Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
27556/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO POR PARTE DO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
FALTA OU DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
NULIDADE SECUNDÁRIA
Nº do Documento: RP2018042327556/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 274, FLS 378-395)
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 4 do art.º 155.º do CPC, não qualifica o vício processual decorrente da falta ou deficiência da gravação. Não obstante, pelas razões acima mencionadas, no caso tal falta ou deficiência constitui uma nulidade processual secundária nulidade secundária, nos termos estabelecidos no art.º 195.º n.º1, do CPC. Logo, em conformidade com o regime próprio, tem de ser arguida no prazo de 10 dias, quanto a este ponto, ou seja, o prazo, nada inovando o n.º4, do art.º 155.º CPC.
II - O que ficou definido naquele preceito, por afirmação do legislador, é a partir de quando se inicia a contagem do prazo, ou seja, “a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”. Daqui resulta, pois, que a arguição da nulidade secundária deve ser no tribunal recorrido, naquele prazo, contado do momento em que a gravação é disponibilizada à parte. Subsequentemente, poderá então ser interposto recurso do despacho que recair sobre a mesma.
III - Tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador.
IV - Embora não se saiba em concreto o impacto que a falta de pagamento da retribuição de Julho e o prolongamento da situação por mais de 60 dias teve na vida pessoal e familiar da autora, só por si esse facto objectivo já é suficientemente grave.
V - Com efeito, em regra, qualquer trabalhador depende da sua retribuição mensal para assegurar a sua própria subsistência ou, também, para contribuir para a do agregado familiar, organizando a sua vida em função desse ganho mensal, relativamente ao qual tem a legitima expectativa de ser pago pontualmente. Caso não receba a retribuição ao final do mês e prolongando-se essa situação por mais de dois meses, inevitavelmente qualquer trabalhador irá enfrentar dificuldades relevantes, visto que as despesas normais mais elementares, designadamente, com alimentação, habitação, água, electricidade, gaz e outras obrigações a que esteja vinculado, continuarão a surgir ao mesmo ritmo de sempre.
VI - De resto, é precisamente a ponderação dessa realidade pelo legislador que se crê estar subjacente à norma do n.º5, do art.º 394.º, considerando-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, por presunção não ilidível, nessa consideração tendo “certamente partido do pressuposto de que a falta de pagamento afeta a retribuição na sua totalidade ou pelo menos uma parte significativa da mesma”.
VII - Acresce poder afirmar-se, por ser do conhecimento geral e resultar das regras elementares da lógica e da experiência de vida, que essa situação será tanto mais grave e difícil de enfrentar, quanto mais baixo for o valor do salário normalmente auferido pelo trabalhador. A razão é óbvia, quanto mais baixos forem os rendimentos do trabalho – em regra a única fonte de rendimento - menor capacidade tem o trabalhador para fazer poupanças tendo em vista prevenir a necessidade de enfrentar eventuais situações adversas, em que se veja sem capacidade financeira para acudir às despesas.
VIII - Auferindo ao A. a retribuição ilíquida mensal no valor de € 1263,36, a mesma está acima dos valores médios nacionais, mas não é seguramente uma retribuição elevada, tendo por isso inteira aplicabilidade o que se deixou dito, a significar que a lesão dos interesses da trabalhadora é elevada.
IX - Mas cabe ainda atender a outras circunstâncias relevantes, designadamente que existiram já outras situações de atraso nos pagamentos das retribuições, que chegaram a ser de cinco meses, mas que apenas atingiam os alunos e professores, visto que os membros da direcção e os funcionários administrativos recebiam atempadamente. Acresce que a falta de pagamento de retribuição não afectou apenas a autora, dado ter-se igualmente provado que depois da cessação do seu contrato de trabalho outros dois professores resolveram igualmente os respectivos contratos de trabalho com invocação de justa causa fundada em salários em atraso, que a Ré, nesses casos, aceitou e reconheceu como tal.
X - Sendo a Ré uma cooperativa de ensino constituída por estabelecimento que se dedica ao ensino profissional, necessariamente terá que dispor de professores para assegurar o ensino e, uma vez que estes não estão a prestar trabalho voluntário, sendo antes seus trabalhadores subordinados, recai sobre ela o dever de se organizar em termos de gestão para assegurar ter à sua disposição, em tempo útil, os meios financeiros suficientes e necessários para cumprir o seu dever de pagar a pontualmente a retribuição devida àqueles em contrapartida da prestação da sua actividade. E, se tal se revela recorrentemente inviável, então haverá que enfrentar a situação e ponderar se é possível manter a actividade e em que termos.
XI - É, pois, também atendendo a este quadro que deve ser aferida a justa causa. Por outro lado, nesse juízo deve ter-se presente que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador, quer atendendo a que o trabalhador não dispõe de meios alternativos de reação que lhe permitam conservar a relação laboral, quer ponderando-se que estão em causa diferentes valores e interesses.
XII - Atendendo a tudo que se disse, cremos que não era exigível à autora que mantivesse a relação laboral que a vinculava à Ré, verificando-se, assim, todos os requisitos exigidos pela lei para que se possa considerar que a resolução do contrato de trabalho ocorreu com justa causa, assistindo-lhe o direito a indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 27556/15.0T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, B... intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C..., C.R.L, a qual foi distribuída ao Juiz 3, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia € 77.810,77, acrescido de juro de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Para sustentar o pedido alega, no essencial, que em Setembro de 2001, foi admitida ao serviço da Ré, com a categoria profissional de docente/professora do ensino profissional, funções que exercia sob as ordens, direção e fiscalização daquela, com contrato de trabalho que se converteu num contrato por tempo indeterminado.
A Ré em meados do ano de 2015 deixou de lhe pagar a retribuição devida pela prestação de trabalho, dando-se o facto de em Outubro de 2015 estarem ainda em débito as retribuições respeitantes aos meses de Julho, Agosto e Setembro do mesmo ano.
Em virtude deste facto, a Autora em 23 de outubro de 2015, através da carta que junta, rescindiu com justa causa o contrato de trabalho celebrado com a Ré, nos termos do previsto no artº394, nº2, al. a) e nº5 do Código do Trabalho.
Alega, ainda, que a Ré de 2001 a 2013 não pagou férias, subsídio de férias e subsídio de natal, no valor total de € 61.514,53 e que não lhe proporcionou formação nos termos previstos na lei, reclamando aquele valor bem como o correspondente à formação em falta.
Defende, também, que a Ré é responsável pelo pagamento da indemnização pela resolução com justa causa por parte da Autora, nos termos do art.º396, a qual deverá ser fixada em 30 dias, tendo em conta o grau de gravidade do incumprimento da Ré, perfazendo a € 15.200,99.
Foi realizada audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a resolução do litígio por acordo.
A Ré veio contestar contrapondo, também no essencial, que as quantias que a Autora reclama para resolver o contrato de trabalho já lhe foram pagas.
Defende, ainda, relativamente aos valores reclamados a título de férias e subsídios de Natal e Férias desde 2001 a 2013, que até esta última data vigorava entre as partes um contrato de docência equiparável a um “contrato de prestação de serviços”. Mesmo assim, e com expresso acordo da A., o “valor hora” era fixado contemplando férias e subsídios de Natal e férias. Em 2014, após “queixa anónima” à ACT, por indicação desta, aquelas prestações passaram a ser processado na forma “protocolar”.
Finalmente, pugnou pela ausência de culpa da sua parte quanto ao não pagamento pontual das retribuições à A.
Foi proferido despacho saneador e, nesse âmbito, fixado o valor da acção em € 77.810,77.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando-se a matéria de facto e aplicando-se-lhe o direito, culminada com a decisão seguinte:
-«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) condeno a R., C..., C.R.L., a pagar à A., B..., a quantia global de € 2 239,25 (dois mil duzentos e trinta e nove euros e vinte e cinco cêntimos) a título de formação não disponibilizada, à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquele valor, até efetivo e integral pagamento;
b) mais condeno a R. a pagar à A. o montante que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, relativo a diferenças salariais;
c) absolvo a A. e a R. dos pedidos de condenação como litigantes de má fé;
d) absolvo a R. do restante peticionado;
e) condeno a A. e a R. nas custas do processo, na proporção de setenta por cento para a primeira e de trinta por cento para a segunda.
Registe e notifique.
(..)»
I.3 Inconformada com esta decisão, a autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.
Constatando-se que as conclusões apresentadas não cumpriam com o dever de sintetização imposto pelo art.º 639.º n.º1, do CPC, pelo relator foi proferido despacho nos termos do n.º3, do mesmo artigo, convidando a recorrente a apresentar conclusões reformuladas de modo a suprir aquela deficiência.
A recorrente acedeu ao convite, apresentando as conclusões seguintes:
A) Da Nulidade Processual
Entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que o processo se encontra ferido de nulidade, porquanto a sessão de julgamento do dia 6 de dezembro de 2017 se encontra deficientemente gravada, não sendo audíveis os testemunhos de toda a prova arrolada pela Autora, nem tão pouco do depoimento de parte da Autora ora Recorrente. Tal omissão influência de forma directa o exame da decisão da causa, uma vez que obstacula a reação que as partes podem tomar contra a decisão proferida da matéria de facto. A omissão de gravação corresponde à omissão de um acto que incide no exame da decisão da causa, constituindo uma nulidade processual, art°201 do C.P. Civil, determinando a nulidade da sentença, impondo a realização de novo julgamento com vista à gravação dos depoimentos omissos. Mesmo que assim não se compreenda, apela a Recorrente aos poderes conferidos ao tribunal superior previstos no art.º 662, n.º2 e 3 do C. P. Civil
Da impugnação da Decisão da Matéria de Facto
B)Em Setembro de 2011, foi a Autora admitida ao serviço da Ré, com a categoria Docente/Professora, sob as ordens, direção e fiscalização daquela entidade, celebrando contrato que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, auferindo uma retribuição mensal que foi variando em função das horas ministradas e em função das imposições da entidade patronal. A Recorrente resolveu o contrato por justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição nos termos do previsto no art°394, n.º1, n.º3 al. c) e n.º5 do Código de Trabalho. Peticiona, nos presentes autos, horas de formação, as retribuições desde Agosto de 2015 a Outubro de 2015, férias, subsídio de férias e subsídio de natal-proporcionais do ano de 2015, férias, subsídio de férias e subsídio de natal desde o ano de 2001 a 2013 e indemnização por despedimento com justa causa, invocando ainda diferenças salariais decorrentes de descida ilícita de retribuição por parte da entidade patronal.
C)O Tribunal Recorrido entendeu julgar improcedentes alguns dos pedidos formulados pela Recorrente por considerar que os créditos decorrentes de férias, subsídio de férias e subsídio de natal se encontravam incluídos no valor hora contratado e por considerar inexistir justa causa subjetiva. Entendeu que o incumprimento da Recorrida, apesar de constante, reiterado e persistente, não configurava prejuízo suficiente na vida da trabalhadora que pusesse em causa a subsistência da relação laboral, em virtude de, em anteriores ocasiões, de atrasos longos (de 8 meses) e reiterados no pagamento da retribuição, a trabalhadora não ter usado dessa faculdade de resolução. Entende, a Recorrente, com o devido respeito, que muito mal andou o tribunal Recorrido, tendo havido erro na apreciação da prova, nomeadamente quanto aos factos dados como provados n.º12), 15), 16), 17), 18), 19) -parte e 21) e quanto os factos dados como não provados constantes nas alíneas b), d), e).
D)A Recorrente considera que não deveriam ter sido dado como provados que:
-A Autora sabia que a sua retribuição não dependia da R.. mas antes das entidades financiadoras -Art°12 da matéria dada como provada.
