de que «basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos»; e de 24/11/2005, [proc. 0534035, relatado pelo Des. Pinto de Almeida, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que «é de todo indiferente (…) que eventualmente não fossem pagos alimentos anteriormente», pois «o que releva é a possibilidade de eles serem exigidos»”.

Ora, «in casu» nem precisamos de ir tão longe na fundamentação como fomos naquele acórdão, pois é inequívoco que o auxílio que o falecido Q...... prestava à 1ª autora, sua esposa, cabe no âmbito dos deveres conjugais atrás referenciados e tem tradução económica, reconduzindo-se ao conceito de «alimentos» constante do nº 3 do citado art. 495º e definido no art. 2003º, a tal ponto que se, em vez de lhe prestar directamente [ele próprio] o auxílio a que os factos provados se reportam [als. V) e EE) e segs. do ponto III], pagasse a uma terceira pessoa pelo desempenho dessa tarefa, ninguém colocaria em causa a ressarcibilidade de tal dano à luz daquele primeiro preceito.
Como tal e como bem se decidiu na douta sentença recorrida, não há dúvida quanto ao direito da 1ª autora ser indemnizada do dano em apreço.

E quanto ao seu montante?
O recorrente defende que os 25.000,00 € fixados são exagerados, propondo, em vez disso, a quantia de 10.000,00 €.
Como consta da sentença, a quantificação deste dano é feita segundo juízos de equidade, nos termos do nº 3 do art. 566º do CCiv., devendo, para tal, ter-se em conta o seguinte circunstancialismo:
• as necessidades de auxílio da 1ª autora são permanentes e carecem do apoio constante de uma terceira pessoa;
• esta auferirá certamente retribuição não inferior ao salário mínimo nacional, embora, no caso, este rigor deva ter alguma atenuação por ser uma filha daquela demandante que está a prestar-lhe auxílio [desde o falecimento da vítima Q......];
• a vítima tinha 76 anos à data do seu decesso, pelo que a sua ajuda à cônjuge não se prolongaria, certamente, por mais de cinco-seis anos, pois mesmo que vivesse para lá dos 80 anos já não poderia ser ele, a partir dessa data, a levar a cabo a referida tarefa [por falta do necessário vigor físico].
Além disso, não pode deixar de relevar o facto da indemnização ser paga de uma só vez e antecipadamente, havendo que atenuar o benefício daí decorrente para a 1ª autora [pode aplicar financeiramente o valor da indemnização].
Ponderando tudo isto, pensamos que a quantia de 18.000,00 € será mais ajustada ao ressarcimento do aludido dano, reduzindo-se, assim, o montante fixado na 1ª instância [25.000,00 €].
Neste segmento, a apelação procede parcialmente.
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3. Se o ISS/CNP tem direito a ser reembolsado do subsídio por morte que peticionou e se foi condenado em prestações futuras não abrangidas pela sub-rogação legal.
Resta a questão suscitada nas conclusões 4 e segs. das alegações do recorrente.
A sentença recorrida condenou, ainda, o FGA e os 3º e 4º réus a pagarem ao interveniente ISS/CNP as quantias de 17.958,22 € a título de pensões de sobrevivência e de 2.193,60 € a título de subsídio por morte, que este pagou à 1ª autora [por morte do referido Q......, já que este era beneficiário da segurança social], acrescidas dos respectivos juros legais.
O recorrente insurge-se contra tal condenação, mas apenas na parte relativa ao subsídio por morte. Defende que não se verifica, quanto a este, a sub-rogação legal a favor do ISS/CNP, por ter sido pago no cumprimento de uma obrigação própria da segurança social.

