Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6420/16.1T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: EXAME POR JUNTA MÉDICA
PERITOS MÉDICOS
REGIME DE IMPEDIMENTOS E SUSPEIÇÕES
INVOCAÇÃO DE IMPEDIMENTO
PRAZO
FACTOR DE BONIFICÇAÃO 1.5
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP202111156420/16.1T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, mormente no que concerne ao regime de impedimentos e suspeições, relativamente ao qual aquele diploma é omisso, pelas normas do Código de Processo Civil [art.º 1.º n.º 2, al. a), do CPT].
II - O regime dos impedimentos e suspeições dos juízes consta dos artigos 115.º a 117.º e 119.º a 126.º do CPC. Assim, por força da remissão daquela disposição, deles têm aplicação aos peritos, com as necessárias adaptações, os artigos que tratam dos respetivos fundamentos, nomeadamente, 115.º, 117.º e 120.º. Os restantes contêm normas procedimentais e de prazo, às quais se sobrepõe o disposto no art.º 471.º do CPC, ou então respeitam especificamente à função judicial, por isso não tendo aplicação aos peritos.
III - Como decorre do n.º1, do art.º 471.º, do CPC, o alegado impedimento do Senhor perito Médico indicado pelo sinistrado para intervir no exame por junta médica - fundamento que a recorrente usou no requerimento objecto da decisão recorrida-, deveria ter sido invocado no prazo de dez dias a contar do conhecimento da nomeação, ou seja, pelo menos a contar da notificação à ré do requerimento do sinistrado de 03-11-2020, do qual se retira pretender indicar o Dr. [..] para ser nomeado para intervir como seu perito no exame médico pericial por junta médica.
IV - O facto do sinistrado se ter servido de relatório elaborado por um médico para fundamentar o requerimento para dar início ao incidente de revisão da incapacidade não significa de todo que haja uma intervenção processual como perito do médico subscritor daquele documento, nem sequer que ocorra qualquer situação que se possa entender equiparada. Contrariamente ao que defende a recorrente, a situação está à margem da previsão do art.º 115.º n.º1 e al. c), do CPC.
V - Nada impedia, pois, o sinistrado de indicar como perito, apresentando-o para o representar no exame por junta médica, o médico que o acompanhou previamente ao incidente de revisão e elaborou o aludido relatório médico.
VI - A recorrente descura um ponto fulcral, em concreto, que nessa sentença proferida no processo principal nem sequer foi equacionada a questão de saber se no caso concreto era de aplicar, ou não, o factor de bonificação 1.5, ou seja, no percurso lógico jurídico que conduziu à decisão, fixando ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH, o julgador não se debruçou nem se pronunciou sobre essa questão jurídica.
VII - Assim, sendo certo que a “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” [art.º 621 do CPC], é forçoso concluir que essa questão, não tendo sido objecto de apreciação e decisão, não está coberta pelo efeito de caso julgado daquela sentença.
VIII - Por outro lado, note-se, a sentença agora proferida, na consideração de se mostrarem reunidos os pressupostos que impõem a aplicação do factor de bonificação 1.5, incluindo dele não ter ainda beneficiado o sinistrado, decidiu proceder à sua aplicação, mas com efeitos a partir da data em que é reconhecido o agravamento da incapacidade, isto é, o da apresentação do requerimento para desencadear o incidente de revisão.
IX - Por conseguinte, a recorrente não tem razão ao assumir que a decisão do incidente de revisão da incapacidade foi usada para “alterar decisões e valorações quanto a incapacidades já transitadas em julgado”. Esse argumento só seria válido caso a sentença proferida no processo principal se tivesse pronunciado sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5 (tendo recusado a aplicação), ou caso o Tribunal a quo tivesse feito reportar a aplicação do facto 1.5 à data da fixação da anterior incapacidade, isto é, com efeito rectroactivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 6420/16.1T8PRT-B.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na acção especial emergente de acidente de trabalho, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1, relativa a acidente de trabalho sofrido em 24 de Março de 2015, veio o sinistrado B… requerer a revisão da incapacidade permanente parcial de 25%, com IPATH, que lhe foi fixada, alegando ter sofrido entretanto um agravamento do seu estado de saúde, o qual lhe determina uma IPP de 37,5%, com IPATH.
Instruiu o seu requerimento com parecer médico.
Admitido o incidente de revisão, realizou-se o exame médico de revisão pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, no qual o Senhor Perito Médico que o subscreveu entendeu não se observarem razões clínicas, ou outras, para alterar a situação de IPP de 25% com IPATH, anteriormente atribuída.
Devidamente notificadas as partes, o Sinistrado veio requerer a realização de exame por Junta Médica.
O Tribunal a quo acolheu o requerido e determinou a realização de junta médica.
Realizada a perícia, os Srs. peritos que a compuseram concluíram, por maioria, do perito do Tribunal e perito do Sinistrado, que o estado do mesmo sofreu agravamento, estando afetado de uma IPP de 37,5% com IPATH.
Pelo perito da Companhia de Seguros foi dito não ter elementos para avaliar o agravamento, entendendo que o sinistrado deveria ser sujeito a junta médica de neurologia.
O Tribunal a quo proferiu despacho, pronunciando-se no sentido de não se afigurar necessário determinar a realização de outros actos periciais.
Posteriormente, a Seguradora veio apresentar requerimento onde, para além do mais, arguiu a nulidade de nomeação do perito médico do sinistrado, alegando que este já se havia pronunciado, por escrito, sobre a questão a decidir nos autos, por ser o subscritor do relatório junto por aquele aos autos quando requereu o presente incidente, “encontrando-se assim, por força da lei – cfr. Arts. 470.º n.º 1 e 116.º n.º 1 al. c) CPCiv. – impedido para exercer as funções de perito nestes autos”, nessa consideração pedindo a declaração da arguida nulidade com todas as consequências legais, “maxime, anulação de todo o processado e nova nomeação de perito ao sinistrado para que se realize nova Junta Médica”.
Respondeu o sinistrado, defendendo não assistir razão à entidade responsável no seu pedido de nulidade e anulação de todo o processado, uma vez que tal nulidade não existe, alegando ter sido perito indicado por si, como a lei lhe faculta.
I.2 Pronunciando-se sobre a arguida nulidade, o tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
-«[..]
A Companhia de Seguros C…, SA veio arguir nulidade referente à nomeação do Senhor Dr. D… como perito do sinistrado.
Refere que o Senhor Dr. D…, nomeado pelo sinistrado, já se havia pronunciado, por escrito, sobre a questão a decidir nos autos, pois que é o subscritor do relatório junto pelo sinistrado aos autos em 17/02/2020.
Refere que aos senhores peritos aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os senhores juízes – cfr. n.º1 do Art. 470.º CPCiv.. O regime de impedimento do juiz encontra-se regulado no Art. 115.º CPCiv., cujo n.º 1 al. c) estatui expressamente que “Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: (...) c) Quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir sobre questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente”
Conclui que interveio na Junta Médica um perito que estava legalmente impedido de o ser, atento o seu comprometimento com a questão a decidir, sobre a qual já dera parecer escrito, o que se traduz na prática de ato que a lei não admite – nomeação e intervenção nos autos de perito impedido de o ser – irregularidade que pode influir no exame e decisão da causa, consubstanciando nulidade que expressamente invoca, requerendo a anulação da nomeação de peritos e da Junta Médica realizadas.
[..]
O Sinistrado pronunciou-se, pugnando pelo indeferimento de tudo quanto foi requerido.
Cumpre decidir:
No caso dos autos estamos perante um incidente de revisão de incapacidade, que segue os termos do disposto no art.º145.ºss do C.P.T..
Nos termos do n.º 2 do art.º145.º do C.P.T., o pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
No caso dos autos, o sinistrado juntou ao seu requerimento um parecer médico subscrito pelo Dr. D…, para fundamentar o pedido de revisão.
Realizado exame singular no INML, o sinistrado não se conformou com o mesmo, requerendo a realização de junta médica, nos termos do disposto no art.º 145.º, n.º 5 do C.P.T., indicando como peito o Senhor Dr. D…, que havia subscrito o parecer médico com que o sinistrado instruiu o seu pedido de revisão, e que foi nomeado para intervir na junta médica.
Contrariamente ao defendido pela Companhia de Seguros, entendo que não se verifica a invocada nulidade, decorrente da nomeação do Senhor Dr. D… como perito do sinistrado. Efetivamente, como refere o sinistrado, estamos em face de uma junta médica colegial, cabendo a cada uma das partes indicar o seu perito - (artigo 139.ºn.º5 do Código de Processo do Trabalho). O perito apresentado pelo sinistrado não interveio na fase conciliatória. E, pese embora tenha subscrito o relatório para fundamentar o pedido de revisão, tal não significa que não possa ser nomeado como perito do sinistrado, sendo até comum que assim seja. Sendo as partes que indicam os respetivos peritos só pode ser sindicada, nos termos legais, a nomeação do perito pelo tribunal, mas não a nomeação do perito indicado por uma das partes.
Assim, não existe qualquer nulidade na indicação pelo sinistrado e nomeação do perito Senhor Dr. D….
[..]
Termos em que julgo improcedente a nulidade invocada [..]».
I.2.1 Logo de seguida, o Tribunal a quo passou a proferir decisão, nos termos previstos no art.º 145.º n.º 6, do CPT, dela constando, no que aqui releva, o seguinte:
-«[..]
Cumpre decidir.
Dos autos resulta a seguinte factualidade, relevante à decisão:
1. B…, sofreu acidente caracterizado como de trabalho, em 24 de março de 2015, no âmbito do qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH.
2. À data do acidente exercia a atividade correspondente à categoria profissional de operador polivalente de 1a, a prestar serviços nas instalações (Hotel E…) da entidade empregadora F…, SA, sita à Rua …, …, na cidade do Porto.
3. Auferia a retribuição base de €710,39 x 14 meses, acrescido de €13,20 x 14 meses de diuturnidades, mais € 4,50 x 242 dias a título de subsídio de alimentação e ainda a quantia média de €21,00 x 12 meses a título de subsídio noturno.
4. A responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho tinha sido transferida pela entidade empregadora para a ora seguradora pela retribuição referida em 3.
5. No âmbito deste acidente, por sentença transitada em julgado, foi-lhe fixada a pensão anual e vitalícia no montante de €6.327,27, com início no dia seguinte à da alta – 24 de maio de 2016 -; e ainda a importância de €4.387,64, paga de uma só vez, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente.
6. Atualmente o sinistrado sofreu agravamento do seu estado, estando afetado de IPP de 37,5%
*
Os factos provados em 1 a 5 resultam da consulta dos autos, concretamente da sentença proferida nos autos principais, e despacho que retificou tal sentença, datado de 16 de julho de 2019 (referência citius 405795796), dos quais os presentes são apensos.
O facto provado em 6 resulta da junta médica realizada nestes autos, que obteve laudo maioritário dos Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Sinistrado, aderindo-se ao resultado desta perícia, que teve laudo concordante do Senhor Perito nomeado pelo Tribunal.
Tem sido decidido pela nossa jurisprudência que a «pensão revista» deve ser calculada do mesmo modo que a pensão inicial, devendo a sua atualização ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a mesma só ser devida desde a data da sua alteração – neste sentido, entre outros, o Ac. RP de 11/10/2018, processo 596/14.0T8VFR.10.P1, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, tendo o acidente em causa ocorrido em 24 de março de 2015, é-lhe aplicável a Lei 98/2009 de 04/09 (LAT), nos termos da qual há que definir quais os montantes devidos ao sinistrado pela incapacidade parcial permanente atribuída, atendendo ainda ao facto de o mesmo ter ficado com IPATH.
Dispõe o n.º 2 do art.º 48.º da LAT que “a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho”, sendo os seus montantes determinados de acordo com as alíneas a) e b) do no 3 do citado preceito.
Assim, quando do acidente resultar uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o trabalhador tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % a 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Há também que considerar que tem sido jurisprudência pacífica nos nossos tribunais superiores que é de aplicar o fator 1,5 ao sinistrado afetado de uma IPATH, e que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, que uniformizou jurisprudência no sentido de que a expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente. Refere a fundamentação do citado Acórdão, “o segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente”, mais referindo que “os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho”.
Assim, sendo de aplicar o fator de bonificação à I.P.P. do sinistrado, a mesma passa a ser de 56,25%.
Considerando que o sinistrado auferia uma retribuição anual de €11.471,26 tem direito a receber, por força da IPP de 56,25 % com IPATH de que é portador, a pensão anual de €7.026,15 (sete mil e vinte e seis euros e quinze cêntimos), assim calculada:
-€ 11.471,26 x 70%= €8.029,88
- € 11.471,26 x 50%= €5.735,63
- €8.029,88 - €5.735,63 = €2.294,25
- €2.294,25 x 56,25% = €1.290,52
- €1.290,52 + €5.735,63 = €7.026,15
Face ao disposto na al d), do n.º 1 do art.º47.º e do art.º 67.º da LAT/2009, os sinistrados têm ainda direito a receber um subsídio por situação de elevada incapacidade, quando fiquem afetados de incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%, sendo que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, como é o caso dos autos, confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre os 70% e os 100% de 12 vezes o valor de 1.1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, de acordo com o no 3 do citado preceito.
Atendendo a que, de acordo com a Portaria 21/2018, o IAS para 2018 é de €428,90, este subsídio, no caso dos autos, ascende a €4.599,96, assim calculado:
- €428,90 x 1,1 x 12 = €5.661,48 (100%)
- €5.661,48 x 70% = €3.963,04
- €5.661,48 - €3.963,04 = €1.698,44
- €1.698,44 x 56,25% = €955,37
- €3.963,04 + €955,37 = €4.918,41
Considerando o valor já recebido a este título, é devida ao sinistrado a quantia de €530,77 (quinhentos e trinta euros e setenta e sete cêntimos).
Sobre os montantes referidos e atento o disposto no art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho, vencem-se juros contados do vencimento das respetivas obrigações até efetivo e integral pagamento.
DECISÃO:
Termos em que julgo o presente incidente de revisão procedente e, em consequência, fixo em 56,25% (considerando o facto 1,5) o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado B…, condenando a Companhia de Seguros C…, SA a pagar ao sinistrado:
a) a pensão anual e vitalícia no montante de €7.026,15 (sete mil e vinte e seis euros e quinze cêntimos), com início a partir do pedido de revisão;
b) a importância de €530,77 (quinhentos e trinta euros e setenta e sete cêntimos), a título de subsídio de elevada incapacidade permanente;
c) juros de mora à taxa legal sobre as referidas importâncias, a contar do seu vencimento, nos termos do art.o 135.ºdo CPT.
Custas pela Seguradora responsável.
Valor do incidente para efeito de custas: a diferença entre o capital de remissão que vier a ser apurado e o anteriormente apurado, nos termos do artigo 120.º no 1 do Código de Processo do Trabalho e da Portaria no 11/2000, de 13/01.
[..]».
I.3 Inconformada com aquela decisão e com a sentença, a seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. O Dr. D…, perito nomeado pelo sinistrado, já se havia pronunciado, e não apenas verbalmente mas por escrito, sobre a questão a decidir nos autos – pois que é o subscritor do relatório junto pelo sinistrado aos autos em 17/02/2020 com o qual instruiu o seu pedido de revisão.
2. O Dr. D… interveio na junta médica realizada no dia 17/03/2021;
3. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, aos senhores peritos aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os senhores juízes – cfr. n.º 1 do Art. 470.º CPCiv..
4. O regime de impedimento do juiz encontra-se regulado no Art. 115.ºCPCiv. cujo no 1 al. c) estatui expressamente o seguinte:
“Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: ...
c) Quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir sobre questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente”
5. Assim, é evidente que, com a sua primeira intervenção nos autos, o Dr. D… comprometeu em absoluto a sua possibilidade de exercer as funções de perito judicial, encontrando-se, por força da lei, impedido de exercer as funções de perito nestes autos;
6. Assim sendo, como é, ocorreu a prática de acto que a lei não admite – nomeação e intervenção nos autos de perito impedido de o ser – irregularidade que, obviamente, pode influir e influiu no exame e decisão da causa, o que acarreta a nulidade do processado – cfr. Art. 195.º CPCiv.
8. Ao entender diferentemente, o Tribunal a quo interpretou erradamente e com isso violou os Arts. 470.º, 115.º e 195.º CPCiv..
9. Deve, por isso, declarar-se a nulidade da intervenção do Dr. D… como perito e, consequentemente, anular-se todo o processado posterior, inclusive a sentença proferida.
10. Para além de tal arguida nulidade do despacho de 28/04/2021 que não reconheceu a nulidade arguida pela Apelante, a sentença de seguida proferida incorreu em violação do caso julgado.
11. De facto, e como a mesma reconhece, dos autos resulta a seguinte factualidade, relevante à decisão:
1. B…, sofreu acidente caracterizado como de trabalho, em 24 de março de 2015, no âmbito do qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH.
12. Ora, na decisão sura referida, há anos proferida nos autos principais, apesar de se reconhecer e declarar que o Apelado estava já afectado de IPATH, não se lhe aplicou o factor de bonificação 1,5 ora aplicado.
13. Ora, resulta claro da lei – Art. 70.º da Lei 98/2009, cuja epígrafe é, precisamente, “Revisão das prestações” - que os incidentes de revisão de incapacidade têm cabimento “1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
14. Resulta daí que os incidentes de revisão não podem ser usados com outros fins, designadamente, alterar decisões e valorações quanto a incapacidades já transitadas em julgado.
15- O Apelado padecia já de IPATH para além da IPP de 25% que lhe foi fixada nos autos principais. A única realidade alterada no presente incidente – e mesmo isso, apenas temporariamente, dada a invalidade supra invocada – foi o grau de IPP do Apelado, que passou de 25% para 37,5%.
16. A IPATH já existia desde sempre, nada tendo que ver com o presente incidente de revisão ou seja, não consubstancia qualquer agravamento da situação clínica ou incapacidade do Apelado.
17. Não tendo havido qualquer alteração em tal pressuposto, não pode agora o Tribunal a quo aplicar tal coeficiente de bonificação com base em tal IPATH.
18. Na verdade, se a situação clínica do sinistrado era de molde a que, já à data da consolidação médico-legal, pudesse ser atribuída tal bonificação em função da IPATH, deveria a mesma ter sido fundamento para recurso da decisão então proferida, e que, mal ou bem, a não atribuiu.
19. Tal decisão, proferida há anos no processo principal, esgotou o poder jurisdicional e passou a ter a força de caso julgado.
20. ao decidir diferentemente a MMa. Juiz a quo interpretou errdadamente e com isso violou os Arts. 613.ºn.º 1, 619.º e 625.º CPCiv.
21. Não tendo sido interposto recurso pelo Apelado da decisão proferida nos autos principais, não pode agora proceder-se como que a uma revisão jurisdicional da mesma, fazendo-se agora nova valorização das sequelas já antes reconhecidas – IPATH – valorização esta que, mal ou bem, antes não foi efectuada.
22. Ocorre, por isso, novo erro da decisão em crise – violação da excepção do caso julgado – procedendo em sede de incidente de revisão a distinta valoração, aplicando hoje o factor de bonificação de 1.5, quando, há anos, e com a mesma factualidade – existência de IPATH – o tribunal não fez tal valoração.
Conclui pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação do Despacho recorrido, substituindo-o por outra que conheça da nulidade arguida e ordene a repetição de todo o processado posterior à nulidade declarada ou, caso assim não se entenda, alterando a sentença proferida nos moldes supra referidos.
I.4 O Recorrido Sinistrado não veio apresentar contra alegações.
I.5 O Digno Procuradora-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Quanto à arguida nulidade, na consideração de que sendo sempre o perito, apenas perito do sinistrado e por si indicado, não afectará, este procedimento, os fins de imparcialidade, independência, que se pretende sejam garantidos por uma peritagem.
No que concerne à sentença, refere-se que o sinistrado não havia nunca beneficiado do factor de bonificação de 1,5 a que se refere o n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI. Foi com esta decisão que pela primeira vez beneficiou de tal bonificação. Assim, a aplicação da bonificação, neste caso, é como se se estivesse a ser aplicada “aquando da fixação inicial da incapacidade”
I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito, verificando-se:
i) A nulidade da intervenção do perito médico indicado pelo sinistrado [Conclusões 1 a 9];
ii) Violação do caso julgado decorrente da aplicação do factor de bonificação 1.5 [conclusões 10 a 20].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que constam no relatório, acrescidos dos seguintes:
1. Em 03-11-2020, o sinistrado apresentou requerimento no processo, via Citius, onde consta o seguinte:
Vem expor e requerer a V. Ex.ª que tendo sido informado nesta data de que até ao dia 16 de Novembro o Dr. D…, médico de quem se pretende ver acompanhado no exame por junta médica agendado para o dia de amanha, se encontra ausente, facto que inviabiliza o seu acompanhamento ao aqui sinistrado.
Atento o exposto requer assim a V. Ex.ª o agendamento de nova data para o exame médico».
2. O requerimento foi notificado entre mandatários ao ilustre mandatário da R. seguradora.
3. Em despacho de 4-11-2020, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o requerimento como segue:
- “Considerando o requerimento que antecede dou sem efeito a junta médica designada. Aguarde-se as disponibilidades de agendamento de juntas médicas.
Assim, oportunamente será designada nova data».
4. O despacho foi notificado às partes, via Citius, em 04-11-2020.
5. Por despacho de 18-11-2020, foi designado o dia 16 de Dezembro de 2020, para realização do exame por junta médica.
6. Em 09-12-2020, o sinistrado apresentou novo requerimento informando o Tribunal a quo encontrar-se em “isolamento profilático por 14 dias, desde 07/12/2020, por contacto com pessoa infectada com o vírus COVID 19”.
7. Por despacho de 10 -12-2020, foi transferida a realização do exame por junta médica para o dia 1 de Janeiro de 2021, pelas 12h00.
8, Em 22 -12-2020, o sinistrado apresentou novo requerimento, referindo que “(..) informado o seu perito de tal data, este referiu-lhe que não estava disponível no dia 13 de Janeiro de 2021, estando no entanto disponível a 27 de Janeiro de 2021”.
9. O requerimento foi notificado entre mandatários ao ilustre mandatário da R. seguradora.
10. Em despacho de 05-01-2020, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre aquele requerimento, dizendo “Para a realização de junta médica designo o dia 27 de Janeiro, pelas 10h00”.
II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
II.2.1 A Recorrente insurge-se contra o despacho que pronunciando-se sobre requerimento que apresentou em 01-04-2021, indeferiu o mesmo, julgando improcedente a nulidade invocada, na consideração de não existir “[..] qualquer nulidade na indicação pelo sinistrado e nomeação do perito Senhor Dr. D…”.
No essencial, reiterando o que alegou naquele requerimento, defende a recorrente que o Dr. D…, perito nomeado pelo sinistrado, já se havia pronunciado, e não apenas verbalmente mas por escrito, sobre a questão a decidir nos autos, pois que é o subscritor do relatório junto pelo sinistrado aos autos em 17/02/2020 com o qual instruiu o seu pedido de revisão, por essa razão estando impedido de intervir na junta médica, por via do disposto nos art.ºs 470.º 1 e 115.º n.º1, al. c), do CPC.
Defende que a nomeação e intervenção deste Sr. Perito na junta médica, impedido de o ser por aquelas razões, consubstancia a prática de acto que a lei não admite e que pode influir e influiu no exame e decisão da causa, o que acarreta a nulidade do processado, nos ternos do art.º 195.º do CPC.
Como é sabido, o processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho é regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT e, nos casos em que essa regulamentação seja omissa, aplica-se subsidiariamente o CPC, na medida em que os previna directamente e desde que as normas subsidiárias não sejam incompatíveis com a índole do processo regulado no CPT [art.º 1.º n.º 1, n.º2 al. a, e n.º3, do CPT]
O incidente de revisão da incapacidade vem regulado, no essencial, no art.º 145.º, do CPT, e tem por objecto verificar se existe “[..] uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho”, com a finalidade de alterar ou extinguir a prestação que se encontre fixada “de harmonia com a modificação verificada” [art.º 70.º n.º1, da Lei 98/2009, de 04 de Setembro].
Decorre do art.º 145.º do CPT, no que aqui releva, que o incidente de revisão da incapacidade compreende sempre uma perícia médica singular (n.º1), mas podendo ainda haver lugar a uma segunda perícia médica, esta por junta, quando alguma das partes não se conforme com o resultado daquela primeira e o requeira; ou, ainda que as partes não o tenham requerido, por decisão do juiz, se a considerar indispensável para a boa decisão do incidente (n.º5).
Este exame colegial rege-se pelo estabelecido no art.º 139.º do CPT, relevando aqui apontar que a junta médica é constituída por três peritos (n.º1), devendo os das partes ser apresentados até ao início da diligência; se o não for, o tribunal nomeia-os oficiosamente [n.º5].
O exame por junta médica inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, mormente no que concerne ao regime de impedimentos e suspeições, relativamente ao qual o CPT é omisso, pelas normas do Código de Processo Civil [art.º 1.º n.º 2, al. a), do CPT].
Cabe, pois, atentar no art.º 470.º do CPC, com a epígrafe “Obstáculos à nomeação de peritos”, onde se estabelece, no que aqui interessa, que «[1] É aplicável aos peritos o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, com as necessárias adaptações».
O regime dos impedimentos e suspeições dos juízes consta dos artigos 115.º a 117.º e 119.º a 126.º do CPC. Assim, por força da remissão daquela disposição, deles têm aplicação aos peritos, com as necessárias adaptações, os artigos que tratam dos respetivos fundamentos, nomeadamente, 115.º, 117.º e 120.º. Os restantes contêm normas procedimentais e de prazo, às quais se sobrepõe o disposto no art.º 471.º do CPC, ou então respeitam especificamente à função judicial, por isso não tendo aplicação aos peritos.
Como se observa na decisão de 22-03-2006, do Tribunal da Relação de Guimarães [Reclamação n.º 574/06-2, Desembargador António Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt] “A todas estas figuras jurídicas anda ligada a ideia de que o perito deve desempenhar a sua função com a perfeição, rigor e exactidão exigíveis, devendo deste cargo serem arredadas todas as pessoas a quem se possam imputar quaisquer circunstâncias, ponderadamente ajuizadas, que ponham em dúvida a sua imparcialidade para o acto que vai realizar”.
Alega o recorrente que o médico indicado – e apresentado - pelo sinistrado e que nessa qualidade interveio como perito no exame por Junta Médica, estava impedido de ter essa intervenção, em razão do disposto no art.º 470.º n,º1, em conjugação com o art.º 115.º n.º1 e al.c), quando este estabelece que [1]“Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: [c)] Quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente”.
Como referimos acima, no que concerne aos procedimentos e prazos do regime de impedimentos e suspeições dos peritos há norma específica, nomeadamente, o art.º 471.º do CPC, com a epígrafe “Verificação dos obstáculos à nomeação”, cujo n.º1 dispõe o seguinte: «As causas de impedimento, suspeição e dispensa legal do exercício da função de perito podem ser alegadas pelas partes e pelo próprio perito designado, consoante as circunstâncias, dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da nomeação ou, sendo superveniente o conhecimento da causa, nos 10 dias subsequentes; e podem ser oficiosamente conhecidas até à realização da diligência».
Feito o enquadramento legal, para a apreciação desta questão importa ter em consideração, como resulta do que se levou aos factos provados, que a Ré foi notificada pelo menos por duas vezes de requerimentos apresentados pelo sinistrado, nos quais este deixou bem claro pretender indicar o Dr. D… para ser nomeado para intervir como seu perito no exame médico pericial por junta médica, por essa razão vindo expor ao tribunal, em duas ocasiões, a indisponibilidade do mesmo para estar presente nas duas diferentes datas que foram designadas.
Para além disso, resulta, ainda, que o Tribunal a quo atendeu ao requerido, designando novas datas, significando isso aceitar implicitamente a indicação daquele médico feita pelo sinistrado, a fim de integrar o colégio de peritos do exame médico.
Vale isto por dizer, repondo desde já o rigor das coisas, que a Ré não tinha qualquer razão quando iniciou o requerimento de 01-04-2021 - sobre o qual recaiu o despacho recorrido-, dizendo que “Não obstante tal não lhe ter sido notificado, pela consulta dos autos via Citius, constata o subscritor do presente requerimento que intervieram na junta médica (..)”, a querer inculcar a ideia de que só com essa consulta tivera conhecimento de que o sinistrado iria ser representado no exame por junta médica pelo Dr. D…. Aliás, para que fique igualmente esclarecido, deve ainda assinalar-se que o auto do exame por junta médica realizado a 17-03-2021 - onde consta a identificação dos Senhores peritos médicos -, foi notificado às partes em 18-03-2021.
Assim sendo, como decorre do n.º1, do art.º 471.º, do CPC, o alegado impedimento do Senhor perito Médico indicado pelo sinistrado para intervir no exame por junta médica - fundamento que a recorrente usou no requerimento objecto da decisão recorrida-, deveria ter sido invocado no prazo de dez dias a contar do conhecimento da nomeação, ou seja, pelo menos a contar da notificação à ré do requerimento do sinistrado de 03-11-2020. Como se disse, dele decorre inequivocamente o propósito do sinistrado indicar aquele perito médico para o representar no exame por junta médica.
Ora, assim não procedeu a recorrente, nem então, nem tão pouco após ser notificada do segundo requerimento com o mesmo teor, nem mesmo na sequência das notificações das decisões em que o Tribunal a quo se pronunciou sobre tais requerimentos. Daí que, sem cuidar agora de saber se lhe assistia razão, ou não, o certo é que a recorrente deixou precludir o direito de suscitar a questão do alegado impedimento do Senhor perito médico para intervir no exame por junta médica.
Por conseguinte, embora o tribunal a quo tenha apreciado o requerimento sem cuidar de ter em conta o disposto no art.º 471.º n.º1, do CPC, logo por essa razão, sempre seria de desatender a alegada nulidade da intervenção no exame por junta médica do Senhor Perito Médico indicado pelo sinistrado.
Mas ainda que assim não se entendesse, não assistiria razão à recorrente nos argumentos que opõe à decisão recorrida.
O exame por junta médica inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova (artigos 467.º e seguintes do CPC).
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 578].
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 185/186].
Servem estas notas para deixar claro que o perito não decide. A decisão cabe ao Juiz, que para tanto deve tomar em consideração a posição assumida pelos senhores peritos – enquanto “agentes de prova” - na perícia.
Assim, no caso o impedimento do senhor perito apenas poderia decorrer de intervenção neste processo, mais precisamente, no incidente de revisão, como perito, ou seja, atento o disposto na primeira parte do art.º o art.º 115.º n.º1 e al. c), do CPC.
É precisamente o que a recorrente procura defender, mas sem razão. O senhor perito não teve qualquer intervenção no exame médico singular, nem mesmo em qualquer outra diligência médica no âmbito do processo, designadamente, com vista à realização de exame complementar de diagnóstico.
Acontece é que o sinistrado ao requerer o incidente de revisão, para sustentar o alegado agravamento das lesões resultantes do incidente, juntou um relatório médico elaborado por este médico.
Ora, o facto do sinistrado se ter servido desse relatório não significa de todo que haja uma intervenção processual como perito do médico subscritor daquele documento, nem sequer que ocorra qualquer situação que se possa entender equiparada. Contrariamente ao que defende a recorrente, a situação está claramente à margem da previsão do art.º 115.º n.º1 e al. c), do CPC.
Nada impedia, pois, o sinistrado de indicar como perito, apresentando-o para o representar no exame por junta médica, o médico que o acompanhou previamente ao incidente de revisão da incapacidade e elaborou o aludido relatório médico. E, logo, inexiste qualquer nulidade processual.
Concluindo, improcede o recurso sobre a decisão que indeferiu a arguida nulidade do exame médico por alegada intervenção de perito que para tanto estava legalmente impedido.
II.2.2 Insurge-se a recorrente contra a decisão do incidente de revisão, alegando que o Tribunal a quo incorreu em violação do caso julgado.
Argumenta que, como consta da sentença, na decisão proferida nos autos principais, foi fixada ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH. Mas apesar de se reconhecer e declarar que o Apelado estava já afectado de IPATH, não se lhe aplicou o factor de bonificação 1,5 ora aplicado.
Defende resultar do art.º 70.º da Lei 98/2009, que os incidentes de revisão não podem ser usados para alterar decisões e valorações quanto a incapacidades já transitadas em julgado. A IPATH já existia, nada tendo que ver com o presente incidente de revisão, ou seja, não consubstancia qualquer agravamento da situação clínica ou incapacidade do Apelado. Se a situação clínica do sinistrado à data da consolidação médico-legal era de molde a que pudesse ser atribuída a bonificação 1.5 em função da IPATH, deveria a mesma ter sido fundamento para recurso da decisão então proferida, e que, mal ou bem, a não atribuiu.
Tal decisão, proferida há anos no processo principal, esgotou o poder jurisdicional e passou a ter a força de caso julgado. Não tendo sido interposto recurso pelo Apelado da decisão proferida nos autos principais, não pode agora proceder-se como que a uma revisão jurisdicional da mesma.
Conclui, defendendo que a decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 613. ºn.º 1, 619.º e 625.º CPC.
Enunciado o essencial da argumentação da recorrente, retira-se que o único fundamento oposto à sentença consiste na violação de caso julgado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Diz-se que a sentença forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, isto é, nos termos do art.º 628.º, CPC, “(..) logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Nos termos do n.º1, do art.º 619.º do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Por seu turno, o art.º 621.º, do mesmo diploma, dispõe que “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (..)”.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado em primeiro lugar que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial, dispondo o art.º 621.º n.º1 “[H]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A excepção de caso julgado, como meio de defesa por excepção facultado ao Réu [art.º 577.º al. f), CPC], constitui um dos aspectos em que se reforça a força e autoridade do caso julgado, ou seja, da decisão transitada em julgado (art.º 621.º, CPC).
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa em dois processos, ocorrendo quando o primeiro processo tenha findado por decisão transitada em julgado (art.º 580.º n.º1, CPC). A causa repete-se quando se propõe uma ação idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir: existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; existe identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e, identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art.º 581.º, CPC).
Designa-se por caso julgado material porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação material ou substantiva em discussão. O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo de mérito da causa e tem força obrigatória não só dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, mas também fora dele (art.º 619.º 1, CPC).
A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito (..)”. A excepção de caso julgado assenta na força e autoridade da decisão transitada, destina-se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil, já que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (art.º 625.º), o que significa que a instauração do segundo processo, ou a nova arguição da questão no mesmo processo, “(..) representaria um gasto inútil de tempo, de esforço e de dinheiro, além de constituir um perigo para o prestígio da administração da justiça, que cumpre naturalmente prevenir” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1983, pp. 309/310].
Releva ainda assinalar, como elucida Alberto dos Reis, que o caso julgado exerce duas funções, uma positiva e outra negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, tendo a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, servindo de base à execução. Exerce a segunda através da excepção de caso julgado. Porém, “(..) autoridade de caso julgado e excepção de caso julgado não são duas figuras distintas; são antes, duas faces da mesma figura. O facto jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em julgado, sobre determinada matéria. Ora bem, esta sentença pode ser utilizada, numa acção posterior, ou pelo autor ou pelo réu [..]. Temos, pois, que o caso julgado pode ser invocado pelo autor ou pelo réu; invoca-o o autor quando faz consistir nele o fundamento da sua acção: invoca-o o réu quando se serve dele para deduzir excepção. Mesmo quando funciona como excepção, por detrás desta está sempre a força e autoridade de caso julgado” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição – reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 93].
Por fim, como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21-03-2016 [proc.º 210/07.6TCLRS.L1.S1, Conselheiro Álvaro Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], é «(..) entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
Importa, ainda, deixar algumas notas essenciais sobre o factor de bonificação 1.5.
A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, com entrada em vigor 90 dias após a data da sua publicação (art.º 7.º), aplicando-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)].
Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».
Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
No que concerne ao factor de bonificação, rege o ponto 5, onde se lê, no que aqui interessa, o seguinte:
-[5] «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula : IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
(..)».
Deste número 5 das Instruções Gerais da TNI resulta, assim, que a atribuição do factor de bonificação 1.5 ocorre em três situações distintas:
i) “Se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, expressão que suscitou a necessidade de intervenção do STJ, para no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho [disponível em www.dgsi.pt], fixar que a mesma deve ser interpretada no sentido de se referir “(..) às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.
ii) Se a vitima “tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, sendo a idade do sinistrado que impõe a bonificação, quando esta não tenha ocorrido pelos motivos previstos na 1.ª parte daquela norma.
iii) Quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [al. b)], sendo que não será atribuída caso a vitima já beneficie da bonificação com um dos fundamentos da alínea anterior, isto é, funciona de forma subsidiária em relação à mesma.
Aqui cabe-nos debruçar apenas sobre a primeira causa de atribuição da bonificação, sendo de salientar, como referido na sentença recorrida, afirmar-se no aludido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que “os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho”, o que vale por dizer que se enquadram na primeira parte da previsão da al. a), do n.º5, das Instruções Gerais da TN, logo, devendo ser-lhes aplicado o factor de bonificação 1.5.
Nos incidentes de revisão da incapacidade só se procede à “determinação do valor da incapacidade a atribuir”, caso seja atribuída uma nova incapacidade, daí que a aplicação do estabelecido na norma só tenha lugar nesses casos, nomeadamente no que respeita à aplicação do factor de bonificação 1.5, desde que verificados os necessários pressupostos, à luz do estabelecido no ponto 5, entre eles, não ter o sinistrado beneficiado ainda da aplicação desse factor.
Feitas estas notas, enfoquemos na questão de saber se a sentença proferida pelo Tribunal a quo incorre em violação de caso julgado.
Refere-se nos factos provados da sentença, que [1] “B…, sofreu acidente caracterizado como de trabalho, em 24 de março de 2015, no âmbito do qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH”.
Como alega a recorrente, tendo sido atribuída uma IPP com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual [IPATH], o caso do sinistrado era susceptível de se enquadrar na previsão da 1.ª parte da alínea do n.º 5, da TNI, permitindo a aplicação do factor de bonificação 1,5. Certo é que tal não foi decidido e dessa sentença não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado.
Acontece, porém, que a recorrente descura um ponto fulcral, em concreto, que nessa sentença proferida no processo principal nem sequer foi equacionada a questão de saber se no caso concreto era de aplicar, ou não, o factor de bonificação 1.5., ou seja, no percurso lógico jurídico que conduziu à decisão, fixando ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, com IPATH, o julgador não se debruçou nem se pronunciou sobre essa questão jurídica.
Assim, sendo certo que a “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” [art.º 621 do CPC], é forçoso concluir que essa questão, não tendo sido objecto de apreciação e decisão, não está coberta pelo efeito de caso julgado daquela sentença.
Por outro lado, note-se, a sentença agora proferida, na consideração de se mostrarem reunidos os pressupostos que impõem a aplicação do factor de bonificação 1.5, incluindo dele não ter ainda beneficiado o sinistrado, decidiu proceder à sua aplicação, mas com efeitos a partir da data em que é reconhecido o agravamento da incapacidade, isto é, o da apresentação do requerimento para desencadear o incidente de revisão.
Por conseguinte, a recorrente não tem razão ao assumir que a decisão do incidente de revisão da incapacidade foi usada para “alterar decisões e valorações quanto a incapacidades já transitadas em julgado”. Esse argumento só seria válido caso a sentença proferida no processo principal se tivesse pronunciado sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5 (tendo recusado a aplicação), ou caso o Tribunal a quo tivesse feito reportar a aplicação do facto 1.5 à data da fixação da anterior incapacidade, isto é, com efeito rectroactivo. Nesse caso, sim, haveria violação de caso julgado.
Porém, é evidente que não é isso que decorre da sentença recorrida, nem a recorrente parte desse pressuposto.
Concluindo, não ocorre a alegada violação de caso julgado e, logo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a decisão e a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.

Porto, 15 de Novembro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira