Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17763/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: PERDA DE CHANCE
MANDATO FORENSE
PROBABILIDADE DE SUCESSO
RECURSO INTEMPESTIVO
Nº do Documento: RP2023041717763/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A jurisprudência mais recente emanada do STJ e, na sua esteira, boa parte da doutrina que sobre o tema se tem debruçado, aceitam que a perda de chance, desde que consistente e séria, é dizer, se for possível concluir com elevado (ou considerável) grau de probabilidade ou verosimilhança que o lesado obteria certo benefício não fora a oportunidade processual perdida em consequência de um evento lesivo, configura um dano autónomo ressarcível;
II - Não pode falar-se num dano indemnizável de perda de chance processual sofrido pelos autores só porque o seu mandatário incumpriu o dever de zelo a que estava adstrito, incumprimento esse traduzido na não interposição tempestiva de um recurso;
III - É, ainda, necessário que, no “julgamento dentro do julgamento” (a efectuar no processo em que se discute se há lugar a indemnização por perda de chance, ou seja, neste processo), que há-de reportar-se à lide originária (à “acção frustrada”), através de uma espécie de juízo de prognose póstuma, se apure que, a não ter ocorrido a perda de oportunidade processual (a ter sido proposta, atempadamente, a acção que se deixou caducar; se tivesse sido, tempestivamente, apresentada contestação; se o recurso da decisão desfavorável tivesse sido interposto e em tempo, etc.), o órgão jurisdicional competente teria proferido uma decisão favorável, ou melhor, a probabilidade de sucesso, de obter uma vantagem, ou de não sofrer um prejuízo, seria real e séria;
IV - Essa probabilidade de sucesso no processo original (ou no processo frustrado) tem uma função fundamentadora da indemnização (sem ela, não pode afirmar-se a existência de um dano), bem como uma função quantificadora da mesma, pelo que é sobre o suposto lesado que recai o ónus de alegar e provar os factos constitutivos, não só do ilícito (a acção ou omissão censurável do mandatário), mas também da elevada probabilidade de obtenção de ganho de causa na acção originária, não fora a falta cometida pelo mandatário forense.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 17763/18.0T8PRT.P1
Comarca do Porto

Juízo Central Cível do Porto (Juiz 3)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. Configuração da acção

Em 20 de agosto de 2018, AA e BB, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução, patrocinados pelo Sr. Dr. CC, Advogado com a cédula profissional n.º ....p, intentaram no Juízo Central Cível do Porto, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., S.A.”, peticionando a sua condenação a pagar-lhes a quantia de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de “indemnização contratual”, acrescida de juros de mora.

Para tanto, alegam, em síntese, que, em 19.10.2006, celebraram com “B..., L.da” (de ora em diante, apenas “B...”) um contrato-promessa pelo qual prometeram comprar a esta sociedade que, por seu turno, prometeu vender-lhes, pelo preço de €200.000,00 (duzentos mil euros), a fracção “T” do prédio sito na Estrada ..., ..., freguesia ..., Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...92/031299-...; que, no próprio acto de outorga desse contrato, pagaram à promitente-vendedora a totalidade do preço, entregando-lhe aquela quantia (€200.000,00) em dinheiro, e logo então “tomaram posse” do apartamento, indo habitá-lo, pelo que se tornaram «titulares de um Direito de Propriedade sobre o apartamento em apreço».

No âmbito do processo de insolvência da “B...” (processo n.º 785/08.6TYVNG, a correr termos pelo 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia), requereram que a referida fracção fosse excluída da massa insolvente ou que lhes fosse reconhecido o crédito de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), correspondente ao dobro do que pagaram, por incumprimento do contrato-promessa; porém, a administradora da insolvência indeferiu a reclamação; impugnaram tal decisão e «o seu Mandatário teve várias audiências com o Sr. Juiz do Tribunal de Comércio, o qual decidiu não realizar a pedida audiência de Julgamento para prova dos factos alegados, por receio da oposição dos outros credores e do trabalho que iria dar tal pleito (palavras do Sr. Juiz)» (sic); recorreram para a Relação do Porto, mas o seu mandatário, Dr. CC, cometeu o erro de utilizar o prazo de 30 dias para o recurso, quando o prazo legal era de 15 dias, pelo que a Relação, por decisão de 30.12.2015, indeferiu o recurso, por extemporâneo; não fosse esse lapso e «havia uma real e provável possibilidade de um desfecho favorável do Recurso para os AA., pois só não viram a sua pretensão satisfeita em 1.ª Instância devido à "má vontade" demonstrada pelo Sr. Juiz em analisar devidamente o seu pedido e levar a Julgamento o caso, alegando este que daria muito trabalho, além de que os credores iriam certamente se opor, o que aumentaria ainda mais o trabalho a realizar, nas palavras do Exmº. Sr. Juiz de 1ª. Instância, respondendo ao aqui Mandatário em audiência privada e apontando para as dezenas de pastas processuais do processo de Insolvência da firma vendedora do imóvel aos AA.» (sic); provavelmente, «o Tribunal da Relação não iria desculpar-se com o excesso de trabalho e iria ouvir a pretensão dos AA.».

A não interposição atempada do recurso «determinou uma perda de chance ou de oportunidade para os Recorrentes, daí advindo uma desvantagem jurídica, esta traduzida em desvantagem económica para os AA.».

Em 24.07.2014, o Advogado CC celebrou com a R. um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...26, pelo qual transferiu para a “A..., S.A.”, e esta assumiu, a sua responsabilidade civil profissional por danos causados a terceiros devidos a erro, negligência ou omissão cometidos no exercício da sua atividade profissional de advocacia, sendo o capital do seguro de 250.000 euros, contrato esse que vigorou, ininterruptamente, entre os anos de 2014 e 2017 (inclusive); o seu mandatário, «pediu então à R. o acionamento da apólice dentro do prazo legal de 8 dias a contar da decisão de extemporaneidade do Tribunal da Relação do Porto, sendo "first claim", e indemnização aos clientes/beneficiários no valor de 250.000 euros»; porém, a ré declinou a sua responsabilidade e daí a presente acção.

2. Oposição

Citada, a ré “A..., S.A.” (de ora em diante, apenas “A...”) apresentou contestação em que, além de referir, como “questão prévia”, que o Dr. CC já intentou contra si uma acção com os mesmos pedido e causa de pedir (que correu termos no Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4, sob o n.º 1374/17.0T8PRT), na qual foi proferida decisão de absolvição por ilegitimidade do autor, defendeu-se por excepção e por impugnação.

Na defesa por excepção, aceitando ter celebrado o contrato de seguro invocado pelos autores, cujo termo ocorreu em 24.07.2017, alega, no entanto, circunstâncias que configuram exclusões de responsabilidade previstas no respectivo clausulado: o autor AA, sendo pai do seu segurado Dr. CC, não pode considerar-se “Terceiro” para efeitos do contrato de seguro e faltou a comunicação, dentro do prazo estipulado, da ocorrência do “sinistro”.

Na defesa por impugnação, alega desconhecer, e não ter obrigação de saber, se são verdadeiros os factos alegados nos artigos 7.º a 27.º, 33.º, 35.º, 44.º a 47.º e 53.º da p. i. e que os demais não correspondem à verdade.

Rejeita que se mostrem preenchidos os pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade civil profissional do seu segurado, Dr. CC, e que, a proceder a impugnação da decisão do Administrador de Insolvência de resolução do contrato-promessa alegadamente outorgado pelos AA., estes veriam a sua alegada pretensão satisfeita através do produto da massa insolvente.

Requereu a intervenção principal do Dr. CC, pois que o contrato de seguro de responsabilidade civil não desonera o devedor principal da obrigação de indemnizar a cargo do autor do facto ilícito alegado e inexiste qualquer disposição legal que determine a demanda da seguradora desacompanhada do seu segurado, pelo que seria caso de litisconsórcio necessário passivo.

Concluiu pela total improcedência da acção.

3. Resposta dos autores

Instados a responder à matéria das excepções, os autores fizeram-no, pugnando pela sua improcedência, e alegam que a cláusula (que não identificam, mas que seria aquela que prevê a exclusão, como beneficiário do seguro, do pai do segurado da ré) é uma cláusula abusiva.

4. Intervenção principal

Em 10.12.2018, foi proferido o seguinte despacho:

«Atentos os motivos invocados pela Ré ao suscitar a intervenção principal provocada do Dr CC, estando-se perante litisconsórcio necessário, uma vez que aquele é alegadamente o autor do facto que fundamenta a responsabilidade civil profissional que constitui a causa de pedir desta acção, ao abrigo dos arts. 316º nº 1 e 318º nº 2 do CPC, admite-se a intervenção principal provocada de Dr. CC, como associado da Ré.

Custas do incidente a cargo da Ré (art. 539º nº 1 do CPC).


*

Proceda-se à citação do Interveniente Principal, Dr. CC, para efeitos dos arts. 319º e 320º do CPC.»

Citado, o chamado veio declarar que «faz seus os articulados dos AA., aderindo aos factos aí alegados, ao abrigo do nº. 3 do artº. 319º. CPC.»

Invocando o direito ao contraditório, a A... veio dizer que «o articulado apresentado pelo Réu Dr. CC, além de comprovar o manifesto interesse pessoal na procedência da presente ação judicial, não é processualmente admissível», pois não pode uma parte processual figurar como autor e como réu na mesma demanda (além da qualidade de advogado dos AA. e testemunha destes) e o chamado foi citado como associado da ré.

Em 12.03.2019, foi proferido o seguinte despacho:

«Conforme decorre do despacho proferido a fls. 60 a Intervenção principal provocada do Dr. CC visa colmatar a preterição do litisconsórcio necessário passivo, sendo que claramente se diz nesse despacho que é admitida tal intervenção como associado do Réu, pelo que, o Interveniente, neste caso específico, pode apresentar articulado próprio ou declarar aderir aos articulados apresentados pela parte ao lado da qual fora chamado a intervir, mas não pode obviamente associar-se aos AA, quando assume por força do referido despacho a posição de co-Réu (neste sentido, Salvador da Costa, Os Incidentes Da Causa, p. 124).

Assim sendo, o requerimento apresentado a fls. 62v não é admissível, devendo o mesmo ser desentranhado, após trânsito.»

Na sequência de parecer emitido pelo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados no sentido de que o Dr. CC devia cessar imediatamente o patrocínio dos AA. por se encontrar em posição de conflito de interesses gerador de impedimento para o exercício do mandato, este renunciou ao mandato.

Na sequência da renúncia, os autores constituíram novo advogado e a acção prosseguiu.

5. Saneamento e condensação

Em 20.01.2020, realizou-se audiência prévia na qual se tentou a conciliação das partes, tentativa que, no entanto, se frustrou.

Em 25.06.2020, foi proferido despacho saneador, fixou-se o valor da causa (€250.000,00) e o objecto do processo, foram enunciados os temas de prova e, por despacho de 09.11.2020, admitidos os requerimentos probatórios.

6. Audiência final e sentença

Realizou-se a audiência final, em três sessões, após o que, com data de 01.09.2022, foi proferida sentença[1] que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

7. Impugnação da sentença

Inconformada com a sentença, em 11.10.2022 veio a autora BB dela interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:

«A – A Julgadora não acreditou que o preço tenha sido pago – negou o prejuízo dos AA.. Fê-lo, porém, sem qualquer sustentação/prova.

Como não há qualquer prova de que o contrato tenha sido celebrado com intenções fraudulentas (como sugere) em vésperas da “falência” da vendedora.

Antes, há prova (além do contrato que tem data e dá quitação) justamente do contrário: Pagamentos de água, eletricidade, etc… durante anos.

Mais, foi a Mma Juiz buscar as moradas constantes dos pedidos de apoio judiciário para “justificar” o seu “ponto de vista” de que os AA. (pagavam as contas… mas) não moravam no prédio prometido comprar… Encontrou, assim, as moradas de “...” e da “...”, mas não discerniu que esta última foi dada depois de ordenada a entrega pelo Sr Administrador Judicial… Já a de ..., correspondia e corresponde ao domicílio profissional dos AA. (e também do advogado-R – como se pode alcançar de uma pesquisa no Google…). Ora, tais instrumentos (sejam eles procurações, peças processuais ou pedidos de Apoio Judiciário) não são aptos a aferir do “domicílio pessoal” de quem quer que seja.

Assim se concluí que muito mal andou o Tribunal! Dos elementos de prova existentes concluiu tendendo ao fim que tinha em vista e não à conclusão a que chegaria a avassaladora maioria e sabedoria do “Homem Comum”, chegando mesmo a qualificar de “estratagema menos probo” (sic.) o contrato promessa…

Com todo o respeito,

- se ali vivem (pagando todas as despesas inerentes) e têm um contrato promessa, o mais provável é que o contrato seja verdadeiro. Assim,

Em face de um contrato promessa que dá quitação de preço, à míngua de outros meios probatórios que o contrariem, sendo provado que os AA. residiam e pagavam as despesas inerentes à utilização do imóvel objecto daquela promessa, é de dar como provado a sua autenticidade, bem como o recebimento do preço que dele consta;

B – Depois de um enquadramento jurisprudencial e doutrinal irrepreensível, onde talvez tenham faltados os dois acórdãos uniformizadores que se conhece, conclui o Tribunal que… com tantos erros grosseiros do mandatário, ao longo do processado, o Recurso seria votado à improcedência.

Resultando provada a rejeição de um Recurso, por erro de contagem de prazo, por parte de mandatário judicial, há-de ser ele responsável (e a co-R. Seguradora) pelos danos causados aos mandantes por tal lapso;

C – Tal responsabilidade não fica comprometida, antes fica reforçada, se da análise do processado se verificar que erros grosseiros do mandatário comprometeriam o sucesso do Recurso.»

A ré A... contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido (com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo) por despacho de 17.11.2022.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).

Não é clara a recorrente na definição do objecto do recurso. Concretamente, não explicita se o seu inconformismo se cinge à solução jurídica plasmada na sentença ou se é, também, a decisão sobre matéria de facto que impugna. Na dúvida, há que considerar que a sua irresignação se estende à matéria de facto.

São, pois, questões a apreciar e decidir:

- se a prova produzida impõe decisão diversa da recorrida quanto ao(s) concreto(s) ponto(s) de facto que a recorrente indica;

- se o tribunal fez errada aplicação do direito à factualidade provada, concretamente, se estão verificados todos os pressupostos do direito à peticionada indemnização por “perda de chance”.

IIFundamentação

1. Fundamentos de facto

Delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente, bem como a que considerou não provada.

A) Factos provados

1. Partes interessadas

1 – O interveniente CC (adiante, CC) é advogado, estando inscrito na Ordem dos Advogados com a cédula n.º ....p.

2 – Em 19 de maio de 2009, os autores AA (adiante, AA) e BB (adiante, BB) conferiram procuração forense a CC.

3 – CC é filho de AA e irmão de BB.

4 – A ré A..., S.A. (adiante, A...), dedica-se à atividade seguradora.

2. Exercício do mandato no processo n.º 785/08.6TYVNG e apensos

5 – Em 13 de maio de 2009, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), foi apreendida para a massa insolvente a fração T, correspondente ao 2.º andar esquerdo do imóvel sito na estrada ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar na ficha n.º ..92/031299-....

6 – Os autores declararam incumbir CC de, por conta, no interesse e em sua representação, atuar judicialmente no sentido de, no âmbito do processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), ser-lhes reconhecido um direito próprio e erga omnes sobre a fração referida no ponto 5 – factos provados –, ou de um direito de crédito ao sinal em dobro, declarando o interveniente CC assumir o patrocínio dos autores na instauração do processo judicial necessário.

7 – No processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência) e no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), os autores foram representados por CC, tendo este recebido as notificações a estes dirigidas e praticado os seus atos adiante descritos, designadamente, o requerimento de interposição do recurso referido no ponto 26 – factos provados.

2.1. Processo de Insolvência n.º 785/08.6TYVNG

8 – Em 30 de março de 2009, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), B..., L.da (adiante, B...) foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado (referência 1032477).

9 – No processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), o administrador judicial declarou aos autores resolver o contrato invocado por estes, referido no ponto 41 – factos não provados –, conforme consta do anexo IX do requerimento por aquele dirigido ao mesmo processo em 28 de janeiro de 2010 (referência 386959).

10 – Em 8 de fevereiro de 2010, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), AA e BB apresentaram um ato escrito, com a referência 3920641 (fls. 446 a 449), que designaram no formulário do sistema informático Citius de “Contestação”, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

AA e BB (…) vêm // impugnar //a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência ao considerar resolvido o contrato de promessa de compra e venda em questão nos autos, // nos seguintes termos e fundamentos: (…)


1.º

Na realidade de facto, a partir da data de outorga do contrato-promessa em apreço, os reclamantes tomaram posse do apartamento, quer posse efectiva, quer posse permitida pelo contrato-promessa, indo habitar efectivamente o mesmo, provando-se o mesmo quer através de prova testemunhal, quer através de prova documental, documento 2 (recibo do gás), já junto aos autos e ainda os recibos mais antigo e mais recente da Tvcabo (Doc. 1 e 2, os quais protesta apresentar no prazo de 10 dias).

2.º

Salvo melhor entendimento, são os Reclamantes titulares de um Direito de Posse e Direito de Retenção sobre o dito apartamento.

3.º

São, portanto, os Reclamantes possuidores e usufruidores do imóvel em apreço desde Maio de 2007, motivos mais do que suficientes para que o apartamento adquirido pelos Reclamantes à Insolvente seja excluído da massa insolvente.

4.º

Acresce que se a Insolvente não incluiu o valor de 200.000 euros entregues em dinheiro pelos Reclamantes à agora Insolvente na sua contabilidade, então esta está a agir de má fé

5.º

E, assim sendo, também existe abuso de direito e enriquecimento sem causa por parte da Insolvente por ter recebido a quantia de 200.000 euros e nada ter dado em troca, de acordo com as palavras do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência.

6.º

Neste seguimento, vêm os Reclamantes por este meio interpelar a Insolvente para a marcação e outorga da respectiva escritura de compra e venda o mais rapidamente possível, visto que o apartamento está totalmente pago.

7.º

Acresce que reiteram tudo o que disseram na Reclamação de Créditos.