Não lhe assiste razão.
Há muito [desde o art. 16º da Lei nº 28/84, de 14/08, passando pelo art. 66º da Lei nº 17/2000, de 08/08 e agora pelo art. 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12 – que sucessivamente regularam as Bases da Segurança Social] que a questão ora em apreço vem recebendo da Jurisprudência uma solução praticamente uniforme, no sentido da existência de sub-rogação legal quer relativamente à prestação ora em causa [subsídio por morte], quer no que tange às pensões de sobrevivência [cfr., i. a., os Acs. do STJ de 05/01/1995, in CJ-STJ ano III, 1, 163, de 25/09/2003, proc. 03B1611, de 23/10/2003, proc. 03B3071, de 08/06/2006, proc. 06A1464, de 02/10/2007, proc. 07A2763, de 17/06/2008, proc. 08A1599 e de 27/01/2010, proc. 1472/08.0TBBRG.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Outra não pode ser a solução face ao que dispõe o art. 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12 – aplicável ao caso «sub judice» face à data do acidente que determinou a prestação do apontado subsídio e à data em que tal Lei entrou em vigor [art. 133º da mesma] -, segundo o qual “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”, não merecendo acolhimento o entendimento do FGA no sentido de que o ISS/CNP não poderia reclamar o respectivo reembolso por estar em causa “uma típica prestação da segurança social”. Isto porque não há qualquer dúvida que o facto que determinou a prestação daquele subsídio [e das pensões de sobrevivência] foi a morte do inditoso Q......, causada pelo atropelamento de que dão notícia os factos provados, sendo também esse mesmo facto naturalístico [morte resultante do acidente de viação em apreço] que determina a responsabilidade do FGA [e dos 3º e 4º réus] de ressarcir[em] a 1ª autora pelos danos que resultaram do decesso daquele. Nestes casos, em que há terceiros responsáveis pela morte de um beneficiário da segurança social, a obrigação de pagamento, por parte da Segurança Social, do subsídio por morte [e de pensões de sobrevivência] aos familiares daquele representa como que um adiantamento em lugar do devedor, devendo o ISS/CNP ser tido como «lesado» em relação aos subsídios e pensões pagos em consequência de acidente de viação [cfr. Acs. do STJ de 05/01/1995, CJ-STJ ano III, 1, 163, de 11/07/2006, rev. 1969/06-1ª e de 17/06/2008, este já atrás citado].

No que diz respeito à segunda parte da questão enunciada na epígrafe deste item – se a condenação abrangeu prestações futuras -, não se compreende o que pretende o recorrente, pois, por um lado, o pagamento do subsídio por morte esgota-se numa única prestação paga pela segurança social aos beneficiários [diversamente do que acontece com as pensões de sobrevivência, que vão sendo pagas, mensalmente, ao longo do tempo, até ao decesso do cônjuge sobrevivo e, no caso de filhos menores do beneficiário falecido, até estes atingirem a maioridade, podendo, em certos casos, prolongar-se para além desse momento], prestação essa que já foi paga e que coincide com o valor [2.193,60 €] fixado na douta sentença e, por outro, porque esta não o condenou [nem aos demais réus atrás indicados] a pagar quaisquer prestações futuras, ainda que a título de pensões de sobrevivência [nem poderia fazê-lo, por há muito se entender que o direito de sub-rogação legal não as abrange, conforme decorre do art. 593º do CCiv. - cfr. Assento do STJ – agora AUJ – de 09/11/1977, in BMJ 271/100 e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, pgs. 609-610, bem como alguns dos arestos do STJ atrás citados], pois, mesmo quanto a estas [pensões de sobrevivência], o FGA [e os 3º e 4º réus] apenas foram condenados no pagamento das prestações vencidas e pagas pelo ISS/CNP à 1ª demandante até à data da audiência de discussão e julgamento [cfr. al. AAA) dos factos provados].
Improcede, assim, este ponto da apelação.

Em conclusão, só procede, em parte, a questão apreciada no item 2 deste ponto IV.
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Síntese conclusiva:
• A perda do direito à vida da vítima, com 76 anos de idade à data do acidente e do seu decesso, deve ser compensada com uma indemnização de 60.000,00 €, por traduzir o limite mínimo pela perda de qualquer vida humana.
• É indemnizável, ao abrigo do nº 3 do art. 495º do CCiv., o dano da autora, viúva, que sofre de doença que a incapacita fisicamente de, sozinha, levar a cabo as necessidades mais básicas do seu dia-a-dia, em cuja realização era, diária e permanentemente, auxiliada pelo marido, vítima do acidente, e que, devido ao óbito deste, carece da ajuda permanente de terceira pessoa.
• Com base na sub-rogação legal consagrada no art. 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12, o ISS/CNP tem direito a exigir do responsável civil [e/ou da sua seguradora ou do FGA; neste caso inexistindo seguro válido e eficaz] o que pagou aos familiares da vítima [com direito a tal] a título de subsídio por morte.
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º. Julgar parcialmente procedente o recurso, alterando, consequentemente, a douta sentença recorrida apenas no segmento em que fixou a favor da 1ª autora a indemnização de 25.000,00 €, para custear a necessidade que tem de auxílio de uma terceira pessoa, ficando tal parcela indemnizatória reduzida a 18.000,00 €.
2º. Manter o mais que foi ali sentenciado.
3º. Condenar recorrente e recorridos nas custas desta fase recursória, na proporção do decaimento.
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Porto, 2013/02/26
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso