Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4446/17.7T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI ATAÍDE DE ARAÚJO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
TREINADOR DE FUTEBOL
PERIODO EXPERIMENTAL EXCLUÍDO
DENUNCIA UNILATERAL DO CONTRATO
ANTES DA DATA
INDEMNIZAÇÃO PREVISTA EM CLAUSULA PENAL DO CONTRATO
Nº do Documento: RP201903084446/17.7T8OAZ.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º290, FLS.274-303)
Área Temática: .
Sumário: I – Num contrato de trabalho desportivo para contratação de um treinador, o período experimental não deixa de existir quando não excluído pelas partes, nos termos da Cláusula 11.ª da Convenção Coletiva do Trabalho entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, podendo o treinador denunciar livremente o contrato mesmo antes da data fixada para o seu início de vigência.
II – Porém, tendo sido expressamente excluído o período experimental, aquela denúncia tem de ser interpretada como uma desvinculação unilateral antes do termo inicial ou suspensivo aposto ao contrato, não servindo de causa de pedir à indemnização prevista em cláusula penal do próprio contrato para a rescisão sem causa justificativa, mas podendo justificar outra indemnização ao abrigo da responsabilidade prevista no art. 272º do Cód. Civil, ex vi do art. 278º, 2ª parte, do mesmo Código e do art. 135º do Cód. Trabalho.
III – Não tendo sido alegados, para uma indemnização nesses termos, prejuízos concretos ou quantificáveis por parte do Clube/Empregador, fica prejudicado o conhecimento de exceções suscitadas pelo Treinador/trabalhador à validade e eficácia do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4446/17.7T8OAZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
1 – Relatório
O Futebol Clube B…, propôs a presente ação declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra C…, pedindo o reconhecimento da ilicitude da resolução do contrato e a condenação deste no pagamento da quantia de €500.000, acrescido de IVA, se devido, bem como de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que, por contrato datado de 23 de Março de 2017 contratou o réu para desempenhar as funções de treinador principal de futebol da sua equipa A, com vigência nas épocas desportivas 2017/2018 e 2018/2019, devendo o réu apresentar-se ao trabalho em B… no dia 5 de Julho de 2017 e ficando convencionado o salário de €150.000 líquidos no primeiro ano e o salário de €180.000 no segundo ano, bem como o seguinte: «o treinador poderá rescindir unilateralmente o presente contrato de trabalho, ficando obrigado a pagar ao B… o valor correspondente à quantia líquida de €500.000 (quinhentos mil euros), IVA não incluído (se devido), liquidado numa só prestação, na data em que a rescisão vier a produzir efeitos (…)». Por carta de 30 de Maio de 2017, o réu procedeu à rescisão sem justa causa do contrato de trabalho. O autor remeteu carta a informar que não aceitava a rescisão, mantendo interesse na execução do contrato e que, caso não cumprisse o contrato, exigiria o referido valor. A resolução é ilícita e, como tal, o autor tem direito ao valor referido.
Contestou o réu alegando, em síntese, que na época desportiva de 2016/2017 o B… encontrava-se a disputar o Campeonato Nacional da I Divisão [Liga Nos] quando, no dia 19 de Março de 2017, após a derrota por … com o D…, contactou o intermediário E… para aferir da disponibilidade do réu vir a treinar, de imediato, a equipa da autora. Após contacto com o réu, o referido intermediário transmitiu à autora que o réu apenas admitia regressar a Portugal para treinar uma equipa da I Liga pois pretendia relançar a sua carreira em Portugal e na Europa, tendo colocado sempre como pressuposto essencial para treinar a equipa do autor, não o salário, mas que aquela disputasse a I Liga portuguesa nas épocas para as quais eventualmente viesse a ser contratado e tendo iniciado negociações para a celebração de um contrato. Entretanto, como o réu já tinha um acordo com uma equipa da F…, viajou para o G… no sentido de tentar desvincular-se do acordo já existente mas não conseguiu, tendo assinado o contrato, mas conseguindo reduzir o prazo de aviso prévio para se desvincular o que lhe permitia fazê-lo no final da época desportiva para eventualmente assumir um compromisso com a autora, tendo o réu de imediato dado conhecimento à autora desses desenvolvimentos. Em 23 de Março de 2017, autor e réu celebraram o contrato em discussão que devia produzir efeitos a partir de 5 de Julho de 2017 até 30 de Junho de 2019, sendo que havia ficado claro para a autora que era essencial para o réu assinar tal contrato que a sua equipa disputasse a I Liga portuguesa nessas épocas. Acresce que naquele momento a equipa da autora estava na 14.ª posição na I Liga, com 27 pontos e com mais 10 pontos do que a primeira equipa abaixo da linha de despromoção, faltando apenas 8 jornadas para o fim do campeonato.
Por outro lado, o réu limitou-se a aceitar a proposta da autora mas existem no contrato factores que o permitem interpretá-lo no sentido defendido pelo réu, nomeadamente que a disputa do campeonato da I Liga era essencial para a celebração do contrato, mais concretamente: Os prémios visavam objectivos que são exclusivamente alcançáveis na I Liga; A remuneração mensal é muito superior ao salário mínimo de um treinador da I ou da II Ligas; O réu indicou jogadores à autora que eram de primeira linha com potencial para vir a jogar na I Liga; e O réu abdicou de um contrato milionário na F….
Por um conjunto de circunstâncias, a equipa do réu veio a acabar o campeonato no 17.º, tendo sido despromovida à II Liga, no dia 21 de Maio de 2017 e, nesse mesmo dia, o réu ligou ao agente E… dando-lhe conta que não era o treinador da equipa de futebol da autora porque tinha sido contratado para disputar o campeonato da I Liga, tendo sugerido a marcação de uma reunião para solucionarem amigavelmente a situação mas quando o agente ligou aos dirigentes da autora a resposta imediata foi a de que não havia nada para falar porque o réu era treinador da equipa nas próximas duas épocas; não obstante isso, o réu e o agente deslocaram-se no dia seguinte às instalações da autora, reuniram com os seus dirigentes para encontrarem uma solução amigável mas estes recusaram qualquer solução.
Por estes motivos, a autora deliberadamente omitiu ao réu que o mesmo seria treinador da sua equipa na II Liga, criou um artifício de que o réu só a treinaria na I Liga, levando-o a assinar um contrato que, de outra forma, a autora sabia que o réu não assinaria.
Em data posterior a 22 de Maio de 2017 mas anterior a 30 de Maio de 2017, o réu voltou a reunir-se com os dirigentes do autor no …, o Presidente da autora, bem sabendo que o réu só se tinha vinculado para treinar na I Liga insistiu com o réu, de forma veemente e emotiva, para que este reconsiderasse porque num ano estariam na I Liga, então o réu, não ficando indiferente, reafirmou tudo o que já tinha dito mas aceitou falar com os seus adjuntos para discutir a questão; quando regressava a casa, fez estes contactos e todos transmitiram ao réu que não tinha sido esse o acordo e que seria um desastre desportivo para o réu e que não deveria aceitar e, na sequência, o réu telefonou aos dirigentes da autora e confirmou a sua decisão, tendo no dia 30 remetido comunicação escrita de cessação do contrato, bem como dos motivos que a fundamentavam – alteração das circunstâncias.
Posteriormente, no dia 20 de Junho de 2017, a autora remeteu uma comunicação ao réu em que rejeitou a existência de motivos para resolução do contrato e exigia o pagamento do valor peticionado, tendo o réu respondido que o contrato se encontrava resolvido pelos motivos pessoalmente transmitidos.
Desde que o réu comunicou a cessação do contrato, a autora teve tempo suficiente para contratar outro treinador.
Com base nestes factos, o réu invoca várias exceções melhor precisadas na sua contestação, mais concretamente: A anulabilidade do contrato de trabalho por dolo da autora; A anulabilidade do contrato de trabalho por erro sobre o objecto do negócio; A anulabilidade do contrato de trabalho por erro sobre a base do negócio; resolução do contrato de trabalho por alteração de circunstâncias; A anulabilidade do contrato de trabalho por erro na declaração de vontade do réu; A cessação do contrato de trabalho em momento anterior à sua entrada em vigor; A inconstitucionalidade da cláusula sexta, n.º 1 do contrato de trabalho; A nulidade da cláusula sexta, n.º 1 do contrato de trabalho por contrária às cláusulas 46.ª e 47.ª do CCT celebrado entre a LPFP e a ANTF; A nulidade da cláusula sexta, n.º 1 do contrato de trabalho por violação de norma imperativa; O abuso de direito; e
A redução equitativa do montante estipulado na cláusula sexta do contrato de trabalho.
Para além disso, com base na mesma factualidade, considera que existe uma violação de deveres estruturantes, como a informação, bem como um comportamento contrário à boa-fé que justifica a afirmação de responsabilidade pré-contratual da autora, pelo que deduz reconvenção no sentido da condenação da autora no pagamento ao réu do montante de €330.000 acrescido de juros de mora desde a cessação do contrato até integral pagamento.
Respondeu a autora alegando, em síntese, o seguinte:
Jamais o réu referiu ou demonstrou, expressa ou tacitamente, que era requisito essencial para a assinatura ou cumprimento do contrato que a equipa da autora disputasse a I Liga de Futebol, sendo desprovido de qualquer sentido a alegação de que a autora dolosamente omitiu do réu a possibilidade deste vir a treinar a sua equipa na II Liga porque é público e notório que a equipa da autora não tinha ainda assegurados os pontos necessários para a sua manutenção na I Liga e o contrato visa mais do que uma época desportiva, pelo que a possibilidade do réu ter que treinar a equipa na II Liga sempre esteve prevista e foi considerada pelas partes, sendo certo que se esta se tivesse mantido na I Liga, nada impedia de vir a descer para a segunda época.
Acresce que o réu é um treinador com larga experiência e sabe que isso pode acontecer, sendo certo que nunca fez qualquer referência a esse facto, nem à sua essencialidade, nem sequer o alegou para fundamentar a resolução unilateral do contrato sem justa causa.
Não existe qualquer essencialidade, qualquer erro, qualquer artifício, a autora jamais omitiu a sua intenção de contratar o réu para treinar a sua equipa durante duas épocas e se fosse essencial que o autor só treinaria a equipa do réu na I Liga, certamente teria feito constar tal essencialidade do contrato, sendo certo que o réu sabia, configurou e admitiu a possibilidade da equipa da autora descer de divisão e, mesmo assim, aceitou celebrar um contrato vigente para duas épocas desportivas, não configurando, tal facto, um erro, não havendo igualmente qualquer alteração de circunstâncias, apenas se verificou uma circunstância que era do conhecimento de ambas as partes, foi equacionado o risco e estas aceitaram avançar para a celebração do contrato.
Por outro lado, não existe denúncia no período experimental porque esta só pode ser invocada durante a execução do contrato, o que não se aplica ao caso dos autos.
Acresce que não se pode falar em nulidade ou inconstitucionalidade da cláusula sexta do contrato na medida em que este foi livremente aceite pelas partes, esclarecida e ponderadamente, sendo que o pagamento da quantia em causa não obsta a que o réu possa exercer qualquer outra atividade, não limitando a sua liberdade de trabalho, nem viola qualquer normativo legal, não devendo a quantia ser sequer reduzida.
Por fim, não existe qualquer fundamento para a aplicação do instituto da responsabilidade pré-contratual, devendo a reconvenção ser julgada improcedente.
Saneado o processo, foi proferido despacho a fixar o valor da causa em 500.000 euros, a não admitir a reconvenção, a enunciar o objecto do litígio e temas de prova.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com a seguinte:
“III – Decisão.
Pelo exposto, julgo improcedente a ação e, em consequência, absolvo o réu do pedido.
Custas pela autora.”
Não se conformando com o assim decidido, interpôs a Autora o presente recurso,
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O Autor contra-alegou,
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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2 – Factos considerados
Foram os seguintes os factos considerados como provados na primeira instância:
1. A autora é uma sociedade desportiva unipessoal por quotas que tem por objeto social a participação nas competições profissionais de futebol.
2. O réu desenvolve a atividade de treinador de futebol profissional.
3. E, em Maio de 2017, com a colaboração do Sr. E…, empresário de jogadores e treinadores, a autora contactou o réu, com intuito de o contratar para desempenhar as funções de treinador principal de futebol da sua equipa A (Equipa de Futebol de 11 sénior masculino), sob autoridade e direção do B…, mediante retribuição.
4. A autora apresentou ao réu uma proposta escrita das condições gerais, nomeadamente a duração e remuneração do contrato de trabalho.
5. O réu aceitou as condições e termos propostos pela autora e aceitou desempenhar as funções de treinador de futebol da equipa da A.
6. Em 23 de Março de 2017, as partes celebraram um contrato de trabalho no qual foi estipulado na Cláusula Segunda do Contrato de Trabalho que o mesmo vigoraria para as épocas desportivas 2017/2018 e 2018/2019 (de 30 de junho de um ano a 1 de julho do ano seguinte).
7. Já na Cláusula Terceira acordaram, por se considerar essencial e determinante para a celebração e cumprimento do mesmo contrato, que o treinador se obrigava a apresentar-se ao trabalho em B… no dia 5 de julho de 2017, bem como a fazer cumprir o início da produção de efeitos do contrato de trabalho em causa.
8. Foi igualmente estipulado que a autora pagaria ao réu, como contrapartida da atividade exercida o seguinte montante global líquido:
a) €150.000.00 (cento e cinquenta mil euros), a qual seria paga em 12 (doze) prestações mensais, iguais e sucessivas de €12.500.00 (doze mil e quinhentos euros) no decurso da época desportiva 2017/2018.
b) €180.000.00 (cento e oitenta mil euros), a qual seria paga em 12 (doze) prestações mensais, iguais e sucessivas de €15.000.00 (quinze mil euros) no decurso da época desportiva 2018/2019.
9. Convencionaram ainda as partes, para além da remuneração total, na Cláusula Quinta do “Contrato de Trabalho”, que o Réu teria igualmente direito, durante o período de vigência do contrato, a vários prémios em função dos resultados desportivos obtidos nas épocas desportivas 2017 / 2018 e 2018 / 2019, a saber:
“Cláusula Quinta – 1. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019, a fase do “Play Off” para a designada “Champions League”, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €100.000,00 (cem mil euros) líquidos. 2. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019, a fase de Grupos da designada “Champions League” o Treinador terá direito a um prémio no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) líquidos. 3. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019 a qualificação direta para a fase de grupos da designada “Liga Europa”, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros) líquidos. 4. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019 a fase do “Play off” para a designada “Liga Europa”, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) líquidos. 5. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019 a fase de Grupos (sem ser diretamente) para a designada “ Liga Europa”, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €100.000,00 (cem mil euros) líquidos. 6. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019 o jogo da final da ―Taça de Portugal, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) líquidos e, em caso de vencedor, a um prémio no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) líquidos. 7. Caso o B… obtenha o direito a disputar, pelos resultados desportivos obtidos na época desportiva 2017/2018 e 2018/2019, a última fase de grupos (Final Four) da denominada ―Taça da Liga, o Treinador terá direito a um prémio no valor de €15.000,00 (quinze mil euros) líquidos e, em caso de vencedor, a um prémio no valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) líquidos. 8. Para efeito de aplicação do disposto nos números anteriores, os prémios estabelecidos só se vencem caso os objetivos estabelecidos venham a ser efetivamente alcançados pelo trabalho do Treinador e deverão liquidados no até ao último dia da época desportiva a que digam respeito”.
10. Consta também do mesmo contrato, na cláusula sexta, que: «1 – O Treinador poderá rescindir unilateralmente e sem justa causa o presente contrato de trabalho, ficando obrigado a pagar ao B… o valor correspondente à quantia líquida de €500.000,00 (quinhentos mil euros), IVA não incluído (se devido), liquidado numa só prestação, na data em que a rescisão vier a produzir efeitos, sendo que esta só poderá ocorrer nos períodos compreendidos entre os dias 01 e 15 de Junho de cada época desportiva, devendo ser enviada comunicação de rescisão ao B…, por faz, para o número: ……………. com 15 dias de antecedência à data em que a mesma deva operar os seus efeitos» e que «2. Se o B… promover indevidamente o despedimento do Treinador, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, ou incorrer em comportamento que constitua o Treinador no direito de rescindir o contrato com justa causa, fica obrigado a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo».
11. Acordaram ainda Autora e Réu, na Cláusula Décima Quinta do “Contrato de Trabalho” que “Cláusula Décima Quinta – Em todos os casos omissos no presente contrato aplicam-se as disposições do CCT outorgado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.
12. Através de carta dirigida à autora, por si assinada e datada de 30 de maio de 2017, veio o réu comunicar à autora, sobre o «assunto: resolução do contrato de trabalho», o seguinte: «por forma a acautelar os superiores interesses da sociedade desportiva unipessoal por quotas, nomeadamente no que à preparação da época desportiva 2017/2018 diz respeito, sinto-me na penosa contingência de, por este meio, comunicar a Vª Exª a imediata resolução do contrato de trabalho entre treinador e sociedade desportiva unipessoal por quotas, celebrado no dia 23 de Março de 2017».
13. Em resposta, a autora enviou ao réu carta registada com Aviso de Receção com o n.º de registo ……….PT, informando-o que não aceita a resolução do contrato de trabalho, designadamente porquanto não existe qualquer motivo para a alegada rescisão, mantendo, por isso, o interesse na execução do mesmo.
14. A carta nunca foi levantada.
15. No dia 20 de Junho de 2017 o conteúdo da supra referida carta foi transcrito e enviado via correio eletrónico para o endereço de correio eletrónico do réu: C1…@gmail.com.
16. Por essa via, o réu foi informado de que a autora não aceitava a resolução do contrato de trabalho, “designadamente porquanto não existe qualquer motivo para a alegada resolução com justa causa, mantendo, por isso, o interesse na execução do mesmo (…)”. Mais tendo informado de que, “nos termos da cláusula sexta, número um, do contrato individual de trabalho celebrado, em caso de resolução unilateral e sem justa causa, ficaria o réu obrigado a pagar ao B… o valor correspondente à quantia líquida de €500.000,00 (quinhentos mil euros), IVA não incluído (se devido). Assim como de que, “o não pagamento voluntário implicaria recorrer às instâncias judiciais para reclamar judicialmente a quantia, acrescida do valor dos juros e demais custas judiciais.”
17. Ao que réu respondeu, para o endereço do correio eletrónico da autora, a 22 de julho de 2017, reiterando o conteúdo da carta registada datada de 30 de maio de 2017.
18. Como o réu pôs fim ao contrato acima referido, a autora contratou o treinador H…, para substituir o réu, para a época desportiva 2017/2018, o que sucedeu em 1 de Julho de 2017.
19. Após o jogo da equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino da autora, contra a equipa da D…, a contar para a 26.ª jornada do campeonato da I Liga, que se realizou no Estádio I…, sito na cidade …, …, no dia 19 de Março de 2017, jogo que a equipa da Autora perdeu por …, a autora contactou o intermediário E…, para aferir da disponibilidade imediata do Réu em vir a exercer a sua atividade profissional ao serviço da autora.
20. Perante esta possibilidade, o E… transmitiu à Autora que o Réu concebia exercer a sua atividade em Portugal,
21. Desde a época desportiva 2009/2010 que o Réu não treinava nenhuma equipa, em Portugal, e, na Europa, desde a época desportiva 2013/2014.
22. De imediato, o E… contactou o Réu, dando-lhe conta do contacto da Autora, tendo-o o Réu informado que estava de viagem marcada para o dia seguinte (isto é, 20.03.2017), juntamente com o J… e com os restantes elementos da sua equipa técnica, para o G…, onde se iriam reunir com os responsáveis do clube F…, K…, para assinar um contrato de trabalho com aquele clube.
23. O Réu informou o E… que, no dia 13.03.2017, havia recebido daquele clube uma proposta de contrato de trabalho, para o que restava da época desportiva de 2016/2017 e para a época desportiva 2017/2018, e que, dadas as excelentes relações que mantinha com aquele clube, não poderia, naquele momento, deixar de viajar e, confirmando-se as condições gerais constantes no pré-acordo antecipadamente celebrado, não poderia deixar de assinar o contrato de trabalho definitivo, pelo que não poderia assinar qualquer contrato de trabalho com a Autora para o que restava da época desportiva 2016/2017 mas estaria disponível para conversar com a Autora para vir a treinar a sua equipa na época seguinte.
24. Devolvendo o telefonema à Autora, o E… informou-a das circunstâncias acabadas de descrever.
25. No dia seguinte, a Autora tentou dissuadir o Réu de viajar para o G… e para assumir imediatamente o comando técnico da sua equipa de futebol, ao que o Réu a informou que as pessoas daquele clube lhe mereciam todo o respeito e que, por esse motivo, não poderia deixar de ir e conversar com elas pessoalmente, transmitindo-lhe ainda que tudo iria fazer para se desvincular imediatamente do pré-acordo que mantinha com o K…, sem qualquer penalização financeira, por forma a poder celebrar contrato de trabalho com a Autora para o que restava da época desportiva 2016/2017, pelo que sugeriu à Autora que apresentasse as suas condições contratuais ao E….
26. No dia 20 de Março de 2017, o Réu viajou para o G…, tendo, então, a Autora, nesse mesmo dia, encetado as ditas negociações com o E…, em nome do Réu, com vista à possível celebração de um contrato de trabalho para o que restava da época desportiva 2016/2017 – três meses – e para as épocas desportivas 2017/2018 e 2018/2019 sem perder de vista a sua situação contratual com o clube F….
27. No dia 20 de Março de 2017, encontrando-se o Réu em pleno voo para o G…, recebeu um e-mail da Autora com uma proposta, contendo as condições gerais do contrato de trabalho para o Réu treinar a equipa sénior da Autora, em que esta propunha a duração do contrato, bem como a remuneração, os prémios e os respectivos valores que o mesmo deveria auferir.
28. Apesar da intenção do Réu em assumir de imediato o comando técnico da equipa de futebol da Autora, o mesmo não se conseguiu desvincular do acordo prévio que tinha com o K…,
29. O autor assinou um contrato de trabalho com aquele clube F… – “Contract for Professional Football Coach” –, para o que restava da época desportiva 2016/2017 e para a época desportiva 2017/20185, no dia 21 de Março de 2017.
30. No contrato de trabalho celebrado, o K… obrigou-se a pagar ao Réu, como contrapartida da atividade por este exercida, as seguintes quantias líquidas:
i) $1.200.000,00 (UM MILHÃO E DUZENTOS MIL DOLARES AMERICANOS);
ii) Prémio por vitória: 200% o prémio que os jogadores receberiam;
iii) Prémios por objectivos, nomeadamente se a equipa principal:
a) Terminasse o campeonato F… em 1º lugar: $1.000.000,00 (UM MILHÃO DOLARES AMERICANOS);
b) Terminasse o campeonato F… em 2º ou 3º lugar: $500.000,00 (QUINHENTOS MIL DOLARES AMERICANOS);
c) Terminasse o campeonato F… em 4º lugar e se qualificasse para a Liga dos Campeões Asiáticos: $350.000,00 (TREZENTOS E CINQUENTA MUL DOLARES AMERICANOS);
d) Vencesse a Taça do Rei na época desportiva 2016 / 2017: $250.000,00 (DUZENTOS E CINQUENTA MUL DOLARES AMERICANOS);
e) Vencesse a Taça do Rei na época desportiva 2017 / 2018: $500.000,00 (QUINHENTOS MIL DOLARES AMERICANOS);
f) Vencesse a Super Taça F…: $250.000,00 (DUZENTOS E CINQUENTA MUL DOLARES AMERICANOS).
31. Além disso, o clube F… deveria providenciar ao Réu casa e carro, devendo suportar as despesas de avião – para o Réu e respectiva família –, bem como as despesas de saúde.
32. Ficou ainda acordado com o K… que, qualquer uma das partes envolvidas no “Contract for Professional Football Coach” o poderiam rescindir a qualquer momento, contanto que a parte que o pretendesse fazer, enviasse, à outra, uma carta com 15 dias de antecedência sobre a data de produção dos pretendidos efeitos.
33. O Réu deu imediato conhecimento escrito à Autora que havia celebrado o contrato de trabalho com o clube F…, razão pela qual, o mesmo não estaria disponível para treinar a equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino da Autora, desejando-lhe muitas felicidades.
34. Não obstante ser do conhecimento da Autora que o Réu se havia vinculado com outro clube, após sugestão do agente E… para encontrarem uma solução intermédia, insistiu junto deste para que aceitasse treinar a sua equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino a partir da época desportiva 2017/2018. 35. O agente E… sugeriu à autora que, no âmbito daquela solução intermédia, tentassem aliciar o réu com um projecto Europeu, em que lhe fossem dadas condições para poder disputar os lugares de acesso à Liga Europa.
36. Nesta sequência, no dia 23 de Março de 2017, Autora e Réu acordaram e celebraram um contrato de trabalho, denominado o “CONTRATO DE TRABALHO ENTRE TREINADOR E SOCIEDADE DESPORTIVA UNIPESSOAL POR QUOTAS” (doravante, apenas designado “Contrato de Trabalho”), acima referido.
37. Na data da assinatura do referido contrato, a equipa de futebol da Autora, ocupava a 14.ª posição da “Liga NOS”, com 27 pontos somados e com mais 10 pontos do que a primeira equipa abaixo da linha de despromoção, quando faltavam 8 jornadas para o final do campeonato.
38. Com vista à preparação da época desportiva 2017 / 2018, e por forma a alcançar os objectivos traçados na Cláusula Quinta, indicou alguns jogadores à Autora, que a Autora deveria abordar com vista à sua contratação, porquanto os considerava como jogadores de “I Liga”.
39. Entre outros, constavam nomes como L…, médio P…, que jogava na equipa do M…, que a Autora veio efectivamente a contratar; ou N…, avançado P…; O…, defesa Q…, que jogava na equipa do S….
40. No e-mail que o Réu enviou ao sr. T…, Diretor Geral da Autora, no dia 01 de Maio de 2017, aquele referiu:
“Bom dia T…, Várias pessoas me tinham falado que a U… tinha jogadores interessantes. Sem dizer qualquer nome, pedi a um especialista amigo para que fosse observar se havia algum jogador com qualidade para integrar a 1a liga. Parece que o V… tem muito potencial como 8... Nunca o vi, li o relatório que agora lhe reencaminho e posteriormente falei com o observador. (…)”
41. Nunca se conversou sobre treinar a equipa de futebol 11 (onze) sénior masculino na II Liga.
42. A Autora tinha conhecimento, por tal lhe ter sido transmitido pelo agente E…, que o réu pretendia treinar uma equipa com condições para disputar o acesso às competições Europeias.
43. No final do Campeonato Nacional da I Divisão, a equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino ficou classificada no 17.º lugar, isto é, abaixo da linha de despromoção, em igualdade pontual com a primeira equipa imediatamente acima da mesma, mas com um diferencial entre golos sofridos e golos marcados pior do que o daquela equipa em apenas um golo.
44. A equipa de futebol da Autora perdeu, entre outros, o jogo que disputou no seu estádio contra um adversário direto, a contar para a 33.ª jornada, a saber: a equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino da W…, Lda.
45. A equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino não beneficiou da vitória da equipa do X…, por 3 x 1, sobre a equipa do Futebol Y…, e não beneficiou da vitória da equipa do W…, por 2 x 0, sobre a equipa da Z…, ambos a contar para a 34ª e última jornada do Liga.
46. Desde a época desportiva 2009/2010 que, no final do Campeonato Nacional da I Divisão, nenhuma equipa classificada nos lugares de despromoção para o Campeonato Nacional da II Divisão, tinha feito mais de 30 pontos.
47. Depois da derrota da equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino da Autora, por 2 x 1, com a equipa do AB…, que se realizou no dia 21 de Maio de 2017, a contar para a 34.ª e última jornada da Liga, que ditou a sua despromoção para a II Liga, o Réu, de imediato, contactou o E…, dando-lhe conta que não era o treinador da equipa de futebol da Autora, porquanto fora contratado para a treinar na I Liga e não em qualquer outra divisão do campeonato nacional, tendo, então, sugerido o agendamento de uma reunião com a Autora, para se solucionar amigavelmente a situação.
48. Face a este telefonema do Réu, o E… contactou a Autora dando-lhe nota que, face às negociações prévias à assinatura do “Contrato de Trabalho”, nomeadamente quanto ao facto de, para o Réu ter sido pressuposto essencial para assinar o referido contrato, o facto da equipa da Autora disputar a I Liga portuguesa, seria oportuno reunirem-se as partes envolvidas, para se solucionar a questão, ao que a Autora prontamente lhe transmitiu que “não havia nada para falar” e o Réu “era o treinador da sua equipa nas duas próximas épocas desportivas”.
49. Não obstante esta postura da Autora, o Réu e o E… deslocaram-se, no dia seguinte (isto é, no dia 22.05.2017), ao Estádio da Autora, sito na cidade B…, onde se reuniram com esta, tendo-lhe o Réu transmitido que, face à descida de divisão da equipa de futebol de 11 (onze) sénior masculino da Autora, não era o seu treinador para as próximas épocas desportivas pois que o mesmo apenas aceitou celebrar contrato consigo para treinar a sua equipa na I Liga, sendo tal pressuposto essencial para a sua vinculação, pelo que, se haveria de encontrar uma solução amigável para a situação.
50. Mais informou o Réu a Autora que, além de não ter sido contratado para treinar a sua equipa de futebol na II Liga, o mesmo não era o treinador ideal para esse projecto – II Liga.
51. A Autora não aceitou encontrar uma solução amigável para a situação, afirmando que o Réu era o treinador da sua equipa para as próximas duas épocas desportivas.
52. Em data posterior a 22.05.2017, mas anterior a 30 de Maio de 2017, Autora e Réu voltaram a reunir-se, agora, em …, …, com vista a alcançarem uma solução extrajudicial para a divergência com que se depararam as partes.
53. Nessa reunião, o Sr. Presidente da Autora insistiu, de forma bastante veemente e até emotiva, para que este reconsiderasse e aceitasse treinar a sua equipa na II Liga pois num ano estariam de regresso à I Liga.
54. O Réu, após reiterar tudo quanto já havia alegado, perante a atitude emocionada do Presidente da Autora, disse que iria conversar com os seus adjuntos mas para não contar com qualquer alteração da sua posição.
55. O Réu, nessa ocasião, quando regressava a casa, na companhia do E…, contactou telefonicamente todos os elementos da sua equipa técnica, ao que todos, sem excepção, transmitiram ao Réu que não fora esse o acordo e que tal seria um desastre desportivo para o Réu, pelo que não deveria aceitar treinar a equipa de futebol desta na II Liga.
56. O Réu confirmou telefonicamente essa decisão à Autora de terminar o contrato celebrado com a mesma, pois que não poderia iniciar o contrato, já que a equipa da Autora estava na II Liga e não na I Liga.
57. No dia 30 de Maio de 2017, dado tudo quanto o Réu transmitiu pessoalmente à Autora, remeteu a comunicação escrita já referida.
58. Posteriormente à carta do Réu, de 30.05.2017, o mesmo apenas teve notícias por parte da Autora, no dia 20 de Junho de 2017, através do email pela mesma remetido, onde o informou que alegadamente lhe teria enviado uma carta registada com aviso de receção, com o n.º de registo …………PT, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor,
Como tem conhecimento, remetemos, no passado dia 08.06.2017, via carta registada com aviso de receção, com o n.º de registo ………..PT, resposta escrita à carta enviada por V. exa. para a sua morada,. Porém, V. Exa. não se dignou levantar a mencionada carta.
Portanto, 30 dias antes do final da época desportiva 2016 / 2017.
Assim, fica V. Exa. notificado para os devidos e legais efeitos do teor da resposta enviada e que passamos desde já a transcrever:
Acusámos a receção da sua carta, na qual V.exa. vem resolver o contrato de trabalho, a qual mereceu a nossa mais cuidada atenção.
Em resposta ao solicitado, somos a informar V.exa. que não aceitamos a resolução do contrato de trabalho, designadamente porquanto não existe qualquer motivo para a alegada resolução, designadamente factos que fundamentem uma resolução com justa causa, mantendo, por isso, o interesse na execução do mesmo. Mais informamos que, nos termos da cláusula sexta, número um, do contrato individual de trabalho celebrado com V.exa., em caso de resolução unilateral e sem justa causa, fica V.exa. obrigado a pagar ao B…, o valor correspondente à quantia líquida de €500.000,00 (quinhentos mil euros), IVA não incluído caso aplicável, liquidado numa só prestação, na data em que a rescisão produzir efeitos. Nessa conformidade, deverá V.exa. pagar a quantia de líquida de €500.000,00 (quinhentos mil euros), por efeito da rescisão unilateral sem justa causa invocada no prazo de 24 horas. O não pagamento voluntário implicará recorrer às instâncias judiciais para reclamar judicialmente a quantia, acrescida do valor de juros e demais custas judiciais”.
59. O Réu informou a autora que por se encontrar ausente da sua residência, em Matosinhos, desde o dia 08.06.2017, desconhecia o conteúdo da carta invocada através um e-mail para o endereço da mesma, no dia 22 de Junho de 2017, aproveitando para reiterar junto da Autora o seguinte:
“Aproveitando a oportunidade, sou a reiterar, junto de V. Exas., todo o conteúdo do M/ missiva de 30 de Maio de 2017, pelo que, o meu contrato se encontra resolvido desde essa altura, pelos motivos pessoalmente transmitidos a V. Exas., como de resto é do vosso conhecimento”.
60. A equipa do Y…, apresentou o seu treinador no dia 08 de Junho de 2017.
61. A equipa da AC…, apresentou o seu treinador, AD…, no dia 12 de Junho de 2017.
62. As melhores equipas das principais Ligas do Médio Oriente só costumam contratar treinadores Europeus que treinam equipas de I Liga.
3 – Objeto do recurso
Como é sabido e tem sido reafirmado pela Jurisprudência (vd., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.03.2005, de 11.10.2005 e de 02.11.2005, todos publicados em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso – cfr. os arts. 635, nº 4, 639º, nºs 1 e 2, e 608º, nº 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. Sendo certo que naquelas conclusões, e mais uma vez sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso, não se podem suscitar questões que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal recorrido e por ele efectivamente apreciadas – cfr. arts. 608º, nº 2, 627º, nº 1, e 635º, nº 4, este “a contrário”, do CPC - sob pena de não poderem ser apreciadas pelo Tribunal de recurso – que, como de recurso que é, não julga em 1ª instância,

Assim e no caso, atentas as conclusões supra transcritas, são as seguintes as questões a resolver:
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- se o Réu/recorrido podia denunciar o contrato sem pré-aviso, causa justificativa nem obrigação de indemnizar a Autor, por se encontrar em período experimental, como considerou o Tribunal a quo;
- se, não o podendo, há que devolver o processo à 1ª instância para apreciar as exceções, suscitadas pelo Réu, à validade e eficácia do contrato de trabalho, inclusive e designadamente, à respectiva cláusula 6ª, nº 1, que prevê a indemnização peticionada pela Autora.
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3.2 - Da denuncia do contrato ao abrigo do período experimental
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segundo o disposto no no n.º 3 do artigo 111º do Código de Trabalho, o período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes.
Por seu turno e de idêntico modo, preceitua o Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20 de 29/05/2012, e aqui aplicável, no seu artigo 11.º:
“1 - Apenas poderá estabelecer-se um período experimental no primeiro contrato de trabalho celebrado entre o mesmo treinador e o mesmo clube ou sociedade desportiva, ainda que venha a ser prorrogado ou celebrado outro contrato de trabalho para a época ou épocas seguintes.
2 - O período experimental não poderá ser superior a 15 dias, contudo cessará de imediato logo que o treinador exerça a sua actividade ao serviço do clube ou sociedade desportiva em competição oficial.
3 - O período experimental pode ser excluído por acordo escrito das partes”.
Ora, na cláusula segunda do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e o Réu, em que ficou estabelecida a duração do contrato, foi expressamente aposta, no ponto 2, a exclusão do período experimental, nos seguintes termos:
“Cláusula Segunda – 1. O presente contrato tem a duração determinada, nos termos do disposto na alínea g) do número 2 do artigo 140.º do Código de Trabalho e no artigo 8.º do Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, iniciando-se em 05 de julho de 2017 e cessando a 30 de junho de 2019, caducando automaticamente nesta última data.
2. Acordam, desde já, B… e Treinador em excluir o período experimental.”
As partes foram assim claras, inequívocas e explícitas em excluírem a existência de qualquer período experimental do contrato de trabalho, pelo que não podia o Tribunal ad quo decidir e fundamentar toda a sua decisão na presunção ou ilação da existência de período experimental como fundamento legal para justificar a rescisão unilateral do contrato de trabalho.
Tratou-se, certamente, de um lapso, derivado rpovavelmente de uma insuficiente leitura e reprodução do clausulado do contrato as partes, bem como da circunstância de a própria A. não ter invocado a questão da exclusão do período experimental nos articulados (máxime o de resposta à contestação). Ainda assim e porque está em causa matéria de facto, resultante do próprio contrato de trabalho escrito que serve de fundamento à causa, não podemos naturalmente deixar de a ela atender, superando agora o erro em que incorreu o Tribunal a quo.
Assim e quanto a esta questão de direito, não podemos sufragar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, antes tendo nós de concluir que a cessação do contrato por iniciativa do Réu não podia ser efectuada ao abrigo de um pretenso período experimental e, por essa, via, sem pré-aviso, causa justificativa ou pagamento de qualquer indemnização (cfr. art. 114º, nº 1, do CT).

3.3 – Do conhecimento das exceções à validade e eficácia do contrato de trabalho, inclusive e designadamente, à respectiva cláusula 6ª, nº 1, que prevê a indemnização peticionada pela Autora.
Não podendo o Réu ter denunciado o contrato com fundamento no período experimental, pareceria que, então, teria de pagar a indemnização peticionada pela A. e que é a prevista na cl. 6ª, nº 1, do contrato, acima transcrita (nos factos considerados). A não ser que o próprio contrato fosse de considerar inválido ou ineficaz por alguma das exceções, de tipo peremptório (cfr. art. 576º, nº 3, do CPC), que o Réu suscitou na sua contestação e que também acima se enunciaram (no relatório). E, não tendo tais questões sido ainda apreciadas em 1ª instância (por terem sido consideradas prejudicadas pela solução dada à questão do período experimental), teria o processo de ser devolvido a essa instância para o efeito (posto que, como dissemos já a propósito do objecto do recurso, não pode a Relação, como instância de recurso que é, conhecer de questões que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal recorrido e por ele efectivamente apreciadas).
Sucede, contudo, que mesmo que as questões que o Réu colocou à validade, eficácia ou, enfim, oponibilidade da cláusula indemnizatória contratualmente estipulada para a denúncia do contrato, fossem de julgar improcedentes, ainda assim e a nosso ver a indemnização peticionada não seria, face aos factos atendíveis, devida.
Expliquemos:
O contrato em causa foi celebrado/assinado pelas partes em 23/03/2017, mas para produzir efeitos a partir de 5/07/2017. Ou seja, foi-lhe aposta pelas partes e por via da cla. 2º, nº 1, uma cláusula acessória qualificável como termo inicial ou suspensivo, já que o início da produção dos efeitos do contrato foi deferido para momento ulterior ao da subscrição, ficando a eficácia do mesmo suspensa até esse momento – cfr. art. 278º do Cód. Civil.
A estipulação de uma tal cláusula é lícita, quer nos contactos em geral, quer no contrato de trabalho em particular, apenas estando sujeita a normas especiais e imperativas no caso de termo final ou resolutivo – cfr. arts. 139º e segs. do Cód. Trabalho. No caso de termo suspensivo, o art. 135º do CT., não só o admite, como remete, no demais, para os “termos gerais”, ou seja, para os termos do Cód. Civil.
Ora, assim sendo, temos de atentar em que, no caso concreto, a denúncia do contrato pelo Réu se deu antes do início da eficácia do próprio contrato, mais concretamente em 30/05/2017. E, como refere o recorrido:
“(…) se o “Contrato de Trabalho” ainda não estava em vigor aquando da sua cessação pelo Recorrido, não pode então este vir a ser condenado, o que não se admite nem concebe, no pagamento do montante estipulado na Cláusula Sexta do “Contrato de Trabalho”!”
De facto, a própria cláusula contratual que prevê a indemnização peticionada pela Autora – e que, tal como configurada, não depende de prejuízos concretos – apenas entraria em vigor depois da rescisão operada pelo R., não podendo, como tal, ser aplicável a esta. Aliás, resulta da própria redação da dita clausula 6ª, nº 1, que a mesma só tinha em vista o período de vigência efetiva do contrato (e não o período anterior), já que, não só prevê a indemnização devida pela rescisão, como que esta, a ocorrer, deveria ser efectuada “nos períodos compreendidos entre os dias 01 e 15 de junho de cada época desportiva”, ou sejam, em períodos de execução do contrato.
Claro que, perguntar-se-á: então, antes da vigência do contrato, o R. era livre de, unilateralmente, por termo ao mesmo?
Naturalmente, mesmo antes do período de vigência, o contrato não deixava já de existir e, sendo válido, vincular ambas as partes, por força do princípio geral de “pacta sunt servanda” - cfr. art. 406º, nº 1, do Cód. Civil. Mas, estando sujeito a um termo suspensivo, as obrigações inerentes ao período anterior à verificação do termo limitavam-se às previstas nos arts. 272º e 273º do Cód. Civil, ex vi do art. 278º, 2ª parte, do mesmo diploma. Assim e designadamente, o R., tal como a A., estavam obrigados “a agir, na pendência da condição (rectius, termo), segundo os ditames da boa fé, por forma a não comprometer a integridade do direito da outra parte”.
Daqui deriva que uma desvinculação unilateral teria, para se considerar lícita, de estar conforme aos ditames da boa fé em sentido objectivo. Mas, mesmo que o não fosse, a responsabilidade do contraente que ilicitamente se desvinculasse estaria sujeita às normas gerais da responsabilidade contratual, só existindo se e na medida em que causasse prejuízos concretos à outra parte – cfr. arts. 227º e 798º do Cód. Civil.
No caso, porém, a A. não alegou quaisquer prejuízos concretos e/ou quantificáveis que lhe tenham advindo da desvinculação do R., limitando-se a pedir o montante de uma cláusula penal prevista e estabelecida para a vigência do contrato – art. 810º do CC.
Vale isto por dizer que, no caso, seria inútil remeter o processo à 1ª instância para conhecer das exceções (ainda não conhecidas) levantadas pelo R. à validade e eficácia do contrato em causa, já que, mesmo não procedendo, nunca este poderia vir a ser condenado, face aos factos que alegou como causa do pedido.
Nestes termos e tendo em vista os princípios de economia processual e adequação do processado a que aludem os art. 6º, nº 1, e 547º do CPC, limitar-nos-emos a julgar o recurso improcedente na sua totalidade.
4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação, confirmando, ainda que por diferente fundamento, a sentença recorrida.

Custas pela Autora/recorrente

Porto, 8/03/2019
Rui Ataíde de Araújo
Fernanda Soares
Domingos Morais