Tal facto não deveria ter sido dado como provado, o que deveria ter sido dado como provado era que:
A Autora sabia que a Ré dependia de financiamentos e ainda
A Ré em 2016 e 2017 pagou pontualmente a retribuição aos professores.
A assunção do facto 12 dado como provado é totalmente ilegítima e contrária à legislação laboral. Com efeito, a quem compete o pagamento, que deve ser pontual, é à entidade patronal. Da prova produzida o que resulta é que a Recorrente tinha conhecimento de que a Recorrida era financiada. Tanto mais que ficou provado que a Ré aos trabalhadores administrativos e aos membros da direção pagava pontualmente a retribuição violando de forma ostensiva o princípio de não discriminação de trabalhadores - facto 19 dos factos dados como provados - o que certamente provocaria incómodo nos professores. Tal facto resulta das testemunhas da própria Recorrida: D..., dia 20/01/2017 00:00:01 a 00:45:46; E..., dia 20/01/01, de 00:00:01 a 00:18:46, F..., dia 20/0112017, de 00:00:01 a 00:23:34, e acima transcritos. A Recorrida apesar de continuar a depender de fundos comunitários, desde 2016/2017 que paga pontualmente a retribuição a todos os trabalhadores, pelo que a conclusão a que se chega no facto 12 da sentença não é legítima.
E)Também os factos constantes em 15- factos dados como provados-, não deveriam ter sido dados provados, bem como os constantes na alínea b) dos factos dados como não provados deveriam ter sido dados como provados.
"Até 2013, com o acordo da Autora, o valor - hora era fixado contemplando férias e subsídio de férias e de natal" - 15 dos factos dados como provados
Pelo contrário, o que deveria ter sido dado como provado é que: A Ré até à propositura da presente acção não tinha pago à Autora os montantes referentes a Agosto, Setembro e Outubro de 2015: proporcionais de férias. subsídio de férias e subsídio de natal referentes a 2015, tendo feito o último pagamento de tais créditos em 15 de dezembro de 2015: A Ré não pagou – Férias, subsídio de férias e Subsídio de Natal 2001 - € 1.253.00: Férias e Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2002 - € 2.441.81: Férias, Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2003 - € 3.573,72: Férias e Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2004 - € 5.138.97:Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2005 - € 5.411.52:Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2006 - € 4.348.50:Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2007 - € 4.870.71;-Férias, Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2008 - € 5.181.66: Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2009- € 4.897,71: Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2010 - € 4.897.71: Férias, Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2011 - € 4.819.65:Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2012 - € 5.262.54: Férias. Subsídio de férias e Subsídio de Natal 2013 - € 5.517,00.
Para corroborar tais factos temos da testemunha da Recorrida D..., dia 20101/2017, 00:00:01 a 00:45:46, F..., dia 20/01/2017, de 00:00:01 a 00:23:34, G..., dia 20/01/2017, de 00:00:01 a 00:20:09, acima transcritos. Há também que ponderar o documento de fls ... junto com a petição inicial emitido pela segurança social, em tal documento consta toda a carreira contributiva da Recorrente, não constando qualquer pagamento à Recorrente referente aos meses de agosto de 2001 a 2013, nem nenhum pagamento a titulo de férias, nem subsídio de férias, nem tão pouco de subsídio de natal desde o inicio da prestação de trabalho em 2001 até ao ano de 2013. É prova inequívoca que tais pagamento nunca foram efetuados. A corroborar o facto de até 2013 a Recorrida não ter pago à Recorrente as retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de natal incluídos no valor hora contratualmente estipulado, veja-se os contratos de trabalho assinados entre a Recorrente e Recorrida, de fls__juntos pela Recorrida. Nunca foi acordado que o valor hora compreendia tais subsídio s, nem tal consta do contrato de trabalho celebrado, nem dos vários aditamentos.
F)Também não deveriam ter sido dados como provados os fados constantes no art°16, nomeadamente: Em 2014, após queixa à AC.T., por indicação desta, as retribuições passaram a ser pagas 14 vezes por ano"
De acordo com a prova produzida deveria ter ficado como provado: "Em 2014, após queixa à AC.T. a Ré passou a pagar 14 retribuições por ano" De facto, por nenhuma das testemunhas foi afirmado que a AC.T tinha dado instruções no sentido de dividir o mesmo rendimento por 14 meses, a AC.T. manifestou sim preocupação por as férias e subsídio de férias não estarem a ser pagos, sendo tal instrução (de dividir o rendimento por 14 meses) dada pela direcção da Recorrida. Neste sentido, a testemunha D..., dia 20/01/2017, 00:00:01 a 00:45:46, F..., dia 20/01/2017, de 00:00:01 a 00:23:34, acima transcritos.
G)Não resulta da prova produzida que a retribuição da Recorrente não tenha aumentado, muito pelo contrário: "Após o referido em 16) a retribuição da A. não aumentou"
Assim deveria ter sido dado como provado: "Após a queixa da A.C.T a retribuição da Autora aumentou"
Com efeito, dos documentos juntos pela própria Recorrida em sede de contestação (doc.58 e doc.60), desconsiderando o ano de 2013 em que a Recorrente gozou licença de maternidade, verifica-se que no ano de 2012 a Recorrente auferiu € 19.296,00 e que no ano de 2014 auferiu €19.958,32, uma vez que manteve a mesma carga horária (facto 20) dado como provado), Verifica-se assim um ligeiro aumento na retribuição da Recorrente. No entanto, de tal facto, conjugado com as circunstâncias provadas em 21), ou seja que a Recorrente baixou o valor hora que pagava, certo é que se mantivesse o seu Valor hora o seu rendimento seria ainda superior, pelo que não pode concluir-se que a Recorrida passou a dividir os rendimentos da Recorrente em 14, após a queixa da A.C.T., em vez de os dividir por 11.
H)Também os factos provados constantes em 21, com o devido respeito, entende a Recorrente que deveriam ter sido dados como provados em moldes diferentes, uma vez que considera existir prova suficiente que permita localizar no tempo a redução, por duas vezes, do valor hora contratado. Assim, entende a Recorrente que em 21) deveriam os factos dados como provados ser:
"A R. deixou de pagar à Autora os €23,94 contratados, reduzindo esse valor em 2013 para €23,00 hora, e mais tarde voltando a reduzir esse valor para €20,00 hora em 2015”. Neste sentido, as testemunhas da Ré F..., dia 20/01/2017, de 00:00:01 a 00:23:34, testemunha D..., dia 20101/2017, 00:00:01 a 00:45:46, transcrições supra.
I) Quanto aos factos provados na alínea 19 dos factos dados como provados entende a Recorrente face à confissão da Recorrida de que os atrasos chegaram a ser de 8 (oito) meses, e não de cinco meses como ai consta, a alínea 19 deverá ser:
"Os membros da direção e os funcionários administrativos recebiam as suas retribuições de forma atempada, apenas os alunos e os professores eram pagos com atrasos que chegaram a ser de oito meses
Veja-se art°1 da resposta à litigância de má-fé apresentada pela Recorrida em que esta confessa que tais atrasos chegaram a ser de 8 meses."1°- Os atrasos nos pagamentos aos professores formadores chegou, não a 5, mas a 8 meses!!!"
J)Entende ainda a Recorrente que face à prova produzida deveriam ser aditados novos factos aos factos dados como provados as alíneas 26 e 27
26) A Ré aceitou sem reservas que a Autora tinha motivo para resolver o contrato de trabalho com justa causa Veja-se a confissão da Ré/Recorrida no art°12 da contestação e art°13 da resposta à litigância de má-fé "13°Processualmente, a R. aceitou sem reserva a "justa-causa" -cfr 12°da contestação"
27) A Recorrente e os restantes professores sofreram pressão para aceitar todas as alterações salariais e todos os atrasos ao longo de todos estes anos, tendo-o feito com desagrado e sacrifício pessoa, bem como sofreu a Autora pressão para assinar o documento de fls 92 dos autos. A testemunha D..., dia 20/01/2017, 00:00:01 a 00:45:46, a testemunha E..., 00:00:01 a 00:18:46 de 20/1/2017, transcrições supra.
Do erro na apreciação da prova e erro na subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes - erro de julgamento,
L) Na sentença considera-se, face ao previsto no art°394 do Código do trabalho ter havido por parte da Recorrente justa causa objetiva com base nas retribuições em atraso. Mais se considera ter igualmente ocorrido justa causa subjectiva, tendo em conta o previsto no art°394, n.º1 e n.º5 e a presunção iuris e de iure presente no n.º5, com culpa da entidade patronal, porquanto o atraso no pagamento das retribuições era superior a 60 dias. Note-se, no entanto, que há contradição, dado que numa parte da sentença se julga verificada a justa causa subjectiva, sendo mais adiante negada a justa causa subjectiva, e sendo inclusive esta suposta inexistência o motivo subjacente da negação à Recorrente do direito a ser indemnizada nos termos do previsto no art°396 do Código de Trabalho. Entendeu o tribunal recorrido que por o contrato ter sido resolvido com base no atraso de um salário, tal atraso não era motivo suficiente para tornar praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Alicerça tal conclusão no facto de a Recorrente ter tido atrasos ao longo dos anos e nunca ter resolvido o contrato com base nesse facto, e em desconhecer a situação económico e financeira da Recorrente e o impacto da falta de salário na sua vida pessoal e familiar. Entende a Recorrente que muito mal andou o tribunal recorrido. Com efeito, cada vez que há um atraso, cada vez que há um incumprimento, renova-se o direito de resolver o contrato por parte do credor. A conclusão retirada na sentença, com o devido respeito, não pode ser aceite, a admitir-se tal raciocínio, a Autora por não ter resolvido anteriormente o contrato, nunca mais o poderia resolver, sendo assim direito da entidade patronal incumprir, não obstante as violações contratuais e legais. Mas mais, tais atrasos dada a sua regularidade e persistência poderão até considerar-se facto continuado.
M) Foi junto com a petição inicial o documento de fls.(requerimento de proteção jurídica) com data de 6 de novembro de 2015, onde consta que a Recorrente tem duas filhas menores, atualmente de 8 anos e de 11 anos e um rendimento mensal de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros) para um agregado familiar de 4 pessoas. Também por requerimento de tis 40 e segs, a Recorrente explicou a sua situação económico financeira e a sua urgência na propositura da presente ação, a fim de lhe ser atribuído, como foi, subsídio de desemprego conforme também consta dos autos, porquanto o salário de seu marido de €850,OO euros mensais não era suficiente para fazer face às muitas despesas do agregado familiar da Recorrente. A insensibilidade da sentença e o seu desligamento da vida da Recorrente é enorme. Tanto mais que também é do conhecimento do tribunal, que, no momento da resolução, se encontravam em falta o pagamento das retribuições não só de julho, corno também as de Agosto e Setembro, bem como os correspondentes subsídios que só vieram a ser liquidados já depois da entrada da presente ação judicial (em 15 de dezembro de 2015 (confrontar doc. 3 a 6 junto com a contestação).Tais factos, pelo principio da aquisição processual deveriam ter sido ser considerados na sentença, não restando dúvidas que o impacto da falta de pagamento, nem que seja de um salário, é enorme e geradora de enorme prejuízo, pondo em causa de forma irremediável a subsistência da relação de trabalho, tanto mais tendo em conta o previsto no art°351, n.º3 do código do trabalho. A retribuição auferida pela Recorrente tem caracter alimentício e nesse sentido o seu não pagamento pontual é suficiente para considerar que a relação laboral está irremediavelmente comprometida uma vez que põe em causa a subsistência e segurança da Recorrente e da sua família. Neste sentido: AC T.R.Lisboa 264/4TPDL.L 1-4, de 16/03/2016, Relatara Albertina Pereira, Ac. T.R.Coimbra 1022/09.1TTCBR.C1, de 10/02/2011, Relator Azevedo Mendes, Ambos disponíveis in www.dgsLpt. citação supra citadas.
N) A sentença violou assim, o art° 394, 396°, 351°, 23°, 127, nº1 b) e seguintes do Código do Trabalho.
Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a sentença recorrida, declarando-se o despedimento com justa causa com direito à competente indemnização, condenando-se a Recorrida na totalidade do pedido.
I.4 A Recorrida Ré apresentou contra-alegações, mas sem que se mostrem finalizadas em conclusões.
Contrapôs, no essencial, que na tese mais benévola, a contar do fornecimento das gravações pela Secretaria, a Recorrente teria 10 dias para no Tribunal a quo suscitar a nulidade, mas só o veio a fazê-lo com o recurso, o que inviabiliza agora a sua pretensão, por muito legítima que ela fosse.
A presunção de justa causa “funciona para a causa de cessação, não de (automática) indemnização”. A PI é omissa quanto às consequências para a trabalhador.
I.5 Na mesma data em que proferiu despacho sobre a admissibilidade do recurso, mas previamente ao mesmo, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade processual, nos termos seguintes:
-«Em sede de alegações de recurso veio a A., a título prévio, invocar “nulidade processual por falta/falha na gravação da prova”.
Conforme resulta do preceituado no art.º 155.º n.º 4 do C. P. Civil, a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Ora, do termo com a ref.ª 380107944 verifica-se que a gravação foi disponibilizada à A. no dia 27 de março de 2017, sendo certo que aquele sujeito processual passivo apenas veio invocar a falta ou deficiência da gravação muito após o decurso daquele prazo de dez dias, seja, em 28 de abril de 2017.
Face ao exposto e por extemporânea, julgo não verificada a predita alegada deficiência da gravação de parte da prova produzida em sede de audiência final».
I.6 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração do seguinte:
- A arguição da nulidade processual decorrente da deficiente gravação da prova na sessão de 6-12-207, foi extemporaneamente suscitada, como decidiu o tribunal a quo, através do despacho proferido em 07-06-2017, acrescendo que é irrecorrível (art.º 630.º/2, CPC).
- Não dispondo a Relação de todos os elementos para apreciar a impugnação, deve manter-se inalterada a matéria de facto e, logo, deve manter-se a decisão recorrida quanto à aplicação do direito.
I.7 Cumpridos os vistos legais, procedeu-se à remessa do projecto de acórdão aos Ex.mos adjuntos, determinando-se a inscrição do processo em tabela para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões colocadas pela recorrente, organizadas segundo a ordem lógica de apreciação, são as seguintes:
i) Arguição de nulidade processual por alegada deficiência na gravação da prova;
ii) Se o Tribunal a quo errou o julgamento na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, quanto aos factos dados como provados n.º12), 15),16), 17), 18), 19) -parte e 21) e quanto os factos dados como não provados constantes nas alíneas b), d), e) [Conclusão C)].
iii) Se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo Tribunal a quo, abrangendo os factos provados e não provados, é o que passa a transcrever. Assim:
1) A R. é uma cooperativa de ensino constituída por estabelecimento que se dedica ao ensino profissional;
2) Em 17 de setembro de 2001 foi a A. admitida ao serviço da R., com a categoria profissional de docente/professora do ensino profissional, funções que exercia sob as ordens, direção e fiscalização daquela entidade, conforme se infere do documento de fls. 78, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3) A A. firmou com a R. os acordos escritos de fls. 79 a 85, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido;
4) O acordo referido em 2) converteu-se num acordo por tempo indeterminado;
5) A A. auferiu as seguintes retribuições mensais, sobre as quais incidiram os descontos para a Segurança Social: no ano de 2001, a quantia bruta de € 1.432; no ano de 2002, a quantia bruta de € 813,96; no ano de 2003, a quantia bruta de € 1.191,24; no ano de 2004, a quantia bruta de € 1 712, 99; no ano de 2005, a quantia bruta de € 1.803,84; no ano de 2006, a quantia bruta de € 1.449,50; no ano de 2007, a quantia bruta de € 1.623,57; no ano de 2008, a quantia bruta de € 1.727,22; nos anos de 2009 e de 2010, a quantia bruta de € 1.632,77; no ano de 2011, a quantia bruta de € 1.606,55; no ano de 2012, a quantia bruta de € 1.754,18; no ano de 2013, a quantia bruta de € 1.839,90; no ano de 2014, a quantia bruta de € 1.263,36; no ano de 2015, a quantia bruta de € 1.263,36;
6) A A. realizava o seu trabalho nas instalações da R., sitas na Rua ..., ..., no Porto, tendo aí prestado ininterruptamente trabalho até 23 de outubro de 2015 (ressalvadas as licenças de maternidade);
7) A A. sempre desempenhou as suas funções com brio profissional, zelo, dedicação, competência e assiduidade, cumprindo todas as suas obrigações;
8) Não obstante tal facto, a R., em meados de 2015, deixou de pagar à A. a retribuição devida pela prestação de trabalho, sendo que em outubro de 2015 estavam em débito as retribuições respeitantes aos meses de julho, agosto e setembro do mesmo ano;
9) A A., em 23 de outubro de 2015, remeteu à R. a carta cuja cópia consta de fls. 27 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10) A R. efetuou o pagamento da retribuição correspondente ao mês de julho de 2015, bem como liquidou, por conta da retribuição do mês de agosto de 2015 € 927,75, por conta da retribuição do mês de setembro de 2015 € 938,93 e o valor de € 2 319,98 a que se refere o documento de fls. 76 dos autos;
11) A R. não ministrou horas de formação à A;
12) A A. sabia que a sua retribuição não dependia da R., mas antes das entidades financiadoras;
13) A A. também sabia que a sua retribuição não só podia atrasar, como podia variar, como foi acontecendo ao longo dos anos;
14) A R., conforme se infere do documento de fls. 86, efetuou um pedido de reembolso em 15 de junho de 2015, pedido esse que deveria ser decidido em trinta dias úteis a contar daquela data, mas que só foi disponibilizado em 15 de janeiro de 2016, e logo tratou dos pagamentos;
15) Até 2013, com o acordo da A., o valor-hora era fixado contemplando férias e subsídios de férias e de Natal;
16) Em 2014, após queixa à A.C.T., por indicação desta, as retribuições passaram a ser pagas catorze meses por ano;
17) Após o referido em 16), a retribuição da A. não aumentou;
18) Ao longo de anos, a questão dos atrasos no pagamento das suas retribuições foi por várias vezes abordada nas reuniões pelos professores junto da direção;
19) Os membros da direção e os funcionários administrativos recebiam as suas retribuições de forma atempada, apenas os alunos e professores eram pagos com atrasos de retribuições, que chegaram a ser de cinco meses;
20) Desde o ano letivo 2009/2010, inclusive, não houve oscilação das horas de lecionação semanais atribuídas à A.;
21) A R. deixou de pagar à A. os € 23,94/hora contratados;
22) As disciplinas ministradas pela A. pertencem à área técnica, matérias para as quais não é necessária profissionalização;
23) A A. é licenciada pela Universidade ... em Engenharia e Gestão Industrial, detendo ainda o grau de Mestre em Multimédia atribuído pela Faculdade ...;
24) A R., já depois da cessação do contrato de trabalho da A., aceitou a resolução dos contratos de trabalho operada pelos colegas da A. a seguir identificados, assinalando no modelo 5044 (declaração de situação de desemprego) a quadrícula “Cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador-resolução com justa causa por retribuições em mora (salários em atraso).”: H... e I...;
25) Os trabalhadores identificados em 24), professores como a A., resolveram o contrato de trabalho com base em retribuições em mora, tendo tal motivo de resolução sido aceite pela R.
Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) A A. haja atuado da forma descrita em 9) por ter um horário reduzido, em virtude de não ter feito a profissionalização;
b) A R. não tenha pago à A. os montantes que seguem: a retribuição de agosto, setembro e outubro de 2015; proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2015, € 404,73; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2001, € 1 253; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2002, € 2 441,81; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2003, € 3 573,72; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2004, € 5 138,97; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2005, € 5 411,52; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006, € 4 348,50; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2007, € 4 870,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2008, € 5 181,66; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2009, € 4 897,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2010, € 4 897,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2011, € 4 819,65; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2012, € 5 262,54; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2013, € 5 517;
c) Os atrasos no pagamento das retribuições aos professores se tenham ficado a dever a má gestão de tesouraria e da entrega das candidaturas e dos pedidos de reembolso, que a A. e demais professores, por questões de dependência económica e financeira, foram tolerando;
d) A A. tenha sido pressionada para assinar o documento de fls. 92 dos autos;
e) O descrito em 21) tenha sucedido à revelia da A.;
f) A R., na pessoa do seu diretor, J...a, haja declarado à A. que aceitava o motivo para a cessação do acordo referido em 2), que sabia ser verdadeiro, e lhe emitia a declaração para o subsídio de desemprego com base em retribuições em mora, impondo como condição a A. prescindir da indemnização a que tinha direito, o que a mesma não tenha aceite;
g) Os fundos que a R. recebia não demorassem mais de sessenta dias após o pedido.
II.2 Arguição de nulidade processual por alegada deficiência na gravação da prova
Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, as nulidades processuais consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Quanto às nulidades secundárias, de que só pode conhecer-se mediante arguição ou reclamação dos interessados, reporta-se o art.º 195.º do CPC, sendo todas aquelas que caibam na fórmula genérica do n.º1 daquele artigo: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Nas palavras daqueles mesmos autores, “todos os demais casos de desvio na prática (ou omissão) do acto processual constituirão nulidades secundárias, desde que relevantes. Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [Op. cit., pp. 391].
A falta ou deficiência da gravação dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento consubstancia omissão de acto que a lei prescreve e que tem influência no exame e na decisão da causa, dado que impede ou dificulta o cumprimento pelo recorrente do disposto no art.º 640.º n.º2, al. a) do CPC, e obsta a que o tribunal de recurso possa proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 662.º. do mesmo diploma, tendo em conta esses meios de prova.
Constitui, por isso, nulidade secundária de harmonia com o estatuído no art.º 195.º n.1, do CPC. Cód. do Proc. Civil.
Tratando-se de uma nulidade secundária o seu conhecimento está dependente de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente de nulidades principais (art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC).
O regime de arguição respeita a três pontos: i) quem pode argui-las; ii) em que prazo podem ser arguidas; iii) como se faz a arguição.
Interessa-nos aqui o prazo de arguição, dispondo o art.º 199.º, com a epígrafe “Regra geral sobre o prazo de arguição”, o seguinte:
[1] Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta -se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
[2] Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
[3] Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando -se o prazo desde a distribuição.
(..)».
A jurisprudência dos tribunais superiores não era unânime na resposta à questão de saber em que prazo podia ser arguida a nulidade decorrente da falta ou deficiente gravação da prova.
Para uma linha de entendimento, o prazo destinado à arguição da deficiência da gravação da prova, sendo o geral - dez dias, de acordo com o art.º 153 do pretérito Cód. do Proc. Civil-, iniciava a sua contagem após o termo da audiência da audiência de julgamento ou, pelo menos, a partir da data da entrega à parte da cópia da gravação. A parte – ou o seu mandatário - deveria então diligenciar, dentro do prazo de dez dias, pela audição dos respectivos suportes fonográficos, presumindo-se que actuava de forma negligente se não levasse a cabo tal audição nesse espaço temporal [Cfr., neste sentido, Ac. STJ de 29.1.2004, p. 03B1241 e Ac. Rel. Porto de 10.11.2005, p. 0534448, disponíveis in www.dgsi.pt.].
Em contraponto, uma segunda defendia não ser exigível à parte – ou ao seu mandatário – que procedesse à audição dos suportes magnéticos antes do início do prazo de recurso, relativo à reapreciação da decisão da matéria de facto, na consideração de ser no decurso do prazo destinado à apresentação das alegações que surge a necessidade de uma mais cuidada análise do conteúdo dos registos e, com ela, o conhecimento de eventuais vícios de gravação. Vícios esses que, nessa perspectiva, podiam então ser arguidos nas próprias alegações de recurso [Cfr., entre outros, Ac. STJ de 15.5.2008, p. 08B1099, Ac. STJ de 13.1.2009, p. 08A3741, Ac. Rel. Porto de 27.11.2008, p. 0836973 e Ac. Rel. Porto de 2.3.2009, p. 0855325, todos disponíveis in www.dgsi.pt.].
O novo Código do Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, através do art.º 155.º, veio introduzir a obrigatoriedade da gravação da “audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares” (n.º a), a qual “deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato”(n.º3), tendo o legislador tomado posição quanto ao prazo para a parte reagir em caso de falta ou deficiência da gravação, ao estabelecer que “deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (n.º 4).
É entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que no domínio do processo laboral o registo da prova continua a ter carácter facultativo, tal como se encontra definido no art.º 68.º do CPT, disposição que não foi derrogada pela primeira parte do n.º 1 do art.º 155.º do CPC. Assenta este entendimento na consideração de que “A disposição constante do art.º 1.º n.º 1 do CPT, de que o processo do trabalho é regulado pelo respetivo Código, continua a ser a norma estruturante que deve nortear toda a interpretação inerente a um regime que o legislador quis destacar do CPC, dadas as suas particularidades” [Ac. STJ de 22-02-2017, Proc. n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi].
Entende-se, assim, que “A relação que existe entre os art.°s 68.° do C.P.T. e 155.° do NCPC é a de um regime especial (o primeiro) para com um regime geral ou comum (o segundo), não tendo este último a virtualidade de revogar o que de particular ou específico aquele consagra para além ou contra a sua própria letra, alcance e sentido (..)” [Ac. TRL, 25-01-2017, proc.º 32073/12.2T8LSB.L1, Desembargador José Eduardo Sapateiro, disponível em www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?codarea=59&nid=5193].
Mas essa questão já não se coloca quanto ao n.º4, do art.º 155.º do CPC. Com efeito, o CPT não regula a arguição de nulidades secundárias em geral, nem tão pouco tem norma semelhante àquela, isto é, que se ocupe em particular da arguição da nulidade processual decorrente da falta ou deficiência da gravação. Assim sendo, tratando-se de um caso omisso no CPT, cabe recorrer à legislação processual comum (art.º 1.º n.ºs 1 e 2, CPT), nomeadamente àquela norma.
O n.º 4 do art.º 155.º do CPC, não qualifica o vício processual decorrente da falta ou deficiência da gravação. Não obstante, no caso em concreto, pelas razões acima mencionadas, tal falta ou deficiência constitui uma nulidade processual secundária nulidade secundária, nos termos estabelecidos no art.º 195.º n.º1, do CPC. Logo, em conformidade com o regime próprio, tem de ser arguida no prazo de 10 dias, quanto a este ponto, ou seja, o prazo, nada inovando o n.º4, do art.º 155.º CPC.
O que ficou definido, por afirmação do legislador, é a partir de quando se inicia a contagem do prazo, ou seja, “a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”.
Daqui resulta, pois, que a arguição da nulidade secundária deve ser no tribunal recorrido, naquele prazo, contado do momento em que a gravação é disponibilizada à parte. Subsequentemente, poderá então ser interposto recurso do despacho que recair sobre a mesma.
Resulta dos autos que a recorrente foi notificada, em 24 de Março de 2017 (sexta-feira), de que se encontrava “disponível para levantamento um CD contendo a gravação da prova produzida em audiência de julgamento”, bem assim que em 27 de Março 2017 (segunda-feira) foi-lhe feita a entrega do aludido CD.
Sem procurar aqui dar resposta às dúvidas que possam ser suscitadas pela parte final do n.º4, do art.º 155.º, CPC, isto é, sobre quando é que se deve entender que a “gravação é disponibilizada”, no caso concreto podemos ter como seguro que pelo menos a partir daquela data – 27 de Março de 2017 - a recorrente teve ao seu dispor a gravação da audiência final.
Assim sendo, pretendendo arguir a eventual nulidade secundária fundada na alegada deficiência da gravação, deveria tê-lo feito no prazo de dez dias com início a 28 de Março de 2017, em requerimento dirigido ao Tribunal a quo. O termo desse prazo ocorreu a 6 de Abril de 2017, pelo que a arguição da nulidade deveria ter sido feita até àquela data ou, quanto muito, mediante o pagamento de multa, até ao 3.º dia útil seguinte, nos termos permitidos pelo art.º 139.º do CPC.
Ora, não foi esse o procedimento observado pela Recorrente, já que arguiu a nulidade apenas com o requerimento para interposição do recurso, em 28 de Abril de 2017, sendo que concomitantemente integrou essa mesma arguição no objecto do recurso (cfr. conclusão A).
Consequentemente, a eventual nulidade secundária, a existir, ficou suprida, na medida em que o recorrente não a arguiu junto do tribunal a quo e em tempo. E, não sendo admissível a sua arguição em sede de recurso, impõe-se rejeitar a apreciação da mesma.
II.2.1 Coloca-se agora uma questão relativamente à parte final da conclusão A., onde a recorrente vem dizer: “Mesmo que assim não se compreenda, apela a Recorrente aos poderes conferidos ao tribunal superior previstos no art.º 662, n.º2 e 3 do C. P. Civil”.
Recorde-se que, como mencionado no relatório, a recorrente foi convidada a apresentar conclusões reformuladas.
Ora, nas primitivas conclusões não constava este parágrafo. De resto, em parte alguma das alegações a recorrente colocou aquela alegação.
É sabido que às conclusões só pode ser levada a sumula do que tenha sido alegado. Se a parte não observar esse princípio elementar, não está a sintetizar as alegações, mas antes a introduzir questões diversas daquelas que coloca nas alegações. Nesse caso, o Tribunal ad quem deve considerar como não escrito o que conste das conclusões extravasando o que foi alegado.
Por outro lado, como também nos parece ser de elementar compreensão, o convite à reformulação das conclusões não tem em vista permitir à parte a colocação de novas questões. Aliás, se dúvida houvesse, do despacho do relator decorre com clareza que o convite à reformulação das conclusões teve como fundamento a prolixidade daquelas, ou seja, a deficiência consistia na falta de observação do dever de síntese.
Assim sendo, salvo o devido respeito, mal se compreende que a recorrente, permita-se-nos a expressão, venha sub-repticiamente fazer este aditamento às conclusões.
Não lhe sendo tal permitido, considera-se a conclusão não escrita nessa parte.
II.3. Reapreciação da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que o tribunal a quo errou o julgamento na apreciação da prova quanto aos factos dados como provados n.º12), 15), 16), 17), 18), 19) -parte e 21) e quanto os factos dados como não provados constantes nas alíneas b), d), e).
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Estes são os princípios a atender.
Nas conclusões, verifica-se que a recorrente fez a indicação de quais os factos que impugna, bem como das respostas alternativas.
Para além disso, desde logo nas conclusões, mas também com maior detalhe nas alegações, em geral, especifica os meios de prova em que se sustenta para pedir a alteração, sendo que no caso dos depoimentos gravados procede à indicação dos momentos de início e termo dos pontos da gravação em que se encontram os extractos invocados.
Há, porém, uma excepção. Com efeito, é impugnado o facto 18, resultando da indicação inicial geral estar integrado nos factos provados que a recorrente pretende ver como não provados.
Contudo, nem das conclusões, nem tão pouco das alegações consta qualquer outra referência a este facto. Assim, ainda que esteja incluído nos que a recorrente pretende ver como não provados, o certo é que não há qualquer indicação de meios de prova para o pôr em causa, nem qualquer juízo crítico para justificar a pretendida alteração.
Assim, quanto ao facto 18 rejeita-se a apreciação da impugnação. Quanto aos demais, em princípio nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Dizemos em princípio, visto que a recorrente veio arguir a nulidade do julgamento, alegando não serem “audíveis os testemunhos de toda a prova arrolada pela Autora, nem tão pouco do depoimento de parte da Autora”, concretizando nas alegações estar a reportar-se, no que concerne aos primeiros, aos depoimentos das testemunhas K..., L..., M... e I.... Ora, se assim é, então relativamente a cada um dos factos impugnados e atendendo aos meios de prova que são invocados pela recorrente, colocar-se-á a questão de saber se este Tribunal as quem dispõe de todos os elementos para poder reapreciar a decisão recorrida na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3.1 Nos factos impugnados lê-se o seguinte:
i) [provados]
12) A A. sabia que a sua retribuição não dependia da R., mas antes das entidades financiadoras;
15) Até 2013, com o acordo da A., o valor-hora era fixado contemplando férias e subsídios de férias e de Natal;
16) Em 2014, após queixa à A.C.T., por indicação desta, as retribuições passaram a ser pagas catorze meses por ano;
17) Após o referido em 16), a retribuição da A. não aumentou;
19) Os membros da direção e os funcionários administrativos recebiam as suas retribuições de forma atempada, apenas os alunos e professores eram pagos com atrasos de retribuições, que chegaram a ser de cinco meses;
21) A R. deixou de pagar à A. os € 23,94/hora contratados;
ii) [não provados]
b) A R. não tenha pago à A. os montantes que seguem: a retribuição de agosto, setembro e outubro de 2015; proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2015, € 404,73; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2001, € 1.253; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2002, € 2.441,81; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2003, € 3 573,72; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2004, € 5.138,97; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2005, € 5.411,52; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006, € 4.348,50; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2007, € 4.870,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2008, € 5.181,66; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2009, € 4.897,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2010, € 4.897,71; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2011, € 4.819,65; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2012, € 5.262,54; férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2013, € 5.517;
d) A A. tenha sido pressionada para assinar o documento de fls. 92 dos autos;
e) O descrito em 21) tenha sucedido à revelia da A..
Em alternativa pretende a recorrente que se altere a matéria de facto nos termos seguintes:
- Facto 12: “não deveria ter sido dado como provado, o que deveria ter sido dado como provado era que:
A Autora sabia que a Ré dependia de financiamentos e ainda
A Ré em 2016 e 2017 pagou pontualmente a retribuição aos professores”.
- Facto 15 – não deveria ter sido dado como provado, antes devendo considerar-se como provado o que consta da alínea b) dos factos não provados.
- Facto 16 – não deveria ter sido dado como provado, antes “deveria ter ficado como provado: Em 2014, após queixa à ACT, a Ré passou a pagar 14 retribuições por ano”.
- Facto 17 – não devia ter sido considerado provado, antes «deveria ter sido dado como provado: “Após a queixa da ACT a retribuição da Autora aumentou”.
- Facto 19 (parte) – entende que a resposta deverá ser “os membros da direcção e os funcionários administrativos recebiam as suas retribuições de forma atempada, apenas os alunos e os professores eram pagos com atrasos que chegaram a ser de oito meses”.
- Facto 21 – entende que deveria ter sido dado como provado que “A Ré deixou de pagar à Autora os € 23,94 contratados, reduzindo esse valor em 2013 para € 23,00, e mais tarde voltando a reduzir esse valor para € 20,00 em 2015”.
No que concerne à matéria de facto que pretende ver aditada, consiste na seguinte:
26) A Ré aceitou sem reservas que a Autora tinha motivo para resolver o contrato de trabalho com justa causa.
27) A Recorrente e os restantes professores sofreram pressão para aceitar todas as alterações salariais e todos os atrasos ao longo de todos estes anos, tendo-o feito com desagrado e sacrifício pessoal, bem como sofreu a Autora pressão para assinar o documento de fls 92 dos autos.
II.3.2 Verifica-se que nos factos impugnados provados e não provados constam alegações conclusivas, bem assim que a recorrente igualmente pretende que em alternativa aos factos que impugna passem a considerar-se como provadas formulações conclusivas.
Ora, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que também não podem ser aceites as respostas alternativas que a recorrente pretende ver provadas e que se revelam conclusivas. Dito em poucas palavras, nem o Tribunal a quo pode dar como provadas ou não provadas alegações conclusivas, nem por identidade de razões o poderia agora fazer este tribunal ad quem.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
Esta doutrina aplica-se aos factos provados 12 e 17 e aos não provados constantes das alíneas b), d) e e). Em qualquer desses casos o tribunal a quo pronunciou-se indevidamente sobre alegações conclusivas que se reportam a questões controvertidas. Assim, os mesmos devem considerar-se não escritos, ou dito de outro modo, devem ser eliminados do elenco da matéria de facto.
No que concerne ao facto 12, existindo um contrato de trabalho entre a Autora e a Ré, sobre esta recai o dever de pagar a retribuição devida àquela como contrapartida da prestação de trabalho (art.ºs 11.º e 127.º n.2, al. b), do CT). Se a Autora “sabia que a sua retribuição não dependia da Ré, mas antes das entidades financiadoras”, era uma conclusão que só podia ser extraída na sentença perante factos alegados que tivessem sido provados, de onde decorressem com suficiência as razões que explicavam essa alegada dependência em termos concretos, desde logo, quando, como e em que medida se verificava, bem assim em relação a que entidades financiadoras. Para além disso, também teriam que resultar provados factos que permitissem concluir o conhecimento da autora, isto é, que “sabia”, e mais precisamente, o que é que concreta e precisamente era do seu conhecimento.
Quanto ao facto 17, embora reportado ao facto 16, o que consignou é conclusivo e equívoco. Melhor explicando, por um lado não é claro qual a retribuição “que não aumentou”, por outro este juízo conclusivo teria que ser retirado na comparação entre retribuições.
O mesmo é de dizer quanto às respostas alternativas pretendidas pela recorrente para os factos 12, 15 [neste caso, a alínea b) dos factos não provados] e 17, bem como para os que pretende ver aditados sob os novos números 26 e 27.
Em suma, eliminam-se os factos provados 12 e 17; e, os não provados constantes das alíneas b), d) e e).
Consequentemente, na parte respeitante a esses factos, fica prejudicada a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à outra parte, respeitante às pretendidas respostas alternativas conclusivas, improcede a impugnação.
II.3.3 Em consequência do decidido, para apreciação restam os factos impugnados 16, 19 (parte) e 21.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a propósito da matéria constante desses factos lê-se o seguinte:
- «(..)
No que se refere ao alegado não pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2001 a 2013, cumpre referir, desde logo, que a única testemunha que aludiu, de forma expressa, a tal omissão foi M.... No entanto, esta, quando confrontada com o teor do documento de fls. 103 dos autos, por si assinado, não conseguiu explicar a razão pela qual deu a sua anuência ao teor daquele, sendo certo que do dito documento resulta que a respetiva declarante admitiu que a sua contratação pela R. foi “efetuada de acordo com uma determinada remuneração/hora, nesta se encontra incluído o referente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sendo certo que as férias sempre foram gozadas durante o mês de Agosto de cada ano”.
Por outro lado, a própria A. assinou uma declaração de igual teor, vertida a fls. 92 dos autos, sendo certo que não foi produzida qualquer prova que tenha permitido concluir que tal assinatura haja sido aposta de forma forçada, sob coação. Muito pelo contrário: a testemunha E... aludiu ao facto de dois ou três à data colegas da A. terem levado a dita declaração para casa antes de a assinarem, assim lhes permitindo tempo de reflexão sobre o teor da mesma.
Ainda por outro lado, se é certo que do teor da informação de fls. 16 a 22, dimanada da Segurança Social, se retira que a A. apenas começou a efetuar, de forma expressa e a partir de janeiro de 2014, descontos sobre o subsídio de férias e o subsídio de Natal, tal não significa, sem mais, que não haja recebido estes subsídios nos anos transatos. De facto e para além de tudo quanto já acima se deixou explanado, da análise comparativa dos documentos juntos aos autos a fls. 132 a 140, relativos aos rendimentos obtidos pela A. ao serviço da R. nos anos de 2011 a 2014, retira-se que inexistem diferenças de relevo entre os auferidos no ano de 2012 (€ 19 296) e no ano de 2014 (€ 19 958,32). Dito de outra forma, se fosse realmente verdade que a A., no ano de 2012, não recebeu retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, o seu rendimento teria de ser bem inferior ao auferido no ano de 2014, no qual aquela reconhece que passou a receber as apontadas retribuição e subsídios. Refira-se que não incidimos a nossa análise no ano de 2013 em virtude de neste, conforme se infere dos documentos de fls. 137 e 138, a A. ter estado temporariamente incapacitada para o trabalho por doença.
Sem descurar que a testemunha G..., cujo depoimento revelou total clareza e absoluto distanciamento das pretensões das partes em litígio, afirmou, de forma absolutamente convicta, que todos os professores da R. sabiam que, antes de 2014, as retribuições pagas por hora de trabalho englobavam já uma parte relativa à retribuição de férias, a subsídio de férias e a subsídio de Natal. Igual afirmação foi trazida pelas testemunhas D... e F....
(..)
A possível variabilidade da retribuição, que a A. conhecia, foi explicada, desde logo, pela testemunha E..., na parte em que mencionou que uma diminuição do número de alunos inscritos acarreta uma diminuição de turmas, o que consequencializa um decréscimo do financiamento.
(..)
As testemunhas L... e N... confirmaram que os membros da direção da R. e os funcionários administrativos desta recebiam as correspetivas retribuições a horas.
(..)
A testemunha L... fez referência à diminuição da retribuição horária ao longo dos anos, tendo tal remuneração sido de € 24/hora, passando a ser, há cerca de quatro ou cinco anos, de € 23/hora e atualmente é de € 20/hora. Por seu lado, a testemunha D... disse que em 2013 o valor/hora desceu, o que sucedeu com a concordância dos professores.
(..)».
Vejamos então.
No que respeita ao facto provado 16, a alteração pretendida pela recorrente autora é apenas parcial, defendendo que deve considerar-se provado apenas que “Em 2014, após queixa à ACT, a Ré passou a pagar 14 retribuições por ano”. Em suma, pretende que se retire a expressão “por indicação desta”, a seguir a “ACT”, conforme consta provado.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não resulta alusão directa que explique a razão porque se considerou provado que o pagamento daquela forma em 2014, tenha sido adoptado “após queixa à ACT, por indicação desta”.
Sustenta a recorrente que nenhuma das testemunhas afirmou que o ACT deu instruções para o pagamento ser efectuado dessa forma, isto é, “no sentido de dividir o mesmo rendimento por 14 meses, manifestou sim preocupação por as férias e subsídio de férias não estarem a ser pagos, sendo tal instrução dada pela Direcção da recorrida.
Invoca os testemunhos de D... e F..., que transcreve nos extractos a que faz apelo. As testemunhas declararam, respectivamente, “A A.C.T. pediu explicações relativamente a férias e subsídio de férias” e “Os professores foram informados que devido à queixa …teriam de dividir o salário por 14 meses”.
Faz-se notar que estas testemunhas não fazem parte daquelas cujo depoimento alegadamente estará deficientemente gravado.
Em boa verdade, não se vislumbra que a pretendida alteração tenha alguma relevância para a sorte do recurso na vertente da impugnação da sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos.
Não obstante, apenas por uma questão de rigor, sendo certo que da fundamentação do tribunal a quo não se retira a razão de se ter feito constar “por indicação desta”, bem assim que a recorrida não põe em causa a transcrição feita pela recorrente, entende-se ser de acolher a posição da recorrida. Com efeito, a única coisa que objectivamente pode ser retirada daqueles testemunhos é que a alteração no modo de pagamento daqueles subsídios teve lugar após a intervenção da ACT.
Assim, altera-se o facto 16, passando a ter a redacção seguinte:
- “Em 2014, após queixa à ACT, a Ré passou a pagar 14 retribuições por ano”.
No que respeita ao facto 19, a alteração pretendida é também apenas parcial. Pretende a Autora que na parte final de substitua “cinco meses”, por “oito meses”.
Tal como se disse acima, também aqui não se vislumbra a utilidade esta pretendida alteração.
Acresce que o Tribunal deu como provado o que foi alegado pela autora no artigo 6.º da resposta à contestação, onde escreveu: [6º] Apenas os alunos e professores eram pagos com atrasos de retribuições que chegaram a ser de 5 (cinco) meses”.
Assim sendo, não se reconhece fundamento para a autora requerer a alteração do facto para além do que alegou.
Resta o facto 21, pretendendo a recorrente que ao que consta provado – “A R. deixou de pagar à A. os € 23,94/horas contratados”- , se acrescente, “reduzindo esse valor em 2013 para € 23,00, e mais tarde voltando a reduzir esse valor para € 20,00 em 2015”.
O facto provado provem, mais uma vez, de alegação da autora expendida na resposta à contestação, nomeadamente, a seguinte:
8ºTambém o custo hora não foi respeitado, não pagando os € 23,00/hora contratados, à revelia da Autora, e com manifesta ilegalidade».
Sobre este ponto refere-se na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
A testemunha L... fez referência à diminuição da retribuição horária ao longo dos anos, tendo tal remuneração sido de € 24/hora, passando a ser, há cerca de quatro ou cinco anos, de € 23/hora e atualmente é de € 20/hora. Por seu lado, a testemunha D... disse que em 2013 o valor/hora desceu, o que sucedeu com a concordância dos professores.
Defende a recorrente que testemunha F..., instada sobre se reduziram o valor hora pago aos professores, afirmou “Desceu em 2013, … … de €24 para €23”. E, instada pela mandatária da recorrente sobre se houve nova redução do valor hora pago ao professores, confirmou “Exactamente”.
Invoca, ainda, um dos testemunhos referidos pelo Tribunal a quo, nomeadamente, da testemunha D..., que afirmou “Descida do montante hora…de 24,00 para €23,00 …e ficou em €20,00” “Desceram para 23,00 em 2013….
Da conjugação de tudo isto resulta, com suficiência, apenas resulta que em 2013 o valor/hora foi reduzido de € 24,00 para €23. Três testemunhas referem a descida de 24,00 € para 23,00 €, precisando que tal ocorreu em 2013.
É certo que também duas testemunhas referiram a redução para € 20,00, mas uma não diz a partir de quando – D... - e outra, segundo resulta da fundamentação do Tribunal a quo, ao usar a expressão “actualmente” ter-se-á reportado à data do julgamento.
Por conseguinte, a pretensão da recorrente apenas pode ser atendida parcialmente, alterando-se o facto 21, para passar a constar provado:
[21] A R. deixou de pagar à A. os € 23,94/horas contratados, passando a pagar-lhe € 23,00/hora em 2013.
Concluindo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede parcialmente em conformidade com o que se veio decidindo.
II.3.4 No âmbito dos poderes oficiosos deste tribunal de recurso, impõe-se intervir para alterar o facto provado 9, complementando-o com a transcrição da parte essencial da carta, remetida pela Autora à R., em 23 de Outubro de 2015, comunicando-lhe a resolução do contrato de trabalho com justa causa. Com efeito, o Tribunal a quo, numa prática que contraria princípios elementares sobre a fixação da matéria de facto há muito assinalados pela jurisprudência dos tribunais superiores, limitou-se a dar como provado que a autora remeteu à Ré essa carta, para depois dar o seu conteúdo “por integralmente reproduzido”. Salvo o devido respeito, não era exigível a transcrição integral da carta, mas era indispensável que o essencial do seu conteúdo, nomeadamente, a parte em que constam os fundamentos invocados para sustentar a resolução do contrato de trabalho, fossem trazidos aos factos assentes.
Assim, altera-se o facto provado 9, para dele passar a constar o seguinte:
9) A A., em 23 de outubro de 2015, remeteu à R. a carta cuja cópia consta de fls. 27 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, dela constando, para além do mais o seguinte:
-“Assunto: Resolução do contrato de trabalho com justa causa por retribuições em mora (art.º 394.º n.º5, do Código do Trabalho”.
Eu, B... (..) com a categoria profissional de professora e a retribuição mensal de 1.046,03 €, ao serviço da C..., considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao mês de Julho, vencida em 31/07/2015, se prolonga por um período de 60 (sessenta) dias sobre a data do seu vencimento, vem comunicar a V. Ex.ª, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 394 n.º2 a) e n.º 5 da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis (..) – do Código do Trabalho, o propósito de resolver o seu contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 23 de Outubro de 2015”.
II.4 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Coloca-se agora a questão de saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao não reconhecer a justa causa de resolução invocada pela autora.
O Tribunal a quo fundamentou a decisão em crise nos termos seguintes:
-«(..) Debrucemo-nos agora sobre a questão de saber se a A., ao ter resolvido o contrato de trabalho que a unia à R., tem direito a ser indemnizada nos termos solicitados.
Neste concernente, provou-se que a A., no desenrolar da relação laboral que estabeleceu com a R., remeteu a esta a comunicação escrita a que se alude em 9) supra, invocando a resolução do contrato de trabalho com justa causa em virtude de haver incumprimento quanto ao pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho no mês de julho de 2015.
Antes de mais, vejamos se tal meio de comunicação da vontade da A. em pôr termo, unilateralmente, à relação contratual que estabeleceu com a R. respeitou, ou não, o requisito de forma exigido pelo art.º 395.º n.º 1 do C. do Trabalho. A nosso ver, a resposta é afirmativa. De facto, tal comunicação revestiu, como a lei impõe, a forma escrita.
Infere-se do art.º 394.º do C. do Trabalho que a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador pode basear-se em justa causa subjetiva (baseada em incumprimento culposo do empregador) ou objetiva (baseada em alteração de circunstâncias ou em atuações não culposas do empregador).
Aquela separação não é feita pelo legislador por homologia com o regime de rutura unilateral pelo empregador. Ela tem uma projeção muito importante no tocante aos efeitos da resolução: só quando esta se fundamente em conduta culposa do empregador (ou seja, numa das situações abrangidas pelo n.º 2) tem o trabalhador direito a uma indemnização.
No que se refere à resolução do contrato com fundamento em justa causa subjetiva ou culposa, é Jurisprudência pacífica (vide, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt) que para que se possa concluir pela verificação da referida justa causa é necessário que se verifiquem os seguintes elementos:
1) Comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art.º 394º (elemento objetivo);
2) Que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjetivo);
3) Que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
Compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador (art.º 342.º n.º 1 do C. Civil) e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, pois, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, tem aplicação a regra geral do art.º 799.º n.º 1 do C. Civil. Desta presunção decorre uma inversão do ónus da prova, cabendo ao empregador demonstrar que a situação subjetiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
Além da aplicação daquela regra geral, há ainda que ter presente a presunção de culpa específica prevista no n.º 5 do art.º 394.º do C. do Trabalho, no que se refere à mora do empregador, relativa à falta de pagamento da retribuição que se prolongue por mais de sessenta dias. Neste tipo de casos, provando-se que a mora do empregador excede o apontado marco temporal, mais do que uma mera presunção juris tantum – ilidível mediante prova em contrário (cf. o n.º 2 do art.º 350.º do C. Civil), como a prevista no art.º 799.º do C. Civil –, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento de retribuição, ou seja, uma presunção juris et de jure, a qual não admite prova em contrário (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de fevereiro de 2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de junho de 2016, ambos em www.dgsi.pt.).
Concluindo: a presunção, ilidível, constante do art.º 799.º n.º 1 do C. Civil aplica-se ao caso de atraso no pagamento da retribuição inferior a sessenta dias. Por sua vez, a ficção legal ou presunção, esta inilidível, constante do art.º 394.º n.º 5 do C. do Trabalho aplicar-se-á aos casos de atraso, que se prolongue por sessenta dias ou mais, no pagamento da retribuição.
Resta referir que ao trabalhador incumbirá o ónus de alegação e prova do não pagamento pontual da retribuição e que essa conduta do empregador torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
No caso em análise, relembre-se, a trabalhadora, ora A., estriba o fundamento de resolução do contrato de trabalho, comunicada à entidade empregadora em 23 de outubro de 2015, na falta de pagamento, na respetiva data de vencimento, da retribuição do mês de julho de 2015. Cumprirá então questionar se ocorreu, na data da resolução do contrato de trabalho, atraso de pagamento de retribuição superior a sessenta dias, tornando assim culposa a falta de pagamento da mesma (presunção inilidível). Ora, está bem de ver que tal atraso é realmente superior àquele prazo. Estamos, assim e repete-se, perante uma presunção de culpa da R. que é insuscetível de ser afastada e que conferirá à A. o direito à reparação a que se refere o art.º 396.º do C. do Trabalho.
Resta então apurar se o incumprimento culposo da R., pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Neste concernente, relembre-se uma vez mais que o que esteve na base da resolução do contrato de trabalho operada foi o não pagamento atempado da retribuição do mês de julho de 2015, e apenas isso. De facto e independentemente de outros incumprimentos ao nível da remuneração da A., o que se retira da carta cuja cópia consta de fls. 27 dos autos é que aquela tão-somente baseou a resolução do seu contrato de trabalho no não pagamento da retribuição do mês de julho de 2015 (cfr. art.º 395.º n.º 1 do C. do Trabalho, na parte em que alude à indicação sucinta dos factos que justificam a resolução). Realmente, ainda que a A., em tal carta, solicite também o pagamento de todos os salários e demais créditos laborais em falta, fá-lo de forma vaga, sem concretizar quais os salários – com exceção do relativo ao mês de julho de 2015 – e demais créditos a que afirma ter direito e que se encontrarão por liquidar.
Posto isto, estando em causa, como fundamento da resolução operada, o não pagamento da retribuição do mês de julho de 2015, consideramos que tal não torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. E tal, pelas seguintes ordens de razões: não se provou que a A. se tenha anteriormente insurgido contra a R. pelos atrasos no pagamento das retribuições – sendo que a relação laboral em apreço perdurou por mais de catorze anos –, atrasos esses que, de resto e conforme ficou provado, eram do seu conhecimento (sabia, a A., que a sua retribuição não dependia da R., mas antes de entidades financiadoras, e também sabia que tal retribuição podia atrasar); se é certo que se provou que a questão dos atrasos no pagamento das retribuições foi por diversas vezes abordada nas reuniões pelos professores junto da direção, não menos verdade é que não se provou em concreto que a A. haja tomado tal atitude; também não foi alegada a situação económico financeira da A. por forma a saber-se do eventual impacto do atraso no pagamento da retribuição do mês de julho de 2015 na sua situação pessoal e familiar; se é facto assente que a R. aceitou a resolução dos respetivos contratos de trabalho levada a cabo por dois colegas da A. e baseada na falta de pagamento pontual das retribuições devidas, a verdade é que se desconhece, relativamente àqueles colaboradores, quais os valores que estariam em débito e por quanto tempo os mesmos estiveram privados de rendimentos provenientes do trabalho.
À laia de conclusão, dir-se-á que o atraso verificado no pagamento à A. da retribuição do mês de julho de 2015 e que pretendeu fundamentar, em exclusivo, a declarada resolução do contrato de trabalho, não é suficiente para estribar esta em termos de justa causa subjetiva, a única que confere direito a recorrer à indemnização prevista no art.º 396.º do C. do Trabalho.
(..)».
II.3.2 Não convencida com aquela fundamentação, vem a recorrente contrapor que muito mal andou o tribunal recorrido, pois, “cada vez que há um atraso, cada vez que há um incumprimento, renova-se o direito de resolver o contrato por parte do credor”. A conclusão retirada na sentença, (..), não pode ser aceite, a admitir-se tal raciocínio, a Autora por não ter resolvido anteriormente o contrato, nunca mais o poderia resolver, sendo assim direito da entidade patronal incumprir, não obstante as violações contratuais e legais. Mas mais, tais atrasos dada a sua regularidade e persistência poderão até considerar-se facto continuado” [Conclusão L].
Alega, ainda, que juntou com a petição inicial requerimento de proteção jurídica, com data de 6 de novembro de 2015, onde consta que a Recorrente tem duas filhas menores, atualmente de 8 anos e de 11 anos e um rendimento mensal de €850,00 para um agregado familiar de 4 pessoas. E, no requerimento de fls. 40 e segs, explicou a sua situação económico financeira e a sua urgência na propositura da presente ação, a fim de lhe ser atribuído, como foi, subsídio de desemprego, porquanto o salário de seu marido de €850,00 euros mensais não era suficiente para fazer face às muitas despesas do agregado familiar da Recorrente. Acresce ser do conhecimento do tribunal, que no momento da resolução se encontravam em falta o pagamento das retribuições não só de julho, como também as de Agosto e Setembro, bem como os correspondentes subsídios que só vieram a ser liquidados já depois da entrada da presente ação judicial [conclusão M]
Tais factos, pelo princípio da aquisição processual deveriam ter sido ser considerados na sentença, não restando dúvidas que o impacto da falta de pagamento, nem que seja de um salário, é enorme e geradora de enorme prejuízo, pondo em causa de forma irremediável a subsistência da relação de trabalho. A retribuição auferida pela Recorrente tem caracter alimentício e nesse sentido o seu não pagamento pontual é suficiente para considerar que a relação laboral está irremediavelmente comprometida uma vez que põe em causa a subsistência e segurança da Recorrente e da sua família [conclusões N e O].
No essencial é esta a argumentação que esgrime para pretender a revogação da decisão recorrida.
II.3.3 Vejamos se assiste razão à recorrente, nesse percurso mostrando-se pertinente começar por deixar algumas notas essenciais sobre o regime legal da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa, regulado nos artigos 394.º e seguintes do CT/09.
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, estas relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
Interessa-nos aqui a primeira dessas duas espécies, que tem na sua base um comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações referidas nas alíneas do n.º2, do art.º 394.º do CT/09, entre elas [a)] “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09), o que se compagina como artigo 329.º do Código Civil, onde se estabelece que o «(..) prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º].