// Nestes termos e nos demais de Direito, requerem a V. Ex.a se digne revogar a decisão do Ex.mo Sr. Administrador da insolvência, se digne considerar que o imóvel em apreço está totalmente pago à Insolvente, que os reclamantes têm um Direito de posse sobre o referido imóvel, que têm um Direito de Retenção sobre o imóvel em apreço e requerem ainda (…) se digne considerar este imóvel, sito na Estrada ... (...), excluído da massa insolvente, devendo ainda (…) ordenar todas as providências para que se outorgue de imediato este imóvel a favor dos aqui reclamantes.

11 – Em 13 de outubro 2010, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), foi proferido despacho com a referência n.º 1360568 (fls. 486), do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Fls. 446 a 449:

Por o expediente processual usado não constituir o meio processual idóneo para defesa dos direitos em causa, atento o regime legal previsto no C.I.R.E., indefere-se o solicitado.

2.2. Processo de Reclamação de Créditos n.º 785/08.6TYVNG-D

12 – Em 2 de dezembro de 2013, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), após realização da audiência final, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com a referência n.º 2195286, sob conclusão aberta com a seguinte informação:

(…) foi informado no n/oficio 2160922 de 14.10.2013 ao Tribunal judicial de Gondomar – 3.º Juízo Cível, não constar apensa qualquer acção de impugnação de resolução em que sejam autores AA e BB.

Mais se informa que apenas consta a fls. 446 e segs dos autos principais um requerimento de AA e BB objecto de despacho, conforme fls. 486 desses autos

13 – Na sentença de verificação e graduação de créditos referida no ponto 12 – factos provados – consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Esclareça-se o requerente em conformidade com o teor da informação supra prestada. Informe-se o mesmo que caso repute necessário será designado dia para sua audição e prestação de esclarecimentos complementares.

14 – Em 9 de dezembro de 2013, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB apresentaram um requerimento com a referência n.º 15309916, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Visto estar em jogo o apartamento de residência dos Impugnantes ou, pelo menos, a devolução do sinal de 200.000 euros em dobro, ou seja, uma situação de delicada e extrema importância, requerer-se a V. Exa . se digne marcar com urgência dia e hora para audiência com o Mandatário, para se justificar o lapso do Tribunal ou para se resolver de qualquer forma esta situação.

15 – Em 18 de dezembro de 2013, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), teve lugar a audição do mandatário de AA e BB, da qual foi lavrada auto, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

AUTO DE AUDIÇÃO

(…)

Iniciada a diligência, o Mm. o Juiz ouviu o Ilustre Mandatário presente, tendo-o esclarecido acerca do que consta dos autos.

Após, ordenou que Secção informe se corresponde á realidade o vertido a fls. 442 e sgt no que tange à ausência de notificação do despacho proferido nos autos principais.

16 – Em 22 de dezembro de 2013, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB apresentaram um ato escrito, com a referência 15436283, que designaram no formulário do sistema informático Citius de “Alegações”, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Para juntar aos Autos Principais e ao anexo de Reclamação de Créditos.

(…)

AA e BB (…) vêm dizer e requerer o seguinte:

Já inteirados do despacho do Tribunal, depois de audição com o Exmo. Sr. Juiz, mas ainda não notificados, veem requerer a V. Exa. se digne aceitar a Impugnação Judicial apresentada em 8 de Fevereiro de 2010 à decisão do Sr. Administrador de Insolvência de não considerar o crédito dos aqui Reclamantes, ao abrigo do art. 130.º do Código da Insolvência (…).

Assim, veem os aqui reclamantes reiterar a dedução da:

Impugnação Judicial // à decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência ao considerar resolvido o contrato de promessa de compra e venda em questão nos autos e não considerar o crédito dos aqui reclamantes, ao abrigo do art. 130.º do Código da Insolvência, // nos seguintes termos e fundamentos:

(…)

Nestes termos e nos melhores de Direito, requerem a V. Exa. se digne revogar a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência, se digne considerar que o imóvel em apreço está totalmente pago à Insolvente, que os Reclamantes têm um Direito de posse sobre o referido imóvel, que têm um Direito de Retenção sobre o imóvel em apreço e requerem ainda a V. Exa. Se digne considerar este imóvel (…) excluído da massa insolvente, devendo ainda V. Exa. Ordenar todas as providências para que se outorgue de imediato este imóvel a favor dos aqui reclamantes ou, alternativamente, devolver aos aqui reclamantes o sinal em dobro, no valor de 400.000 euros (…) e até lá permanecerem no imóvel ao abrigo dos Direitos de Posse e de Retenção.

17 – Em 8 de janeiro de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Insolvência), foi aberta conclusão, com a referência 2214875, na qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

(…) assiste razão ao mandatário, confirmando a secção que o mesmo não foi notificado do despacho proferido sobre o seu requerimento.

18 – Em 28 de janeiro de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), o credor C..., S.A., em resposta ao requerimento referido no ponto 16 – factos provados –, apresentou um ato escrito, com a referência 15753780, que designou no formulário do sistema informático Citius de “Requerimento”, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito

NÃO PODE, POIS, DEIXAR DE SER INDEFERIDA ou não atendida a pretensão, ou miscelânea incongruente de pretensões, aliás manifestamente extemporâneas, dos requerentes, o que se requer.

19 – Em 12 de fevereiro de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB apresentaram um requerimento com a referência n.º 15921038, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

AA e BB, vem, no seguimento da confusão que a Gestora do património da Insolvente gerou, esclarecer:

O pedido da impugnação judicial é muito simples:

– Os autores requerem ao Tribunal se digne revogar a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência – o qual se recusa a reconhecer o crédito dos autores – e ordenar a realização da escritura em apreço (tanto pela traditio da coisa – art. 106.º, n.º 1, do Código da Insolvência – como pelo Direito de Posse e Direito de Retenção que os autores detêm sobre o imóvel – tudo a se provar em audiência de discussão e julgamento);

– Alternativamente, se o Tribunal considerar que a realização da escritura não é viável, então deverão os autores ser indemnizados em sinal em dobro do que foi prestado 400.000 euros (também a se provar em audiência de discussão e julgamento a entrega do sinal); e enquanto não for prestado esse sinal em dobro, deverão os autores permanecer no imóvel (no qual vivem há mais de 7 anos), ao abrigo do Direito de Posse e do Direito de Retenção.

20 – Em 30 de abril de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), foi proferido despacho com a referência n.º 2295967, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Diligencie-se, por ora, pela realização da notificação em falta a que se alude a fls. 508, sendo certo que por ausência de consenso e frontal oposição de C..., S.A. (cf. fls. 587 a 592), bem como por ausência de estribo legal (cf. artigos 128.º a 133.º do CIRE), não constituindo, sequer, o meio processual idóneo para o efeito, não poderá merecer deferimento a pretensão formulada a fls. 454/455, que se indefere.

Notifique.

O demais será, oportunamente, apreciado.

21 – Em 5 de maio de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), foi expedida notificação da decisão referida no ponto 20 – factos provados – a AA e BB (ref. 2315154).

2.3. Processo de Insolvência n.º 785/08.6TYVNG (continuação)

22 – Em 5 de maio de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), foi expedida notificação da decisão referida no ponto 11 – factos provados – a AA e BB (ref. 2314597).

2.4. Processo de Reclamação de Créditos n.º 785/08.6TYVNG-D (continuação)

23 – Em 10 de maio de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB apresentaram um requerimento com a referência n.º 16773838, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

AA e BB, vem, no seguimento do despacho do Tribunal de fls. 449 a 456, datado de 30 de Abril de 2014, requerer uma breve audiência com V. Exa., com o intuito de melhor perceber tal despacho, uma vez que da audiência com o Exmo. Sr. Juiz em Dezembro de 2013 entendeu-se que a formalidade para deduzir Impugnação à decisão do Administrador da Insolvência estava correcta e ainda perceber qual “demais será oportunamente apreciado”.

24 – Em 5 de junho de 204 (2014), no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), foi proferido despacho com a referência n.º 2338024, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Ao abrigo dos poderes de simplificação, de gestão e de adequação processual que me são conferidos pela lei, designa-se o dia 26.06.2014, às 09h30, para audição do requerente id. a fls. 628.

25 – Em 26 de junho de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), teve lugar a audição do mandatário de AA e BB, da qual foi lavrada auto, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

AUTO DE AUDIÇÃO

(…)

Aberta a diligência foi ouvido o Ilustre mandatário presente e explicados os termos da evolução dos presentes autos, nada mais havendo a determinar.

–, alegando e concluindo, além do mais que aqui se dá por transcrito, que:


1.º

Os agora recorrentes deduziram em tempo impugnação judicial à decisão do Exmo. Sr. Administrador Da Insolvência ao considerar resolvido o contrato de promessa de compra e venda em questão nos autos e ao não considerar o crédito dos aqui reclamantes, ao abrigo do art. 130º do Código da Insolvência.

2.º

Ora, o Tribunal “a quo” não quis decidir sobre esta Impugnação, com o fundamento de que houve oposição por parte da gestora do ativo da Insolvência.

3.º

Ora, salvo melhor entendimento, o Tribunal recorrido estava obrigado a receber a Impugnação, realizar audiência de julgamento, onde se apresentaria prova do alegado e, a final, decidir, independentemente de outra parte qualquer se opor ao alegado.

4.º

O Tribunal “a quo” não poderia escudar-se na oposição de outra parte, pois essa oposição é perfeitamente natural, decorre da natureza processual da questão.

5.º

Ao abrigo da lei processual civil e ao abrigo do art. 130.º do Código da Insolvência, o Tribunal recorrido teria que ter ouvido as alegações dos Recorrentes e realizado audiência de julgamento; não o fez; mal, quanto a nós.

6.º

Pelo que desde já se requer aos Venerandos Desembargadores se dignem ordenar o Tribunal de 1.ª Instância a realizar audiência de julgamento sobre a Impugnação deduzida e sobre os factos a seguir alegados: (…)

Conclusões:

1 – Os agora recorrentes deduziram em tempo impugnação judicial à decisão do Exmo. Sr. Administrador Da Insolvência ao considerar resolvido o contrato de promessa de compra e venda em questão nos autos e ao não considerar o crédito dos aqui reclamantes.

2 – O Tribunal “a quo” não quis decidir sobre esta Impugnação, com o fundamento de que houve oposição por parte da gestora do ativo da Insolvência.

3 – Salvo melhor entendimento, o Tribunal recorrido estava obrigado a receber a Impugnação, realizar audiência de julgamento, onde se apresentaria prova do alegado e, a final, decidir, independentemente de outra parte qualquer se opor ao alegado.

4 – O Tribunal “a quo” não poderia escudar-se na oposição de outra parte, pois essa oposição é perfeitamente natural, decorre da natureza processual da questão.

5 – Ao abrigo da lei processual civil e ao abrigo do art. 130.º do Código da Insolvência, o Tribunal recorrido teria que ter ouvido as alegações dos Recorrentes e realizado audiência de julgamento; não o fez; mal, quanto a nós.

6 – Pelo que desde já se requer aos Venerandos Desembargadores se dignem ordenar o Tribunal de 1.ª Instância a realizar audiência de julgamento sobre a Impugnação deduzida e sobre os factos a seguir alegados: (…)

Termos em que os Venerandos Desembargadores deverão revogar a decisão do Tribunal de 1.ª. Instância e ordenar a este que receba a Impugnação à decisão do administrador de insolvência de não reconhecer o crédito dos aqui Recorrentes e consequentemente realizar audiência de julgamento e, a final, sentença, ao abrigo do art. 130.º do Código da Insolvência.

27 – Em 28 de novembro de 2014, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), foi admitido o recurso referido no ponto 26 – referência 342141565.

28 – Em 11 de janeiro de 2016, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), pelo Tribunal da Relação do Porto foi proferida decisão singular transitada em julgado indeferindo o recurso referido no ponto 26 – factos provados –, por extemporaneidade.

29 – Se o recurso subscrito por CC na Reclamação de Créditos n.º 785/08.6TYVNG-D – referido no ponto 26 – tivesse sido tempestivamente interposto, a probabilidade prevalecente, sem qualquer probabilidade razoável oposta, é a de que o tribunal superior teria julgado improcedente a apelação.

30 – Se, na instância recursiva da Reclamação de Créditos n.º 785/08.6TYVNG-D, da decisão de improcedência da apelação tivesse sido interposto recurso, a probabilidade prevalecente, sem qualquer probabilidade razoável oposta, é a de que o tribunal superior teria julgado improcedente a revista.

3. Demanda da ré A...

31 – A Ordem dos Advogados, como tomadora, e a A..., na qualidade de seguradora, declararam acordar nos termos constantes do documento junto intitulado SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL (apólice n.º ...58), visando a assunção pela segunda do pagamento das indemnizações devidas por “responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária”.

32 – Neste documento consta, além do mais que aqui se dá por integralmente transcrito:

CONDIÇÕES PARTICULARES

DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

1. TOMADOR DO SEGURO: ORDEM DOS ADVOGADOS

Sede: Largo ..., 14, 1.° ... LISBOA

2. SEGURADOR

A... S.A.

Sede: Rua ...

... Lisboa

(…)

4. SEGURADOS:

Tomador do seguro: Ordem dos Advogados; (…)

Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional; (…)

Os advogados segurados consideram-se, para os devidos efeitos, terceiros entre si.

5. ATIVIDADE SEGURA:

Exercício da advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados.

A presente apólice de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional é celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Está igualmente garantida a atividade desenvolvida pela Ordem dos Advogados e seus Órgãos de Representação.

6. RISCOS COBERTOS E LIMITES DE INDEMNIZAÇÃO GARANTIDOS:

A − Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária

− Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00 € por sinistro (sem limite por anuidade) e sem prejuízo da cumulação com os valores de gastos de defesa, fianças civis e penais.

O segurador garante a responsabilidade decorrente de reclamações apresentadas contra Sociedades e Escritórios de Advogados (independentemente da forma jurídica adotada) sempre que resultem de erro profissional praticado por advogado segurado, quando este se encontre inserido no escritório por qualquer das formas permitidas por lei. (…)

8. ÂMBITO TEMPORAL:

O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.

Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora.

Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes:

a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;

b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;

c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida “prima facie” pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice. (…)

9. FRANQUIA:

Estabelece-se uma franquia de 5.000,00€ por sinistro, não oponível a terceiros lesados.

10. PERÍODO DE COBERTURA:

Temporário por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2017 e termo às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2018. (…)

CONDIÇÕES ESPECIAIS

CONDIÇÃO ESPECIAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL

ARTIGO PRELIMINAR

1. Entre a A..., S.A., adiante designada por segurador, e o TOMADOR DO SEGURO mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se um contrato de seguro que se regula pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares desta apólice.

2. Esta apólice tem por objeto dar satisfação às reclamações de terceiros, com base em dolo, erro, omissão ou negligência, cometidos antes da data de efeito da presente apólice ou durante o período de seguro. A retroatividade dos efeitos desta apólice é a expressamente definida nas Condições Particulares.

3. Sendo a apólice especificamente destinada a um coletivo de segurados representados por um único tomador do seguro, considera-se como um único contrato e não como múltiplos contratos de seguro, ou uma série de contratos individuais de seguro com cada segurado.

4. A presente Apólice é redigida em Português e fica sujeita à aplicação da Lei Portuguesa.

ARTIGO 1.º

DEFINIÇÕES

Algumas expressões frequentemente referidas neste contrato têm significados precisos que a seguir se definem para garantir a transparência contratual: (…)

6. Período de Seguro: Significa o período compreendido entre a data de início e a de vencimento da presente apólice especificadas nas Condições Particulares, ou entre a data de início e a de rescisão, resolução ou extinção efetiva do contrato de seguro, se forem anteriores à de vencimento. (…)

8. Data Retroativa: Data a partir da qual o dolo, erro, omissão ou negligência cometidos pelo segurado são abrangíveis por esta apólice, caso venha a ocorrer reclamação durante o período de seguro.

Para efeitos da presente apólice, o período de retroatividade é ilimitado, de acordo com as Condições Particulares. (…)

11. Terceiro: Qualquer pessoa singular ou coletiva, distinta de:

a) O tomador do seguro e o segurado;

b) Seus cônjuges, ascendentes e descendentes e bem assim as pessoas que vivam habitualmente no domicílio do segurado; (…)

12. Reclamação: Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;

Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice.

Todas as reclamações resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só. (…)

14. Sinistro: Qualquer ocorrência que implique para o segurador a obrigação de indemnizar em consequência de uma reclamação abrangida pela presente apólice. (…)

15. Franquia: Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares.

A franquia será aplicável a cada reclamação e para todo tipo de danos e gastos, não sendo, porém, oponível a terceiros lesados. (…)

ARTIGO 2.º

OBJETO DO SEGURO

1. Mediante pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados. (…)


ARTIGO 3.º

EXCLUSÕES


Ficam, expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:

a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)


ARTIGO 4.º

DELIMITAÇÃO TEMPORAL


É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:

a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou

b) Contra o segurador em exercício da ação direta;

c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroativa.

(…)


ARTIGO 7.º

LIMITES DE INDEMNIZAÇÃO E FRANQUIAS


Os limites e condições das indemnizações e franquias são os constantes das Condições Particulares, não sendo, em caso de sinistro, a franquia oponível a terceiros lesados.

ARTIGO 8.º

CONDIÇÕES APLICÁVEIS ÀS RECLAMAÇÕES


1. Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:

a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice. (…)


ARTIGO 10.º

CONVENÇÃO DE GESTÃO DE SINISTROS


Fica acordado entre as partes que será utilizada a seguinte convenção no que respeita à gestão de sinistros e reclamações:

1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.

2. A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da reclamação possa chegar ao segurador no prazo improrrogável de oito dias. (…)

CONDIÇÕES GERAIS

DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL

(…)


ARTIGO 9.º

DIREITO DE REGRESSO DO SEGURADOR CONTRA O SEGURADO

O segurador poderá acionar o segurado pelo montante das indemnizações que tenha satisfeito como consequência do exercício de ação direta aos lesados, quando o dano ou prejuízo causado tenha sido devido a procedimento provadamente fraudulento ou ilícito do segurado, sem prejuízo da cobertura de dolo pela presente apólice. (…)

33 – A apólice n.º ...58 foi inicialmente subscrita para vigorar no ano de 2014, tendo sido automaticamente renovada para as anuidades de 2015, 2016 e 2017.

34 – Visando complementar e reforçar o contrato de seguro descrito no ponto 32 –apólice n.º ...58 –, CC, como tomador, e a A..., na qualidade de seguradora, declararam acordar nos termos constantes do documento junto intitulado SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL (apólice n.º ...26), visando a assunção pela segunda do pagamento das indemnizações devidas por “responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária”.

35 – Neste documento consta, além do mais que aqui se dá por integralmente transcrito:

COBERTURAS, CONDIÇÕES ESPECIAIS, VALORES SEGUROS E FRANQUIAS CAPITAL

Responsabilidade Civil Obrigatória

Tipo de Limite de Indeminização: POR SINISTRO

Cobertura Com Franquia Descrita No Campo Disposições Diversas 100.000,00

(…)

DISPOSIÇÕES DIVERSAS

Limite De Indemnização Em Excesso Da Apolice ...58 Titulada Pela Ordem Dos Advogados.

Garante A Eliminação Da Franquia Prevista Na Apolice ...58.

CONDIÇÕES PARTICULARES DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL DO ADVOGADO

(…)

3. RISCOS COBERTOS E LIMITES DE INDEMNIZAÇÃO GARANTIDOS:

Responsabilidade Civil Profissional do Advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária

– Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com o limite por sinistro estabelecido nas Condições Particulares, em excesso do limite garantido pela apólice n.º ...58 titulada pela Ordem dos Advogados, e sem prejuízo da cumulação com os valores de gastos de defesa, fianças civis e penais. (…)

– Quando expressamente contratado e indicado nas Condições Particulares, garantem-se também os custos suportados com franquias a cargo do segurado ao abrigo da apólice n.º ...58 titulada pela Ordem dos Advogados.

36 – A apólice n.º ...26 foi inicialmente subscrita em 2014, tendo sido automaticamente renovada, designadamente, para a anuidade de 24 de julho de 2016 a 24 de julho de 2017.

37 – Em 2016, CC remeteu à ré carta junta aos autos, comunicando, além do mais que aqui se da por transcrito:

Contudo, cometi um erro grave: utilizei o prazo de 30 dias para o Recurso, tendo recorrido no 18.º dia, quando deveria ter utilizado o prazo de 15 dias para recurso de apelação, pois trata-se de processo com carácter urgente. Mas só me apercebi de tal, quando o Tribunal da Relação o detetou e indeferiu o recurso por extemporaneidade (junto decisão).

38 – A A... apenas teve conhecimento dos factos acima descritos na sequência da comunicação referida no ponto 37 – factos provados.

39 – Com data de 19 de novembro de 2016, a ré A... remeteu a CC remeteu carta junta aos autos, comunicando, além do mais que aqui se da por transcrito:

Assunto: Reclamante AA e BB

Tomador do Seguro: Ordem dos Advogados – Apólice ...58 (…)

Acusamos a receção da participação de sinistro, cujo teor mereceu a nossa melhor atenção e análise.

Terminada a instrução do processo e analisados todos os elementos carreados ao mesmo, e bem assim as Condições Gerais, Particulares e Especiais da apólice, os nossos serviços técnicos concluíram o presente sinistro se encontra expressamente excluído nos termos da alínea a) do art. 3 – Exclusões das Condições Especiais da apólice, cujo teor se transcreve para seu conhecimento:

“Ficam, expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:

a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.

Ora, no sinistro em apreço, e no limite, V.Ex.ª teve conhecimento do fato gerador da reclamação 2013, data em que a presente apólice ainda não se encontrava em vigor.

A isso acresce que ainda que a alegada falha profissional não se tivesse verificado, dos elementos recolhidos, não resulta demostrado que os terceiros tivessem ganho de causa, face à ausência de prova dos direitos que se arrogaram.

Em face do acima exposto, informamos V.Ex.ª, embora lamentando, que não poderemos proceder à regularização dos danos reclamados.

4. Ocupação do imóvel

40 – Durante um período e em circunstâncias não apurados, um dos autores ocupou a fração referida no ponto 5 – factos provados.

41 – Os autores e B... subscreveram o documento intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, junto aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA

Outorgantes:

Primeiros: B..., L.da (…), na qualidade de promitente-vendedora;

Segundos: AA (…) e BB (…), na qualidade de promitentes-compradores;

Todos os outorgantes declaram que celebram entre si o presente contrato-promessa de compra e venda, o qual será regulado pelas cláusulas que se seguem e que mutuamente aceitam e se obrigam a cumprir

PRIMEIRA: Declara a primeira outorgante que é dona e legítima proprietária da fracção “T” do imóvel (…) sito na Estrada ..., ..., freguesia ..., concelho ..., (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º .../031299-....

SEGUNDA Pelo presente contrato-promessa, a primeira outorgante promete vender aos segundos outorgantes e estes, por sua vez, lhes prometem comprar, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, a fracção “T” do imóvel descrito na cláusula primeira, pelo preço de 200.000 euros (…).

TERCEIRA O preço acordado na cláusula segunda é pago pelos segundos outorgantes imediatamente, ou seja, no acto de assinatura do presente contrato-promessa, dando desde já a primeira outorgante quitação plena do pagamento da totalidade do imóvel aqui prometido.

QUARTA; A escritura de compra e venda do imóvel prometido – fracção “T” – será outorgada em data a acordar por todos os outorgantes.

QUINTA: A escritura de compra e venda do imóvel prometido – fracção “T” – será feita a favor dos segundos outorgantes ou a favor de quem estes indicarem.

SEXTA: Os segundos outorgantes tomarão posse do imóvel no final do mês de Fevereiro de 2007.

SÉTIMA Todos os outorgantes atribuem eficácia obrigacional ao presente contrato, nos termos do art. 410.º do Código Civil,

OITAVA: Todos os outorgantes acordam em que o presente contrato fique subordinado aos princípios gerais de Direito aplicáveis, importando o seu não cumprimento o direito à execução específica, nos termos do art. 830.º do Código Civil. (…)

DÉCIMA: Declaram todos os outorgantes que aceitam, de mútuo acordo prescindir do cumprimento das formalidades previstas no n.º 3 do art. 410.º do Código Civil, ou seja, do reconhecimento presencial das assinaturas para este contrato-promessa, aceitando, deste modo, que a omissão destes requisitos não é causada por culpa ou negligência de qualquer dos outorgantes e renunciando, assim expressamente, à invocação desta omissão como causa de nulidade ou anulabilidade do presente contrato-promessa.

42 – No documento referido no ponto 41 – factos provados –, com data aposta de 19 de outubro de 2006, consta que AA e BB declaram residir (ambos) na praceta ..., ..., Valongo.

43 – No requerimento com a referência n.º 15309916 (9 de dezembro de 2013), dirigido ao processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB afirmam que “o apartamento de residência” dos mesmos situa-se na estrada ..., ..., Gondomar.

44 – No cabeçalho da petição inicial (20 de agosto de 2018), AA e BB declaram residir (ambos) no largo ..., ..., ..., traseiras, ... ....

45 – No artigo 11.º da petição inicial (20 de agosto de 2018), AA e BB afirmam que, após 19 de outubro de 2006, foram ambos habitar para a estrada ..., ..., Gondomar

46 – Na procuração outorgada ao seu primeiro patrono nesta ação (1 de agosto de 2018), AA e BB declaram residir (ambos) no largo ..., ..., ..., traseiras, ... ....

47 – No formulário para pedido de apoio judiciário para instauração da presente ação (28 de junho de 2018), BB declarou residir no largo ..., ... ....

48 – No formulário para pedido de apoio judiciário para instauração da presente ação (28 de junho de 2018), AA declarou residir na rua ..., traseiras, ... ....

Não se provou que:

49 – O documento referido no ponto 41 – factos provados – foi efetivamente outorgado em 19 de outubro de 2006.

50 – Os autores entregaram à B... €200.000,00 em numerário, designadamente na data de subscrição do documento referido no ponto 41 – factos não provados.

51 – O juiz titular do processo n.º 785/08.6TYVNG decidiu não realizar a pedida audiência de julgamento para prova dos factos alegados por receio da oposição dos outros credores e do trabalho que iria dar tal pleito.


*

O recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”) vários ónus de especificação (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a saber:

§ dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida[2];

§ das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão[3];

§ da decisão (diversa da recorrida) que, na sua óptica, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.

Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, as provas impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se-lhe que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado e que explicite os motivos dessa imposição. É essa explicitação que constitui o cerne do dever de especificação.

A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.

Estes ónus de especificação que a lei processual civil (em especial o artigo 640.º, n.º 1, do CPC) põe a cargo do recorrente decorrem dos princípios, considerados estruturantes do processo civil, da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais.

A recorrente BB alega (conclusão A)) que «a Julgadora não acreditou que o preço tenha sido pago – negou o prejuízo dos AA.», mas que essa convicção (negativa) não tem sustentação probatória.

E mais adiante afirma: «Em face de um contrato promessa que dá quitação de preço, à míngua de outros meios probatórios que o contrariem, sendo provado que os AA. residiam e pagavam as despesas inerentes à utilização do imóvel objecto daquela promessa, é de dar como provado a sua autenticidade, bem como o recebimento do preço que dele consta».

Perante esta alegação, é de concluir que a recorrente, efectivamente, impugna a decisão sobre a matéria de facto.

Essa impugnação cinge-se a um ponto: a entrega que os autores teriam feito à “B...” da quantia de €200.000,00, em numerário, aquando da outorga/subscrição do escrito particular que formalizou o invocado contrato-promessa de compra e venda da fracção predial e que corresponderia ao preço que as partes entre si ajustaram, facto que o tribunal considerou não provado (ponto 50).

Antes de mais, importa lembrar as razões por que, no tribunal a quo, a Sra. Juiz deu como não provado esse facto.

Em primeiro lugar, porque uma testemunha fundamental, o administrador da insolvência, Dr. DD, esclareceu que não reconheceu o crédito, no montante de €400.000,00, reclamado pelos aqui autores porque estes não apresentaram qualquer prova do pagamento daquela quantia de €200.000,00 e não consta da contabilidade da sociedade insolvente qualquer registo de entrada dessa quantia.

Em segundo lugar, porque o autor AA afirmou que tinha relações de proximidade com os sócios gerentes da sociedade insolvente, EE e FF, e que pagou a quantia de €200.000,00 em numerário, que era dinheiro guardado em casa e que provinha de poupanças, quer dele, quer da filha, sem, contudo, esclarecer e comprovar que fontes de rendimento tinham e que lhes permitiram amealhar uma tão considerável maquia.

Perante essa prova, concluiu assim:

«Em face do exposto, não assume maior prevalência a probabilidade de ser verdade que tal entrega ocorreu do que a probabilidade contrária (verificando-se, sim, um estratagema menos probo, com a colaboração da insolvente, para subtrair este bem à massa insolvente, em proveito dos autores ou dos sócios da insolvente).

Não foi, pois, satisfeito o ónus da prova que incumbia aos autores (art. 414.º do Cód. Proc. Civil)».

A recorrente não concorda com esta avaliação e diz que há prova do contrário: o próprio contrato-promessa, no qual se dá quitação daquela quantia e os “pagamentos de água, electricidade, etc… durante anos”.

Não constitui uma raridade o surgimento nos tribunais de situações como esta com que nos deparamos.

Pode até considerar-se relativamente frequente a invocação de entregas em numerário de dezenas ou mesmo centenas de milhares de euros, pretensamente como pagamento do preço de bens valiosos, como um prédio ou uma fracção predial.

Sejamos claros e frontais: esses supostos negócios surgem, habitualmente, quando o devedor pretende frustrar as investidas dos credores sobre o seu património ou quando se pretende subtrair bens à sua apreensão para a massa insolvente.

São inteiramente legítimas e fundadas as fortes suspeitas de que foi o que aconteceu neste caso. E já que a recorrente apela à «avassaladora maioria e sabedoria do “Homem Comum”» para defender um juízo probatório contrário ao do tribunal, é caso para a questionar se acha que o cidadão comum, dotado de razão e bom-senso, acredita que os autores tivessem guardada em casa a quantia de €200.000,00 em notas do BCE. Só se fosse dinheiro de proveniência ilícita e nada indica que os autores se dedicassem a actividades ilícitas.

A única prova do pretenso pagamento é o escrito particular que formalizou o alegado contrato-promessa, mas só porque este contém uma cláusula (terceira) em que a primeira outorgante (a “B...”) dá «quitação plena do pagamento da totalidade do imóvel aqui prometido». Como se refere na sentença recorrida, se essa declaração pode valer como prova de pagamento nas relações inter partes, é de muito escassa valia em relação a terceiros.

O autor AA afirmou ter entregue essa quantia em numerário 15 dias antes da outorga do contrato-promessa, mas não seria de esperar dele que dissesse outra coisa. Este é um caso paradigmático em que às declarações de parte, pelo óbvio interesse que esta tem na procedência da acção, não pode ser reconhecido grande valor probatório.

Não há nenhuma outra prova que corrobore a sua afirmação. Nem sequer o depoimento do outro subscritor do contrato-promessa, o então sócio gerente da insolvente FF.

A prova produzida não sugere, muito menos impõe, decisão diversa da recorrida, pelo que a impugnação é manifestamente improcedente e mantém-se incólume a decisão sobre matéria de facto.

2. Fundamentos de direito

Foi na “perda de chance”, ou seja, por terem visto frustrada a oportunidade de, em apenso de reclamação de créditos, verem reconhecido o crédito, no montante de €400.000,00 - que reclamaram na sequência da declaração de insolvência da “B...” – em virtude de um erro cometido pelo seu mandatário, que os autores fundaram a sua pretensão indemnizatória contra a ré “A...”, enquanto seguradora para a qual o seu advogado, o interveniente CC, transferira a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da actividade de advocacia.

A recorrente manifesta a sua discordância quanto à solução jurídica do caso adoptada na primeira instância argumentando assim:

O tribunal concluiu que, com tantos erros grosseiros do mandatário ao longo do processado, o recurso seria votado ao insucesso.

No entanto, «resultando provada a rejeição de um Recurso, por erro de contagem de prazo, por parte de mandatário judicial, há-de ser ele responsável (e a co-R. Seguradora) pelos danos causados aos mandantes por tal lapso»

Segundo a recorrente, bastaria a verificação do erro cometido pelo seu mandatário na interposição do recurso (rejeitado porque intempestivo) para se impor a condenação da seguradora ré a pagar-lhe a indemnização peticionada.

Ressalvado o devido respeito, o caso não pode ser visto e abordado com este simplismo.

Desde logo porque, como se explica na sentença recorrida, está longe de ser pacífica na doutrina e na jurisprudência a aceitação da ideia de “perda de chance” como dano autónomo ressarcível.

Para não repetirmos o que, a este propósito, já foi (doutamente) explanado na decisão recorrida, ficamo-nos por alguns apontamentos[4].

A perda de “chance” pode ser definida como uma oportunidade de evitar um prejuízo ou de obter uma futura vantagem patrimonial que se frustrou em consequência de um facto ilícito (uma acção ou uma omissão) do agente.

Por outras palavras, «a perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro» (Ac. STJ de 01.07.2014, Proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, Cons. Fonseca Ramos), «a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo» (Ac. TRG de de 02.02.2017, Proc. n.º 753/15.1T8VGT.G; Des. Elisabete Valente) que se perdeu por facto ilícito de terceiro, a situação em que «um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade – a chance – de alcançar um determinado resultado favorável, e em que, em virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida» (Rute Teixeira Pedro, “Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, 2008, pág. 185).

Apesar da diversidade dos seus campos de aplicação e da variedade de critérios possíveis para a sua classificação, podemos reconduzi-los a duas categorias[5]:

- em função do contexto em que se produzem, surgirão os casos de oportunidade de vitória em jogos de fortuna ou azar, os casos de oportunidade de vitória em processos judiciais, procedimentos administrativos e concursos privados e os casos de oportunidade de cura e de oportunidade de sobrevivência;

- tendo em conta a natureza do dano final, podemos considerar os casos de oportunidade económica e de oportunidade pessoal, os casos de oportunidade de captação de lucro e de evitar um dano e os casos de oportunidade passada e de oportunidade futura.

É no domínio da responsabilidade civil profissional, e, em particular, da responsabilidade civil no exercício do mandato forense, que a nossa jurisprudência se tem debruçado sobre a figura da perda de chance e cremos poder afirmar que, sobretudo a partir dos acórdãos do STJ de 09.07.2015 e de 30.11.2017 (ambos relatados pelo Sr. Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes), se desenha, claramente, uma tendência dominante no sentido de considerar a perda de chance como dano susceptível de fundamentar a atribuição ao lesado de uma indemnização.

No segundo dos referidos arestos, discreteou-se assim:

«Com efeito, não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados.

Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.

É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspetiva do resultado final para que tende.

Ora, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.».

E concluiu-se:

«Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.».

Mas, para se poder concluir que havia uma chance que se perdeu, há que fazer o chamado “julgamento hipotético”.

No primeiro dos indicados arestos, definiu-se assim os passos a dar para se obter esse juízo:

«6. No caso de perda de chances processuais, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da ação assume tal padrão de consistência e seriedade, nomeadamente para efeitos de danos não patrimoniais, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela ação, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal; tal apreciação traduz-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito».

Identicamente, no Acórdão do mesmo STJ de 15.11.2018, traçou-se a seguinte orientação:

«III. Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo».

Já no Ac. STJ de 01.07.2014 (processo n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1), ponderou-se:

«No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada.».

Cabe aqui referir que, estando em causa a responsabilidade no exercício do mandato judicial, o “julgamento dentro do julgamento (na expressão inglesa, trial within the trial) a efectuar no processo em que se discute se há lugar a indemnização por perda de chance há-de reportar-se à lide originária (se se quiser, à “acção frustrada”) para que, através de uma espécie de juízo de prognose póstuma, se apure se, a não ter ocorrido a perda de oportunidade processual (a ter sido proposta, atempadamente, a acção que se deixou caducar; se tivesse sido, tempestivamente, apresentada contestação; se o recurso da decisão desfavorável tivesse sido interposto, etc.), o órgão jurisdicional competente teria proferido uma decisão favorável, ou melhor, a probabilidade de sucesso, de obter uma vantagem, ou de não sofrer um prejuízo, seria real e séria[6].

Por outro lado, importa frisar que, tendo essa probabilidade de sucesso no processo original (ou no processo frustrado), uma função fundamentadora da indemnização (sem ela, não pode afirmar-se a existência de um dano), bem como uma função quantificadora da mesma, é sobre o suposto lesado que recai o ónus de alegar e provar os factos constitutivos, não só do ilícito (a acção ou omissão censurável do mandatário), mas também da elevada probabilidade de obtenção de ganho de causa na acção originária, não fora a falta cometida pelo mandatário forense.

Mas, se essas asserções não suscitam qualquer controvérsia, já o mesmo não pode dizer-se quanto ao grau de probabilidade ou verosimilhança (a partir de que patamar) de verificação do resultado visado (que, irremediavelmente, se perdeu por via da acção ou da omissão) que é exigível para o reconhecimento da ressarcibilidade da perda de chance.

Qual o índice de probabilidade (de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo) necessário para se considerar real, séria, consistente a chance perdida?

Fala-se em “alta probabilidade”, probabilidade “altamente demonstrável”, “elevado índice de probabilidade”, probabilidade “suficientemente relevante”, probabilidade “substancial” para significar que não basta a mera expectativa ou uma simples presunção abstracta (ou a possibilidade) de ganho de causa, de sucesso processual[7].

A questão que, a este propósito, se tem debatido consiste em saber se deve, ou não, fixar-se um grau de probabilidade como categoria ou critério que seja válido para a generalidade das situações.

No citado Ac. STJ de 09.07.2015, propugna-se a adopção de «uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento da ressarcibilidade do dano”. Concretizando «…no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, talvez valha a pena questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes. Nessa linha, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja, com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista».

Na mesma linha de pensamento se coloca o Sr. Conselheiro Fernando Samões (citada Dissertação de Mestrado), ao escrever:

«Parece-nos que a definição de um número para servir por igual às demais situações da vida poderia não conseguir dar uma resposta satisfatória e justa a todas elas, pelo que não é de aceitar tal entendimento, como, aliás, não aceita a jurisprudência nacional. O “ponto de relevância” deve antes resultar de uma avaliação casuística que tenha em consideração as particularidades do caso concreto. Tal avaliação releva não só para saber se a perda de oportunidade é juridicamente relevante, mas também para efeito de cálculo da respectiva indemnização. Esta não deve existir quando a dita possibilidade não seja suficientemente relevante. Isto porque “não estando certos de que o dano teria efectivamente podido não ocorrer, laboramos com meras probabilidades e não há à partida razão para o risco de tais probabilidades correr por conta do médico, a não ser que a possibilidade de sucesso seja minimamente atendível. Se, pelo contrário, for mínima, não nos parece que deva o lesado receber qualquer indemnização, ainda que diminuta, como se concluiria à luz daquela outra versão da perda de chance”. “Ou seja, uma perda considerada insignificante não deve conferir direito a indemnização. Assim, caso se conclua que a possibilidade de o lesado obter o benefício ou evitar o prejuízo era de 6%, não faz sentido conferir-lhe uma indemnização que corresponda a 6% do dano efectivamente sofrido, dado que neste caso não se daria por verificado o pressuposto de que a possibilidade perdida seja séria e firme”.».

Diverso é o entendimento da doutrina e da jurisprudência dos países com sistemas jurídicos de origem anglo-saxónica, em que se procede ao um “balanço de probabilidades” e se propugna, maioritariamente, que a perda de oportunidades só será indemnizável se o grau de probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um resultado desfavorável for superior a 50%, numa aplicação da regra more likely than not (ou preponderance of the evidence rule), ainda que, em casos excepcionais, se recorra à fórmula (menos exigente) da substantial possibility rule”[8].

É esta posição que, entre nós, defende Rui Cardona Ferreira (loc. cit.), referindo «…como orientação geral, o limiar dos 50%», acrescentando, no entanto, que «…o que seja, exatamente, essa considerável probabilidade é algo que, necessariamente, dependerá da prudência dos julgadores (…)».

A expressão “alta probabilidade”, ou mesmo as expressões menos fortes probabilidade “suficientemente relevante” e probabilidade “substancial”, apontam para o referido patamar, ou seja, para um limiar em que sejam, pelo menos, tão elevadas as probabilidades de ganho da acção como as de insucesso processual. Baixar o nível de exigência e admitir a ressarcibilidade nos casos em que o grau de probabilidade de êxito se posiciona, claramente, abaixo dos 50% é dar o flanco à crítica dirigida à teoria da perda de chance segundo a qual ela levará a um aumento exponencial do número de litígios e, nos casos de responsabilidade no exercício do mandato forense, o cliente lesado acabará por ser ressarcido pela frustração de pretensões cujo êxito, relativamente à verdadeira contraparte, não se acharia minimamente assegurado.

Feita esta breve incursão pela doutrina e pela jurisprudência sobre a perda de chance, é tempo de nos focarmos no caso concreto para recordar que a situação sub iuditio envolve várias entidades, mas o fulcro da questão está na responsabilidade decorrente do exercício do mandato forense que os autores conferiram ao interveniente CC.

Importa fazer o tal “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser a decisão do tribunal de recurso se este tivesse sido tempestivamente interposto, procurando determinar se, a não ter sido perdida a oportunidade de impugnar a decisão da primeira instância, os autores/recorrentes, com elevado índice de probabilidade, obteriam êxito nas pretensões que formularam (quer no processo de insolvência, quer no apenso de reclamação de créditos).

É pacífico o entendimento de que, por via do mandato forense, o mandatário (advogado, advogado estagiário ou solicitador) assume uma obrigação de meios, na medida em que não se vincula perante o mandante a alcançar determinado resultado favorável numa lide, antes se obriga a desenvolver uma actividade, empenhando-se diligentemente, lançando mão dos meios processuais adequados, estudando devidamente a questão e promovendo os termos legais com todo o seu saber e experiência (cumprindo o que, usualmente, se designa por leges artis), por forma a obter um resultado judicial favorável ao seu constituinte, mas sem garantir que o alcance. O seu conteúdo obrigacional é o que resultar, especificamente, do convencionado entre mandante e mandatário (sobretudo no que concerne ao âmbito do mandato), das normas que disciplinam este tipo contratual (artigos 1156.º e segs. do Código Civil) e do Estatuto da Ordem dos Advogados (em especial as contidas no seu artigo 100.º).

Além desse normativo, aplicam-se-lhe as normas gerais sobre cumprimento e responsabilidade civil pelo não cumprimento.

Nesse contexto, se cabe ao mandante alegar e provar o ilícito (o facto ou factos que concretizem uma conduta não conforme às regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a obtenção do resultado almejado), sobre o mandatário recai o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação a seu cargo não procede de culpa sua, pois em sede de responsabilidade contratual presume-se (presunção ilidível) a culpa do devedor (artigos 342.º, n.º 2, e 799.º, n.º 1, do Código Civil).

Pelo que ficou exposto, não houve sequer controvérsia quanto ao facto de o mandatário dos autores ter incumprido o dever de zelo a que estava adstrito por não ter apresentado tempestivamente o recurso da decisão de 30 de Abril de 2014 que indeferiu liminarmente o seu requerimento de 12 de fevereiro de 2014. O interveniente CC nem sequer ensaiou demonstrar que não agiu com culpa. Bem pelo contrário.

Ora, como se salienta na decisão recorrida, foi apenas com base no cumprimento defeituoso do mandato pelo interveniente CC, concretizado na interposição extemporâneo do recurso, que os autores modelaram esta acção e fundamentaram a sua pretensão indemnizatória, pelo que nenhum outro pode ser considerado.

A questão a que, então, se impõe dar resposta é a de saber se, a ter sido interposto tempestivamente, o recurso rejeitado teria sido provido, ou melhor, havia uma probabilidade consistente e séria de, no “processo frustrado”, os autores verem satisfeitos os seus pedidos, designadamente o reconhecimento do crédito de €400 000,00 que reclamaram?

O referido requerimento (que, aliás, vem na sequência de outros, designadamente o apresentado em 22 de dezembro de 2013) é uma amálgama de pretensões, em que se misturam, além do mais, a reclamação de créditos e um pedido de separação e restituição de um bem (fracção predial alegadamente prometida vender pela insolvente e sobre a qual reclamam um “direito de posse”, um direito de retenção e até mesmo o direito de propriedade) apreendido para a massa insolvente da “B...”.

O conteúdo desses requerimentos foi escalpelizado na sentença recorrida e por isso vamos limitar-nos a reproduzir aqui essa apreciação:

«Resulta dos factos provados que, no dia 8 de fevereiro de 2010, no processo n.º 785/08.6TYVNG (Insolvência), AA e BB praticaram um ato postulativo, conforme resulta do ponto 10 – factos provados. A pretensão dos autores foi liminarmente indeferida, conforme resulta do ponto 11 – factos provados. Em 8 de maio de 2014 (art. 248.º do CPC), os autores foram notificados deste indeferimento – veja-se o facto 22 – factos provados –, não tendo impugnado a decisão em causa, pelo que esta transitou em julgado (art. 620.º do CPC).

No dia 22 de dezembro de 2013, no processo n.º 785/08.6TYVNG-D (Reclamação de Créditos), AA e BB apresentaram um novo ato postulativo, com a referência 15436283, que designaram no formulário do sistema informático Citius de “Alegações”, concluindo: “requerem a V. Exa. se digne revogar a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência, se digne considerar que o imóvel em apreço está totalmente pago à Insolvente, que os Reclamantes têm um Direito de posse sobre o referido imóvel, que têm um Direito de Retenção sobre o imóvel em apreço e requerem ainda a V. Exa. se digne considerar este imóvel (…) excluído da massa insolvente, devendo ainda V. Exa. Ordenar todas as providências para que se outorgue de imediato este imóvel a favor dos aqui reclamantes ou, alternativamente, devolver aos aqui reclamantes o sinal em dobro, no valor de 400.000 euros (…) e até lá permanecerem no imóvel ao abrigo dos Direitos de Posse e de Retenção”.

No dia 12 de fevereiro de 2014, AA e BB apresentaram um requerimento, por meio do qual ensaiam “esclarecer” (ipsis litteris) o ato com a referência 15436283, afirmando que “O pedido da impugnação judicial é muito simples:

– Os autores requerem ao Tribunal se digne revogar a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência – o qual se recusa a reconhecer o crédito dos autores – e ordenar a realização da escritura em apreço (tanto pela traditio da coisa – art. 106.º, n.º 1, do Código da Insolvência – como pelo Direito de Posse e Direito de Retenção que os autores detêm sobre o imóvel – tudo a se provar em audiência de discussão e julgamento);

– Alternativamente, se o Tribunal considerar que a realização da escritura não é viável, então deverão os autores ser indemnizados em sinal em dobro do que foi prestado 400.000 euros (também a se provar em audiência de discussão e julgamento a entrega do sinal); e enquanto não for prestado esse sinal em dobro, deverão os autores permanecer no imóvel (no qual vivem há mais de 7 anos), ao abrigo do Direito de Posse e do Direito de Retenção.

Em 30 de abril de 2014, foi proferido despacho decidindo-se que, “por ausência de consenso e frontal oposição” de um credor e “por ausência de estribo legal (cf. artigos 128.º a 133.º do CIRE), não constituindo, sequer, o meio processual idóneo para o efeito, não poderá merecer deferimento a pretensão formulada” (vertida no ato com a referência 15436283), “que se indefere”. É deste despacho que é interposto o recurso não admitido, por extemporaneidade, por falha de CC.

No entanto, as deficiências desta iniciativa processual dos autores são genéticas e muito mais profundas do que simples extemporaneidade do recurso interposto.

Veja-se o requerimento de esclarecimento. Começando pelo pedido subsidiário – sendo um equívoco a utilização do advérbio “alternativamente”, que sugere tratar-se de um pedido alternativo –, assenta ele no julgamento de verificação de um crédito. Conforme se refere no despacho impugnado, é ele absolutamente irregular, desrespeitando as regras processuais respeitantes à formulação dessa pretensão: nem os prazos, nem os meios processuais predispostos pelo CIRE foram respeitados (art. 128.º e segs. do CIRE).

Acrescente-se, entre parênteses, que não se mostram verificados os pressupostos da reclamação ulterior prevista no art. 146.º e segs. do CIRE. E se o crédito (à restituição do suposto sinal em dobro) não pode ser julgado verificado, perde sentido a discussão da existência de um direito de retenção para tutela de tal suposto crédito. Acresce que foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos – sede própria para a apreciação da (inexistente) reclamação do crédito ao sinal em dobro –, não tendo ela sido impugnada pelos autores por meio de recurso.

Pelo que respeita ao pedido principal, pretendem os autores que o tribunal “se digne revogar a decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência, “o qual se recusa a reconhecer o crédito dos autores”. Vale aqui o que já se referiu a propósito do pedido subsidiário. A impugnação da decisão de não reconhecimento do crédito está sujeita a regras e prazos processuais que o ato postulativo indeferido pelo despacho objeto da apelação não respeita – sobre a impugnação da lista de credores reconhecidos por indevida exclusão de créditos, cfr. o art. 130.º, n.º 1, do CIRE. No que concerne à segunda parte deste pedido – requerimento para o tribunal “ordenar a realização da escritura em apreço” – não tem ele cabimento legal no processo insolvencial. Se o promitente adquirente entende que lhe assiste o direito de execução específica do contrato-promessa, é à ação de processo comum com esta designação substantiva que deve recorrer – sendo absolutamente anómalo suscitar a questão por via incidental.

No confronto com o “esclarecimento” analisado, o ato postulativo de 22 de dezembro de 2013 (referência 15436283) poderá encerrar duas outras pretensões: (i) que o tribunal considere o imóvel (fração identificada) “excluído da massa insolvente”; (ii) que julgue procedente a “impugnação judicial // à decisão do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência ao considerar resolvido o contrato de promessa de compra e venda em questão nos autos”.

Nenhuma destas pretensões pode ser formulada no apenso de reclamação de créditos nem nos autos principais de insolvência, pela via incidental.

O pedido de separação de bens da massa insolvente está sujeito a prazos e a meios processuais próprios (art. 141.º e segs. do CIRE), não satisfeitos pelo ato postulativo em análise. Acresce que a pretensão dos autores é desprovida de fundamento. A ciência jurídica é rica em soluções originais, pelo que não será de estranhar que, num dado momento, um jurista desconheça uma posição dogmática mais arrojada. No entanto, não parece que seja esse o caso da posição sustentada pelos autores no art. 12.º da petição desta ação – de acordo com o qual a propriedade de um imóvel se adquiriria por efeito da subscrição de um contrato-promessa por escrito particular. Tal posição, que fundamentaria o pedido de separação de bens, é, simplesmente, desprovida de sentido.

A impugnação da resolução operada pelo administrador judicial também está sujeita a prazos e a meios processuais próprios (art. 125.º e segs. do CIRE), não satisfeitos pelo ato postulativo em análise. Acresce que, nesta ação, nem mesmo resultou provada a relação subjacente invocada pelos autores – isto é, a outorga de um contrato-promessa na data aposta no documento e o pagamento do preço da venda prometida, seguido da tradição da coisa (ao abrigo dessa promessa).

Em face do raciocínio desenvolvido, é inevitável concluir, num juízo póstumo sobre a sorte do recurso subscrito por CC na Reclamação de Créditos n.º 785/08.6TYVNG-D – referido no ponto 26 –, que a probabilidade prevalecente é a de improcedência da apelação. A chance de os ora autores obterem provimento em tal recurso não tem expressão.»

Esta conclusão sobre o mérito do recurso (a não ter sido rejeitado) é manifestamente fundada, tão evidente era a inviabilidade das pretensões formuladas pelos recorrentes. A probabilidade de obterem um decisão favorável era praticamente nula, pelo que não pode falar-se aqui em perda de chance.

Acresce que, não se tendo provado que os autores entregaram, efectivamente, à sociedade insolvente a quantia de €200.000,00 como pagamento do preço da referida fracção predial, nenhum prejuízo suportaram, pelo que não lhes assiste o direito a indemnização.

III - Dispositivo

Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação de BB e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


(Processado e revisto pelo primeiro signatário).


Porto, 17/4/2023

Joaquim Moura

Ana Paula Amorim

Manuel Domingos Fernandes

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[1] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado no dia 07.09.2022.
[2] Sendo certo que, em casos-limite, a impugnação pode implicar toda a matéria de facto, nem por isso o recorrente está desobrigado de especificar os concretos pontos de facto por cuja alteração se bate (cfr. Cons. A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 163, em nota de pé de página).
Esta especificação serve para delimitar o objecto do recurso e por isso tem de constar das conclusões.
[3] O Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 170, nota de pé de página) afirma ser «infundada a rejeição do recurso da matéria de facto com fundamento na falta de indicação, nas conclusões, dos meios probatórios ou dos segmentos da gravação em que o recorrente se funda. O cumprimento desses ónus no segmento da motivação parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respectivo mérito», citando jurisprudência do STJ nesse sentido.
No Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 771, de que é autor em conjunto com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, precisa-se que «é objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões, sob pena de rejeição do recurso» e anota-se que «o Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação».
[4] Seguindo de perto a fundamentação do acórdão proferido no processo n.º 11403/16.9T8PRT.P1 do mesmo relator.

[5] Cfr. a dissertação de mestrado do Sr. Conselheiro Fernando Samões com o título “Indemnização por Perda de Chance”.

[6] Como se refere no citado Ac. STJ de 30.11.2017, «… importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir».
[7] Não tem expressão na doutrina ou na jurisprudência nacionais a tese (minoritária) de que, mesmo sendo reduzidas ou muito reduzidas as probabilidade de êxito, estaremos perante um dano de perda de chance indemnizável. No entanto, Patrícia Costa (na referida Dissertação de Mestrado) parece perfilhar essa tese, pois dá como exemplo de perda de chance indemnizável o caso de um bilhete de lotaria em que seria de 10% a probabilidade de ser premiado.
[8] Desenvolvidamente sobre este ponto, Durval Ferreira, “Dano da Perda de Chance”, Vida Económica, 2.ª edição.