Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
92/15.8GBOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO
VIA POSTAL SIMPLES COM PROVA DE DEPÓSITO
CONTACTO PESSOAL
Nº do Documento: RP2018061392/15.8GBOAZ-A.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 28/2018, FLS 140-145)
Área Temática: .
Sumário: As notificações ao arguido, após o trânsito em julgado da sentença continuam a ser feitas por via postal simples, com prova de depósito, para a morada que indicou quando prestou termo de identidade e residência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º92/15.8GBOAZ-A.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Por despacho proferido em 20/9/2017 foi indeferido o requerimento do Ministério Público no sentido de o despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária ser notificado ao arguido por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1. No âmbito dos presentes autos foi o arguido B... condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o valor global de €630,00 (seiscentos e trinta euros).
2. Verificados os pressupostos do n.º 1 do artigo 49.º do Código de Processo Penal e sem prejuízo da faculdade conferida no n.º 2 do mesmo normativo, foi determinada a conversão daquela pena de multa em 60 dias de prisão subsidiária;
3. tendo sido o competente despacho de conversão, datado de 28.10.2016, notificado ao respectivo defensor do arguido.
4. Por despacho datado de 20.09.2017 foi indeferida a promovida notificação do arguido do referido despacho por via postal simples, mediante prova de depósito na morada pelo mesmo indicada no respectivo termo de identidade e residência, e determinada a realização de diligências pertinentes para a localização do arguido com vista à respectiva notificação do mesmo por contacto pessoal, formalidade que mais se reputou essencial sob pena de violação das garantias de defesa do arguido e do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal, geradora da nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do mesmo diploma.
5. O arguido prestou termo de identidade e residência no âmbito dos presentes autos no dia 12.02.2015 e ao abrigo da nova redacção legal conferida aos artigos 196.º, n.º2 e n.º 3 e 214.º, n.º 1 – alínea e) do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro;
6. Motivo pelo qual, não tendo comunicado morada distinta, o mesmo ainda se encontra plenamente válido, mantendo-se todas as respectivas obrigações e consequências do mesmo decorrentes até à execução da pena na qual foi condenado, de entre as quais as circunstâncias de todas as notificações futuras passarem a ser legitimamente feitas por mera via postal simples (nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º e do n.º 3 do artigo 113.º, ambos do Código de Processo Penal) e do incumprimento da comunicação de alteração de residência legitimar a representação do arguido por defensor (nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º);
7. para as quais, de resto, foi o arguido foi devidamente advertido no termo de identidade prestado, ali mais expressamente constando que, em caso de condenação, aquele só se extinguirá com a extinção da pena.
8.Desta feita, na sequência do intencional alargamento dos efeitos do termo de identidade e residência para além do trânsito em julgado da sentença condenatória e até à cessação da execução da pena (operado por via da apontada alteração legislativa de 2013) e à míngua de norma que determine outra forma expressa de como efectuar a notificação ao arguido do despacho de conversão proferido ao abrigo do artigo 49.º n.º 1 do Código Penal, não se vê como, existindo termo de identidade e residência validamente prestado nos autos ao abrigo deste novo regime legal, a notificação ao arguido deva processar-se por outra forma que não por aquela para a qual o mesmo foi expressamente advertido: por via postal simples para a morada por si indicada para o efeito;
9. não sendo exigível in casu a respectiva notificação do arguido por contacto pessoal.
10. Pelo exposto e porque em violação do disposto no artigo 49.º do Código Penal e nos artigos 113.º, n.º 1 – alínea c), n.º 3 e n.º 10, 196.º, n.º 2 e n.º 3 – alíneas c), d) e e) e 214.º, n.º 1 – alínea e), todos do Código de Processo Penal, a decisão de fls. 152 a 155, que indefere a promovida notificação do aludido despacho de conversão por via postal simples mediante prova de depósito na morada para o efeito indicada pelo arguido, deve por isso ser revogada e substituída por outra que determine tal forma de notificação.
O arguido não apresentou resposta ao recurso.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Ministério Público junto da 2ªinstância emitiu parecer no sentido do provimento do recurso (fls.52 e 53).
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«A fls.151 veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer fosse o arguido B... notificado do despacho de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária para a morada indicada no TIR, por via simples com prova de depósito, prestado pelo arguido

A questão a decidir e colocada pela Digna Magistrada do Ministério Público é a modalidade da notificação ao arguido do despacho que converte a multa em prisão subsidiária e designadamente se deve ser pessoal ou pode ser efetuada por via postal simples para a morada constante do termo de identidade e residência prestado nos autos.
Cumpre decidir.
Antes de mais importa referir não ser pacífica a jurisprudência nesta matéria, porém das pesquisas efetuadas no estudo aprofundado da questão suscitada (que só veio reforçar a posição que temos vindo a assumir), concluímos ser maioritariamente no sentido de uma exigência processual e constitucional a notificação pessoal do despacho, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 49.° do Código Penal.
Perfilhamos o entendimento de que o despacho proferido, ao abrigo do art. 49° do Código Penal, que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado.
Na verdade, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária ao operar uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efectuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária.
Pelo que aquela notificação, em nosso entendimento, tem que ser pessoal e configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119°, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61°, n° 1, al. b).
Tal garantia apenas pode ser dada através de notificação por contacto pessoal (até pelo paralelismo com o caso do art° 333°, n° 5).
Cumpre ainda referir o seguinte no que respeita ao argumento da douta promoção que antecede e no que respeita á doutrina constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 6/2010, DR n° 99, lª série, de 21 de Maio de 2010, e a sua aplicação ao caso vertente.
Porém, não deve a mesma deve ser transposta para o caso dos autos ainda que controversa e contrária jurisprudência.
Naquele aresto decidiu-se fixar jurisprudência no sentido de que:
"I - Nos termos do n.º9 do artigo 113.° do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.
II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»),
III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.°, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]"
A doutrina fixada neste acórdão não é aplicável ao caso em apreço dado estarem em causa diferentes questões de direito:
Senão vejamos:
Em causa nestes autos estão em causa as formalidades de notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, enquanto aquele aresto versa sobre a notificação ao arguido do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
Não é por isso tal jurisprudência obrigatória no nosso caso.
Acresce que na jurisprudência fixada o entendimento de que a decisão que aplica uma pena de prisão suspensa na sua execução "se traduz em duas condenações: a condenação - imediata - em pena substitutiva de «suspensão da pena de prisão» (artigos 50.° e seguintes do Código Penal) e a condenação, mediata e eventual, em pena de prisão (condicionalmente substituída) ", para concluir que "assim perspectivada a condenação em pena de prisão suspensa, poderá afirmar-se, então, que, na ausência de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar - já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão - a condenação (condicional) em pena de prisão.
Assim sendo, a aplicação do artigo 214.° do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa).
Daí que o termo de identidade e residência e as obrigações dele decorrentes se houvessem de manter relativamente à condenação (condicionalmente substituída) em pena de prisão (até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída)."
Ora, não é possível transpor para o caso "sub judice" a separação da sentença "em parte transitada" e "parte não transitada" porque, como se explica no Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2011, não só a sentença que aplica uma pena de multa "não se pode considerar condicional - o cumprimento da pena, ou seja, o pagamento da multa, não está dependente da verificação de qualquer condição -, como a mesma não está dependente de uma decisão posterior, como acontece no caso de ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, a proferir nos termos do artº. 56°, n.º 1, ou nos termos do artº 57°, n.º 1, ambos do Cód. Penal" porque "o arguido pode pagar a multa ou, não a tendo pago, pode ter bens susceptíveis de penhora e ser instaurada execução para cobrança da mesma.".
Temos assim que a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária deve ser notificado ao arguido por contacto pessoal.
Aliás, com excepções residuais, é esta a jurisprudência reiterada dos Tribunais da Relação (v.g., acórdãos da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2011 e de 29 de Junho de 2011, da Relação de Lisboa de 15 de Setembro de 2011, de 4 de Junho de 2008, da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2011, de 14 de Dezembro de 2011, de 18 de Maio de 2011, de 9 de Março de 2011, de 30 de Março de 2011, de 23 de Fevereiro de 2011, de 19 de Janeiro de 2011 e de 20 de Abril de 2009 e da Relação de Évora de 28 de Fevereiro de 2012, de 25 de Outubro de 2011, de 20 de Janeiro de 2011 e de 22 de Abril de 2008 (todos em www.dgsi.pt) e ainda os acórdãos da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2008 e de 23 de Abril de 2008 e decisão sumária da mesma Relação de 30 de Junho de 2008 (em www.pgdlisboa.pt). Proc. 100/08.9GBMIR-TRC de 09-05-2012, Proc. n4l4/99.7TBCVLRCl, TRC de 25-06-2014, em Anotação ao artigo 49° do CP "Orientações do MP 1. Na reunião de trabalho que teve lugar na PGDL, no dia 25-10-2012, ponderada a questão de saber se a decisão que, proferida ao abrigo do art°49°, n"! do CP, opera a conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser pessoalmente notificada ao arguido, considerou-se ser de perfilhar a orientação que vem sendo, maioritariamente acolhida pela jurisprudência no sentido de que:
1. O despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efectuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária. 2. Assim, tal despacho deve ser notificado pessoalmente ao arguido. Cfr. Ac. TRC de 9-05-2012.
Em idêntico sentido pronunciaram-se, entre inúmeros outros:
- Ac. TRP de 19-01-2011: I. A decisão que, nos termos do art°49° do CP converte a multa em prisão deve ser tanto ao defensor como ao próprio arguido. II. A notificação deve ser efectuada por contacto pessoal, e não por Via postal simples. - Ac. TRE de 20-01-2011: A notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária deve ser-lhe feita pessoalmente.
- Ac. TRL de 15-09-2011: A conversão da pena de multa em prisão subsidiária constitui uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença, que tem de ser notificada pessoalmente ao arguido.
- Ac. TRE de 25-10-2011: I. A notificação ao arguido do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária deve ser-lhe feita pessoalmente. II. Tal notificação não pode ser feita, designadamente, para a morada do arguido constante do TIR, uma vez que este se extinguiu por via da cessação da correlativa medida de coacção, nos termos prevenidos no art°204°, nº1, al. e) do CPP." Ac. TRC de 9-05-2012: 1.0 despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efetuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária.
2. Assim tal despacho deve ser notificado pessoalmente ao arguido.
Ac. TRC de 25-06-2014: 1. O despacho que, ao abrigo do art. 49° do Código Penal, converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado; 2. Estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire, nomeadamente por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar sobre essa possibilidade, querendo; 3. Aquela notificação tem que ser pessoal e configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119°, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61°, n° 1, al. b)."

Em sentido contrário no sentido de dever considerar-se, mesmo à luz do regime anterior à Lei n° 20/20B/ou á luz deste novo regime, que o termo de identidade e residência se mantém válido até à eventual conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária e é admissível a notificação do condenado por via postal na morada indicada nesse termo, podem ver-se, neste sentido, os acórdãos desta Relação de 6 de abril de 2011, proc n° 53/l0.3PBMTS-A.Pl, relatado por Maria do Carmo Silva Dias, e de 2 de maio de 2012, proc n° 426l/07.6TAMTS-APl, relatado por Álvaro Melo, ambos acessíveis in www.dgsi.pt. Em sentido contrário, podem ver-se, porém, os acórdãos, também desta Relação, de 19 de janeiro de 2011, proc n° 662/0S.2GNPRT-APl, relatado por Maria Dolores Silva, e de 9 de março de 2011, proc n° 630/06.7PLMTS-APl, relatado por Moisés Pereira da Silva, no processo 6lS/0S.3GCSTS, de 04-06-2014 relatado por Pedro Vaz Pato também acessíveis in www.dgsi.pt.
**
Requisite CRC atualizado ao arguido e abra vista ao Ministério Público por forma a impulsionar as diligências que se lhe afigurarem pertinentes á localização do arguido.»

Apreciação
O âmbito do recurso está delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
No caso presente, atentas as conclusões apresentadas, a questão trazida à apreciação deste tribunal reconduz-se a saber se pode ter lugar a notificação do arguido por via postal simples, com prova de depósito, do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
O despacho recorrido considera que a notificação ao arguido do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária deve ser pessoal e não por via postal simples com prova de depósito, uma vez que a conversão da pena de multa em prisão subsidiária configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do condenado, o que impõe que a notificação deva se feita através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias. Considera ainda o despacho recorrido que não é aplicável a esta situação a jurisprudência fixada pelo AUJ nº 6/2010 (publicado no Diário da Republica de 21 de maio de 2010), por estarem em causa diferentes questões de direito. De acordo com essa jurisprudência, o condenado em pena de prisão suspensa continua afeto, até ao trânsito em julgado da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção, às obrigações decorrentes da medida de coação de prestação de termo de identidade e residência, entre elas a de as posteriores notificações serem feitas por via postal simples para a morada indicada no TIR, pelo que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão de execução da pena pode assumir tanto a via de contacto pessoal, como a via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, ou a via postal simples, por meio de carta ou aviso (art. 113.º, n.º 1, a), b), c), e d), do C.P.Penal). Subjacente a esta jurisprudência, está o entendimento de que a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução comporta duas decisões, uma primeira que condena na pena substituta de prisão suspensa e que transita em julgado de imediato, e uma segunda, de condenação na pena de prisão efetiva substituída, que fica dependente de um posterior despacho de revogação e não transita em julgado antes desse despacho. Entende o despacho em apreço que esta cisão da sentença em parte transitada e parte não transitada não é aplicável a uma condenação em pena de multa, que não está dependente de qualquer decisão posterior.
A jurisprudência mostra-se dividida quanto a esta questão, tendo-se formado duas correntes. Na enunciação dos argumentos aduzidos por uma e outra corrente jurisprudencial, seguiremos de perto o Ac.R.Porto de 28/9/2016, relatado pelo Desembargador Manuel Soares, proc. 1239/06.0PTPRT-A.P1, que procede a uma síntese das razões aduzidas num e noutro sentido.
A corrente jurisprudencial que defende a necessidade da notificação pessoal do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária [v, entre outros, Ac.R.Porto de 18/5/2011, relatado pela Desembargadora Lígia Figueiredo, in proc. n.º241/10.2PHMTS-A.P1, 9/3/2011, relatado pelo Desembargador Moisés Silva, proc.n.º630/06.7PCMTS-A.P1, 23/2/2011, relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves, proc.n.º18/08.5PHMTS-B.P1] invoca, no essencial, os seguintes argumentos:
- é distinta a natureza da prisão subsidiária e da multa, pelo que a conversão da multa em prisão subsidiária constitui uma modificação essencial da decisão condenatória em momento posterior à sentença.
- o efetivo direito ao recurso, que faz parte das garantias de defesa, é melhor defendido com a notificação pessoal do arguido, única que assegura o conhecimento da decisão.
- a jurisprudência do AUJ nº 6/10 não é aplicável ao caso porque tratou da notificação ao arguido de decisão diferente e porque a cisão, ali defendida, entre uma parte da sentença transitada e outra não transitada, no caso da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não é transponível para a situação da conversão da multa em prisão subsidiária.
- as obrigações do TIR extinguem-se com o trânsito em julgado da sentença[este argumento é anterior à redação da alínea e) do art.196.º n.º 3 e da alínea e) do art. 214.º, n.º 1, ambos do C.Penal, introduzida pela Lei n.º20/2013, de 21/2]. Não pode ficcionar-se que a notificação postal feita para a morada do TIR produziu um efetivo conhecimento da decisão pelo arguido, quando deixaram de subsistir as obrigações de manter a residência e de comunicar as alterações subsequentes.
- as consequências do despacho que converte a multa em prisão subsidiária são mais graves do que várias situações previstas o art.113.º n.º 10 do C.P.Penal em que se exige a notificação pessoal do arguido. Por isso não tem sentido, na harmonia do sistema, entender que neste caso basta uma notificação postal.
Já a jurisprudência que defende ser bastante a notificação postal [v., entre outros, Ac.R.Porto de 6/4/2011, relatado pela Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias, proc. n.º 53/10.3PBMTS-A.P1, 4/6/2014, relatado pelo Desembargador Vaz Pato, in proc. 618/08.3GCSTS-A.P1] invoca os seguintes argumentos:
- a partir da reforma de 2000 do C.P.Penal a notificação postal é a regra prevista para a comunicação dos atos processuais, inclusivamente ao arguido. Essa regra vale tanto durante a pendência do TIR como em momento posterior, porque a lei não distingue e o arguido mantém essa qualidade no processo até ser extinta a pena.
- a pena de multa convertida em prisão não altera a sua natureza de pena principal. O que se executa é sempre a pena principal fixada na sentença, através de uma “sanção de constrangimento”, sendo que a todo o momento o arguido pode fazer cessar a prisão, pagando a multa ou demonstrando impossibilidade de a pagar e pedindo a suspensão da prisão.
- o arguido condenado em pena de multa teve conhecimento pessoal da mesma e sabe as consequências da falta de pagamento. O despacho que determina a aplicação dessas consequências não constitui assim uma modificação superveniente do conteúdo da sentença que tenha de ser levada ao conhecimento pessoal do arguido.
- apesar da extinção dos efeitos do TIR com o trânsito da sentença [este argumento não se utiliza para os casos posteriores às alterações introduzidas pela Lei 20/2013], as prescrições do art.196.º do C.P.Penal que não têm efeitos restritivos nos direitos fundamentais, não constituem medidas de coacção e por isso podem manter-se para além desse momento.
- A partir da revisão de 2000, o arguido é também corresponsável pelo valor da celeridade processual. A notificação postal pressupõe sempre um contacto pessoal prévio, com a constituição de arguido e a prestação do TIR.
Dúvidas não existem que a decisão de conversão da pena de multa em pena de prisão se reveste de particular importância por afetar a liberdade do condenado. «No entanto, também se reveste de igual importância a decisão de revogação da suspensão de uma pena de prisão. E em relação a esta é admissível a notificação por via postal na morada indicada no termo de identidade e residência, à luz da jurisprudência fixada no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2010. Por uma questão de coerência e unidade do sistema jurídico, deve considerar-se aplicável à situação vertente o princípio subjacente a essa jurisprudência. As duas situações são (independentemente da diferente natureza das penas em causa) substancialmente equiparáveis: da mesma forma que numa condenação em pena de prisão suspensa pode distinguir-se entre a condenação na pena suspensa substituta, que transita em julgado de imediato, e a condenação em pena de prisão efetiva, que é eventual e não transita em julgado antes do despacho de revogação dessa suspensão, também numa condenação em pena de multa pode distinguir-se entre essa condenação em si mesma, que transita em julgado de imediato, e a condenação na pena de prisão subsidiária, que é inerente a tal condenação em multa, mas também é virtual e não se torna efetiva antes da conversão dessa multa (e, portanto, não transita em julgado antes dessa conversão).
Assim sendo, deve considerar-se, mesmo à luz do regime anterior à Lei nº 20/2013, que o termo de identidade e residência se mantém válido até à eventual conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária e é admissível a notificação do condenado por via postal na morada indicada nesse termo.» - Ac.R.Porto de 4/6/2014, supracitado. No mesmo sentido, Ac.R.Porto de 27/9/2017, relatado pelo Desembargador Neto de Moura e em que é juíza adjunta a ora relatora, in proc.9126/00.0TDPRT-A.P1.
E se defendemos ser bastante a notificação via postal nos casos em que o TIR prestado é anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º20/2013, por maioria razão assim entendemos para as situações, como a presente, em que o arguido prestou TIR na versão introduzida pela citada Lei.
Nos termos do art.214.º, n.º1, alínea e), do C.P.Penal, na versão introduzida pela Lei n.º20/2013, as medidas de coação extinguem-se de imediato com o trânsito em julgado da sentença condenatória, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena.
Segundo este normativo, as prescrições decorrentes do TIR mantêm-se até à extinção da pena, pelo que as notificações ao arguido, após o trânsito em julgado da sentença, continuam a são feitas por via postal simples para a morada que indicou quando prestou TIR – art.196.º, n.º3, alínea c) do C.P.Penal. Aliás, apesar de se admitir a possibilidade de notificação do arguido por qualquer das modalidades previstas no art. 113º, nº 1, alíneas a) a c) do C.P.Penal (entre as quais se conta o contacto pessoal), a prevista na referida alínea c) é a preferencial, por força das prescrições do referido art. 196º, nº 3, alínea c).
A notificação por via postal simples permite um equilíbrio entre a garantia dos direitos de defesa do arguido e as exigências de eficácia e celeridade da administração da justiça penal. O arguido, que foi advertido de que as suas notificações passarão a ser efetuadas por via postal para a morada indicada no termo de identidade e residência, é exigível, como é sua obrigação em consequência do TIR prestado, que não altere a sua residência sem comunicar essa alteração ao Tribunal. E se não cumpre tal obrigação, só ele é responsável pelo prejuízo que daí lhe advenha [v. Ac.T.C.111/2007 e 17/2010, in www.tribunalconstitucional.pt].
Em conclusão e face ao exposto, procede o recurso, devendo o arguido ser notificado do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, por via postal simples, com prova de depósito.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso procedente, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que ordene a notificação do arguido por via posta simples, com prova de depósito.
Sem custas.
[texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários]

Porto, 13/6/2018
Maria Luísa Arantes
Luís Coimbra