Essa exigência de forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam [cfr., entre outros, Ac STJ de 11/02/2004, proc.º 03S742, Conselheiro Vítor Mesquita; e, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 22/01/1992, proc.º 0066454, Desembargador Belo Videira, e de 30/04/2003, proc.º 009784, desembargador Simão Quelhas; (todos disponíveis em www.dgsi.pt)] e prende-se, para além do mais, com uma outra exigência, isto é, da indicação, ainda que “sucinta dos factos” que justificam a justa causa, sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
Com efeito, a menos que a entidade empregadora reconheça a existência de justa causa invocada pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho, este carecerá de intentar acção judicial para a ver reconhecida, sendo a partir daquela indicação “sucinta dos factos que a justificam” que o Tribunal afere da procedência dos motivos invocados [Pedro Furtado Martins, A cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª edição, 2012, Cascais, p. 532].
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos” deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão [Cfr. Pedro Furtado Martins, op. cit, pp. 533; e, Ac. da Relação de Lisboa, de 22-06-2011 processo n.º478/09.7TTTVD.L1-4, Desembargador Ramalho Pinto. Disponível em www.dgsi.pt/jtrl].
É certo que o art.º 398.º do CT regula a impugnação da resolução, a ser decretada pelo Tribunal em acção intentada pelo empregador, caso pretenda ver declarada a ilicitude da resolução, bem assim que não se encontra norma semelhante no que respeita ao trabalhador.
Contudo, desde logo por identidade de razões, mas também pelas que a seguir se acrescentam, não poderá deixar de se concluir que, sem necessidade de consagração expressa na lei, o mesmo princípio tem necessariamente aplicação na acção intentada pelo trabalhador com a finalidade ver reconhecida a justa causa invocada e, consequentemente, obter os efeitos jurídicos daí decorrentes, nomeadamente, a indemnização em função da antiguidade, quando esta seja devida (cfr. art.º 396.º CT).
Com efeito, como observa António Monteiro Fernandes, tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.644]. E, para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil], no âmbito dessa prova cabendo-lhe demonstrar que procedeu à “resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam”, através do documento que corporiza essa comunicação.
Consequentemente, o tribunal só poderá indagar se existe ou não justa causa para resolução do contrato de trabalho tendo por base os factos que sejam indicados pelo trabalhador e que estão na base da sua decisão. Sendo por essa razão que a lei impõe a comunicação da “resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam”, consubstanciando, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, uma formalidade ad substantiam.
Revertendo ao caso, vale isto por dizer que nesta acção só poderão ser considerados os factos que tenham sido invocados, ainda que sucintamente, para justificar a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
Ora, na carta que a autora dirigiu à Ré, em 23 de Outubro de 2015, comunicando-lhe a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, o único fundamento invocado foi “(..) a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao mês de Julho, vencida em 31/07/2015, se prolonga por um período de 60 (sessenta) dias sobre a data do seu vencimento”.
Por conseguinte, não tem razão a autora ao criticar a sentença, argumentando que na apreciação da justa causa não foram ponderados outros factos, designadamente, relativos à sua situação familiar e económica e quanto às retribuições de Agosto e Setembro. Nada disso constando da comunicação, nem mesmo sucintamente, nada disso pode ser considerado para a apreciação da justa causa.
De resto, contrariamente ao que defende a recorrente, nem sequer poderiam ser considerados em caso algum na sentença o que fez constar do requerimento de proteção jurídica e do requerimento de fls. 40, relativamente à sua situação familiar e económica. Com efeito, o princípio da aquisição processual respeita à prova produzida, conforme dimana do art.º 413.º do CPC – correspondente ao art.º 515.º do pretérito CPC-, onde se dispõe que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”. Em poucas palavras, decorre deste princípio que ao apurar a verdade sobre os factos relevantes para a decisão, o juiz deve tomar em conta todas as provas produzidas quer elas tenham emanado ou não da parte que recaía o ónus da sua produção. Mas aqueles factos, que podem ser provados independentemente de quem tenha produzido a prova, são os alegados pelas partes ou que o juiz possa conhecer oficiosamente.
Ora, não é esse o caso. Não foram factos alegados nos articulados e, logo, não foram sujeitos nem ao contraditório da parte contrária, nem objecto de prova.
Prosseguindo.
Da conjugação do art.º 394.º com o art.º 396.º, decorre que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” [n.º 4 do art.º 394.º]. isto é, atendendo “ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e a todas as circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
A indemnização é determinada “entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades [art.º 396.º / 1].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
Entre os comportamentos que a lei considera constituírem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, consta a “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição” [art.º 394.º/2/al.a]. Estamos perante uma situação de justa causa subjetiva que se reporta a um comportamento do empregador que consubstancia uma violação culposa dos seus deveres contratuais, nomeadamente, o de pagar pontualmente a retribuição [art.º 127.º n.º1, al. b), do CT], elemento essencial do contrato de trabalho, devida pelo empregador ao trabalhador como contrapartida da prestação por este da sua actividade ao serviço daquele (art.º 11.º, CT].
Presumindo-se a culpa do empregador nos termos do regime geral (art.º 799.º CC), recai sobre o incumbe ao empregador provar que a falta de cumprimento daquela obrigação não procede de culpa sua, ou seja cabe-lhe ilidir a presunção de culpa.
Acontece, porém, que em sede de justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, a lei consagra um critério de distinção por contrapondo à falta de pagamento da retribuição não culposa - este fundamento constante no n.º3, al. c), do mesmo artigo 394.º. - vindo dispor o n.º 5, também do mesmo artigo, considerar-se “(..) culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Conforme elucida Pedro Furtado Martins, trata-se “de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda qua a falta de pagamento não perdure por 60 dias”, acrescentando mais adiante, parecer-lhe “que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador”. Justifica esta última asserção, observando que “a lei não exige que a falta de pagamento atinja toda a retribuição, pelo que dificilmente se aceitará que o atraso no pagamento de uma parcela insignificante da retribuição conduza fatalmente a uma situação de impossibilidade de prossecução da relação de trabalho. (..) A lei terá certamente partido do pressuposto de que a falta de pagamento afeta a retribuição na sua totalidade ou pelo menos uma parte significativa da mesma” [Op. cit., p. 537].
Acompanhamos este entendimento, não sendo despiciendo assinalar que o mesmo tem sido acolhido na jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça [cfr. Ac. STJ de 16-03-2017, proc.º 244/14.8TTALM.L1.S1, Conselheiro CHAMBEL MOURISCO, disponível em www.dgsi.pt]; Ac. TRC de 10-02-2011, proc.º 1022/09.1TTCBR.C1, Desembargador AZEVEDO MENDES, disponível em www.dgsi.pt].
No caso em apreço, tal como invocado pela Autora como fundamento para resolver o contrato de trabalho, provou-se que em Outubro de 2015 a Ré deixou de lhe pagar a retribuição devida pela prestação de trabalho, estando em débito a retribuição de Julho. Provou-se, ainda, que naquele mês estavam igualmente em falta as retribuições de Agosto e Setembro, mas o certo é que a autora não lhes fez referência na carta que remeteu à Ré [cfr. factos 8 e 9].
Significa isto, que quanto à retribuição do mês de Julho de 2015 ocorreu falta de pagamento pontual da mesma, por período superior a 60 dias, considerando-se a mesma culposa, por força da presunção legal do n.º5, do art.º 394.º, não sendo admissível à ré ilidir essa presunção.
Não basta, porém, a verificação desse comportamento culposo por parte do empregador para que assista à autora o direito à indemnização prevista no art.º 396.º do CT. É também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa, mas concomitantemente que a sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.644].
Mas como elucida o Ac. do STJ de 16-03-2017, acima invocado, “Apesar de as circunstâncias que têm de ser apreciadas para que se considere verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador terem de ser reportadas às estabelecidas para as situações de despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), a doutrina e jurisprudência têm vindo a considerar que o juízo de inexigibilidade para a manutenção do contrato de trabalho terá de ser menos exigente do que nas situações em que a cessação é desencadeada pelo empregador», para depois justificar essa asserção nos termos seguintes:
-«O Professor João Leal Amado[4] sustenta que “a tese segundo a qual a noção legal de justa causa de despedimento deve ser exportada para o domínio da rescisão do contrato pelo trabalhador parece-me, com efeito, de rejeitar: a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade patronal (a chamada conceção bilateral e recíproca de justa causa) era de facto acolhida pela Lei do Contrato de Trabalho, mas foi completamente aniquilada pela Constituição da República Portuguesa; esta, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores e interesses em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou outra das partes.”
O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes[5] defende que é duvidoso que deva existir uma simetria entre a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e a justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, argumentando, desde logo, que, no primeiro caso, o art.º 441.º, n.º 4, remete para o n.º 2 do art.º 396.º e não para o n.º 1. Termina o seu raciocínio afirmando que “Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação (resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador), o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.
O Mestre Albino Mendes Baptista[6] defendeu:
“Como se sabe, a jurisprudência proferida ao abrigo da LCCT vincou sistematicamente a ideia de que a justa causa de rescisão do contrato devia ser analisada nos termos da justa causa de despedimento, invocando para o efeito o disposto no n.º 4, do art.º 35.º, da LCCT.
Deste modo, é necessário que, além da verificação dos elementos objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.”
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[7] também se pronuncia no sentido de “a fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador impor uma apreciação dos requisitos exigidos para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em moldes não tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente na apreciação da relação entre o comportamento ilícito e culposo do empregador com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo”.
Também a jurisprudência tem trilhado os mesmos caminhos da doutrina, salientando que nos casos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2015, proferido no processo n.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Melo Lima, concluiu-se: “Não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.”
Na verdade, a Constituição da República Portuguesa ao elevar o princípio da estabilidade do emprego no que respeita ao despedimento e a liberdade de trabalho no que respeita à rescisão pelo trabalhador, acentuou que os valores e interesses em causa são profundamente diferentes, caso o contrato venha a cessar por iniciativa do trabalhador ou do empregador.
Por outro lado, não deixa de ser impressivo o argumento de que o trabalhador não dispõe de meios alternativos de reação que lhe permitissem conservar a relação laboral, ao contrário do empregador que dispõe de um leque de sanções disciplinares conservatórias.
Poderemos pois concluir que, em matéria de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, apesar de reconduzidos ao núcleo essencial da noção de justa causa, tal como se encontra definida no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, para o despedimento promovido pelo empregador, temos de considerar a particularidade, derivada da ponderação dos diferentes valores e interesses em causa, de que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador».
Aqui chegados coloca-se então a questão de saber se deve reconhecer-se à autora a justa causa de resolução e, consequentemente, o direito à indemnização a que alude o art.º 396.º, CT, sendo que nessa ponderação cabe atender ao grau de lesão dos interesses da trabalhadora, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, tendo sempre presente o quadro de gestão da empresa, como impõe o art.º 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho, ao remeter para o n.º 3, do art.º 351.º, do mesmo diploma legal.
Entendeu o Tribunal a quo que “estando em causa, como fundamento da resolução operada, o não pagamento da retribuição do mês de julho de 2015, (..) que tal não torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação labora”, justificando esse juízo nos termos seguintes:
-«E tal, pelas seguintes ordens de razões: não se provou que a A. se tenha anteriormente insurgido contra a R. pelos atrasos no pagamento das retribuições – sendo que a relação laboral em apreço perdurou por mais de catorze anos –, atrasos esses que, de resto e conforme ficou provado, eram do seu conhecimento (sabia, a A., que a sua retribuição não dependia da R., mas antes de entidades financiadoras, e também sabia que tal retribuição podia atrasar); se é certo que se provou que a questão dos atrasos no pagamento das retribuições foi por diversas vezes abordada nas reuniões pelos professores junto da direção, não menos verdade é que não se provou em concreto que a A. haja tomado tal atitude; também não foi alegada a situação económico financeira da A. por forma a saber-se do eventual impacto do atraso no pagamento da retribuição do mês de julho de 2015 na sua situação pessoal e familiar; se é facto assente que a R. aceitou a resolução dos respetivos contratos de trabalho levada a cabo por dois colegas da A. e baseada na falta de pagamento pontual das retribuições devidas, a verdade é que se desconhece, relativamente àqueles colaboradores, quais os valores que estariam em débito e por quanto tempo os mesmos estiveram privados de rendimentos provenientes do trabalho.
À laia de conclusão, dir-se-á que o atraso verificado no pagamento à A. da retribuição do mês de julho de 2015 e que pretendeu fundamentar, em exclusivo, a declarada resolução do contrato de trabalho, não é suficiente para estribar esta em termos de justa causa subjetiva, a única que confere direito a recorrer à indemnização prevista no art.º 396.º do C. do Trabalho».
Adianta-se já não acolhermos este entendimento. Mas importa que justifiquemos esta asserção.
Relevam aqui os factos invocados pelo Tribunal a quo, excepto o n.º12, que foi eliminado por conclusivo, ao qual se refere a fundamentação quando invoca “atrasos esses que, de resto e conforme ficou provado, eram do seu conhecimento (sabia, a A., que a sua retribuição não dependia da R., mas antes de entidades financiadoras)”.
Acontece, porém, que na nossa leitura esses factos conduzem a solução diversa.
Está provado que a relação laboral perdurou por mais de 14 anos (factos 2 e 4). Quanto aos atrasos nos pagamentos, está provado:
[18] Ao longo dos anos, a questão dos atrasos no pagamento das retribuições foi por várias vezes abordada nas reuniões pelos professores junto da direcção;
[19] Os membros da direcção e os funcionários administrativos recebiam as suas retribuições de forma atempada, apenas os alunos e os professores eram pagos com atrasos de retribuições, que chegaram a ser de cinco meses.
É certo, como refere o Tribunal a quo, que não se provou em concreto que a autora se tenha insurgido contra a Ré pelos atrasos em situações anteriores. Contudo, também não se sabe em que medida esses atrasos se repercutiram na autora, ou seja, nem se sabe se lhe foram pagas retribuições em atraso, se foram na totalidade ou em parte, nem quanto tempo terá decorrido até a ré regularizar o pagamento.
Mas para além disso, se porventura houve outras situações de atraso em relação à autora, não era exigível que esta tivesse então reclamado para agora poder exercer o direito a resolver o contrato de trabalho com o fundamento que usou. Por outro lado, se porventura houve atrasos nos pagamentos que lhe eram devidos, não se sabendo os quantitativos e o tempo que demorou a regularizar a situação, não pode ter-se por certo que o impacto desses atrasos na sua vida pessoal e familiar tenha sido idêntico ao que decorre de não ter recebido a retribuição mensal por inteiro, prolongando-se a situação por mais de dois meses.
Também é certo não se saber em concreto qual foi o impacto que a falta da retribuição de Julho e o prolongamento da situação por mais de 60 dias teve na vida pessoal e familiar da autora. Contudo, salvo o devido respeito, só por si esse facto objectivo já é suficientemente grave.
Com efeito, em regra, qualquer trabalhador depende da sua retribuição mensal para assegurar a sua própria subsistência ou, também, para contribuir para a do agregado familiar, organizando a sua vida em função desse ganho mensal, relativamente ao qual tem a legitima expectativa de ser pago pontualmente. Caso não receba a retribuição ao final do mês e prolongando-se essa situação por mais de dois meses, inevitavelmente qualquer trabalhador irá enfrentar dificuldades relevantes, visto que as despesas normais mais elementares, designadamente, com alimentação, habitação, água, electricidade, gaz e outras obrigações a que esteja vinculado, continuarão a surgir ao mesmo ritmo de sempre.
De resto, é precisamente a ponderação dessa realidade pelo legislador que se crê estar subjacente à norma do n.º5, do art.º 394.º, considerando-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, por presunção não ilidível, nessa consideração, como assinala Pedro Furtado Martins no trecho acima citado, tendo “certamente partido do pressuposto de que a falta de pagamento afeta a retribuição na sua totalidade ou pelo menos uma parte significativa da mesma”.
Acresce poder afirmar-se, por ser do conhecimento geral e resultar das regras elementares da lógica e da experiência de vida, que essa situação será tanto mais grave e difícil de enfrentar, quanto mais baixo for o valor do salário normalmente auferido pelo trabalhador. A razão é óbvia, quanto mais baixos forem os rendimentos do trabalho – em regra a única fonte de rendimento - menor capacidade tem o trabalhador para fazer poupanças tendo em vista prevenir a necessidade de enfrentar eventuais situações adversas, em que se veja sem capacidade financeira para acudir às despesas.
Como decorre do facto 5, no ano de 2015 a autora auferia a retribuição ilíquida mensal no valor de € 1263,36. É um valor acima dos valores médios nacionais, dado que o valor médio da retribuição de trabalhadores por conta de outrem no ano de 2015 foi de € 913,09 [cfr. PORDATA, Base de Dados de Trabalho Contemporâneo, disponível em https://www.pordata.pt/Portugal] mas não é seguramente uma retribuição elevada, tendo por isso inteira aplicabilidade o que se deixou dito, a significar que a lesão dos interesses da trabalhadora é elevada.
Mas cabe ainda atender a outras circunstâncias relevantes, designadamente no que à Ré respeitam, relevando aqui de novo os factos já apontados, dos quais decorre que existiram já outras situações de atraso nos pagamentos das retribuições, que chegaram a ser de cinco meses, mas que apenas atingiam os alunos e professores, visto que os membros da direcção e os funcionários administrativos recebiam atempadamente. Situações que terão ocorrido mais do que uma vez, visto ter-se igualmente provado que ao longo dos anos, a questão dos atrasos no pagamento das suas retribuições foi por várias vezes abordada nas reuniões pelos professores juntos da direcção [facto 18].
Acresce que a falta de pagamento de retribuição não afectou apenas a autora, dado ter-se igualmente provado que depois da cessação do contrato de trabalho pela autora, outros dois professores resolveram igualmente os respectivos contratos de trabalho com invocação de justa causa fundada em salários em atraso, que a Ré, nesses casos, aceitou e reconheceu como tal (facto 24).
Sendo a Ré uma cooperativa de ensino constituída por estabelecimento que se dedica ao ensino profissional, necessariamente terá que dispor de professores para assegurar o ensino e, uma vez que estes não estão a prestar trabalho voluntário, sendo antes seus trabalhadores subordinados, recai sobre ela o dever de se organizar em termos de gestão para assegurar ter à sua disposição, em tempo útil, os meios financeiros suficientes e necessários para cumprir o seu dever de pagar a pontualmente a retribuição devida àqueles em contrapartida da prestação da sua actividade. E, se tal se revela recorrentemente inviável, então haverá que enfrentar a situação e ponderar se é possível manter a actividade e em que termos.
O que não é aceitável é desenvolver uma actividade sem garantir a capacidade para cumprir a obrigação elementar de pagar pontualmente a retribuição aos professores, de cujo trabalho está dependente para a prosseguir, preterindo-os até em relação aos membros da direcção e pessoal administrativo.
É, pois, também atendendo a este quadro que deve ser aferida a justa causa. Por outro lado, nesse juízo deve ter-se presente que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador, quer atendendo a que o trabalhador não dispõe de meios alternativos de reação que lhe permitam conservar a relação laboral, quer ponderando-se que estão em causa diferentes valores e interesses.
Atendendo a tudo que se disse, cremos que não era exigível à autora que mantivesse a relação laboral que a vinculava à Ré, verificando-se, assim, todos os requisitos exigidos pela lei para que se possa considerar que a resolução do contrato de trabalho ocorreu com justa causa, assistindo-lhe o direito a indemnização.
Na determinação da indemnização, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, manda a lei atender ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador (art.º 396.º/1, CT).
A autora pediu na acção que a Ré fosse condenada em indemnização fixada em 30 dias de retribuição por ano de antiguidade, perfazendo o total de € 15.200,99, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da resolução do contrato de trabalho até efectivo pagamento.
E, no recurso, pediu a revogação da sentença quanto a este ponto, declarando-se o despedimento com justa causa com direito à competente indemnização, condenando-se a Recorrida na totalidade do pedido.
Diremos, desde já, que não se reconhece fundamento à autora para lhe ser concedida indemnização calculada naquela base, nem tão pouco para serem devidos juros de mora a partir da data da resolução do contrato de trabalho.
A retribuição auferida pela autora à data da resolução do contrato de trabalho era de € 1.263,36, valor que já referimos estar acima da média nacional. E, quanto ao grau de ilicitude do comportamento da empregadora, em face do quadro provado considera-se ser baixo.
Nesses pressupostos, entende-se adequado e proporcionado fixar a indemnização no mínimo legal, isto é, em função do valor correspondente a 15 dias de retribuição base por cada no de antiguidade. Tendo a autora sido admitida pela Ré em 17 de setembro de 2001 e feito cessar o contrato de trabalho com efeitos a partir de 23 de Outubro de 2015, a antiguidade a considerar é de 14 anos, um mês e 6 dias.
Estabelece o n.º 2 do art.º 396.º, que “No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente”.
Por cada ano de antiguidade o valor a considerar é o correspondente a 15 dias de retribuição: 1.263,36:2 =- € 631,68. Partindo daquele valor, obtém-se para cada mês o montante de € 52,64 [631,68:12]; e, por dia a quantia de € 1,7546.
Feitos os devidos cálculos com base nesses pressupostos, o valor total da indemnização a fixar é de € 8.864,58.
No que concerne aos juros de mora, os mesmos são devidos, sobre aquela quantia e à taxa legal, mas pelas razões que de seguida explicaremos, apenas a partir do trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento.
A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor; aquele considerar-se-á constituído em mora, por causa que lhe seja imputável, ou seja, quando a prestação ainda possível não foi efectuada no tempo devido (art.º 804.º CC).
Na obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806.º1 CC). Os juros de mora são, pois, devidos no caso do retardamento culposo por parte do devedor, sendo todavia necessário, para que este se verifique, que a dívida seja certa, líquida e exigível, dado o nº3 do art.º 805, do CC, estabelecer que, se o crédito for ilíquido, não há mora, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
A obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo, só sendo líquida se a importância pecuniária da prestação estiver já apurada, isto é, ainda que uma obrigação seja certa na sua existência não poderá ter-se por líquida se o seu montante não está fixado.
A indemnização em causa é fixada pelo tribunal na acção que aprecia e reconhece a licitude da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, atendendo à regra fixada no artigo 396.º do CT. Significa isso, necessariamente, que só é certa quando há esse reconhecimento e líquida quando é fixada.
É por essa razão, que os juros de mora só são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito à indemnização e a fixa.
Atento o decidido, conclui-se, pois, que o recurso procede, mas apenas parcialmente.
III. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes que compõem este colectivo decidem julgar o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença na parte recorrida, para em substituição reconhecer a existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho pela autora, condenando-se a Ré no pagamento de indemnização em função da antiguidade que se fixa em € 8.864,58 (oito mil oitocentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento.
Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do decaimento, mas sem prejuízo do apoio judiciário (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 23 de Abril de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira