Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1342/16.9JAPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE VIOLAÇÃO
RELAÇÃO DE CONCURSO APARENTE
SUBSIDARIEDADE
Nº do Documento: RP201709271342/16.9JAPRT
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 48/2017, FLS.128-160)
Área Temática: .
Sumário: Ocorrendo factos integradores do crime de violência doméstica e de violação, entre cônjuges e, apesar dos factos integradores deste último revestirem autonomia, indo para além do ambiente de violência doméstica até aí existente – o que justificou a condenação por ambos em concurso real na 1.ª instância - o certo é que a lei, cfr. artigo 152.º/1 C Penal, quis expressamente e criou uma relação de subsidariedade entre ambos, devendo o agente ser punido, pela globalidade dos factos, apenas pelo crime de violação, por ser o mais grave.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. nº 1342/16.9JAPRT
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 1342/16.9JAPRT do Tribunal da Comarca de Comarca do Porto - Vila do Conde - Juízo Central Criminal – Juiz 4 foi julgado o arguido B….

A ofendida C… constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido pedindo por danos não patrimoniais, a quantia de €10.000,00.

Após julgamento por acórdão de 20/4/2017 foi proferida a seguinte decisão:
“Nestes termos julga-se procedente por provada a douta acusação pública e os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo decidem:
A) Condenar o arguido B… pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, dos seguintes crimes:
- um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 2, ambos do Código Penal, encontra-se ainda incurso na sanção (acessória) de proibição de contactos com a vítima e de proibição de uso e porte de armas e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, por força dos nºs 4 e 5 do referido normativo, na pena de 3 (três) anos de prisão; e
- três crimes de violação agravada, p. e p. pelo art.164.º n.º 1 alínea a) e 177.º n.º 1 al. b), ambos do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um.
B) Em cúmulo jurídico, atento o disposto no art. 77º, nº 2 Código Penal, condena-se o arguido na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
C) Mais se condena o arguido, ao abrigo do disposto nos nºs. 4 e 5 do art. 152º do C.P., na sanção acessória de proibição de contactos com a vítima, durante o período de 2 (dois) anos, para cumprir após cumprimento da pena principal, o que inclui, ao abrigo do nº 5 da norma em análise, o afastamento da residência e local de trabalho daquela, o que deverá ser, então, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
D) Mais vai o arguido condenado no pagamento das custas processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.
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Outrossim, julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C… contra o demandado B… e, em consequência, condena-se este a pagar àquela a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, absolvendo-se o mesmo do restante pedido.
Custas por demandante e demandado na proporção do decaimento, sem prejuízo de apoios judiciários concedidos.
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Comunique, de imediato, ao P. nº 231/14.6PIPRT, Porto JL Criminal – Juiz 4, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a presente decisão, com nota de ainda não ter transitado em julgado.
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Após trânsito em julgado, ordena-se:
- a remessa de boletins à D.S.I.C.;
- cópia de decisão à D.G.R.S.;
- passe e entregue os competentes mandados de detenção do arguido para cumprimento de pena.”

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
1- O presente recurso vem interposto do douto acórdão de fis.. que condenou o recorrente B…, na pena única de sete anos e seis meses de prisão efetiva e na sanção acessória de proibição e contatos com a vítima durante dois anos após o cumprimento da pena principal através de meios técnicos à distância.
2- Com o qual não concorda o recorrente, salvo o devido respeito pela decisão proferida entende o recorrente que foi incorretamente julgada a matéria de facto e de direito, as provas produzidas impunham decisão diversa da que sufragou a decisão recorrida, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e erro na apreciação desta, mostrando-se em consequência. violado o disposto no n°2 do artigo 410º do Código de Proc. Penal.
3- Visa-se, com o presente recurso, a reapreciação da prova em matéria de facto e de direito e as provas e meios de prova de que se serviu o Tribunal, para formar a sua convicção que conduziu á condenação do arguido nos crimes de violação agravada, contesta o não uso do princípio “in dúbio pró reo” e o uso indevido da livre apreciação da prova.
4- Quanto à motivação dos factos dados como provados, e com o devido respeito. O recorrente entende que, não se produziu a prova suficiente e necessária para a sua condenação na valoração da prova dos factos dados como provados, que foram baseados unicamente no depoimento da ofendida C… em relação aos três crimes de violação agravada, uma vez que o recorrente não prestou declarações, tendo o seu silêncio o prejudicado e levado à sua condenação.
5- Ao darem-se os factos como provados só com base nesse depoimento em relação aos três crimes de violação agravada, considera o recorrente que a prova é insuficiente para condena-lo pelos crimes de violação agravada nos termos em que se decidiu.
6- No acórdão ora posto em crise, a matéria dada como provada nos pontos 29 ao 41 relativamente aos crimes de violação agravada, salvo melhor opinião, encontra-se erradamente julgada.
7- Com efeito em toda a audiência de julgamento os depoimentos das testemunhas de acusação não lograram demonstrar que o arguido, ora recorrente, tenha praticado os supra referido tipo legal.
8- O Tribunal a quo apenas valorou o depoimento da assistente para dar como provado os pontos atrás referidos, os ílicitos que resultaram provados apenas a assistente os relatou, o arguido remeteu-se ao silêncio e as testemunhas inquiridas não os presenciaram.
9- Ora de todos os depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento, não se vislumbram, salvo o devido respeito, onde é que reside a prova inatacável, segura, para além da toda a dúvida razoável, que possa fundamentar a existência do crime de violação agravada imputável ao arguido.
10- Na perspetiva do ora recorrente, não basta a simples convicção não alicerçada em qualquer prova para fundamentar a condenação do recorrente, apenas nas declarações da assistente, parte interessada, tendo-se decidido contrariamente ao relatório de perícia de natureza sexual de fls. 204 a 207 dos autos, onde se conclui que “ não se observam lesões compatíveis com a suspeita de agressão sexual”.
11- Consequentemente, tendo o douto acórdão se socorrido apenas do depoimento da assistente, padece de insuficiência da prova para a matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art° 410º, n°2, al. a) e c) do CPP.
12- Pelo que, tais factos (pontos 29 a 41) deveriam ter sido dados como não provados e o ora recorrente ser deles absolvido, pelo que se impugna a prova nos termos e para os efeitos do art° 412° do CPP., por inexistir prova que possa fundamentar a condenação do ora recorrente pelos factos descritos na matéria de facto dada como provada.
13- Tendo em conta a análise crítica da prova feita pelo Tribunal recorrido constata-se que os factos que ora se impugnam foram dados como provados unicamente com base nas declarações da assistente, que se mostraram contraditórias, quando lhe foram lidos os factos relacionados com a violação agravada constantes da douta acusação na audiência de julgamento e lhe foi perguntado se isso era verdade a assistente respondeu “sim senhor”. Não conseguiu referir as datas em que as outras duas situações aconteceram, tendo referido primeiro que só foi uma vez depois de ser operada e posteriormente, quando lhe perguntado se as outras duas vezes foram depois da operação disse "sim, depois”.(cf. minutos 34:21 a 37:51 declarações da assistente). Foi - lhe perguntado pelo seu advogado de defesa se a primeira vez que o arguido a violou foi passado uma semana, 15 dias, se conseguia assim ou não lembra,?
E a assistente respondeu: /ai passado 15 dias de eu ser operada. E a segunda recorda - se? Ele queria quase todos os dias. Ele tentava todos os dias ou quase todos os dias? Sim. E usava a força? Sim. E nessas vezes todas que tentava não se limitava a pedir? Ele voltava a pedir e se eu não deixasse ele ameaçava - me. Ameaçava - a e chegava a vias de facto? Com agressões 011 não? Não, agressões não, era só palavras. Era só palavras, aconteceu três vezes? Sim «E minutos 37:51 a 40:18 declarações da assistente) gravação do CD …………………………..
14- Verifica-se na fundamentação do douto acórdão recorrido, sobre a escolha e quais os meios de prova determinantes, para a condenação do ora recorrente quanto aos factos pelos quais veio a ser condenado pelos crimes de violação agravada, baseando-se unicamente nas declarações da assistente e contra o relatório de pericial constante dos autos, contra as normas processuais penais e constitucionais, tendo o Tribunal decidido, contra o princípio in dúbio pro reo, violando o art° 164 do CPP e art° 32 n°2 da CRP.
15- No entender do recorrente, este deveria ter sido absolvido quanto a esses factos
porquanto, as declarações da assistente, tal prova, não é suficiente para, só por si, alicerçar a sua condenação, havendo inexistência de prova, deveria o Tribunal recorrido ter feito funcionar o princípio in dúbio pro reo, desembocando, na absolvição do recorrente da prática dos crimes de violação agravada, atenta a insuficiência da prova testemunhal e documental produzida em sede de Audiência e Julgamento quanto aos factos concretamente vertidos na acusação.
16- O douto acórdão enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, foram incorretamente julgados os pontos de facto dados como provados nos pontos 29 a 41 da fundamentação do mesmo, foi violado o princípio da livre apreciação da prova nos termos do art° 127 do CPP e o princípio do in dúbio pro reo, o recorrente deve ser absolvido.
17- Não resulta do douto acórdão recorrido prova suficiente e necessária para a condenação do recorrente no tipo legal violação agravada, pelo que deverá improceder a acusação nessa parte.
18- Não resulta do douto acórdão recorrido prova suficiente e necessária para a condenação do arguido no tipo legal violação agravada, certo é que o Tribunal a quo se baseou unicamente nas declarações da assistente, nitidamente parcial por ter interesse na condenação do arguido, para prova dos factos alegadamente ocorridos em 24 de abril de 2016 e os outros em dias não concretamente apurados.
19- Dos depoimentos das testemunhas de acusação nenhuma delas testemunhou os factos imputados ao arguido na douta acusação por não terem presenciado, facto confirmado pelas declarações da assistente.
20- A luz do principio da investigação ou da verdade material todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraidos à dúvida razoável do Tribunal, também não podem considerar-se corno provados, mas se o principio da investigação, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum desfavorecer a posição do arguido, na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.
21- Ora. relativamente aos crimes de violação agravada alegadamente praticados pelo arguido atenta a insuficiência de prova testemunhal ou outra produzida em sede de audiência e julgamento. sobre os factos vertidos na acusação ocorridos em dias não concretamente apurados. usando a força agressões e ameaças, e quando a própria assistente nas suas declarações as confirma e passados alguns minutos, conforme consta da transcrição de parte do seu depoimento, alega que não a ameaçava, nem a agredia eram só palavras e que aconteceu nas três vezes, salvo melhor opinião, e no entender do recorrente há contradição nas suas declarações, que levantam dúvidas sobre se os factos terão acontecido nessas circunstâncias e assim teria necessariamente que levar o Tribunal a quo a decidir pela absolvição do arguido por referencia ao principio “in dúbio pro reo”.
22- Houve uma incorreta aplicação do direito, aplicou-se o art° 164 n° 1 al. a) e 177° n° 1 al. b) ambos do Código Penal, para condenar o arguido quando este deveria ter sido absolvido por não ter violado o referido preceito legal.
23- há insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do arguido e erro notório na apreciação da prova por confronto dos factos com o depoimento e documento dados como provados a conclusão lógica é a absolvição do arguido recorrente.
24- Considera-se que neste caso não houve um exame crítico dos meios de prova, sendo nula a sentença por violação do princípio in dúbio pro reo.
25- Com base nos factos dados como provados entende o recorrente, com o devido respeito, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi submetida a uma análise crítica como impõe as regras de experiencia. tendo ocorrido erro notório na interpretação da prova erro de julgamento e ocorreu omissão das menções referidas no artigo 374° n° 2 do C.P.P: e violação do principio da investigação da verdade material - artigo 379° n° 1 al. a) e e) do mesmo diploma.
26- Porém e porque não foi isso que aconteceu, o acórdão encontra-se inquinado pelo vício do Art° 410º, n°2, al. a) - uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se nos afigura que resulta do texto da douta decisão que tal condenação nunca poderia ter sido decidida com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos.
27- Pelo que se impõe tal alteração, por insuficiência de prova, a versão acolhida pelo Tribunal a quo e valorada, quanto ao sucedido, é a versão da assistente, contrariando todas a regras de experiência comum, o tribunal não valorou a falta de produção de prova, para efeitos de condenação do arguido, considera, o recorrente, que a pena é desmedida na medida concreta da pena a si aplicada, por entender que a absolvição seria correta.
28- Pelo atrás exposto, consideramos que, o arguido deveria ter sido absolvido, em
obediência ao princípio em “in dúbio pro reo”, quanto aos crimes de violação agravada, considerando ter existido o vício previsto no art° 4100, n°2, ai. a) e c), e o desrespeito pelo art° 32, n° 2 da CRP, e má aplicação do princípio da livre apreciação da prova, prevista no art° 127° do CPP.
29- Por outro lado, no entender do recorrente não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de violação agravada imputada ao recorrente nos termos do art° 164 do Código Penal, uma vez que, não se provou que o arguido tenha exercido a força fisica sobre a assistente e os elementos típicos da agravação penal nos termos do n° 2 do Código Penal.
30- Pelo que a douta decisão recorrida errou na interpretação da matéria de facto e na aplicação do direito a essa factualidade, ao considerar que a conduta do arguido integrava a prática de um crime de violência agravada.
31- Considera, ainda, o recorrente que face ao circunstancialismo apurado em relação ao crime de violência doméstica agravada é excessiva a pena que lhe foi aplicada, (três anos de prisão) é uma pena desajustada e desproporcionada, atendendo às condições da sua vida relatadas no relatório social junto aos autos, o Tribunal poderia e deveria ter aplicado uma pena inferior, que permitisse ao arguido a sua ressocialização e reinserção social.
32- Assim, deve a douta decisão ser impugnada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido pelo crime de violação agravada e redução da pena em relação ao crime de violência doméstica.
33- E caso assim não se entenda, ao aceitar-se tal decisão, atendendo ao grau de culpa, às exigências de prevenção, à idade do arguido no momento da prática dos mesmos, ao seu alcoolismo, considerando, em conjunto os factos e a personalidade do arguido, as penas concretas aplicadas deveriam ter sido inferiores, aplicando-se os limites mínimos das molduras penais.
34- Assim, deve o douto acórdão ser impugnado ser substituído por outro que determine a absolvição do arguido pelos crimes de violação agravada e a pena única reduzida, como se pede, e que se apresenta ajustada e equilibrada.

O MºPº respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do acórdão recorrido (transcrição):
“2 - Fundamentação
2.1. Os factos provados
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1) A vítima/assistente C… e o arguido casaram em 5 de Setembro de 2014, tendo fixado residência na Rua …, …, …. - … Matosinhos, local onde sucederam os factos que de seguida se descrevem.
2) Já antes (desde o início do ano de 2014), que viviam em comunhão de leito, mesa e habitação (união de facto), no mesmo local.
3) Nas pausas escolares, feriados e fins-de-semana também ali residiam os filhos da vítima/assistente, de uma sua anterior relação: D…, E… e F…, nascidos a ..-02-1997, ..-09-1998 e ..-04-2001, respectivamente.
4) Desde o início da referida união (primórdios do ano de 2014) e até que a vítima/assistente abandonou a referida residência, a 28 de Abril de 2016, que o arguido, devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, agredia aquela mediante bofetadas, murros e pontapés que a atingiam nas mais diversas partes do corpo tais como face, tronco e membros superiores e inferiores.
5) Desta conduta do arguido resultaram para a vítima/assistente hematomas e dores.
6) A frequência da referida actuação foi variando ao longo do tempo, tendo chegado a ser diária.
7) Ademais, nessas e noutras ocasiões, dirigia-lhe as seguintes expressões aos berros: “Sua vaca! Sua cabra! Sua puta! Queres-me pôr fora de casa para receber velhos! És uma bêbada! Andas com amantes! Olha que levas! Dou-te já! Desfaço-te!”.
8) De entre os múltiplos episódios de agressão física e verbal contam-se os seguintes:
9) No dia 24 de Junho de 2014, pela 01H00, no interior da referida residência, o arguido desferiu vários murros na vítima/assistente atingindo-a em diferentes partes do corpo, em especial membros inferiores e superiores.
10) Da referida conduta do arguido resultaram para a vítima/assistente hematomas nas referidas zonas do corpo, para além das dores que sentiu.
11) No dia 25 de Julho de 2014, pelas 00H30, o arguido chegou à referida residência comum do casal após ter consumido bebidas alcoólicas em excesso e direccionou as seguintes expressões à vítima/assistente, aos gritos: “Tu és uma puta! Já trabalhaste numa casa de putas! Tens uma série de amantes! No teu trabalho é tudo uma corja de paneleiros! Tens algum amante e por isso é que queres sair de casa! Desaparece de casa! Olha que eu bato-te!”
12) De seguida, desferiu-lhe uma bofetada na cara com uma força tal que a projectou para o chão.
13) Acto contínuo, agarrou-a pelos braços, empurrou-a e desferiu-lhe um soco no peito.
14) Da referida conduta do arguido resultaram para a vítima/assistente hematomas nas referidas zonas do corpo, para além das dores que sentiu.
15) No dia 14 de Dezembro de 2014, na referida residência comum do casal, o arguido, após ter consumido bebidas alcoólicas em excesso, desferiu vários murros na vítima/assistente atingindo na face, na zona dos olhos.
16) De seguida lançou-a ao chão e desferiu-lhe vários pontapés atingindo-a na zona do tronco e membros superiores.
17) Da referida conduta do arguido resultaram para a vítima/assistente as lesões descritas no relatório de avaliação de dano corporal de fls. 19-21 do Apenso C que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e por razões de economia processual designadamente: face: na região orbitária apresenta uma equimose de coloração arroxeada que acomete as pálpebras superior e inferior, condicionando edema da inferior, com 4,5 cm por 3 cm de maiores dimensões, sem limitação na abertura palpebral; na pálpebra inferior esquerda apresenta uma equimose de coloração arroxeada, com 3 cm por 1 cm de maiores dimensões; tórax: na região anterior do hemitórax esquerdo apresenta uma equimose de coloração acastanhada, de bordos mal definidos, com dimensões máximas de 4 cm por 1,5 cm; na região anterior do hemotórax direito apresenta uma equimose de cor acastanhada, ténue, de bordos mal definidos, com dimensões máximas de 5 cm por 1, 5 cm; membro superior direito: na face posterior do terço médio do braço apresenta uma equimose de coloração esverdeada, com 13 cm por 10 cm de maiores dimensões.
18) Necessitou de tratamento médico que lhe foi prestado no Hospital G….
19) Oito dias mais tarde, a vítima ainda não se conseguia levantar da cama devido à descrita conduta do arguido.
20) Por diversas vezes foi solicitada a presença policial no local.
21) Na semana compreendida entre o dia 07 de Março de 2016 e o dia 11 de Março de 2016, o arguido, na sequência de uma discussão, desferiu um pontapé no lado esquerdo da face vítima/assistente, bem como lhe arremessou uma chave de fendas, atingindo-a na cabeça.
22) Da referida agressão do arguido resultaram para a vítima hematomas nas referidas partes do corpo, para além das dores que sentiu.
23) No dia 14 de Março de 2016, pelas 19H00, o arguido chegou a casa alcoolizado e até às 02H00 do dia seguinte dirigiu repetidamente as seguintes expressões à vítima/assistente: “Sua vaca! Sua cabra! Sua puta! Queres-me por fora de casa para receber velhos! És uma bêbada! Andas com amantes! Olha que levas! Dou-te já! Desfaço-te! ”.
24) No dia 15 de Março de 2016, pelas 02H00, no interior da referida habitação, o arguido empunhando uma faca e um alicate dizia à vítima/assistente: “Vou cortar o cilindro!”.
25) No mesmo dia, pelas 10H00, no interior do “Habita” sita na Rua … - Matosinhos, o arguido, após seguir a vítima/assistente até ao mencionado local, dirigiu-lhe as seguintes expressões: “Olha que tu levas! Dou-te já!”.
26) Minutos mais tarde, voltou a perseguir a vítima/assistente, desta feita até à Câmara Municipal de Matosinhos, onde lhe retirou o guarda-chuva da mão, levantando-a na direcção daquela, ao mesmo tempo que lhe dizia: “olha que eu dou-te!”
27) O arguido só parou mediante a intervenção de elementos da Polícia Municipal, que se encontravam próximos do local.
28) Nessa noite a vítima foi obrigada a dormir na residência de um familiar a fim de evitar ser agredida da descrita forma pelo arguido.
29) No dia 24 de Abril de 2016, cerca das 15H00, a vítima/assistente encontrava-se no sofá a descansar, altura em que o arguido lhe pediu para terem relações sexuais, ao que aquela recusou.
30) Foi então que o arguido, insatisfeito com tal recusa, se abeirou da vítima/assistente, puxou-lhe os cabelos e agarrou-a pelos braços e pernas, arrastando-a para o quarto do casal.
31) Nesse local e apesar de a vítima/assistente lhe ter dito que não queria manter com ele relações de cópula completa, afastando-o e mordendo-o, o arguido apertou-lhe o pescoço, desferiu-lhe um soco atingindo-a na sobrancelha e segurou-lhe as mãos com força.
32) De seguida, e na posição de pé, o arguido exigiu que a vítima/assistente se despisse (o que foi acatado por esta por temer ser novamente agredida), e despiu-se também.
33) Acto contínuo, obrigou-a a deitar-se na cama ficando a vítima/assistente de lado e colocando-se o arguido por detrás dela, penetrando o seu pénis erecto na vagina, sem preservativo, efectuando movimentos de vai e vem, típicos de cópula, até ejacular dentro daquela, sem uso de preservativo.
34) Durante o referido acto sexual a vítima sentiu dor.
35) O arguido ainda tentou que a vítima mantivesse consigo coito oral e anal, ao que esta recusou, decisão que foi acatada por aquele.
36) Da referida conduta do arguido resultaram para vítima lesões na mão (dedo mindinho) e face (sobrancelha esquerda), para além das dores que sentiu.
37) O arguido após este acto deteve na sua posse o telemóvel da vítima a fim de que a mesma não pudesse pedir ajuda.
38) Após lhe entregar o referido objecto, proibiu-a de fazer telefonemas.
39) Já em duas outras ocasiões anteriores, entre 17 de Fevereiro de 2016 e a referida data (24 de Abril de 2016), em dias não concretamente apurados, que o arguido havia mantido relações sexuais de cópula completa com a vítima/assistente, com a oposição verbal e corporal desta, que lhe pedia para parar, ao mesmo tempo que o empurrava, com o intuito de o afastar.
40) Nessas ocasiões, o arguido, após ordenar à vítima/assistente que despisse toda a sua roupa, manietou-a, usando a sua força física bastante superior à dela, agarrou-lhe as pernas e abriu-as, pegou no pénis erecto, encostou-o à vagina, empurrou-o e penetrou-a várias e repetidas vezes à força contra a vontade daquela, magoando-a, em movimentos constantes e rápidos até ejacular no seu interior, sem uso de preservativo.
41) Ao mesmo tempo que, nas três referidas situações, o arguido actuava da forma supra descrita, dirigia à vítima/assistente as seguintes expressões: “sua vaca! Sua cabra! sua puta!”.
42) No dia 28 de Abril de 2016 a vítima/assistente viu-se obrigada a ingressar numa Casa Abrigo, a fim de se proteger da descrita actuação do arguido, onde se mantém até à presente data.
43) Bem sabia o arguido que ao comportar-se da forma descrita relativamente à vítima/assistente, a submetia a um grande sofrimento psíquico, um enorme medo e inquietação, resultados estes que o arguido quis produzir e que efectivamente se verificou.
44) O arguido, ao apelidar a vítima/assistente com os vocábulos acima transcritos e ao dirigir-se a ela do modo atrás descrito, ofendeu a sua honra, atentando contra o bom-nome e sensibilidade daquela, e provocando-lhes maus-tratos psicológicos.
45) Do mesmo modo, ao dirigir-se as demais expressões supra referidas, pretendia intimidar e perturbar o seu sentimento de segurança, o que conseguiu.
46) O arguido quis ainda infligir maus-tratos físicos à vítima, querendo causar-lhe as lesões supra descritas e dores verificadas.
47) Mais sabia que, ao actuar dentro da residência comum do casal, ampliava o sentimento de receio da vítima, visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal e o seu carácter securitário.
48) Ademais, agiu o arguido com o propósito concretizado de, pela actuação supra descrita, manter com a vítima/assistente a prática de acto sexual de cópula completa, contra a vontade desta e pondo em causa a sua liberdade sexual, o que representou.
49) Não se coibiu de, para o efeito, usar da descrita força física contra ela, querendo provocar as lesões e dores acima mencionadas, o que representou.
50) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que toda a sua conduta, supra descrita, era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou, quanto ao pedido cível da assistente C…, que:
51) em consequência de todos os factos acima descritos a assistente vive em inquietação, tristeza e receio de ser abordada pelo arguido, ainda hoje tendo dificuldade em dormir, em conseguir descansar e ter uma vida normal.

Mais se apurou, quanto às condições pessoais do arguido:

52) Que B… é o mais novo de dois irmãos, proveniente de núcleo familiar … – Aveiro, de origem socioeconómica humilde e ligados ao mar/à actividade piscatória.
O processo de desenvolvimento psicoemocional do arguido e irmãos decorreu num contexto familiar aparentemente disfuncional, marcado pela ausência regular e prolongada do progenitor – pescador de … – e pelo consumo abusivo de substâncias etílicas, partilhado pela mulher e que se agudizou após a morte do marido, na sequência de doença prolongada, que o manteve acamado durante vários anos. Este quadro determinou, igualmente, uma situação socioeconomica extremamente carenciada, tanto mais que a família mais alargada também não dispunha de capacidade para os apoiar financeiramente.
O falecimento do pai revelou-se determinante no percurso de B…: tinha, apenas, cerca de 8 anos de idade aquando da morte daquele, circunstância que não lhe terá permitido, sequer, a frequência do ensino básico, pressionado pela necessidade premente de prover, de alguma forma, à subsistência do núcleo familiar. Iniciou, assim, precocemente, a ocupação de pescador, actividade que sempre manteve, embora com algumas incursões na área da construção civil e outras, em época muito posterior.
A progenitora estabeleceu, posteriormente, nova ligação afectiva, sem vivência conjugal, da qual nasceu o irmão mais novo do arguido. A progenitora faleceu há aproximadamente 16/17 anos, na sequência de um incêndio no seu domicílio, provocado por uma vela esquecida, encontrando-se naquele momento temporal etilizada. B…, apesar das suas tentativas para a salvar, conseguiu, apenas, resgatar o irmão mais novo.
B…, durante vários anos trabalhou, tal como o pai, para a empresa de pesca “H…”, na recolha de bacalhau, na Terra Nova; após o abate do navio onde laborava, dedicou-se à apanha de berbigão, até ao momento em que o ministério competente proibiu tal actividade.
Em 2002/2003, instado por um colega residente em Matosinhos, com quem já colaborava na …, tomou a decisão de vir viver para a zona do Porto, oferecendo-lhe o amigo apoio, em termos de alojamento e refeições.
Em 2005, passou a viver com I…, relação inicialmente equilibrada, todavia, a integração do descendente da companheira no agregado familiar, já com uma situação económica deficitária, agravou-se com a chegada do novo elemento. Esta e outras circunstâncias levaram a uma agudização exponencial dos conflitos familiares e para o desencadear de um quadro de violência doméstica que veio a determinar a constituição de B… como arguido no âmbito do processo n.º 418/07.8PSPRT, do extinto 2º Juízo – 1ª Secção dos Juízos Criminais do Porto, no qual foi condenado pela prática de crime de violência doméstica, na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução, subordinada a regime de prova e à integração no Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), com trânsito em julgado em 01.03.2010 e a qual foi declarada extinta, em 10.04.13, pelo cumprimento rigoroso e responsável de todas as componentes do Programa para Agressores, que apontavam para uma evolução positiva.
Em 2010, reencontra C…, que conhecera, há alguns anos, através de I… e encetam uma relação de namoro, mais tarde de coabitação (em Matosinhos, local de residência de C… e actual morada do arguido – constante nos presentes autos), tendo em 2014, constituído matrimónio, relação que perdura na actualidade. Na sequência desta união surgem novos episódios de conflituosidade com a ex-companheira que culminaram em novo confronto judicial.
B… mantém contexto sócio-residencial na morada constante nos presentes autos com a ofendida, a qual regressou ao seu domicílio, em Julho do ano transato. Residem em fracção habitacional de tipologia 4, anteriormente ocupado pela mãe de C… – entretanto falecida – inserida no complexo municipal habitacional …, globalmente conotado com problemática de exclusão social e criminalidade.
As dinâmicas conjugais são pautadas por padrões de funcionamento disruptivos, associados a consumos abusivos de substâncias etílicas. O arguido tende a assumir um papel activador do conflito, ainda que apresente, face ao mesmo e ao consumo de álcool, uma atitude de negação. B… tem vindo a revelar sérias dificuldades na assunção das suas responsabilidades, quer ao nível das interacções conjugais, efectuando atribuições a factores externos, designadamente à mulher, estruturas intervenientes e à rede vicinal.
Dos três filhos de C…, dois encontram-se institucionalizados na “J…”, em Matosinhos. Poderiam ir a casa aos fins-de-semana, mas não têm efectuado essas visitas periódicas, procurando evitar imiscuir-se nos conflitos descritos, os quais vivenciam de forma penosa.
Em 26.04.16, a ofendida foi orientada para vaga de acolhimento em Centro de Emergência de Apoio à Vitima.
Apesar de frequentar as consultas na Unidade de Alcoologia do Porto, B… não se encontra investido no processo terapêutico em curso, o que se traduz pelas ausências às consultas entre Maio a Dezembro de 2016 e pelo reduzido cumprimento da terapêutica instituída. B… efectuou tentativas anteriores de tratamento a esta problemática tendo recaído no comportamento aditivo.
O arguido registou um curto período de actividade profissional, entre 17.03.16 e 30.09.16, durante o qual manteve funções de jardinagem, na empresa K…, tendo alegado que, devido àquele enquadramento laboral, reduziu a frequência às consultas programadas pela unidade de Alcoologia e os consumos de substâncias etílicas. Desde 07.11.16 que se encontra inscrito no Centro de Emprego de …, sem qualquer estruturação quotidiana.
Na actualidade, a subsistência do agregado familiar tem vindo a ser assegurada pela prestação subsidiária de desemprego social, no montante de €330, atribuídos ao arguido e pelos trabalhos de cariz esporádicos, recentemente iniciados pela ofendida a um casal de idosos, residentes na proximidade. Apresentam como dispêndios mensais mais significativos a locação do espaço habitacional, consumos domésticos, os gastos alimentares e com substâncias etílicas.
No contexto sócio-residencial, B… não beneficia de imagem positiva.
B… não está perante o seu primeiro confronto com o sistema de administração de Justiça Penal. As anteriores condenações pela mesma natureza criminal, associadas à reduzida censurabilidade do arguido, às atribuições a factores externos às suas responsabilidades, revelam que o arguido denota reduzida consciência crítica relativa ao quadro em apreço.
B…, no âmbito do processo 231/14.6PIPRT, foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, com trânsito em julgado em 09.04.15 e com termo previsto para 09.10. 17. No decurso do acompanhamento foi remetido, em Maio de 2016, relatório de incumprimento, no qual foi reportada a factualidade subjacente aos presentes autos. Apesar de B… comparecer às entrevistas agendadas e às consultas na Unidade de Alcoologia do Porto, o mesmo denotou estar insuficientemente mobilizado e investido para a alteração do seu padrão de funcionamento comportamental.
Em conclusão, o percurso vivencial de B… mostra-se marcado por um conjunto de circunstâncias fortemente promotoras de disfuncionalidade: a morte precoce do progenitor, a severa carência económica, o alcoolismo familiar generalizado, a falta de competências maternas para assumir a condução do processo educativo dos menores e a ausência de escolaridade, que parecem ter contribuído para um padrão de funcionamento comportamental maioritariamente desajustado, sem cabal percepção do mesmo, com alguma incapacidade para um funcionamento pessoal e social normativamente adaptado.
Em 2005, manteve vivência em comum, relacionamento pautado por dimensões disruptivas e que culminou, em momentos temporais distintos, com duas confrontações com o sistema de administração de Justiça Penal, encontrando-se na actualidade a decorrer o acompanhamento, no âmbito do processo 231/14.6PIPRT, tendo sido reportada a factualidade subjacente aos presentes autos.
Em 2010, encetou relacionamento de namoro com a ofendida nos presentes autos, com a qual em 2014, constituiu matrimónio, relação que na actualidade perdura, tendo a mesma, em Julho do ano transacto, regressado ao seu domicílio e à vivência em comum. As dinâmicas conjugais são perturbadas pelos consumos abusivos de substâncias etílicas, com maior protagonismo por parte do arguido.
B… apresenta uma postura de negação, quer ao nível dos consumos de álcool, quer da assunção das suas responsabilidades, efectuando atribuições a factores externos.

53) O arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:
Por decisão datada de 21/01/1999, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa - P. nº 117/97, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja.
Por decisão datada de 26/11/1999, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de prisão suspensa na sua execução - P. nº 226/99, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja.
Por decisão datada de 29/06/2004, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa - P. nº 316/04.7GAETR, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja.
Por decisão datada de 02/11/2004, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ameaça, um crime de difamação, em pena única de prisão suspensa - P. nº 274/03.5GAETR, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja.
Por decisão datada de 15/01/2010, transitada em julgado em 01/03/2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152, nº 1, al. b) e nº 2, do C.P., na pena de 3 anos de prisão suspensa por 3 anos, com regime de prova - P. nº 418/07.8PSPRT, da 1ª secção, do 2º Juízo Criminal do Porto. Esta pena foi já declarada extinta.
Por decisão datada de 09/04/2015, transitada em julgado em 11/05/2015, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152, nº 1, al. b) e nº 2, do C.P., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses, com regime de prova - P. nº 231/14.6PIPRT, Porto JL Criminal – Juiz 4, Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
*
Improcede assim esta questão.

Subsequentemente invoca o arguido a violação do princípio in dubio pro reo, vicio este que deve ser tratado como erro notório na apreciação da prova (cf. Paulo Albuquerque, Comentário do Cód. Proc. Penal, Ucp, 2009, 3ªed. pág. 1094 “ violação do principio in dúbio pro reo é uma das formas que pode revestir o erro notório na apreciação da prova.” ) como modo para a alteração da matéria de facto.
Tal princípio in dubio pro reo, (como corolário do principio da livre apreciação da prova), ínsito no princípio da inocência do arguido, verifica-se quando o tribunal opta por decidir, na dúvida, contra o arguido – cf. Ac STJ 19/11/97, BMJ, 471.º-115, e STJ 10/1/08 in www.dgsi.pt/jstj Proc. nº 07P4198 no qual se expressa que: “IV- Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu – «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, pág. 13)». E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo...”. cf. ainda na fase recursiva Ac. STJ 17/4/08 www.dgsi.pt/jstj proc. 08P823;
Donde haverá violação do principio in dubio pro reo se for manifesto que o julgador, perante uma duvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece ou quando, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido duvidas, da analise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiencia e das regras e princípios em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter (Ac. S TJ 27/5/2010, 15/7/2008, www.dgsi.pt, Ac RP 22/6/2011, 17/11/2010, 2/12/2009 e 11/1/2006 www.dgsi.pt)
Ora vista a decisão em lado algum se demonstra que o tribunal na dúvida, optou por decidir contra o arguido ou que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao mesmo (Ac. do STJ de 27/5/1998, BMJ nº 477, 303), pelo que não se vislumbra a ocorrência de tal vício ou erro (que teria de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiencia), sendo certo que a dúvida que possibilita a aplicação do princípio in dubio pro reo, é uma dúvida insanável: por não ter sido possível ultrapassar o estado de incerteza após aplicação de todo o empenho e diligência no esclarecimento dos factos; dúvida razoável: sendo uma dúvida séria, racional e argumentada; e dúvida objectivável: porque justificável perante terceiros excluindo as dúvidas arbitrárias ou as meras conjecturas ou suposições), o que não ocorreu no presente caso por parte do tribunal, sendo que como expressa o Ac. R.P. 29/4/2009 proc. 89/06.9PAVCD.P1 “ … o princípio in dubio pro reo é, … uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido”, pelo que e citando o ac STJ de 8/1/2014 www.dgsi.pt/ “Se a decisão recorrida não manifestou qualquer incerteza, nem qualquer dúvida acerca das condenações impostas aos arguidos, o tribunal não decidiu “in malam partem” não se verificando violação do dito princípio”.
Ora o arguido invoca tal vício por em seu entender a prova ser insuficiente para o facto (crimes de violação) pelo que devia gerar a dúvida, que como vimos não ocorre, e não existindo essa dúvida, por esta via também não é possível alterar a matéria de facto.
Improcede assim esta questão.

- Preenchimento dos elementos do tipo de violação agravada (ausência de força física e elemento típico agravativo)
Alega o recorrente que inexiste o crime de violação agravada pois “não se provou que o arguido tenha exercido a força física sobre a assistente e os elementos típicos da agravação penal nos termos do n° 2 do Código Penal” no que fica sem se saber a que normativo se refere este nº 2 dado que o arguido vem acusado no que respeita aos crimes de violação pelas normas dos arts.164.º n.º 1 alínea a) e 177.º n.º 1 al. b), ambos do Código Penal.
Diz-se no acórdão:
“Reza assim o citado art. 164º, sob a epígrafe “Violação”, no seu nº 1, al. a), do Código Penal:
«1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; (…) é punido com pena de prisão de três a dez anos.»
Por sua vez, reza assim o art. 177º, sob a epígrafe “Agravação”, no seu nº 1, al. b), do mesmo diploma legal:
«1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
(…)
b) Se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.»
No crime de violação, previsto no art. 164.º do Cód. Penal, está em causa a liberdade sexual, a auto-conformação da vida e prática sexuais da pessoa, afrontada pelo constrangimento daquela a suportar ou praticar os actos descritos nos seus n.ºs 1 e 2.
Como na totalidade dos crimes do capítulo V do Código Penal, o bem jurídico protegido, no crime de violação, é o da liberdade de determinação sexual da vítima, e da auto-conformação da vida e das práticas sexuais da pessoa: este é o conceito superior a que todos os outros se submetem e de que participam essencialmente.
Em sede geral, cada pessoa (adulta) tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao parceiro, com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este nelas consintam.
Em se tratando de actos sexuais levados a cabo com menores, está em causa, além daquela liberdade, embora latente, enquanto direito de personalidade em formação, o direito ao seu livre desenvolvimento físico e psíquico.
Se e quando esta liberdade for lesada de forma importante, a intervenção penal encontra-se legitimada e, mais do que isso, toma-se necessária.
A liberdade sexual decorre do direito do indivíduo a dispor do seu corpo, parte integrante da sua autonomia pessoal; a liberdade sexual é ainda um elemento fundamental do direito à intimidade e vida privada.
A sexualidade é, para Daniel Borrilo, apresentada como o “locus” privilegiado da autonomia da vontade do ser humano. Daí que, no que à sexualidade diz respeito, se assista a uma, cada vez maior, tendência no sentido de limitar a intervenção penal.
Aliás, uma das proposições político-criminais fundamentais de maior actualidade é a de que o direito penal é um direito de tutela subsidiária de substratos de interesses socialmente relevantes e como tal juridicamente reconhecidos, intimamente associado aos princípios de intervenção mínima e intervenção subsidiária do Estado, ou seja assente na ideia de que o Estado deve interferir o mínimo possível nos direitos e liberdades das pessoas e que só está autorizado a fazê-lo como ultima ratio da política social.
Ou dito de outra forma, “O direito penal deve intervir para regular a vida em ordem à protecção da pessoa, dos seus direitos e liberdades, mas respeitando sempre o livre arbítrio do cidadão”.
Daí que este ramo do direito não deva tutelar valores morais ou de uma qualquer moral.
Considerando a evolução das proposições político-criminais, os crimes sexuais foram sofrendo profundas alterações ao nível de conceitos, interesses a proteger e penas, passando a ser configurados como crimes contra as pessoas e não como crimes contra os sentimentos comunitários de moralidade sexual [crimes contra a honestidade e os costumes (CP de 1852 e CP 1886), contra os valores e interesses da vida em sociedade (CP 1982), protecção da liberdade e autodeterminação sexual (revisão de 1995)].
No que especialmente respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou “o uso de violência” como uma das formas de execução da acção.
O tipo objectivo de ilícito no crime de violação consiste em o agente constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral, por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir.
A conduta típica traduz-se assim num acto de coacção imediatamente dirigido à prática, activa ou passiva, de um acto sexual de relevo (no caso a cópula).
A coacção é pois aqui especializada através da sua finalidade, tendo de existir entre ela e o acto sexual – a cópula -, uma relação meio/fim.
Típica não é por isso a coacção a que simplesmente se siga um acto sexual. A expressão “para esse fim” utilizada no preceito em análise vale para todos os meios de constrangimento e não apenas para o de tornar a vítima inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir. Quando se exige que o acto de coacção vise imediatamente o acto sexual não deve todavia esta exigência ser entendida em sentido temporal, mas intencional: valoriza-se a violência que é exercida em função de um desiderato, que é o de “manietar” a vítima, reduzir-lhe o seu campo de acção e de força.
Meio típico de coacção é pois, antes de tudo, a violência, e no contexto do art. 164°, apenas o uso da força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada.
Assim, já o Código Penal de 1852 dispunha no seu artigo 394º: “Aquelle que tiver cópula illicita com uma mulher, posto que não seja menor, nem honesta, contra sua vontade, por meios de violência, ou por meios fraudulentos tendentes a suspender o uso dos sentidos, ou a tirar o conhecimento do crime, será degradado por toda a vida pelo crime de violação”.
Por outro lado, o art. 393º do Código Penal de 1886 estabelecia que: “Aquele que tiver cópula ilícita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e terá a pena de prisão maior de dois a oito anos”.
Entretanto, o Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção, veio dispor no art. 201º: “1. Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos”.
O Dec-Lei nº 48/95 de 15.03 veio dar nova redacção ao crime de violação, estabelecendo-se no art. 164º: ”1. Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a tê-la com terceiro, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos; 2. Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, tiver coito anal com outra pessoa, ou a constranger a tê-lo com terceiro”.
Em 02 de Setembro de 1998, a Lei nº 65/98 alterou o art. 164º do Cód. Penal, passando a dispor: “1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”.
A redacção do art. 164º do Cód. Penal em vigor à data dos factos, foi introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09, nos moldes já acima expostos e que relembramos:
“1- Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

É certo que à violência tem de assistir uma certa corporalidade, mas também não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave. Será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vítima.
Acompanhamos nesta questão o nosso ilustre professor Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código penal, parte especial, tomo I, pags. 441 e ss.), ao referir que sob certas circunstâncias concretas, nomeadamente em função da debilidade, física ou psíquica, do carácter temeroso ou assustadiço da vítima pode bastar, v. g., uma bofetada, o fechá-la contra a sua vontade num quarto ou mesmo num automóvel, o transportá-la de um lugar para outro: é aqui decisiva em princípio a perspectiva da vítima.
Além disso, dado que a violência pode ocorrer em simultaneidade com o acto sexual, não se toma indispensável uma resistência efectiva, bastando que devesse contar-se com ela e o uso da violência se destine a vencê-la.
Portanto, quanto à delimitação do conceito de violência, na linha do sufragado por Jorge de Figueiredo Dias - in ob. Cit. Pág.453 e ss. - crê-se que o mesmo se reporta à utilização de força física como meio de vencer a resistência oferecida ou esperada por parte da vítima como reacção à actuação do agente. Força essa que não tendo que revestir características específicas há-de em todo o caso de, no contexto dos factos, revelar-se como meio adequado e idóneo a vencer a resistência real ou presumível que a vítima oponha à acção.
Assim, o simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência, afastando-se o entendimento que apresenta como suficiente para identificar uma situação de violência relevante para efeitos de tipificação criminal a inexistência de consentimento e/ou ele vontade livre da vítima para a prática da cópula.
Veja-se, neste sentido, a título exemplificativo, o Ac. da RL, de 02/07/2013; o Ac. RC 17.2.93 CJ I, pág.70; o Ac. RP 6.3.91 CJ II, pag.287 ou o Ac. do STJ de 25.11.1992, sendo que, nos termos deste último:
“A violência, quando a mesma é exigida para a verificação do crime de violação, e também no de atentado ao pudor, não pode ser dirigida contra as coisas, mas sim contra as pessoas, e tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vítima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal.”
Por sua vez, quanto ao acto em si, ou seja, o conteúdo da acção propriamente dita, esse acto, nos crimes de violação, é, desde logo, a cópula.
No domínio do Código Penal de 1886 uma das questões mais discutidas da nossa jurisprudência era a de saber o que devia entender-se por cópula, nomeadamente para efeito dos crimes de estupro e de violação.
E assim se discutiu a perder de vista, e se continuou a discutir na vigência do Código Penal de 1982, o conceito jurídico-normativo de cópula: se a cópula tinha de ser completa ou podia ser incompleta, se devia ser vaginal ou podia ser vulvar.
A conclusão a que se chegou foi a de que cópula seria “normativamente” tanto a introdução do pénis na vagina, ainda que incompleta ou sem “emissio”, como o coito vulvar com ‘missio”.
Consideramos contudo que de acordo com a norma do art. 164°, nº1 e a sua teleologia, deve considerar-se cópula apenas a penetração da vagina pelo pénis, embora não se exija a ejaculação dentro da própria vagina.
No que concerne à verificação deste crime no seio conjugal, nada impede que o mesmo se verifique, preenchidos que estejam os elementos típicos atrás analisados.
Baixando ao caso sub judice e tendo necessariamente em consideração a matéria de facto provada, logo se conclui que se verifica em concreto o requisito do uso de violência, por parte do arguido, com vista ao constrangimento da assistente no sentido de com ela praticar cópula em cada uma daquelas três situações ali descritas.
Sublinha-se aqui a factualidade descrita nos pontos 29) a 40) e 48) a 50) dos factos provados.”
E vistos estes factos, inexiste qualquer dúvida de que ocorre a violência física com vista ao acto sexual e no seu decurso, pelo que ocorre este elemento típico, tal como ocorre a circunstancia agravante do artº 177º 1 al. b) CP porquanto a vítima se “encontrar numa relação familiar” dado que o arguido e a vítima são (e eram à data) casados, e os actos em causa ocorreram com aproveitamento dessa relação e por causa dela, em casa e no ambiente familiar.
Improcede assim esta questão.
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Outra questão se coloca em face da condenação pelo crime de violência domestica e pelo crime de violação, face à regra relativa à punição estabelecida pelo artº 152º nº 1 in fine “ … é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal” e o arguido haver sido condenado em concurso real pelo crime de violência domestica e três crimes de violação.
Esta norma tem sido objecto de análise
Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Ucp, Lisboa, pág. 406 e ss, opina que “ O crime de violência doméstica é uma forma especial do crime de maus tratos (…). Ele está também numa relação de especialidade com os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, o crime de coacção simples, o crime de sequestro simples, o crime de coacção sexual previsto no artº 163º, nº2, o crime de violação previsto nos termos do artº 164º nº2, o crime de importunação sexual, o crime de abuso sexual de menores dependentes previsto no artº 172º2 ou 3 e os crimes contra a honra. Portanto, a punição do crime de violência doméstica afasta a destes crimes.”, e mais adiante “O crime de violência doméstica está numa relação de concurso aparente (subsidiariedade expressa) com os crimes de ofensas corporais graves, contra a liberdade pessoal e contra a liberdade e autodeterminação sexual que sejam puníveis com pena mais grave do que a prisão até 5 anos. Isto é a punição por estes crimes afasta a da violência doméstica”, acrescentando que a opinião de Catarina Sá Gomes é diversa, defendendo esta “tratar-se de um caso de subsidiariedade nos maus tratos com ofensas corporais graves e de um caso de concurso efectivo nos maus tratos com sequestro ou com violação.”
Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª edição, págs. 527 escreve “ Entre o crime de violência domestica (…) e os crimes de ofensa á integridade física simples …, de ameaça, …contra a honra, de coacção…de sequestro simples…de coacção sexual … de violação (artº 164º2) de importunação sexual existe uma relação de concurso aparente sendo o agente punível apenas pelo crime de violência doméstica. [e] a mais adequada qualificação da relação entre as normas em confronto e a de relação de consumpção: a gravidade do ilícito da violência doméstica consome ou absorve o ilícito de ofensas corporais simples, etc.”, mas tratando-se de uma única ofensa corporal simples que configure violência domestica, “não há incorrecção algumas em afirmar-se que nesse caso concreto, há entre a violência domestica e a ofensa corporal simples … uma relação de especialidade”, sendo que defende que toda a relação de especialidade é uma relação de consumpção segundo um critério teleológico material (pág. 528.
Adianta todavia que “Entre o crime de violência domestica e os crimes de ofensa à integridade física grave… sequestro qualificado… coacção sexual (artº 163º1), de violação (artº 164º1) há uma relação de subsidiariedade expressa aplicando-se somente a pena prevista para cada um destes crimes.”.- pág. 528 e de acordo com o qual apenas se aplicaria a pena mais grave sem qualquer agravação, ficando “sem relevância legal-penal a referida relação especial; ou seja em termos de pena legal tudo se passará como se tivesse sido um qualquer estranho a cometer o crime”, com o que teria a lei criado um paradoxo.
Já para M.M. Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal (Parte Geral e Especial), 2015, 2ª edição, Almedina, pág. 651 “ A violência domestica, chama a terreiro (…) situações de especialidade (ofensas corporais simples ou qualificadas, ameaça, coacção, sequestro nas suas diversas modalidades, o crime de violação do artº 164 e mesmo o crime de injuria) e subsidiariedade (subsidiariedade expressa com os crimes de ofensa á integridade física graves, contra a liberdade pessoal e contra a liberdade e autodeterminação sexual, puníveis com pena superior à do artº 152º nº1) ”
Por seu lado a Jurisprudência vai decidindo:
Ac. TRG 17/5/2010 www.dgsi.pt “I - O crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com os crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça em que a punição do crime de violência doméstica afasta a destes crimes.
Ac TRG 21/10/2013 www.dgsi.pt “III – O crime de violência doméstica está numa relação de especialidade com o crime de ofensas corporais, pelo que a condenação por este crime, relativamente a factos que constavam da acusação, não importa qualquer alteração de factos, substancial ou não substancial.”
Ac. TREv. 1/10/2013 www.dgsi.pt IV. – Por força do disposto no n.º 1 do art.º 152.º do Código Penal, em que se prescreve que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, os factos caracterizadores do crime de violação que tenha ocorrido no contexto espácio-temporal em que decorreu a violência doméstica separam-se e dão origem à verificação do crime de violação. Se após esta separação, restarem mais factos ou outros factos relativos à violência doméstica, eles continuarão a integrar e a dar corpo a esse crime de violência doméstica e à sua respectiva punição, em concurso real com a da violação.”
Ac. R.Lx 13/12/2016 www.dgsi.pt: “- O bem jurídico que o tipo da violência doméstica visa proteger é a saúde, enquanto integridade das funções corporais da pessoa, nas suas dimensões física e psíquica. -Uma vez que este tipo abarca condutas que são também puníveis por outros tipos legais, neste caso, a ameaça (artº.153º, nº.1 do CP), injúria (artº.181º do CP) e ofensa à integridade física simples (artº.143º, nº.1 do CP)., torna-se necessário distinguir, com um mínimo de segurança, quais as condutas que integram uns e outros. (…). - O crime de violência doméstica pode ser decomposto em vários tipos de crimes comuns, uma vez que é suficientemente abrangente e capaz de contemplar inúmeros comportamentos que, individualmente considerados, são reconduzíveis a outras incriminações. Fala-se, a título de exemplo, da prática de um crime de ofensa à integridade física, homicídio, injúrias, difamação, coacção ou contra a autodeterminação sexual. O n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, ao terminar com a expressão “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”, consagra a regra da subsidiariedade, significando que a punição por este crime apenas terá lugar quando ao crime geral a que corresponde a ofensa não seja aplicada uma pena mais grave, como acontece com os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, ameaças, coacção, sequestro, coacção sexual, violação, importunação sexual, abuso sexual de menores dependentes ou crimes contra a honra.”
Vistos estes posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais importa apreciar e ponderar as situações concretas que são submetidas à apreciação do tribunal, como pedaços da vida que são, e a relação jurídica a estabelecer, dependerá, a nosso ver, da efectiva conduta a apreciar e o seu desenvolvimento temporal.
Temos assim que ocorrendo factos integradores do crime de violência doméstica consubstanciados em outros ilícitos (e não só) como sejam os castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais (posto quanto a destas não sejam, em face da moldura penal, integradoras do crime de violação, pois actualmente é punido com pena superior a 5 anos – artº 164º 1 – 3 a 10 anos de prisão, e nº 2 – 1 a 6 anos de prisão) e outros como injurias e coacção, punidos com pena até 5 anos de prisão, ocorre uma relação de especialidade (ou de consumpção, ao estilo de Taipa de Carvalho) sendo os factos apenas integradores e punidos pelo crime de violência domestica.
Já se os mesmos factos são integradores de crimes qualificados, e como tal puníveis com penas superiores a 5 anos de prisão aí entra em acção a regra da subsidiariedade do nº1 do artº 152º CP, o que aconteceria como seria entre o crime de violência domestica e o de violação do artº 164º1 a) CP (pena de 3 a 10 anos de prisão) ou do nº 2 (pena de 1 a 6 anos de prisão), sendo punível com a pena do crime mais grave, pois a relação de subsidiariedade determina que “certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja quando o facto não é punido por outra norma mais grave” (Leal Henriques et alli, O Código penal de 1982, 1986, Vol. 1, pág. 206, ou “ uma disposição penal só é aplicável secundariamente, isto é, só reivindica validade para o caso em que uma outra já não intervenha” Wessels, Johannes, Dto Penal, 1976 tradução brasileira, pág. 180, ou “ um tipo legal de crime deva ser aplicado somente de forma auxiliar ou subsidiária, se não existir outro tipo legal, em abstracto também aplicável, que comine pena mais grave” . F. Dias, Dto Penal, Parte Geral, I, Coimbra edit. 2007, 2ª ed. Pág. 997;
Resulta assim que ocorrendo o crime de violação num contexto em que este crime integraria também os elementos típicos do crime de violência domestica tal conduta seria apenas punido pelo crime de violação - Cf. Ac. R.Lx 13/12/2016 www.dgsi.pt citado - independentemente da diversidade de bens jurídicos protegidos por cada crime.
Todavia tal regra não ocorre, nomeadamente quando dos maus tratos físicos ou psíquicos resultarem ofensa à integridade física grave ou a morte, caso em que a pena é a estabelecida pelo artº 152º 3 CP (2 a 8 anos de prisão ou 3 a 10 anos de prisão). Trata-se de crimes agravados pelo resultado, sendo este imputável a título de negligência (artº 18º CP).
No caso da situação prevista no artº 152º1 CP quando os crimes de violência doméstica e os crimes mais graves consubstanciadores ou não de violência doméstica (como v.g. de violação) não se subsumem integralmente (incluindo espácio-temporalmente e se desenrola aquele no tempo), poderia conceber-se que conservam a sua autonomia existindo entre eles concurso real. Seria o caso citado em MM Garcia et alli, ob. cit. pág. 653 e 654, referenciando o acórdão STJ 19/6/2008 CJ 2008, II, 255, expende “O crime de homicídio ocorreu em conjugação e no processo de desenvolvimento dos maus tratos à mulher praticados pelo A, encontrando-se assim numa relação de concurso com o crime de maus tratos ( agora violência domestica), ambos cometidos pelo A na pessoa do seu cônjuge”, e no sentido do concurso real referencia-se a opinião de Catarina Sá Gomes supra anotada, e o expresso no ac. R Ev 1/10/2013 citado e transcrito, pois que após (e antes deles) os factos integradores dos crimes de violação, se autonomizam dos demais factos por si sós integradores do crime de violência domestica (ou seja o crime de violência doméstica já existia antes de ocorrer a violação que assim se autonomizaria).
Sem prejuízo de entendermos que as relações entre as normas legais e a sua aplicação depende dos contornos de cada caso concreto, e no caso em apreço os actos de violação, embora integrados no ambiente familiar do casal (porque entre cônjuges), revestirem autonomia indo para além do ambiente de violência domestica (maus tratos) até aí existente e que só por si constituía o crime de violência domestica, o certo é que a lei no artº 152º1 CP, como diz Taipa de Carvalho, quis expressamente e criou essa relação de subsidiariedade entre o crime de violência domestica e o crime que implicaria pena mais grave, sendo apenas punido por esta. Não cabendo ao Juiz, resolver o paradoxo que o legislador assim criou de deixar “sem pena” uma serie de actos (cf. Taipa de Carvalho, ob. cit. págs. 529 e 530), resta apenas aplicar a lei existente e aplicar à globalidade dos factos em apreço a pena mais grave que corresponde ao crime de violação do artº 164º1 a) CP – de 3 a 10 anos, e tendo em consideração que estamos perante um crime de trato sucessivo, de acordo com o entendimento do STJ, ac. 29/11/2012 www.dgsi.pt “V. O que, … se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no «Código Penal anotado» de P. P. Albuquerque). VI. Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.” que se aplica ao caso.
Deve assim ser punido pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, al. b) e n.° 2 do Código Penal, em concurso aparente com um crime de violação, p. e p. pelo art. 164°, n.° 1 al. a) do CP, não havendo lugar à aplicação da pena acessória dado que este normativo não prevê este tipo de penas e é a pena deste artº 164º CP a aplicável (mas cf. Taipa de Carvalho, ob. cit, pág.529)

Vista esta nova situação jurídica dos factos, importa proceder à determinação da pena que lhes deve corresponder, tornado prejudicial toda a questão suscitada sobre a toda a excessividade da pena parcelar e única quanto ao crime de violência doméstica, tendo em conta os dados considerados no acórdão (sem prejuízo de se desconsiderar a apreciação criminal separada que faz sobre os factos) que se expressa do seguinte modo:
“Cumpre determinar, pois, as penas a aplicar ao arguido, em face das molduras penais referidas e tendo em conta as balizas preventivo-éticas do actual regime de determinação da medida da pena.
Descendo aos factos.
No que respeita ao grau de ilicitude dos factos, quanto a todos os crimes por que o arguido vai condenado, violência doméstica e violações, o mesmo é elevado, considerando todo o contexto fáctico em que as suas condutas se inseriram, de grande agressividade, impulsividade, violência e desprezo pela assistente.
Considera-se, quanto ao crime de violência doméstica, mormente a intensidade ofensiva das expressões usados pelo arguido contra a assistente, o grau de ofensa física perpetrada contra a mesma e a reiteração da sua prática pelo arguido durante um período de 2 anos, que, para quem está na posição de vítima é uma “eternidade”.
No que toca à censura ético-jurídica dirigida ao arguido, esta radica na modalidade mais intensa do dolo, o directo (art.14º nº1 do C.P.), que presidiu a toda a sua actuação (art.71º nº2 al.b) do C.P.).
Sublinha-se que o dolo assume aqui, por directo, uma manifestação muito intensa, sob o aspecto intelectual, enquanto conhecimento de tudo quanto era preciso para uma correcta orientação da consciência ética para o desvalor jurídico da acção, como volitivo, no sentido de querer realizar o facto criminoso.
No que concerne à prevenção especial, sublinha-se a história criminal do arguido. Com efeito, o arguido, à data dos factos, havia já sofrido diversas condenações judiciais, mormente por crimes da mesma natureza (cfr. ponto 53) dos factos provados).
Assim, por decisão datada de 21/01/1999, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa; - P. nº 117/97, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja.
Por decisão datada de 26/11/1999, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de prisão suspensa na sua execução.
Por decisão datada de 29/06/2004, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa.
Por decisão datada de 02/11/2004, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ameaça, um crime de difamação, em pena única de prisão suspensa.
Por decisão datada de 15/01/2010, transitada em julgado em 01/03/2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152, nº 1, al. b) e nº 2, do C.P., na pena de 3 anos de prisão suspensa por 3 anos, com regime de prova (pena já declarada extinta).
Por decisão datada de 09/04/2015, transitada em julgado em 11/05/2015, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152, nº 1, al. b) e nº 2, do C.P., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses, com regime de prova.
Ora, um tal passado criminal permite-nos concluir, quanto à personalidade do arguido, como sendo de especial indiferença ao Direito e às condenações judiciais, mormente as que lhe deram oportunidades com suspensão das penas, pelo mesmo tipo de crime, que o arguido manifestamente não aproveitou, não surtindo as mesmas o pretendido efeito dissuasor de idênticas atitudes futuras.
Mais se consideram as condições de vida do arguido, nelas se incluindo as suas habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas, etc, designadamente as existentes na data da prática dos factos, bem assim as suas condições de vida actuais. Assim, quanto a este aspecto, regista-se o considerado como provado no ponto 52), resultante do relatório social do arguido e que aqui nos abstemos de reproduzir, por brevidade, pelo que para aí se remete.
Por outro lado, o arguido, exercendo, inquestionavelmente, um direito que tem (ao silêncio sobre os factos), ao optar por ele, acabou também, inerentemente, por optar pela não manifestação de qualquer arrependimento, juízo de auto-censura ou de interiorização do mal da sua conduta, o que, a ter sido feito, teria certamente sido considerado em benefício do mesmo pelo tribunal.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, as mesmas são muito elevadas, quer quanto aos crimes de violência doméstica agravada, quer de violação agravada.
No tocante especificamente ao crime de violência doméstica, sublinha-se que ter-se-á em consideração que estamos perante um tipo legal de crime que pretende dar tutela a uma das formas talvez mais subliminares de escravatura humana, em que alguém é subjugada a uma vida de violência, maus tratos e humilhação, forçado a aceitar as opiniões e condições de outrem mais forte.
Práticas que deverão ser decisivamente afastadas da nossa comunidade, às quais os valores de igualdade e respeito começam agora a falar bem alto.
Note-se que os casos noticiados nos últimos tempos, relativos a crimes de violência doméstica, são exemplificativos das muito elevadas necessidades de prevenção geral: são já inúmeras as vítimas mulheres que sucumbiram às mãos de homens de quem já se tinham separado.
Estas situações não podem, de modo algum, ser encaradas com ligeireza. Tem de se ter consciência de que este é um crime com extrema gravidade e com reflexos muitos preocupantes na nossa sociedade, para o que contribui certamente o elevado grau de iliteracia da sociedade.”
Assim se tivermos em conta que na determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido atender-se-á nos termos do artº 71º CP, à sua culpa - como suporte axiológico de toda a pena, ou “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o princípio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa”, Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, - e às exigências de prevenção quer geral quer especial, e que (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer; Cf. também o Ac. STJ 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj, então vistos os factos apurados na sua globalidade e a atender e as regras e princípios supra expressos, os antecedentes criminais à data e a personalidade do arguido neles expressa de antijuricidade reiterada e em que efectivamente todos os factos se interconexionam (todos contra a esposa, por violência domestica e os demais relativos à vivencia familiar e por causa dela abrangendo a intencionalidade dolosa toda essa acção, que tem em conta o modo de ser do arguido afigura-se-nos que a pena a aplicar não de e ser inferior a cinco anos de prisão.

Visto a pena a aplicar, tem de ser ponderada a possibilidade de suspensão da pena de prisão, e para que tal aconteça, é necessário que, nos termos do artº 50º1 CP seja possível “… concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, pelo que atentos os pressupostos materiais importa desde logo que o tribunal possa emitir um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido, ou seja de que em face da sua personalidade, das condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e ao modo e circunstancias deste seja possível concluir que a suspensão da pena satisfaz as exigências de prevenção especial (reinserindo o arguido na sociedade) de modo a que não cometa mais crimes (prevenção da reincidência) e proteja os bens jurídicos ou seja essa pena seja sentida como suficiente pela comunidade que mesmo assim vê a validade da norma restabelecida, pois no dizer do STJ ac. de 30/6/93, citando Jescheck: «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade.”
Assim a suspensão da pena verificado este juízo favorável só não deverá ocorrer se a tal se opuserem razões de prevenção geral.
Ora vistos os factos e as anteriores condenações incluindo em pena suspensa pelo mesmo crime, com mediana clareza resulta que não é possível emitir um juízo de prognose favorável á suspensão da pena, pois as anteriores condenações não se revestiram de qualquer eficácia preventiva e não preveniram a reincidência, tal como não protegeram eficazmente o bem jurídico violado nem as expectativas da comunidade em face da reiteração criminosa e no caso não há que atender a exigências de prevenção especial de ressocialização, visto que o arguido não manifesta intenção de se emendar e não cometer novos crimes, e a tal se opõem de igual modo as exigências de prevenção geral, pois a comunidade/ sociedade não compreenderia na situação dos autos a condenação em nova pena suspensa face à ineficácia das anteriores.
Não pode por isso a pena ser suspensa.
Procede, assim em parte e por outros motivos o recurso
*
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência alterando o acórdão recorrido, condena-o como autor a material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, al. b) e n.° 2 do Código Penal, em concurso aparente, em regime de subsidiariedade, com um crime de violação, p. e p. pelo art. 164°, n.° 1 al. a) do CP, na pena de cinco anos de prisão
Sem custas.
Notifique.
Dn
*
Porto, 27/9/2017
José Carreto
Paula Guerreiro