Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16435/16.4T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: MORTE DO SINISTRADO
CÔNJUGE
REFORMA DE PENSÃO
LEI APLICÁVEL
VALOR ACTUALIZADO
ISS
IP
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RP2022062216435/16.4T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO DA AUTORA IMPROCEDENTE; RECURSO DA RÉ PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o acidente de trabalho ocorrido em 20-12-1977, na vigência da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 Agosto, é este o regime legal aplicável, pese embora o sinistrado tenha falecido em consequência do mesmo em 06/07/2019, ou seja, muitos depois daquele evento, estando agora em causa o direito às prestações reparatórias devidas à autora, enquanto beneficiária legal.
II - Essa conclusão é imposta em termos imperativos pelo artigo 187.º n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ao estabelecer expressamente a sua aplicação “a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei”, refira-se, em linha com o princípio sempre afirmado nos antecedentes regimes de reparação de acidentes de trabalho, em concreto, na Base LI/1/a, da Lei 2127, e no art.º 41.º n.º 1 al. a), da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
III - Tendo ocorrido o óbito do sinistrado e existindo nexo causal com o acidente de trabalho, assiste à beneficiária o direito às prestações fixadas na Base XIX da Lei nº 2127, no seu nº 1, com a redação que veio a ser introduzida pela Lei nº 22/92, de 14 de Agosto, com efeitos reportados a 6 de Outubro de 1988.
IV - A pensão atribuir à beneficiária para garantir os seus direitos nos termos previstos na Base XIX / 1/al. a), não constitui, em rigor, uma nova pensão, mas antes a reforma da pensão que estava atribuída àquele, a ser calculada de acordo com os mesmos princípios.
V - Por identidade das razões que sempre justificaram a actualização da pensão do sinistrado, ou seja, tendo em vista atenuar os efeitos da desvalorização monetária sobre as pensões, ultimamente nos termos previstos no DL 142/99 de 30 de Abril, também a pensão a atribuir à sinistrada deve ser sujeita às mesmas actualizações que foram aplicadas àquela pensão agora objecto de reforma, para se determinar o valor devidamente actualizado a que a autora tem direito desde o “dia seguinte ao do falecimento do sinistrado”.
VI - A Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, não previa a atribuição de subsídio por morte.
VII - A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.
VII - Na aplicação ao caso há quer em conta quais os direitos da autora perante a Ré seguradora, pois é na justa medida desses direitos que ocorre a transmissão para o sub-rogado ISS, colocando este “na titularidade do mesmo direito de crédito” que pertencia à Autora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 16435/16.4T8PRT-C.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, AA, através da apresentação de petição inicial, deu início contra a R. “X... - Companhia de Seguros, S.A.”, por apenso ao processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho no 16435/16.4T8PRT, ao presente incidente de reforma do pedido em caso de falecimento do autor, previsto nos artigos 142.º e 144.º do CPT, formulando os pedidos seguintes:
- “(...) deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e consequentemente: A) Ser a R. condenada a pagar à A.:
A1 – Pensão por morte: a) 4.958,43€ (354,17€X14), correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado até aos 65 anos da A.; b) 6.611,25€ (472,23€X 14), correspondente a 40% da retribuição anual do sinistrado após os 65 anos da A.
A2 - Subsídio por morte: 4.793,36€, correspondente a 12 vezes o valor de 1 IAS;
A3 - Subsídio por despesas de funeral: 1.310,00€;
A4 - As quantias relativas a despesas de transporte, por deslocações ao Tribunal, no valor de 30,00€.
A5 - Às quantias supra referidas devem ainda acrescer, por serem devidos, juros de mora contados à taxa legal, desde o seu vencimento até integral e efectivo pagamento no que diz respeito à prestações da pensão anual e vitalícia e quanto aos restantes subsídios, juros contados à mesma taxa, mas desde a data do óbito do sinistrado até integral pagamento.
OU B) Ser a R. condenada a pagar à A.:
B1 - Pensão por morte: a) 2.520,00€ (180€X14), correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado até aos 65 anos da A.; b) 3.360,00€ (240€ X 14), correspondente a 40% da retribuição anual do sinistrado após os 65 anos da A.
B2 - Subsídio por morte: 4.793,36€, correspondente a 12 vezes o valor de 1 IAS;
B3 - Subsídio por despesas de funeral: 1.310,00€
B4 - As quantias relativas a despesas de transporte, por deslocações ao Tribunal, no valor de 30,00€.
B5 - Às quantias supra referidas devem ainda acrescer, por serem devidos, juros de mora contados à taxa legal, desde o seu vencimento até integral e efectivo pagamento no que diz respeito à prestações da pensão anual e vitalícia e quanto aos restantes subsídios, juros contados à mesma taxa, mas desde a data do óbito do sinistrado até integral pagamento.”.
Alegou, no essencial, que o sinistrado BB foi vítima de um acidente de trabalho no dia 20.12.1977, em virtude do qual resultou para ele uma IPP de 100% com incapacidade para toda e qualquer profissão, ficando a receber uma pensão anual e vitalícia. À data do acidente, auferia o salário de 8.850$00.
No dia 06.07.2019, o sinistrado BB veio a falecer, tendo a R. aceitado o acidente como de trabalho e o nexo causal entre o mesmo e a morte. À data da morte, o sinistrado estava a receber uma pensão mensal vitalícia no valor de € 369,36, correspondente a duodécimos de 80% da retribuição anual, com as actualizações anuais.
Na tentativa de conciliação a R. apenas aceitou pagar-lhe a pensão a que tem direito tendo por base de cálculo para a retribuição anual do sinistrado o valor da pensão que este auferia desde a data do acidente com as posteriores atualizações. Aceita de igual modo pagar as despesas de funeral utilizando para o efeito o salário de € 44,14 (8.850$00) x 2 = € 88,28, sendo que a R. usa como fundamento da posição dela a aplicação ao caso da Lei n.º 2127, de
03.08.1965.
A Autora não concorda com tal posição, a qual é injusta e manifestamente insuficiente. A pensão por morte é um direito próprio e autónomo seu, sendo que o facto que dá origem a esse direito e que por isso se gera na sua esfera jurídica é a morte do sinistrado BB, ou seja, é na vigência da Lei no 98/2009, de 04.09, que adquire o direito à pensão por morte do seu marido, bem assim a todos os direitos decorrentes desse facto e previstos em tal Lei. O salário que deve estar na base de cálculo/fixação da sua pensão é aquele que o sinistrado receberia se acaso estivesse a exercer a atividade profissional dele de motorista, pelo que deve aplicar-se ao salário que ele auferia em 20.12.1977 as sucessivas taxas de variação do salário mínimo nacional, de modo a apurar qual o salário que deveria receber em 06.07.2019, pelo que a retribuição anual à data do óbito seria de, pelo menos, € 16.528,12, logo a sua pensão teria de ser de € 4.958,43 até aos 65 anos e de € 6.611,25 após os 65 anos.
Mais alega, que tem direito ao subsídio por morte no valor de € 4.793,36 – art.º 65.º, da Lei n.º 98/2009, de 04.09- e a subsídio por despesas de funeral no montante de € 1.310,00, nos termos do art.º 66.º, da mesma lei.
Alega, ainda, que caso se entenda que a retribuição base do sinistrado a levar em conta no apuramento da sua pensão anual e vitalícia não é aquela que indicou, sempre terá o Tribunal de se socorrer do salário mínimo nacional à data da morte do sinistrado BB - € 600,00 -, sendo que, numa perspetiva constitucional, aquele representa o valor imprescindível a uma subsistência digna.
Notificada nos termos previstos no art.º 142.º, n.º4, do C.P.T., a R. apresentou resposta, concluída nos termos seguintes: “(...) deve a presente acção ser julgada parcialmente procedente, reconhecendo-se à A. o direito a receber da R. Seguradora, enquanto beneficiária da vítima do acidente de trabalho dos autos, unicamente as prestações que esta última lhe ofereceu na tentativa de conciliação de 05/12/2020, com todas as consequências legais.”.
Mencionou, para além do mais, que estando assente que o sinistrado sofreu o acidente de trabalho no dia 20.12.1977 e que veio a falecer, em consequência das lesões contraídas no mesmo, no dia 06.07.2019, está-se perante um acidente de trabalho regulado pela Lei n.º2127, de 03.08.1965, e pela respetiva regulamentação - DL n.º 360/71. A Lei 98/2009, diz expressamente no art.º 187.º n.º 1, que “O disposto no Capitulo II aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei.
Considerando a retribuição do sinistrado à data do acidente - € 618,01 por ano -, a pensão a arbitrar à A., mesmo considerando as atualizações anuais, é de € 1.763,95 e, a título de reparação de despesas de funeral, tem a A. o direito a € 88,28, por ter havido trasladação. A consideração da Base LI da Lei n.º 2127 e do art.º 83.º do DL n.º 360/71 impõe que a pensão devida à A. seja a oferecida por si.
A interpretação que a A. faz, pretendendo uma aplicação retroativa do atual regime legal a um acidente ocorrido há já 44 anos, para além de não corresponder a qualquer imperativo ou ideal de justiça, arruinaria a certeza e segurança jurídicas.
Citado para o efeito previsto no art.º 1.º, n.º 2, do DL no 59/89, de 22/02, o interveniente, “Instituto da Segurança Social, I.P.”, deduziu, através da petição, um pedido de reembolso. Pediu o seguinte: “(...) Deve a final a demandada companhia de seguros ser condenada a pagar ao ISS/CNP a quantia peticionada, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da ação, bem como os respetivos juros demora legais, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.”.
Aduziu, para além do mais, que, com base no falecimento de BB, beneficiário com o no ..., foram requeridas pela A. as respetivas prestações por morte, as quais foram deferidas, sendo que, em consequência, pagou à A., a título de subsídio por morte, o montante de € 1.307,28 e pensões de sobrevivência, no período de 2019-08 a 2021-05, no montante global de € 4.757,76. Continuará a pagar à A. as pensões de sobrevivência, enquanto esta se encontrar nas condições legais, com inclusão de um 13.º mês de pensão em dezembro e de um 14.º mês em julho de cada ano, pensões essas cujo valor mensal atual é de € 194,27.
Alega ter direito ao reembolso dos montantes indicados, por força da sub-rogação legal prevista no art.º 70.º, da Lei no 4/2007, de 16.01, e nos termos do disposto no DL no 59/89, de 22.02, sem prejuízo de, no decurso da audiência, vir atualizar o respetivo pedido com o valor das pensões pagas na pendência da ação.
Notificada da petição de fls. 190 verso a 192, a R. apresentou a resposta, concluindo reiterar, nos seus precisos termos, a posição vertida na oposição apresentada.
Refere que ainda que se apure que o interveniente efetuou e continuará a efetuar as prestações que invoca, crê-se que não lhe assistirá o direito ao reembolso das mesmas perante si por se estar perante verdadeiras prestações sociais a que os beneficiários têm direito na medida e em função do histórico contributivo do falecido enquanto trabalhador inscrito na segurança social. Para o caso de assim não se entender, sempre dirá que não pode ser condenada a reembolsar o interveniente pelo que este prestar e, simultaneamente, ser condenada nas prestações que lhe reclama a A. e, muito menos, nos moldes que uma e outro reclamam.
Foi proferido o despacho saneador e procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, nos termos previstos no art.º 596.º, do C.P.C.
Procedeu-se à realização da audiência final.
I.2 Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu decisão, concluída nos termos seguintes:
-«Nos termos e com os fundamentos suprarreferidos, decido julgar o presente incidente parcialmente procedente e, em consequência:
a) condeno a R. a pagar à A.:
aa) uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019, alterável para o valor de € 2.351,93 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a capacidade de trabalho da A., acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 07.07.2019 até integral pagamento, a ser paga, no lugar da residência da A., em duodécimos, sendo que tal pensão será atualizada para € 1.776,30 com efeitos a partir de 01.01.2020, por força da Portaria no 278/2020, de 04.12, e para € 1.794,06 com efeitos a partir de 01.01.2022, por força da Portaria no 6/2022, de 04.01, deduzida da quantia de € 4.757,76, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento;
ab) a quantia de € 88,29, relativa a reparação por despesas de funeral, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 03.02.2021 até integral pagamento, deduzida da quantia de € 1.307,28, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento; e
ac) a quantia de € 30,00, relativa a pagamento dos transportes, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 03.02.2021 até integral pagamento;
b) condeno a R. a pagar ao interveniente a quantia de € 6.065,04, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento; e
c) sem prejuízo do referido em a) e b), absolvo a R. do peticionado pela A. e pelo interveniente.
Fixo o valor da causa em € 23.520,61 - cfr. art.º 120.º, n.ºo 1, do C.P.T..
*
Custas pela A. e pela R., na proporção de 70% pela A. e de 30% pela R. - cfr. artºs 1º, nos 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 527º, nos 1 e 2, do C.P.C..
*
Registe e notifique»
I.3 Inconformada com esta decisão a autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A. O presente recurso incide somente sobre matéria de direito.
B. O sinistrado, infeliz vítima, sofreu acidente de trabalho em 20/ 12/ 1977, tendo falecido em consequência do mesmo em 06/07/2019.
C. À data do acidente o sinistrado auferia o salário de 8.850,00$ x 14 meses.
D. A decisão recorrida, ao aplicar a legislação em vigor à data do acidente, sem mais, não efectuou como se impunha, uma interpretação de acordo com o pensamento legislativo, tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (Cfr. artigo 9.º do CC).
E. O legislador desde há muito tempo teve a necessidade de estabelecer limites mínimos para o cálculo das pensões por acidente de trabalho, tendo o primeiro exemplo disso sido o D.L. 668/75, de 24 de Novembro aplicável aos acidentes abrangidos pela Lei 2 127, de 03/08/1965.
F. A desvalorização da moeda e o aumento do custo de vida, implicaram a actualização das pensões/prestações, estabelecendo limite mínimo igual ao salário mínimo, que teve aplicação retroactiva, quando o salário auferido pelo sinistrado não fosse superior.
G. O valor da retribuição, conforme ficou estipulado em legislação posterior e até aos dias de hoje, não pode em caso algum ser inferior ao que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (CFr. artigo 71.º, n.º 11 da Lei 98/2009, de 04 de Setembro.
H. No cálculo das prestações e subsídios, o Tribunal a quo só poderia seguir uma de duas opções, não sendo nenhuma delas a que consta da sentença recorrida: ou procedia ao cálculo de acordo com o salário que o sinistrado receberia à data da morte com base na taxa de aumento do SMN ou utilizava o valor do SMN, à data da morte.
I. A justa reparação de que fala o artigo 59.º, nº 1, alínea f) da CRP, implica que se atenda ao salário do sinistrado, ainda que há data do acidente, com recurso à taxa de aumento do salário mínimo nacional desde a data do acidente até ao dia da sua morte.
J. Aplicando-se a taxa de variação do salário mínimo ao longo dos anos podemos apurar que à data do óbito o sinistrado receberia um salário de pelo menos 1.180,58€.
K. A pensão da Recorrente teria de ser de 4.958,43€ (354, l 7€Xl4) até à idade legal de reforma e de 6.611,25€ (472,23€ X 14) após atingir a idade legal de reforma, sendo a interpretação mais conforme com a Lei e com a Constituição (cfr. artigo 59°, n. 0 1, alínea f) da CRP). Caso assim não se entenda,
L. À luz dos preceitos contidos nos artºs 59º, nº 2, ai. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP, o salário mínimo representará, pelo menos, aquele valor imprescindível a uma subsistência condigna.
M. O cálculo da retribuição anual do sinistrado tem de ter por base, pelo menos, o salário mínimo em vigor à data da sua morte, sob pena de se estar perante uma situação de clara inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, bem assim do próprio princípio da dignidade da pessoa humana.
N. Neste sentido veja-se a mais recente jurisprudência, concretamente o Acórdão do
Tribunal da Relação de Évora, datado de 14/07 /202 l, cujo Relator foi o Senhor Juiz Desembargador Mário Branco Coelho, no processo n.º 669/l 6.4T8PTM. E 1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde deixou sumariado:
"l. Falecendo o sinistrado vários anos após o acidente de trabalho que o vitimo - no caso, quatro anos e oito meses depois - e estando assente o nexo causal entre esses dois eventos, a retribuição relevante para efeitos de cálculo da pensão devida aos beneficiários legais não pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.
2. O art. 71. º n. º 1 da LAT aplica os princípios da suficiência salarial e da igualdade remuneratória, com consagração nos arts. 59. º n. º 1 al. a) e n. º 2 al. a) da Constituição, estabelecendo o patamar mínimo de aplicação das demais normas de cálculo da pensão.
3. Sendo o art. 71. º n. º 11 da LAT absolutamente imperativo, é aplicável quando a retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado à data do acidente cumpria esse patamar mínimo, mas já não o cumpria quando, anos depois, faleceu.
-1. A solução não passa por aplicar os índices de actualização anual das pensões, a que se refere o art. 6. .º n. º 1 do DL 142/99, de 30 de Abril, se ficar demonstrado que, por essa via, a retribuição seria fixada em valor inferior à retribuição mínima em vigor à data do óbito do sinistrado, pois tal representaria uma flagrante e inadmissível violação dos princípios consagrados no art. 59. º n. º 1 al. a) e n. º 2 al. a) da Constituição.
5. Estando em causa o cumprimento de patamares mínimos da retribuição relevante para cálculo da pensão devida por acidente de trabalho, a circunstância desses patamares se situarem em níveis mais elevados quanto a pensão passou a ser devida representa o risco próprio da actividade seguradora e resulta da aplicação de preceitos imperativos da lei, aplicando princípios com consagração constitucional. ''
O. O salário mínimo garantido, à data da morte do sinistrado era de 600,00€, pelo que, a retribuição anual do sinistrado a levar em linha de conta para o cálculo da pensão por morte atribuída à A. seria de 8.400,00€ (600€ X 14).
P. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 19/04/2021,
cujo relator foi o Senhor Juiz Desembargador Nelson Fernandes, processo n .º 1480/12.7TTPRT.l.Pl, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde ficou decidido:
.. ... a justa reparação, a que nesse se alude, sob pena de deixar de o ser, não poderá deixar de ter então presente a própria desvalorização ao longo do tempo do valor da moeda, através da correção que se imponha fazer ... "
Q. Nesta solução, a pensão da Recorrente teria de ser de 2.520,00€ (180€Xl4) até à idade legal de reforma e de 3.360,00€ (240€ X 14) após atingir a idade legal de reforma.
R. Tudo de acordo com as disposições conjugadas dos artigos artºs 59º, nº 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP e 71.º, n.º 11 da LA T.
S. O subsídio por morte resulta do próprio facto morte, surgindo o direito a ele pela sua ocorrência, devendo ter-se em conta a legislação em vigor à data da morte do sinistrado.
T. É da mais basilar justiça que se a legislação em vigor à data da morte do sinistrado prevê o direito ao subsídio por morte, então os familiares do sinistrado têm direito ao mesmo, ainda que não estivesse previsto na data em que o acidente ocorreu.
U. A Recorrente tem direito a que lhe seja atribuído subsídio por morte no valor de 4. 793,36€, correspondente a 12 vezes o valor de 1 IAS.
V. Ao impedir o acesso a um subsídio que no momento da morte do sinistrado, no caso, no ano 2019, implica para a Recorrente mais custos do que aqueles que teria acaso o facto morte tivesse ocorrido na data do acidente do sinistrado, leva a uma situação inadmissível, por desigual, desproporcional e, por isso, injusta.
W. A sentença recorrida viola as normas constantes da lei nº 2127, de 03/08/ 1965, do Decreto-Lei 668/75, de 24 de Novembro, em conjugação com os artigos artºs 1 º, 13º, 59º, nº 2, ai. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP e art. 71.º n.º 11 da LAT, pelo que deve ser alterada.
TERMOS EM QUE, deve a sentença recorrida ser revogada e alterada por outra que julgue o acção totalmente procedente por provada e condene a Recorrida/R. a pagar à A. a pensão anual de:
a) 4.958,43€ (354,17€Xl4) até à idade legal d reforma e de 6.61 1,25€ (472,23€ X 14) após atingir a idade legal de reforma; ou
b) 2.520,00€ (180€X14) até à idade legal da reforma da A. e a quantia de 3.360,00€ (240€ X 14) após atingir a idade legal da reforma;
E AINDA
c) Subsídio por morte no valor de 4.793,36€;
d) Juros à taxa legal em relação aos valores referidos em a) ou b) e ainda c), contados desde a data do óbito do sinistrado até integral e efectivo pagamento.
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, sintetizando-as a final como segue:
- É pacífico que o sinistrado de que a Apelante é beneficiária, na sua condição de viúva do mesmo, ocorreu no dia 20/12/1977, sendo certo que o malogrado sinistrado veio a falecer, no dia 06/07/2019 em consequência das lesões e sequelas de tal acidente.
- Assim, estamos perante um acidente de trabalho regulado pela Lei nº 2127, de 03/08/1965 e respetiva regulamentação - DL nº 360/71.
- Já a Lei 98/2009, cuja aplicação ao caso reclama a Apelante, diz expressamente, no seu Artº 188º, que entra em vigor no dia 01.01.2010 e, no seu artº 187º nº 1 refere claramente o seguinte: “O disposto no Capitulo II aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei.”, sendo que o Capítulo II da Lei nº 98/2009 abrange do artº 3º ao artº 92º de tal diploma, abrangendo por isso todo o regime da definição e reparação dos acidentes de trabalho.
- Tendo o acidente a que respeitam os autos ocorrido no dia 20.12.1977, o regime legal por força do qual se há-de proceder à reparação dele é, sem margem para dúvidas, o da Lei nº 2127 e do DL nº 360/71.
- Assim sendo dado que a retribuição do sinistrado à data do acidente era de € 618,01 por ano a pensão a arbitrar à Apelante já considerando as atualizações anuais, é de € 1.763,95, cabendo-lhe ainda receber para reparação de despesas de funeral, € 88,28 – cfr. Base LI da Lei nº 2127 e artº 83º do DL nº 360/71.
- Mais: da Lei 2127 e do DL 360/71 que constituem o regime legal de reparação do acidente de trabalho a que se reportam os autos nem sequer o previa, a Apelante nada pode reclamar a título de subsídio por morte.
- Pretender a aplicação retroactiva da Lei 98/2009 ao acidente dos autos, ocorrido há já 44 anos, para além de não corresponder a qualquer imperativo ou ideal de justiça, arruinaria a certeza e segurança jurídicas, o que acarreta a sua inconstitucionalidade.
- Trata-se, além disso, de uma pretensão expressamente vedada pela letra da lei - cfr. artºs 187º e 188º, ambos da Lei nº 98/2009 (assim como o artº 41º, nº 1, alínea a), da Lei nº 100/97, artº 71º, nº 1, do DL nº 143/99, e artº 1º, do DL nº 382-A/99, de 22.09) e artº 9º, do Código Civil.
A solução preconizada pela Apelante não é o meio legal de respeitar a dignidade humana – é antes uma inconstitucionalidade e ilegalidade grosseira, geradora de absurdas injustiças relativas, beneficiando a Apelante sem qualquer suporte legal e nem sequer moral.
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
I.5 Discordando igualmente da sentença, na parte em que a condena a reembolsar ao ISS, IP a quantia de € 1.307,28 que este pagou à A. a título de subsídio por morte e ainda quantia de € 4.757,76 que o mesmo pagou a título de pensões de sobrevivência, a seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. Encerro as alegações com as conclusões seguintes:
1. à reparação do acidente de trabalho em causa no presente incidente, não é aplicável a Lei nº 98/2009, de 04.09 e a legislação complementar da mesma, nomeadamente o Decreto nº 360/71, de 21.08.
2. Assim sendo, aquilo que a Apelante está obrigada prestar à A. é a exacta medida e limite daquilo que possa ter que reembolsar ao ISS, IP.
3. Do regime legal referido resulta que a A. apenas tinha direito a receber da Apelante
- uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 185,40, devida desde o dia 07.07.2019, a ser paga, no lugar da sua residência, em duodécimos, alterável para o valor de € 247,20 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
- a quantia de € 88,29 (8.850$00 X 2), relativa a reparação por despesas de funeral; e
- a quantia de € 30,00, relativa a pagamento dos transportes
4. Por força da posição da Apelante nos autos - confissão parcial – a pensão que deveria pagar à A., na sua qualidade de viúva do sinistrado, era não de € 185,40/ano mas antes de € 1.763,95/ano, atentas as sucessivas actualizações à remuneração do sinistrado, desde 1977 até 2019 – mais se aceitando as actualizações efectuadas desde 2019 até à data.
5. Na Lei nº 2127, de 03.08.1965, não está previsto qualquer subsídio por morte, pelo que nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a tal título.
6. Ora, o próprio ISS, IP, aqui Apelado, refere claramente no seu requerimento inicial que vem pedir o reembolso daquilo que prestou à A., ao abrigo do disposto nos Arts. 2º e 3º do DL 59/89 de 22/02 e do Art. 70º da Lei 4/2007 de 16/01.
7. A própria decisão em crise declara que o direito do ISS, IP ao reembolso das verbas que reclama decorre de tais diplomas legais, ou seja, do DL 59/89 (que por mero lapso referencia como 59/98) e da Lei 4/2007 transcrevendo o artº 70º, da Lei nº 4/2007, de 16.01 (Lei que, por força do seu artº 1º, “define as bases gerais em que assenta o sistema de segurança social, adiante designado por sistema, bem como as iniciativas particulares de fins análogos”: “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”.
8. A própria decisão em crise declara que “relativamente às quantias por si pagas quer a título de pensão de sobrevivência quer a título de subsídio por morte ao familiar de um beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho, “Instituto da Segurança Social, I.P.” fica sub-rogado nos direitos de tal familiar perante o responsável por tal acidente
9. Ou seja, não só o Apelado ISS, IP o invoca, como a decisão em crise o declara expressamente – o direito do ISS, IP ao reembolso do que prestou à A., viúva de sinistrado em acidente de trabalho, decorre do facto de ter ficado sub-rogado nos direitos daquela.
10. Como ensina Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 5ª Ed., pág. 344), “a sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o subrogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.
11. No mesmo sentido, ensina Vaz Serra que, “a sub-rogação atribui ao “solvens” os direitos do credor, enquanto que o direito de regresso é um direito resultante de uma obrigação especial existente entre o seu titular e o devedor, não operando, portanto, ao contrário daquela, uma transmissão dos direitos do credor para o autor da prestação.”
12. O que, de resto, é o que resulta claramente da lei - cfr. Arts 592º e . 593º CCiv..
13. Aqui chegados, é evidente que decidiu erradamente a Mma. Juiz a quo ao condenar a Apelante a reembolsar o ISS,IP dos € 1.307,28 que este pagou à A. a título de subsídio por morte – até porque já declarara que ”.. cumpre destacar que, por na Lei nº 2127, de 03.08.1965, não estar previsto um qualquer subsídio por morte, nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a título de subsídio por morte.” – sic
14. Uma vez que o ISS, IP está sub-rogado nos direitos da A. e não existindo na esfera jurídica desta o direito a receber da Apelante qualquer verba a título de subsídio por morte, ao decidir como decidiu a Mma. Juiz a quo interpretou erradamente e com isso violou os Arts. 70º da Lei 4/2007, todo o regime da Lei 2127 pois que na mesma não se prevê tal prestação, o Art. 4º do DL 59/89 e os Arts. 592º nº 1 e 593º nº 1 CCiv.
15. Violou ainda o Art. 4º do DL 59/89.
16. Está assente nos autos que a pensão anual que a Apelante – por força da sua confissão parcial do pedido da A. – era de 1.763,95 no ano de 2019, de € 1776,30 no ano de 2020 e de € 1.794,06 no ano de 2022.
17. Assim sendo, como é, o direito da pensão da A. perante a Apelada no período de Agosto de 2019 a Maio de 2021 atingiria a quantia global de € 3.251,40, correspondendo € 734,95 aos meses de Agosto a Dezembro de 2019, € 1.776,30 a todo o ano de 2020 e € 740,15 relativo aos meses de € Janeiro a Maio de 2021 (sempre inclusive).
18. Ao condenar a Apelante a reembolsar o ISS,IP em tudo aquilo que este pagou à A. - € 4.75,76 - por esse mesmo período temporal mas sem ter consideração o que eram os efectivos e reais direitos desta perante a Apelante, direitos estes em que ficou sub-rogado o apelado, a Mma. Juiz a quo violou uma vez mais os Arts. 592º e 593º CCiv, Art. 4º DL 59/89, Art. 70º Lei 4/2007 e todo o regime da Lei 2127/65 e do DL 360/71 que a regula.
19. Por força de tais preceitos legais, tal como pugnou na sua oposição, deve a Apelante ser absolvida do pedido de reembolsar o ISS, IP dos € 1.307,28 pagos a título de subsídio por morte e deve ainda declarar-se que o direito daquele a reembolsar da Apelante aquilo que pagou a título de pensões de sobrevivência se encontra limitado ao montante máximo que a Apelante deveria pagar à A., ou seja, € 3.251,40 desde Agosto de 2019 a Maio de 2021.
Nestes termos, e ainda pelo que, como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida, que absolva parcialmente a Apelante nos moldes requeridos.
I.6 Não foram apresentadas contra-alegações.
I.7 O Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso da autora e d improcedência do recurso da Seguradora.
I.8 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação pelas recorrentes consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Recurso da autora:
Ao aplicar a legislação em vigor à data do acidente, ao invés de aplicar a Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
Ao não atender ao disposto no art.º 71.º daquela Lei e 59.º da CRP, para proceder ao cálculo de acordo com o salário que o sinistrado receberia à data da morte com base na taxa de aumento do SMN ou utilizar o valor do SMN, à data da morte.
Ao não condenar a Ré a pagar subsídio por morte, tendo em conta a legislação em vigor à data da morte do sinistrado.
ii) Recurso da seguradora
Ao condená-la a reembolsar o ISS,IP em tudo aquilo que este pagou à A. - € 4.75,76 – e dos € 1.307,28 pagos a título de subsídio por morte, sem ter em consideração o que eram os efectivos e reais direitos desta perante a Apelante, direitos estes em que ficou sub-rogado o apelado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida, o Tribunal a quo fixou os factos seguintes:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1º- BB faleceu no dia 06.07.2019 no estado de casado com a A. (alínea A), dos factos considerados assentes).
2.º- A A. nasceu no dia .../.../1956 (alínea B), dos factos considerados assentes).
3.º- No dia 20.12.1977, BB foi vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da entidade “H...” como motorista (alínea C), dos factos considerados assentes).
4.º- À data de 20.12.1977, BB auferia o salário de 8.850$00 x 14 meses (alínea D), dos factos considerados assentes).
5.º- O acidente ocorreu quando BB seguia numa viatura da entidade “H...”, teve um acidente de viação do qual resultou uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ficando a receber uma pensão anual e vitalícia (alínea E), dos factos considerados assentes).
6.º- Foi em consequência do acidente que BB veio a falecer, tendo havido trasladação (alínea F), dos factos considerados assentes).
7.º- À data de 20.12.1977, a entidade “H...” tinha a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho em que fosse interveniente BB transferida para a R. pelo salário de 8.850$00 x 14 meses, mediante contrato de seguro (alínea G), dos factos considerados assentes).
8.º- Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual a R. esteve representada, teve lugar no dia 03.02.2021 (alínea H), dos factos considerados assentes).
9º- A A. despendeu a quantia de € 1.310,00 com o funeral de BB, mas já recebeu da Segurança Social a quantia de € 1.307,28, a título de subsídio por morte atribuído para compensação pelas despesas com o funeral de BB.
10.º - Na fase conciliatória do processo, a A. gastou a quantia de € 30,00 com deslocações ao Tribunal.
11.º- O interveniente, através do Centro Nacional de Pensões, pagou Subsídio por Morte, relativamente ao beneficiário no ..., BB, no valor de € 1.307,28, à A. e Pensões de Sobrevivência, relativas ao período de 2019-08 a 2021-05, no total de € 4.757,76, à A., sendo o valor mensal atual de € 194,27.
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
1º- Com base no falecimento de BB, foram requeridas no interveniente, pela A., as respetivas prestações por morte, as quais foram deferidas.
2.º- O interveniente continuará a pagar à A. as pensões de sobrevivência, enquanto esta se encontrar nas condições legais, com inclusão de um 13º mês de pensão em dezembro e de um 14o mês em julho de cada ano.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.2.1 Recurso da autora
A recorrente discorda da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no essencial, no pressuposto de que errou ao ter aplicado a lei vigente à data da ocorrência do acidente de trabalho, quando deveria antes ter aplicado o regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho estabelecido na Lei 98/2009, de 4 de Setembro, mormente, o art.º 71.º, o que se impunha por via do princípio constitucional do direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho, consagrado art.º 59.º n.º 1, al. f), da CRP.
Discorda, ainda, em razão do Tribunal a quo não ter condenado a Ré a pagar-lhe subsídio por morte, tendo em conta a legislação em vigor à data da morte do sinistrado.
Na fundamentação da decisão recorrida, quanto à determinação da lei aplicável e aos efeitos daí decorrentes para determinação das prestações devidas à autora, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«Em primeiro lugar, cumpre solucionar a questão de saber se, à reparação do acidente de trabalho em causa no presente incidente, é aplicável a Lei no 98/2009, de 04.09.
Dispõe o artº 1º, no 1, da Lei n.º 98/2009, de 04.09, que: “A presente lei regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284o do Código do Trabalho, aprovado pela Lei no 7/2009, de 12 de fevereiro.”.
Já o art.º2º, da Lei no 98/2009, de 04.09, estatui que: “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.”.
Quanto ao art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04.09, o mesmo prescreve que: “O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.”.
Acontece que decorre dos art.ºs 187.º n.º 1, e 188.º, ambos da Lei no 98/2009, de 04.09, que o disposto no capítulo II, de tal Lei, apenas se aplica a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da referida Lei e que a mencionada Lei entrou em vigor no dia 01.01.2010.
Ora, o capitulo II, da Lei no 98/2009, de 04.09, tem a epígrafe “Acidentes de Trabalho”; abrange os art.ºs 3o a 92.º, todos da aludida Lei; e constitui a regulamentação do regime de reparação de acidentes de trabalho.
Tendo em conta os pontos 1.º e 3.º a 8.º, todos dos factos provados, simples é de ver que o acidente de trabalho em causa no presente incidente é o acidente de trabalho de que BB foi vítima no dia 20.12.1977.
Ora, ante todo o exposto e tendo em conta a data na qual BB foi vítima do referido acidente, impõe-se concluir que, à reparação do acidente de trabalho em causa no presente incidente, não é aplicável a Lei no 98/2009, de 04.09.
A este passo, importa deixar consignado que, ante a norma de aplicação de lei no tempo constante do arto 187o, no 1, da Lei no 98/2009, de 04.09, não se afigura defensável o entendimento segundo o qual a circunstância de o facto constitutivo de um direito de um familiar de um sinistrado que foi vítima de um acidente de trabalho do qual resultou a morte ser esta morte faz com que tal direito deva ser regulado pela legislação de regulamentação do regime de reparação de acidentes de trabalho em vigor à data da morte de tal sinistrado
[..]
Tendo em conta os pontos 3º a 6º, todos dos factos provados; os artºs 186º, da Lei no 98/2009, de 04.09, 41º, no 1, alínea a), e 42º, ambos da Lei no 100/97, de 13.09, 71º, n.º 1, do DL no 143/99, de 30.04, e 1º, do DL no 382-A/99, de 22.09; a Base LI, no 1, alínea a), da Lei no 2127, de 03.08.1965; e o art.º 83º, nº 1, do Decreto nº 360/71, de 21.08, há que considerar que, ao acidente de trabalho em causa no presente incidente, é aplicável a Lei n.º 2127, de 03.08.1965, e a legislação complementar da mesma, nomeadamente o Decreto n.º 360/71, de 21.08.
[…]
Considerando que decorre da Lei no 2127, de 03.08.1965, que o facto constitutivo do direito a uma pensão por morte ao abrigo da Base XIX, de tal Lei, é a morte do sinistrado que foi vítima de um acidente de trabalho do qual resultou a morte, há que declarar que - uma vez que emerge do ponto 1º, dos factos provados, que a morte de BB ocorreu em data posterior à de 06.10.1988 - se impõe ter em conta, no presente incidente, a Base XIX, da Lei no 2127, de 03.08.1965, na redação que foi introduzida pela Lei no 22/92, de 14.08.
Em consequência e ante o Decreto no 360/71, de 21.08, e os pontos 1.º a 6º, todos dos factos provados - dos quais decorre que a morte de BB resultou do acidente de trabalho de que o mesmo foi vítima no dia 20.12.1977, que, à data de tal morte, a A. era cônjuge de BB e que a A. ainda não perfez a idade de reforma por velhice -, a A. teria direito a receber uma pensão por morte, anual, correspondente a 30% da remuneração base de BB até perfazer a idade de reforma por velhice e a 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho, devida desde o dia 07.07.2019.
Sendo que, ante os pontos 3.º a 6º, todos dos factos provados, a remuneração base de BB a ter em conta para o cálculo de tal pensão deverá ser, por força da Base XXIII, nos 1 e 6, da Lei no 2127, de 03.08.1965, a de 8.850$00 x 14 meses, ou seja, a de € 618,01.
A este passo, cumpre destacar, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 17.11.2021 no âmbito do processo no 308/06.1TTLMG-B.C1, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, em cujo sumário está referido o seguinte: “Em caso de acidente de trabalho mortal, a retribuição do sinistrado a atender para efeitos de quantificação das pensões devidas é a que o mesmo auferia à data do acidente, mesmo que a morte tenha ocorrido num momento em que o salário mínimo nacional vigente à data da morte seja superior àquela retribuição.” e em cuja fundamentação está referido o seguinte: “(...) pese embora o acidente em apreciação se revista de algumas nuances, posto que, ocorreu em 2005 e o sinistrado veio a falecer em 2016, a sua reparação nos termos supra enunciados e conforme resulta do artigo 26.o da anterior LAT, não se nos afigura que viole o direito à justa reparação nem o princípio da igualdade. (...)”.
Ante todo o explanado e tendo em conta a Lei nº 2127, de 03.08.1965, o Decreto nº 360/71, de 21.08, o arto 6o, do DL no 142/99, de 30.04, e os pontos 1º a 7º, 9º e 10º, todos dos factos provados, a A. teria direito a receber da R.:
- uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 185,40, devida desde o dia 07.07.2019, a ser paga, no lugar da sua residência, em duodécimos, alterável para o valor de € 247,20 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
- a quantia de € 88,29 (8.850$00 X 2), relativa a reparação por despesas de funeral; e
- a quantia de € 30,00, relativa a pagamento dos transportes.
Sucede que, na resposta de fls. 184 a 187, a R. pediu que seja reconhecido à A. o direito a receber de si unicamente as prestações que lhe ofereceu na tentativa de conciliação de 05.12.2020.
Sendo que, compulsado o auto de fls. 134 a 135, o qual diz respeito a uma primeira tentativa de conciliação realizada no dia 05.12.2020, impõe-se concluir a seguinte factualidade: em tal tentativa de conciliação, o legal representante da R. disse que a R. aceita conciliar-se quanto à pensão anual e vitalícia de € 1.763,95, desde 07.07.2019.
Ora, tendo em conta que o valor de “uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 185,40” é inferior ao valor de € 1.763,95 e que o valor de € 1.763,95 é inferior a qualquer um dos dois valores que a A. peticiona na petição inicial de fls. 159 a 164 a título de pensão por morte, impõe-se considerar que houve, na resposta de fls. 184 a 187, uma confissão parcial do pedido e, consequentemente, que a A. teria direito a receber da R. uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019, a ser paga, no lugar da sua residência, em duodécimos, alterável para o valor de € 2.351,93 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho.
Ante o exposto, os vários pontos dos factos provados e o artº 135º, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.) (o qual dispõe que: “Na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.” (sublinhado meu)), a R. deveria ser condenada a pagar à A.:
- uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019, alterável para o valor de € 2.351,93 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a capacidade de trabalho da A., acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 07.07.2019 até integral pagamento, a ser paga, no lugar da residência da A., em duodécimos, sendo que tal pensão será atualizada para € 1.776,30 com efeitos a partir de 01.01.2020, por força da Portaria nº 278/2020, de 04.12 (o valor de € 1.776,30 é resultante da aplicação da percentagem de aumento de 0,70% prevista no artº 2º, da Portaria no 278/2020, de 04.12) e para € 1.794,06 com efeitos a partir de 01.01.2022, por força da Portaria no 6/2022, de 04.01 (o valor de € 1.794,06 é resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1% prevista no artº 2.º, da Portaria no 6/2022, de 04.01);
[..]
A este passo, desde logo cumpre destacar que, por na Lei no 2127, de 03.08.1965, não estar previsto um qualquer subsídio por morte, nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a título de subsídio por morte.».
Insurge-se a recorrente sustentando, no essencial, que o Tribunal a quo deveria ter feito “uma interpretação de acordo com o pensamento legislativo, tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, para defender que atendendo ao disposto no art.º 71.º, da Lei n.º 98/2009, de onde decorre que o valor da retribuição a considerar para o cálculo das prestações não pode ser inferior ao que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, a conjugar com o art.º 59.º n.º 1, al. f), da CRP, pelo que só poderia seguir uma de duas opções, proceder ao cálculo de acordo com o salário que o sinistrado receberia à data da morte com base na taxa de aumento do SMN ou utilizar o valor do SMN, à data da morte.
Defende, ainda, que o subsídio por morte resulta do próprio facto morte, surgindo o direito a ele pela sua ocorrência, devendo ter-se em conta a legislação em vigor à data da morte do sinistrado, tendo direito a que lhe seja atribuído subsídio por morte no valor de 4. 793,36€, correspondente a 12 vezes o valor de 1 IAS.
Contrapõe a recorrida seguradora, no essencial, que a Lei 98/2009, cuja aplicação ao caso reclama a Apelante, estabelece expressamente, no seu art.º 187º nº 1, aplicar-se a acidentes de trabalho ocorridos após sua a entrada em vigor. Tendo o acidente a que respeitam os autos ocorrido no dia 20.12.1977, o regime legal por força do qual se há-de proceder à reparação dele é o da Lei nº 2127 e do DL nº 360/71.
Assim, dado que a retribuição do sinistrado à data do acidente era de € 618,01 por ano, a pensão a arbitrar à Apelante já considerando as atualizações anuais, é de € 1.763,95.
Mais opõe que, a Lei 2127 e o DL 360/71 não previam a atribuição de subsídio por morte, não tendo a autora fundamento legal para o reclamar.
Diremos, desde já, concordarmos sem qualquer reserva com o Tribunal a quo quando conclui que “à reparação do acidente de trabalho em causa no presente incidente, não é aplicável a Lei no 98/2009, de 04.09”, antes sendo aplicável o regime de reparação de acidentes de trabalho vigente à data da ocorrência do acidente de trabalho, ou seja, “a Lei n.º 2127, de 03.08.1965, e a legislação complementar da mesma, nomeadamente o Decreto n.º 360/71, de 21.08”.
Essa conclusão é imposta em termos imperativos pelo artigo 187.º n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ao estabelecer expressamente a sua aplicação “a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei”, refira-se, em linha com o princípio sempre afirmado nos antecedentes regimes de reparação de acidentes de trabalho, em concreto, na Base LI/1/a, da Lei 2127, e no art.º 41.º n.º 1 al. a), da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
Pelas mais variadas razões, a questão de saber qual a lei aplicável para a reparação de determinado acidente de trabalho tem sido colocada inúmeras vezes ao longo da vigência de cada um daqueles regimes, sendo pacífico o entendimento da jurisprudência, ancorado na regra de aplicação da lei no tempo afirmada sucessivamente naqueles normativos, no sentido da aplicabilidade da lei vigente à data da ocorrência do acidente de trabalho. Ilustra-o o aresto referido pelo Tribunal a quo, nomeadamente, o Ac. do TRC de 06-03-2020 [Proc.º 1017/15.6T8CBR.C1, Desembargador Ramalho Pinto, disponível em www.dgsi.pt], afirmando-se no respectivo sumário: “Tendo o acidente de trabalho ocorrido na vigência da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 Agosto, é este o regime legal aplicável”.
Entendimento que não é afastado, pelas mesmas razões, nos casos como o aqui presente, em que o sinistrado sofreu acidente de trabalho em 20/ 12/ 1977, tendo falecido em consequência do mesmo em 06/07/2019, ou seja, muitos depois daquele evento, estando agora em causa o direito às prestações reparatórias devidas à autora, enquanto beneficiária legal.
Com efeito, como também invoca o Tribunal a quo, no Acórdão de 17-11-2021, do Tribunal da Relação de Coimbra [Proc.º n.º 308/06.1TTLMG-B.C1, Desembargadora Paula Maria Roberto, disponível em www.dgsi.pt], sendo de assinalar que em caso similar ao presente, no respectivo sumário é afirmado o seguinte: “Em caso de acidente de trabalho mortal, a retribuição do sinistrado a atender para efeitos de quantificação das pensões devidas é a que o mesmo auferia à data do acidente, mesmo que a morte tenha ocorrido num momento em que o salário mínimo nacional vigente à data da morte seja superior àquela retribuição”. Para que melhor se compreenda o percurso seguido e a similitude com o caso em apreço, na fundamentação do aludido acórdão consta o seguinte:
[..]
Como refere Carlos Alegre, <<as pensões (por incapacidade ou por morte), bem como as indemnizações (prestações pecuniárias por incapacidade temporária) são, agora, calculadas directamente sobre a retribuição que o sinistrado ou doente realmente auferia (ou devia auferir) na data do acidente ou do diagnóstico final da doença profissional. (…)
A retribuição corresponde, segundo o artigo 26.º, àquilo que o sinistrado recebia no dia do acidente (…), se isso representar a retribuição normalmente recebida.>>
E, no mesmo sentido, o artigo 71.º da nova LAT, nos termos do qual, <<a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente>>.
É certo que a lei determina que em nenhum caso a retribuição poderá ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (n.º 8 do artigo 26.º da anterior LAT), no entanto, tal estipulação não pode deixar de referir-se à retribuição auferida à data do acidente, face ao disposto no n.º 1 do artigo 26.º da mesma LAT.
Acresce que, os recorrentes invocam a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 20, nº 1, d) e nº 2, da Lei 100/97, de 13-09 e do art.º 56º, nº 1, a), do Dec. Lei nº 143/99, de 30/04, no sentido de atribuir aos beneficiários pensionistas, nos casos de morte do sinistrado, passados muitos anos (neste caso quase 11 anos) após a data do acidente, uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, com base no salário auferido pelo sinistrado à data do acidente, por violação do direito à justa reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, consagrado no art. 59º, n.º 1, a l. f), da Constituição, conjugado ainda com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da mesma lei, já que lhes limita o direito de poderem receber pelo valor que à data da morte do sinistrado ou à data da fixação da pensão, corresponde ao salário mínimo nacional e, ainda, que os citados normativos devem ser considerados inconstitucionais por violação do direito à justa reparação e do princípio da igualdade quando interpretados como a sentença de que ora se recorre interpretou.
Conforme resulta do artigo 59.º, n.º 1, f), da CRP, todos os trabalhadores têm direito a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
Por outro lado, <<todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei>> - n.º 1 do artigo 13.º da CRP, princípio (geral) da igualdade reiterado no n.º 1 do citado artigo 59.º da Lei fundamental (direitos dos trabalhadores), no sentido de que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…)>>.
Ora, pese embora o acidente em apreciação se revista de algumas nuances, posto que, ocorreu em 2005 e o sinistrado veio a falecer em 2016, a sua reparação nos termos supra enunciados e conforme resulta do artigo 26.º da anterior LAT, não se nos afigura que viole o direito à justa reparação nem o princípio da igualdade.
Na verdade, não existe qualquer discriminação ou disparidade de tratamento do trabalhador sinistrado, por um lado, nem violação do direito à justa reparação, na medida em que, as pensões são calculadas com base na retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente e serão atualizadas (artigo 6.º do DL n.º 142/99, de 30/04) ou obrigatoriamente remidas, neste caso, nos termos do disposto na Portaria n.º 11/2000, de 13/01, mais concretamente, com base nas tabelas do respetivo anexo, tendo em conta a idade do beneficiário e as respetivas taxas, [..]».
Acompanhamos este entendimento, a nosso ver claramente transponível para o caso vertente.
Procurando deixar claro que o respeito pelo princípio constitucional do direito dos trabalhadores “[A] assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho [..]”, consagrado no art.º 59.º n.º al. f), da CRP, não é beliscado por este entendimento, visto existirem mecanismos legais adequados para o salvaguardar, nomeadamente, de modo a minimizar os efeitos da desvalorização da moeda e, logo, das prestações reparatórias por acidente de trabalho com o decurso dos anos, importa ter presente que o princípio de obrigatoriedade da actualização de pensões foi introduzido por via do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro. Vigorava então o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho constante da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, aqui aplicáveis.
Como nos dá conta o preâmbulo do DL 668/75, de 24 Nov., ao instituir esse regime o legislador procurou acudir às consequências resultantes da “(..) flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida” , que se verificava “(..) há largos anos, com especial incidência na última década”, sem que alguma vez se tenha procedido a qualquer actualização das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional, situação que estava na base das “legítimas reclamações de todos os atingidos, que se viram através dos anos ignorados e abandonados (..)” pela Administração, impondo-se a “(..) correcção de forma progressiva de toda uma situação, por vezes dramática, que afecta algumas dezenas de milhares de pensionistas, alguns deles totalmente incapacitados para o trabalho e que têm vindo a receber pensões de escassas centenas de escudos”.
Os regimes subsequentes mantiveram esse princípio, tendo em vista atenuar os efeitos da desvalorização monetária sobre as pensões. Na vigência da Lei 100/97, para além da referência feita no art.º 58.º al. d) do DL 143/99 - ao dispor que “[A] actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão, nos termos da lei”-, essa matéria constava regulada no DL 142/99 de 30 de Abril, diploma que veio criar o Fundo de Acidentes de Trabalho.
O DL 142/99, de 30 de Abril, mantem-se em vigor, contando entretanto com as alterações introduzidas pelo DL 185/2007, de 10/5, e mais recentemente pelos DL n.º 18/2016, de 13/04.
A obrigatoriedade de actualização de pensões resulta do n.º1, do art.º 6.º deste diploma, que na sua redacção inicial, dispunha: “As pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”. Posteriormente, através do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10/5, aquela redacção foi alterada, passando a constar que “O valor das pensões de acidentes de trabalho é actualizado anualmente com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, tendo em conta os seguintes indicadores de referência: (..)”.
Com as alterações introduzidas também por esse diploma, o artigo 6.º, enuncia os “indicadores de referência” nas alíneas a) e b) do n.º1; os n.ºs 2 e 3 regem sobre as regras de aplicação desses indicadores; segue-se o n.º4, dispondo que “[A] actualização anual das pensões consta de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do trabalho e da solidariedade social”; e, por último, o n.º 5 estabelece que a “[A] taxa de actualização é arredondada até à primeira casa decimal”.
Foi justamente mercê deste regime legal que a pensão vitalícia do sinistrado foi sendo actualizada ao longo dos anos, para ter o valor mensal, à data da sua morte, de € 369,36, correspondente a duodécimos de 80% da retribuição anual e vitalícia.
Tendo ocorrido o seu óbito e existindo nexo causal com o acidente de trabalho, assiste à beneficiária o direito às prestações fixadas na Base XIX da Lei nº 2127, no seu nº 1, com a redação que veio a ser introduzida pela Lei nº 22/92, de 14 de Agosto, com efeitos reportados a 6 de Outubro de 1988, estabelecendo o seguinte:
- “1. Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
a) Cônjuge - 30% da remuneração base da vítima até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;(...)”.
Esta pensão deve ser calculada “com base na retribuição auferida no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente recebida pela vítima”, conforme estabelece o n.º1, da Base XXIII da Lei 2127; e, tratando-se de uma pensão por morte, começa “a vencer-se no dia seguinte ao do falecimento do sinistrado”, de acordo com o determinado no art.º 56.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto.
Nesta parte concorda-se, pois, com a decisão recorrida. Mas pelas razões que a seguir passamos a explicar, embora também se concorde com a decisão final afirmada, ou seja, os termos em que fixou o direito da autora à pensão, já não acompanhamos a fundamentação que está subjacente, por lhe ter faltado dar o passo subsequente que seria devido, prevendo a necessidade de actualização da pensão determinada em conformidade do aquelas regras, mediante a aplicação das sucessivas taxas de actualização que foram sendo fixadas ao longo dos anos, a partir da data a que se reportam os cálculos para a sua determinação. Só mediante esse procedimento fica encontrado o valor da pensão, devidamente, actualizado, a que a autora tem direito.
Concretizando essas razões, sendo certo que o facto constitutivo do direito é o acidente de trabalho, pese embora a morte do sinistrado só tenha ocorrido muitos anos depois - tendo como causa aquele evento -, a pensão atribuir à beneficiária para garantir os seus direitos nos termos previstos na Base XIX / 1/al. a), não constitui, em rigor, uma nova pensão, mas antes a reforma da pensão que estava atribuída àquele, a ser calculada de acordo com os mesmos princípios, ou seja, “com base na retribuição auferida no dia do acidente” [Base XXIII/1 da Lei 2127], não obstante apenas ser devida desde o “dia seguinte ao do falecimento do sinistrado” [art.º 56.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto].
Parafraseando o também já citado acórdão da Relação de Coimbra de 06-03-2020, “Do que se trata não é de fixar uma nova pensão, mas antes de fixar a pensão devida para o mesmo “direito”, com base em critério diverso, em função de circunstância relevada pela lei como motivo bastante para justificar [essa alteração/reforma da pensão]”.
Assim, por identidade das razões que sempre justificaram a actualização da pensão do sinistrado, ou seja, tendo em vista atenuar os efeitos da desvalorização monetária sobre as pensões, ultimamente nos termos previstos no DL 142/99 de 30 de Abril, também a pensão a atribuir à sinistrada deve ser sujeita às mesmas actualizações que foram aplicadas àquela pensão agora objecto de reforma. Para melhor se perceberem essas razões, visto noutra perspectiva, basta ter presente que caso o falecimento do sinistrado tivesse ocorrido com a verificação do acidente de trabalho ou imediatamente a seguir, a pensão anual e vitalícia que então tivesse sido fixada à autora, na qualidade de cônjuge, nos termos previstos na Base XIX da Lei nº 2127, no seu nº 1, subsequentemente, ao longo destes anos, teria entretanto sido sucessivamente actualizada nos termos legalmente previstos.
Dando resposta à argumentação da recorrente, deve dizer-se que esta solução, para além de ter sustento no regime legal aplicável, é conforme ao princípio constitucional do direito dos trabalhadores “[A] assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho [..]”, consagrado no art.º 59.º n.º al. f), da CRP. Pelo contrário, com o devido respeito pela posição que defende, qualquer uma das duas soluções que propugna - proceder-se ao cálculo da sua pensão de acordo com o salário que o sinistrado receberia à data da morte com base na taxa de aumento do SMN ou utilizar o valor do SMN, à data da morte – é que conduziria a uma solução sem fundamento legal e, também, inconstitucional, por contrária ao princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP. Basta ver que em qualquer dessas hipóteses, o resultado conduziria a uma pensão de valor superior àquela que estaria atribuída à autora caso lhe tivesse sido fixada imediatamente a seguir ao acidente de trabalho, ou seja, se o falecimento do sinistrado tivesse ocorrido com a verificação do acidente de trabalho ou imediatamente a seguir, o que vale por dizer que ficaria injustificadamente beneficiada, inclusive, relativamente a todo o universo de casos em que um acidente de trabalho foi causa da morte de um determinado trabalhador e foram atribuídas pensões aos beneficiários legais, designadamente, aos cônjuges, nos termos previstos na Base XIX da Lei nº 2127, no seu nº 1.
Como refere o Tribunal a quo, na tentativa de conciliação a Ré aceitou conciliar-se quanto à pensão anual e vitalícia de € 1.763,95, desde 07.07.2019. Da oposição percebe-se a razão dessa posição, em concreto, a recorrida assumiu-a, e bem, justamente na consideração da pensão a fixar à autora estar sujeita às mesmas actualizações que foram aplicadas à pensão do sinistrado. É o que se retira também, e com segurança, da alegação do artigo 13.º da oposição, onde se lê “Daí que, considerando a retribuição do A. à data do acidente – € 618,01 por ano – a pensão a arbitrar à A., mesmo considerando as actualizações anuais, é de € 1.763,95”.
Porém, como se retira da fundamentação da sentença, o Tribunal a quo não considerou ser devida a actualização da pensão nesses termos, mas apenas a partir da data em que a pensão é devida. Aliás, em bom rigor, a questão nem foi ponderada.
Não obstante, a decisão acaba por estar correcta em termos de resultado final, ou seja, quanto ao montante fixado, mas pelo facto do Tribunal a quo ter entendido que “houve, na resposta de fls. 184 a 187, uma confissão parcial do pedido e, consequentemente, que a A. teria direito a receber da R. uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019”.
Ora, sendo inegável que houve a aludida confissão, o certo é que ainda que não a houvesse, pelas razões que acima se expuseram, esse sempre seria o valor devido à autora e, logo, a decisão acertada deveria tê-lo reconhecido e deixado afirmado.
Significa isto, que deve ser confirmada a decisão de condenação da Ré a pagar à autora “aa) uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019, alterável para o valor de € 2.351,93 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a capacidade de trabalho da A., acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 07.07.2019 até integral pagamento, a ser paga, no lugar da residência da A., em duodécimos, sendo que tal pensão será atualizada para € 1.776,30 com efeitos a partir de 01.01.2020, por força da Portaria no 278/2020, de 04.12, e para € 1.794,06 com efeitos a partir de 01.01.2022, por força da Portaria nº 6/2022, de 04.01, deduzida da quantia de € 4.757,76, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento”, mas por razões que vão para além da confissão da Ré.
Uma última nota sobre esta questão, para deixar esclarecido, a propósito da citação pela recorrente de parte do sumário do Acórdão desta Secção de 19/04/2021 [Proc.º n.º 1480/12.7TTPRT.l.Pl, disponível para consulta em www.dgsi.pt, relatado que aqui 1.º adjunto e com intervenção da aqui 2.ª adjunta], que o afirmado nesse aresto não dá qualquer sustentação à posição que defende no presente recurso, mas antes, diversamente, ao regime de atualização que também aqui afirmámos.
Assim, nesta parte improcede o recurso.
Segue-se a questão ao subsídio por morte, devendo dizer-se desde já, que não assiste razão à recorrida. Como se concluiu, o regime legal aplicável é a Lei 2127 e o DL 360/71, desses diplomas não constando prevista a atribuição de subsídio por morte.
A atribuição deste subsídio só passou a estar prevista com a Lei 100/97, nomeadamente, no art.º 22.º, n.º1.
Não tem fundamento legal pretender a autora a aplicação da legislação em vigor à data da morte do sinistrado, ou seja, a Lei 98/2009. Aliás, como já se referiu, também aqui conduziria a uma clara violação do princípio da igualdade [art.º 13.º /1 da CRP], na medida em que essa construção levaria a um evidente favorecimento relativamente a todos os casos de acidentes de trabalho mortais ocorridos na vigência da Lei 2127, no âmbito dos quais os respectivos beneficiários legais não beneficiaram, por não estar previsto, desse subsídio.
Concluindo, também quanto a este ponto improcede o recurso.
II.2.2 Recurso da Ré
A ré insurge-se contra a sentença na parte em que a condenou a reembolsar o ISS,IP em tudo aquilo que este pagou à A. - € 4.75,76 – e dos € 1.307,28 pagos a título de subsídio por morte.
Na fundamentação da sentença, quanto a esta questão, após enunciação de vários normativos relevantes para o enquadramento jurídico do direito reclamado pelo interveniente ISS, IP, no que agora releva, consta o seguinte:
-«O interveniente foi citado, tendo em conta que o Centro Nacional de Pensões é um dos seus serviços, ao abrigo dos artºs 1º, nº 2, e 3º, ambos do DL no 59/98, de 22.02.
Ora, o artº 1º, do DL nº 59/98, de 22.02, estatui que: “1 - Em todas as ações cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou ato de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da atividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido. 2 – As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior. (...)”.
Por sua vez, o art.º 3º, do DL nº 59/98, de 22.02, refere que: “No caso de morte, ou se a incapacidade para o trabalho revestir a forma de invalidez, é ainda citado ou informado, conforme os casos, o Centro Nacional de Pensões.”.
[..]
Por seu lado, o artº 70º, da Lei nº 4/2007, de 16.01 (Lei que, por força do seu artº 1º, “define as bases gerais em que assenta o sistema de segurança social, adiante designado por sistema, bem como as iniciativas particulares de fins análogos”), prescreve que: “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”.
Decorre dos normativos legais acabados de reproduzir:
- que o valor do reembolso, a efetuar por “Instituto da Segurança Social, I.P.” das despesas de funeral não é cumulável com o valor do subsídio por morte a atribuir por “Instituto da Segurança Social, I.P.” e
- que, relativamente às quantias por si pagas quer a título de pensão de sobrevivência quer a título de subsídio por morte ao familiar de um beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho, “Instituto da Segurança Social, I.P.” fica sub-rogado nos direitos de tal familiar perante o responsável por tal acidente.
Em consequência, “Instituto da Segurança Social, I.P.” tem o direito de receber do responsável quer pela pensão por morte do beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho quer pela reparação das despesas de funeral de tal beneficiário as quantias que pagou a um familiar de tal beneficiário a título de pensão de sobrevivência e a título de subsídio por morte.
Ora, o ponto 11º, dos factos provados, tem o seguinte teor: “O interveniente, através do Centro Nacional de Pensões, pagou Subsídio por Morte, relativamente ao beneficiário no ..., BB, no valor de € 1.307,28, à A. e Pensões de Sobrevivência, relativas ao período de 2019-08 a 2021-05, no total de € 4.757,76, à A., sendo o valor mensal atual de € 194,27.
Ora, ante todo o exposto e os vários pontos dos factos provados, impõe-se concluir que o interveniente tem direito a receber da R. a quantia de € 6.065,04 (€ 1.307,28 + € 4.757,76), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento.
A este passo, importa referir que o familiar de um beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho não pode cumular nem a pensão por morte a ser paga ao abrigo da legislação relativa à reparação de tal acidente com a pensão de sobrevivência a ser paga por “Instituto da Segurança Social, I.P.” nem a reparação por despesas de funeral a ser paga ao abrigo da legislação relativa à reparação do referido acidente com o subsídio por morte a ser pago por “Instituto da Segurança Social, I.P.”.
Efetivamente, por um lado, tais pensões têm o mesmo objetivo, a saber, compensar os familiares da pessoa que foi vítima de um acidente de trabalho do qual resultou a morte da perda dos rendimentos de trabalho determinada por tal morte e, por outro lado, o subsídio por morte a ser pago por “Instituto da Segurança Social, I.P.” tem um objetivo que abarca o objetivo da reparação por despesas de funeral a ser paga ao abrigo da legislação relativa à reparação do referido acidente.
Como tal e no que ao caso do presente incidente concerne, impõe-se, sob pena de enriquecimento sem causa justificativa, deduzir ao valor da pensão por morte que seria devido à A. o valor que a A. já recebeu do interveniente a título de pensão de sobrevivência e relativamente ao qual a R. deverá reembolsar o interveniente e deduzir ao valor da reparação por despesas de funeral que seria devido à A. o valor que a A. já recebeu do interveniente a título de subsídio por morte e relativamente ao qual a R. deverá reembolsar o interveniente.
Assim, há que deduzir à pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019, alterável para o valor de € 2.351,93 a partir da idade de reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a capacidade de trabalho da A., acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 07.07.2019 até integral pagamento, a ser paga, no lugar da residência da A., em duodécimos, sendo que tal pensão será atualizada para € 1.776,30 com efeitos a partir de 01.01.2020, por força da Portaria no 278/2020, de 04.12, e para € 1.794,06 com efeitos a partir de 01.01.2022, por força da Portaria no 6/2022, de 04.01, que a R. deveria ser condenada a pagar à A., a quantia de € 4.757,76, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento, e há que deduzir à quantia de € 88,29, relativa a reparação por despesas de funeral, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 03.02.2021 até integral pagamento, a quantia de € 1.307,28, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento.
[..]»
A agora recorrente defende, no essencial, que o Tribunal a quo não teve em consideração quais eram os efectivos e reais direitos do ISS, IP perante a Apelante, direitos estes em que ficou sub-rogado o apelado.
Prossegue, argumentando que a própria decisão em crise declara que o direito do ISS, IP ao reembolso das verbas que reclama decorre de tais diplomas legais, ou seja, do DL 59/89 e da Lei 4/2007 transcrevendo o artº 70º, e declara que «relativamente às quantias por si pagas quer a título de pensão de sobrevivência quer a título de subsídio por morte ao familiar de um beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho, “Instituto da Segurança Social, I.P.” fica sub-rogado nos direitos de tal familiar perante o responsável por tal acidente». Ou seja, não só o Apelado ISS, IP o invoca, como a decisão em crise o declara expressamente – o direito do ISS, IP ao reembolso do que prestou à A., viúva de sinistrado em acidente de trabalho, decorre do facto de ter ficado sub-rogado nos direitos daquela.
Na Lei nº 2127, de 03.08.1965, não está previsto qualquer subsídio por morte, pelo que nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a tal título. Decidiu erradamente a Mma. Juiz a quo ao condenar a Apelante a reembolsar o ISS,IP dos € 1.307,28 que este pagou à A. a título de subsídio por morte – até porque já declarara que ”.. cumpre destacar que, por na Lei nº 2127, de 03.08.1965, não estar previsto um qualquer subsídio por morte, nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a título de subsídio por morte.” .
Mais refere, estar assente nos autos que a pensão anual que a Apelante tinha direito era de 1.763,95 no ano de 2019, de € 1776,30 no ano de 2020 e de € 1.794,06 no ano de 2022. Assim sendo, o direito da pensão da A. perante a Apelada no período de Agosto de 2019 a Maio de 2021 atingiria a quantia global de € 3.251,40, correspondendo € 734,95 aos meses de Agosto a Dezembro de 2019, € 1.776,30 a todo o ano de 2020 e € 740,15 relativo aos meses de € Janeiro a Maio de 2021 (sempre inclusive).
Ao condenar a Apelante a reembolsar o ISS,IP em tudo aquilo que este pagou à A. - € 4.75,76 - por esse mesmo período temporal mas sem ter consideração o que eram os efectivos e reais direitos desta perante a Apelante, direitos estes em que ficou sub-rogado o apelado, a Mma. Juiz a quo violou uma vez mais os Arts. 592º e 593º CCiv, Art. 4º DL 59/89, Art. 70º Lei 4/2007 e todo o regime da Lei 2127/65 e do DL 360/71 que a regula.
Conclui, pedindo para ser absolvida do pedido de reembolsar o ISS, IP dos € 1.307,28 pagos a título de subsídio por morte, devendo ainda declarar-se que o direito daquele a reembolsar da Apelante aquilo que pagou a título de pensões de sobrevivência se encontra limitado ao montante máximo que a Apelante deveria pagar à A., ou seja, € 3.251,40 desde Agosto de 2019 a Maio de 2021.
Pois bem, pelas razões que a recorrente criteriosamente indicou, aqui por nós apenas enunciadas sumariamente, mas que constam aprofundadas nas alegações e também nas conclusões, deve reconhecer-se desde já que lhe assiste razão.
O Tribunal a quo, na sequência do enquadramento jurídico a que procedeu concluiu, e bem, decorrer desses normativosque, relativamente às quantias por si pagas quer a título de pensão de sobrevivência quer a título de subsídio por morte ao familiar de um beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho, “Instituto da Segurança Social, I.P.” fica sub-rogado nos direitos de tal familiar perante o responsável por tal acidente”, mas logo de seguida surge a afirmação, diga-se, genérica, que condicionou o raciocínio da julgadora e conduziu ao erro na aplicação ao caso concreto, nomeadamente, a que segue: “Em consequência, “Instituto da Segurança Social, I.P.” tem o direito de receber do responsável quer pela pensão por morte do beneficiário que faleceu em virtude de um acidente de trabalho quer pela reparação das despesas de funeral de tal beneficiário as quantias que pagou a um familiar de tal beneficiário a título de pensão de sobrevivência e a título de subsídio por morte”.
Na verdade, como aponta com razão a recorrente, o Tribunal a quo não teve em consideração quais eram os efectivos e reais direitos do ISS, IP perante a Apelante, direitos estes em que ficou sub-rogado aquele apelado, vindo a concluir que por estar provado que “O interveniente, através do Centro Nacional de Pensões, pagou Subsídio por Morte, relativamente ao beneficiário no ..., BB, no valor de € 1.307,28, à A. e Pensões de Sobrevivência, relativas ao período de 2019-08 a 2021-05, no total de € 4.757,76, à A., sendo o valor mensal atual de € 194,27”, este tinha direito a receber da Ré seguradora todos aqueles valores que pagou à autora, ou seja, “[..] a quantia de € 6.065,04 (€ 1.307,28 + € 4.757,76), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal”.
Recorrendo aos ensinamentos de Antunes Varela, [Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, 1980, p. 297 e sgts, ], relevam aqui as noções seguintes:
-«[..] a sub-rogação pode definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” [p. 298];
- «A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo” [p. 310];
- «O principal efeito da sub-rogação é a transmissão do crédito, que pertencia ao credor satisfeito, para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor ou à custa de quem a obrigação foi cumprida” [p. 311];
Em suma, na aplicação ao caso há quer em conta quais os direitos da autora perante a Ré seguradora, pois é na justa medida desses direitos que ocorre a transmissão para o sub-rogado ISS, colocando este “na titularidade do mesmo direito de crédito” que pertencia à Autora.
É certo que o ISS, IP, através “ através do Centro Nacional de Pensões, pagou Subsídio por Morte, relativamente ao beneficiário no ..., BB, no valor de € 1.307,28, à A. e Pensões de Sobrevivência, relativas ao período de 2019-08 a 2021-05, no total de € 4.757,76, à A., sendo o valor mensal atual de € 194,27” [facto 11].
Porém, como o Tribunal a quo já tinha concluído, e bem, “por na Lei no 2127, de 03.08.1965, não estar previsto um qualquer subsídio por morte, nunca teria a A. direito a receber da R. uma qualquer quantia a título de subsídio por morte”. Assim, se a autora não tinha esse direito relativamente à ré seguradora, ou seja, se não é credora de qualquer direito a esse título, não pode haver transmissão e sub-rogação do interveniente ISS relativamente a um direito inexistente.
Dai que, como defende a recorrente, o Tribunal a quo errou ao condená-la a reembolsar o ISS,IP pelo valor de € 1.307,28 que este pagou à A. a título de subsídio por morte.
No que concerne às prestações de sobrevivência, pelas mesmas razões há que ter em conta qual o direito reconhecido à autora perante a Ré seguradora. Como vimos acima, concluiu o Tribunal a quo – ainda que na consideração de tal se dever apenas à confissão parcial do pedido pela Ré – que a Autora tem direito a receber daquela uma pensão por morte, anual e atualizável, no valor de € 1.763,95, devida desde o dia 07.07.2019. Mais concluiu que “que tal pensão será atualizada para € 1.776,30 com efeitos a partir de 01.01.2020, por força da Portaria no 278/2020, de 04.12, e para € 1.794,06 com efeitos a partir de 01.01.2022, por força da Portaria no 6/2022, de 04.01, que a R. deveria ser condenada a pagar à A.
Verifica-se, assim, como refere a recorrente, que o direito da pensão da A. perante si no período de Agosto de 2019 a Maio de 2021 atingiria a quantia global de € 3.251,40, correspondendo € 734,95 aos meses de Agosto a Dezembro de 2019, € 1.776,30 a todo o ano de 2020 e € 740,15 relativo aos meses de € Janeiro a Maio de 2021.
Sendo esse o direito da autora perante a Ré seguradora, é esse o direito – nessa medida – que se transmitiu ao ISS,IP, por efeito da sub-rogação legal.
Por conseguinte, ao invés de ter condenado a Ré a reembolsar o ISS,IP em tudo aquilo que este pagou à A. - € 4.75,76 -, o Tribunal a quo deveria antes ter condenado no reembolso da quantia global de € 3.251,40.
Conclui-se, pois, pela procedência do recurso da Ré seguradora, cumprindo revogar a sentença na parte em que condena a Ré “R. a pagar ao interveniente a quantia de € 6.065,04, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento”, para se alterar em conformidade com o exposto, passando a condenar-se a R. “a pagar ao interveniente a quantia de € 3.251,40, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento”.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recursos nos termos seguintes:
i) Recurso da Autora: improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
ii) Recurso da Ré Seguradora: procedente, em consequência revogando-se a sentença na parte recorrida – ponto b) do dispositivo -, para se alterar para os termos seguintes:
-[ b)] “condeno a R. a pagar ao interveniente a quantia de € 3.251,40, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data em que a R. foi notificada da petição de fls. 190 verso a 192 até integral e efetivo pagamento”;

- Custas dos recursos [art.º 527.º 1 e 2, do CPC]:
i) Recurso da autora, a cargo desta, atendo o decaimento;
ii) Recurso da Ré Seguradora: a cargo Instituto da Segurança Social, I.P atendo o decaimento;

Porto, 22 de Junho de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira