Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
572/11.4TTPNF-A.C1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RP20150209572/11.4TTPNF-A.C1.P1
Data do Acordão: 02/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos da lei processual civil (cfr. artigos 411 e 526.º), o juiz tem o poder-dever de determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa;
II - Estando em causa um processo de acidente de trabalho, o princípio do inquisitório mostra-se acentuado, tendo em conta a necessidade de protecção das vitimas daquele ou dos seus beneficiários legais;
III - Por isso, o juiz deve admitir a produção de prova requerida na audiência de julgamento, na sequência da prova até então produzida, designadamente testemunhal, se da mesma resulta que aquela tem aptidão para a descoberta da verdade material.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 572/11.4TTPNF-A.C1.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, por si e em representação da sua filha menor C… intentou, no extinto Tribunal do Trabalho de Lamego, acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra:
1. D…,
2. E…, S.A.,
3. F…,
pedindo, a final, a condenação dos mesmos, tendo em conta a sua responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho que vitimou G…, respectivamente marido e pai das Autoras.
Alegou para o efeito, muito em síntese e no que ora releva, que no dia 09 de Março de 2011, o referido G… se encontrava a trabalhar no navio “H…”, em pleno rio …, mais concretamente em …, Penafiel, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2.ª Ré, desempenhando as funções de gruista, procedendo à extracção de inertes (areia), sem que para tanto a referida Ré possuísse licença.
Por isso, a Ré dava ordens aos gruistas (3) que trabalhavam na embarcação para que retirassem o máximo de areia possível do rio, no mais curto espaço de tempo, devendo a embarcação ficar completamente cheia, no que acabava por exceder o limite máximo da tara em valores superiores a 2 mil toneladas.
Acrescentou que no referido dia, encontrando-se as 3 gruas a trabalhar em simultâneo, um do operadores (que não o G…) virou a sua grua para o lado oposto e, como a embarcação se encontrava completamente cheia de areia, ultrapassando a tara máxima, tal provocou o desequilíbrio da embarcação e, com a oscilação, a grua em que operava o infeliz G… caiu ao rio.
Entretanto, a embarcação adernou e acabou por virar, levando a que a areia fosse derramada para o rio, arrastando o G…, que ficou impedido de emergir dada a quantidade de areia arrastada para o rio, que formou no fundo deste um monte com cerca de 6 metros de altura.
Concluiu, por isso, que o acidente ocorreu por culpa da 2.ª Ré.

Em contestação a 1.ª Ré não aceitou a responsabilidade pela reparação do acidente, por sustentar, muito em resumo, que a 2.ª Ré não tinha licença para a actividade de exploração de inertes no rio …, mas, não obstante, no dia em causa procedia a essa extracção, tendo uma das 3 gruas instaladas no navio para a extracção de areia se desprendido e caído à água, fazendo adernar o navio e levando a que o mesmo se virasse e lançasse ao rio a areia que tinha no seu interior, deixando um monte acumulado de areia, na zona do afundamento, de mais de 6 metros de altura.

Por sua vez, a 2.ª Ré sustentou, muito em síntese e no que ora importa, que no dia 09 de Março de 2011 a embarcação navegava, sem carga, com destino a …, Gondomar, a fim de recolher materiais pertencentes à mesma Ré que já não eram necessários à realização dos trabalhos que executou por conta da empreiteira geral da obra de construção da nova ponte fluvial, e que por razões desconhecidas a embarcação adernou e virou, daí concluindo que não é responsável pela reparação do acidente sofrido por G… já que transferiu a responsabilidade por tal reparação para a 1.ª Ré.

Os autos prosseguiram os termos legais, designadamente com a elaboração do despacho saneador, no qual foi absolvido da instância o Réu F… e consignados os factos assentes e a base instrutória.
Entretanto, na audiência de discussão e julgamento realizada em 19-05-2014 pelo ilustre mandatário das Autoras foi apresentado o seguinte requerimento:
«Tendo sido finalizada a prova testemunhal no âmbito dos presentes autos, vêm as Autoras expor e requerer o seguinte:
1º - Na audiência designada para o dia 28/10/13, foi inquirida a testemunha J…. Do seu depoimento redundou o desconhecimento do facto relativo à prestação de serviços da R. E… à K…, ACE, que levava a cabo a obra da ponte sobre o Rio …, localizada em …, trabalhos esses que estavam em curso no ano de 2011.
Contudo, mais referiu, que quem tinha conhecimento e poderia esclarecer tal facto seria o Eng. L…, ligado ao serviço de “Direcção de Produção” (sic) da ponte. Em face de tal informação, e dado tratar-se de facto pertinente, designadamente para esclarecimento do quesito 44.º da base instrutória e sua contraprova e, portanto, relevante para a descoberta da verdade material e justa composição do litígio, requer-se, nos termos dos art.ºs 411º e 526º do C.P.C., ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT, e ao abrigo do princípio da oficiosidade da recolha da prova, que seja admitida audição do indicado Eng. L…, devendo, para tanto, ser o mesmo notificado na sede da empresa onde exerce a sua actividade, M…, S.A., Rua …, n.º .., ….-… Lisboa.
2º – Por sua vez, no decurso da audiência de julgamento, designadamente, dos depoimentos das testemunhas N…, agente da Polícia Marítima, O…, Engenheiro Naval, P…, mergulhador e funcionário da Q… e S…, Engenheiro Naval, bem como, expressamente, vem indicada a descrição, constante de fls. 38 do doc. n.º 2 junto pela R. D…, da realização de mergulhos levados a cabo pelos Mergulhadores da Armada, bem como levantamento do leito do rio, efectuado por sonar e por filme, realizados pela Marinha Portuguesa, no dia 12 de Março de 2011, conforme expressamente consta de fls. 10 do doc. n.º 2, junto com a Contestação da R. D….
Ora, compulsados os supra referidos depoimentos e a supra mencionada informação, e esgotada então agora toda a produção de prova, não resultou o conhecimento directo de qualquer testemunha sobre nenhum elemento relacionado com o fundo ou leito do rio, da sua estrutura geológica – arenosa ou rochosa - e sobre a existência, ou não, de inertes - monte de areia no local do sinistro – bem como da posição do navio, da distância do mesmo da grua e respectivo cabo da lança que é referido encontrar-se ao logo, tal cabo, de todo o leito do rio, entre a grua, que terá caído em primeiro lugar, e o resto do batelão, passando debaixo do invocado monte de areia, o tal cabo. Ver anexo 5 junto com o documento n.º 2 da Contestação da R. D….
São tais factos e os demais esclarecimentos que deles resultarem que, à sombra de evidente saciedade e ressalvado o respeito por melhor opinião, se mostram de particular pertinência e utilidade, já que poderão infirmar ou estribar os factos constantes da base instrutória, designadamente os quesitos 3º, 10º a 13º e como contraprova dos quesitos 44º a 47º, atenta a tese das A.A..
Desta forma, afigura-se manifesto que amplamente excedem um carácter, meramente, instrumental, mas antes assumem-se como essenciais para a descoberta da verdade material, desde já resultando evidência de que a sua averiguação é decisiva para os presentes autos.
Ora, decorre do disposto no art.º 72 do C.P.T., que se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, dever-se-á até ampliar a base instrutória – facto que aqui até nem se colocará. E a lei que permite o mais, permite o menos,
In casu constata-se que tais factos assumem-se como decisivos na apreciação da situação sub judice e que a serem demonstrados contribuirão para a descoberta da verdade, não só porque são eles próprios factos angulares mas também porque constituem concretização daqueles que as partes, e designadamente as Autoras já alegaram.
Donde, se o seu escrutínio se demonstra relevante, mais ressalta a manifesta importância das diligências necessárias ao apuramento dos mesmos, as quais equivalem ao apuramento da verdade material, fazendo-a verter para os presentes autos, para que assim se possa alicerçar uma boa decisão da causa. É manifesto que da audição dos elementos da Polícia Marítima que efectuaram os mergulhos bem como os oficiais da Marinha que fizeram o levantamento do fundo de rio se poderão retirar factos e esclarecimentos cruciais sobre os factos constantes da base instrutória, assim coadjuvando toda a prova já produzida e contribuindo para a justa composição do litígio.
Nesse sentido e porque da prova, in totum, até agora produzida nos presentes autos, resulta a ausência de conhecimento directo de tais factos, requer-se ao abrigo, pois, dos artigos 411º e 526º n.º 1 e 2 do C.P.C. ex vi art.º 1.º n.º 2 do C.P.T. e do princípio da oficiosidade na recolha da prova, que seja ordenada a notificação dos mergulhadores forenses que intervieram no âmbito do sinistro ocorrido em 09 de Março de 2011, no Rio …, em …, para que venham prestar depoimento aos presentes autos, designadamente o Agente de Primeira Classe, T…, e os Agentes, U…, V…, W… e X… e Y…, desde já se sugerindo que tal notificação seja enviada para o Grupo de Mergulho Forense da Armada, que se encontra adstrito ao Comando Local da Polícia Marítima de Setúbal, Rua …, ….-… Setúbal;
Por outro lado, mais se requer a notificação dos seguintes intervenientes que efectuaram o levantamento do fundo de rio, quer por filme, quer por sonar, relativo ao afundamento do batelão “H…” em causa nos autos, ocorrido em …, Penafiel, em 09 de Março de 2011, designadamente 2.ª Tenente, Z…, Subtenente AB… e Cabo AC…, para tanto se sugerindo que tal notificação seja efectuada e dirigida à Equipa da Divisão de Geologia Marítima do Instituto Hidrográfico da Marinha, Rua …, n.º .., ….-… Lisboa.
3º - Com a audição do Eng.º AD…, foi dada explicação sobre os cálculos ínsitos nos modelos geométrico-matemáticos que permitiram alcançar o cálculo de simulação de estabilidade do navio, a que se reportam as conclusões constantes do Anexo 2 junto com a Contestação da R. D…. Designadamente, aí se percebeu da estabilidade do navio de acordo com algumas variáveis, tendo sido o factor tido por preponderante no desenlace do sinistro, o peso da sua carga. Todavia, das instâncias resultou que, dentro das variáveis introduzidas no modelo geométrico-matemático, não foi, com lucidez suficiente, no entender das AA, atendida a componente dinâmica do navio, relativa à alegada falha da bomba do leme e consequente guinada juntamente com a alegada deslocação do contrapeso das gruas. Muito embora fosse sublinhado o carácter menor que tais contingências teriam no grau de afectação da estabilidade da embarcação.
Ora, mais foi referido que tais cálculos poderão efectivamente ser efectuados.
Donde, e atento o exposto, e porque todos os esclarecimentos nesta matéria se afiguram pertinentes, cruciais e decisivos, se requer que, atento os artigos 411º e 526º n.º 1 e 2 do C.P.C. ex vi art.º 1.º n.º 2 do C.P.T, se notifique o IPTM, para efectuar ou informar instituição ou pessoa, devidamente e cientificamente capaz e habilitada para poder elucidar o Tribunal quanto à efectuação dos referidos cálculos e modelos geométrico-matemáticos, sabendo-se que – segundo o referido pela indicada testemunha – tal Instituto possuiu programa informático idêntico, onde poderá e deverá ser criado o modelo, atendendo não só às condições de carga mas também à guinada do leme e deslocação dos contrapesos das gruas, bem como ao peso da carga (em condições de ausência de carga, carga máxima e sobrecarga) pressupondo a velocidade já constante e que foi aventada nos autos de 11 nós.».

Por sua vez, na mesma audiência de discussão e julgamento pelo ilustre mandatário da Ré seguradora foi apresentado o seguinte requerimento:
«A Ré D… formula o presente requerimento, no pressuposto que se encontra finda a produção de prova testemunhal arrolada nos autos e para ser apreciado finda a produção de toda a revanche, o que faz neste momento por razões de economia processual.
Posto isto:
1. Resultaram da prova produzida, nomeadamente (i) da parte da certidão do processo crime extraída e junta aos autos, (ii) dos documentos juntos com a contestação da ré, aqui requerente, (iii) do depoimento, além de outras, das testemunhas AE…, N…, V…, O…, P… e AF…, os seguintes factos:
a) Que ao local do afundamento do navio, com vista (i) a encontrar o corpo do sinistrado, (ii) a fazer reflutuar o navio e (iii) a determinar as causas do seu naufrágio foram feitos mergulhos por diferentes equipas de mergulhadores, a saber:
- pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, em 09, 10 e 11.03.2011 (mergulhadores AG…, AE…, AH… e AI…) – cf. fls … do processo crime;
- pelo Grupo de Mergulho Forense do Comando Local da Polícia Marítima de Setúbal, em 23.03.2011 (mergulhadores T…, U…, V…, W…, X… e Y…) – cf. fls 79 do processo crime;
- pela Divisão de Geologia do Instituto Hidrográfico da Marinha, em 22 e 23.03.2011 (mergulhadores Z…, AB… e AC…) – cf. fls. 81 do processo crime;
- pelo Destacamento de Mergulhadores Sapadores nº 3, antes de 24.03.2011 (mergulhadores AJ… e AK…) – cf. fls. 82 e 83 do processo crime;
- pela Q…, até, pelo menos, 13.05.2011 (mergulhador P… e outros);
b) Que nalguns desses mergulhos os mergulhadores examinaram (i) o navio naufragado e (ii) o leito do rio;
c) Que desse exame foram elaborados diversos documentos, a saber:
i. um «auto de exame directo», pelo Grupo de Mergulho Forense do Comando Local da Polícia Marítima de Setúbal;
ii. um «relatório do levantamento hidrográfico do fundo do rio e posição do navio», e o «levantamento por sonar do leito do rio» feitos pelo sobredito Instituto Hidrográfico da Marinha;
iii. um «relatório de mergulho» feito pelos Sapadores Mergulhadores nº 3 da Armada»;
iv. um filme do fundo do rio.
d) Que no fundo do rio (i) a grua, (ii) sua lança, (iii) os seus cabos e (iv) o resto do navio se mostravam separados e havia montes de areia, alguns deles sobre aqueles objectos;
e) Que o fundo do rio era, no essencial, rochoso;
f) Que a autoridade, no local e aquando daqueles mergulhos, foi o comandante AL….
2. Todos aqueles factos são instrumentais mas essenciais para a decisão dos autos, devendo, como tal, neles ser atendidos, incluindo-os, nomeadamente, na base instrutória.
3. De todos esses elementos de prova só foram ouvidos, até agora, como testemunhas, AE…, do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, e P…, chefe da equipa de mergulhadores da Q…, não tendo os demais sido produzidos nos autos.
4. Considerando:
a) que ao tribunal incumbem, por força do artº 411º do CPC, poderes inquisitórios, máxime os de promover a produção da prova que, por força das limitações impostas às partes estas não puderam ou não lograram produzir e ainda os de promover a produção da prova que aquele saiba existir, permita suprir as lacunas probatórias ainda existentes nos autos e se mostre relevante para o apuramento da verdade material;
b) que os presentes autos assumem uma especial complexidade no apuramento da factualidade nele atendível;
c) que os despachos até agora produzidos sobre a prova requerida pela ré, na parte em que não a admitiram, se basearam apenas num princípio de oportunidade, salvaguardando uma pronúncia definitiva sobre os mesmos para um momento ulterior;
d) que esse momento é o actual, em que terminou a produção da prova indicada pelas partes;
e) que, face ao supra exposto, e por haver razões para presumir que as pessoas antes indicadas têm conhecimento de factos relevantes para a discussão da causa deve, como tal, o tribunal, face ao disposto no artº 526º/1 do CPC, ordenar o seu depoimento;
f) que não foi, até agora, requerida a junção pelas respectivas entidades emitentes dos documentos atrás aludidos;
5. requer, para prova dos quesitos 25º a 41º, inclusive, e contraprova dos quesitos 42º a 47º, inclusive, todos da base instrutória:
a) A notificação do Comando Local da Polícia Marítima de Setúbal, Autoridade Marítima Nacional, Marinha, do Ministério da Defesa Nacional, com sede na Rua …, ….-… Setúbal para juntar aos autos:
i. o «auto de exame directo» elaborado pelo respectivo Grupo de Mergulho Forense no dia 23.03.2011, na área de jurisdição marítima, via navegável, do Rio …, junto à localidade de …, e na sequência do naufrágio do navio denominado «H…»;
ii. o respectivo relatório de mergulho;
b) A notificação da Divisão de Geologia do Instituto Hidrográfico da Marinha, com sede na Rua …, .., ….-… Lisboa para, relativamente à missão realizada entre os dias 21 e 23.03.2011 no Rio …, junto a …, … e na sequência do naufrágio do navio denominado «H…», juntar aos autos:
i. o levantamento feito com sonar lateral Klein 2000 com o objectivo de mapear a área de buscas em torno do navio afundado;
ii. o relatório individual de cada objecto identificado no fundo do rio;
iii. a imagem do mapeamento da área (mosaico de sonar lateral)
c) A notificação do Destacamento de Mergulhadores Sapadores nº 3 da Armada, com sede na …, …, …, ….-… Almada, para juntar aos autos o «relatório de descrição do fundo do rio» elaborado após o mergulho efectuado por mergulhadores deste destacamento antes de 24.03.2011 no Rio …, junto a …, … e na sequência do naufrágio do navio denominado «H…»;
d) A notificação do Comando Local da Polícia Marítima do Douro, Autoridade Marítima Nacional, Ministério da Defesa Nacional, com sede na Rua …, .., ….-… Porto, para juntar aos autos:
i. o «relatório do sonar» relativo ao naufrágio do navio «H…» em 09.03.2011 no Rio …, junto a …, …;
ii. e o «filme do fundo do rio»;
e) A notificação da ré E…, para juntar aos autos cópia do «filme de fundo do rio» de 12.03.2011, que se encontra na sua posse;
f) A notificação de todas as pessoas supra já indicadas em 1.a), com excepção das já ouvidas nos autos, para o respectivo domicílio profissional supra indicado, respectivamente, no ponto 5.a) a d), para virem depor como testemunhas nos autos;
g) A notificação do comandante AL…, com domicílio profissional na sede da Polícia Marítima do Douro, para vir depor como testemunha nos autos;
h) A notificação do Ex.mo Senhor Assessor Técnico designado pelo tribunal para confirmar os cálculos apresentados no documento relatório da AM… junto com a contestação da aqui ré e completar ainda esses cálculos na parte em que tal se mostre necessário e possível.».

Sobre os transcritos requerimentos recaiu o seguinte despacho, de 19-06-2014:
«Na pretérita sessão de julgamento requereram as AA. seguradora a inquirição de 10 testemunhas ao abrigo do disposto no art. 526º do NCPC. Para o efeito, alegam que a primeira, Engenheiro L…, poderá ter conhecimento quanto à obra da ponte sobre o Rio …, em …, e as demais, sendo mergulhadores, sobre o fundo do rio ….
Por seu turno, a R. seguradora requereu a junção aos autos de documentos relativos ao fundo do rio e a inquirição das mesmas testemunhas, mergulhadores, e ainda do comandante AL….
Preceitua o art. 526º do NCPC, correspondente ao pretérito art. 645º do CPC1961, que quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
De sublinhar a este respeito o ensinamento de Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pg. 533, que acentua ser a inquirição por iniciativa do tribunal [é] meramente complementar e não pode funcionar como forma de suprimento oficioso de omissões negligentes das partes em sede de indicação de meios de prova.
No que concerne ao Eng. L…, alegam as AA. que a testemunha J… teria identificado o aludido engenheiro como tendo conhecimento dos trabalhos em curso na obra da ponte. Ora do depoimento da aludida testemunha J… extrai-se que o mesmo se referiu ao Eng. L… e a outros responsáveis de departamentos naquela obra, não precisando sequer se aquele Engenheiro estaria ainda na obra na altura do acidente dos autos. A circunstância de o Director Geral da construção da ponte se ter referido a um outro engenheiro como estando ligado a determinado departamento da obra, não se mostra susceptível, por si só, de fundar a presunção que o referido Engenheiro tem conhecimento dos factos, pelo que se indefere a requerida inquirição.
Quanto aos mergulhadores e ao Comandan[]te AL…, a sua identificação era conhecida das AA. e da R. seguradora em momento anterior ao início do julgamento, podendo, se assim o entendessem, integrar tais testemunhas no seu rol. Vejam-se as sucessivas alterações e aditamentos ao rol de testemunhas levadas a cabo pelas AA. e R. seguradora, que culminaram com a indicação do rol definitivo a fls. 683, 687 e 688.
Ademais, da prova até então produzida resulta terem sido realizados mergulhos na altura do acidente, levados a cabo por entidades diversas, mas nenhuma testemunha até então inquirida ou qualquer outro elemento dos autos permite presumir que aqueles mergulhadores ou o Sr. Comandante tenham conhecimento directo de algum facto, relativo ao fundo do rio ou outro, com relevo para a decisão da causa, motivo pelo qual se indefere a requerida inquirição.
No que concerne aos requeridos esclarecimentos e complementos dos cálculos constantes no documento apresentado pela R. D… na sua contestação, não poderá ser o tribunal a completar um documento apresentado por uma das partes. Note-se que não estamos perante um meio de prova pericial, levado a cabo por estabelecimento ou serviço designado pelo tribunal, com vista à percepção de factos para os quais sejam necessários conhecimentos especiais, mas de um documento particular, apresentado por uma das partes, como sendo o resultado de uma averiguação levada a cabo pela mesma, não cabendo ao tribunal completar ou esclarecer algo que não foi produzido por iniciativa, nem sob o escrutínio deste tribunal, motivo pelo que se indefere o requerido.
No que concerne aos documentos cuja junção foi requerida pela R. seguradora, verificamos que a sua junção já havia anteriormente sido requerida na contestação (fls. 165, 166 e 167), e então indeferida (fls. 515 e 626), em virtude de se encontrar assente a factualidade relativa às vicissitudes do afundamento e localização do navio e seus componentes, mormente nos factos C) e D), e ainda a respeito da certidão do processo crime, sobre o qual incidiu o despacho de fls. 1125 e 1126. Ora, tal circunstancialismo mantém-se, nada tendo entretanto sido aflorado nos autos que altere a substância dessa decisão, pelo que se indefere a requerida junção de documentos.».

Inconformados com o referido despacho, quer a Ré D…, quer as Autoras dele interpuseram recurso.
Para tanto, nas alegações que apresentou a Ré D…, formulou a seguinte síntese conclusiva:
«I. O tribunal recorrido persiste em não admitir a produção nos autos de alguns dos meios de prova, quer documentais, quer testemunhais, mais relevantes para a decisão neles a proferir, preparando-se para essa decisão como se eles não existissem e isto apesar de saber quer da sua existência, quer da sua relevância probatória.
II. Ao indeferir pelo seu despacho de 19.06.2014, ora sob recurso, a produção de prova documental requerida nas alíneas a) a e) do nº 5 do requerimento da recorrente de 19.05.2014 o tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma errada aplicação e, como tal, violou o previsto no artº 72º do CPT e nos artºs 6º, 7º e 411º do CPC, devendo, como tal, ser revogada a sua decisão e substituída por outra que ordene a produção e junção aos autos dos documentos identificados no nº 5, al. a) a e), daquele requerimento.
III. Ao indeferir pelo seu despacho de 19.06.2014, ora sob recurso, a produção de prova testemunhal requerida nas alíneas f) e g) do nº 5 do requerimento da recorrente de 19.05.2014 o tribunal recorrido, salvo o devido respeito, fez uma errada aplicação e, como tal, violou, o previsto no artº 72º do CPT e nos artºs 6º, 7º, 411º e 526º/1 do CPC, devendo, como tal, ser revogada a sua decisão e substituída por outra que ordene a inquirição das testemunhas identificadas no nº 1 daquele requerimento.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma como atrás concluído, com o que se fará JUSTIÇA!».

Por sua vez, As Autoras terminaram as alegações apresentando as seguintes conclusões:
«1 – O caso vertente prende-se com um sinistro que ocorreu no Rio …, em 09 de Março de 2011, pelas 12:00 horas, na zona de …, Penafiel, em que o batelão “MH…”, indo a navegar, adernou e afundou tendo, por via disso, sido ceifada a vida de um dos seus tripulantes, que era, respectivamente, marido e pai das A.A. Recorrentes;
2 - O despacho de que se recorre foi originado pelo requerimento da aqui A Recorrente (e também o concomitante da R. D…, C.ª de Seguros), pois uma vez finda a produção de prova testemunhal e excluída que estava a possibilidade de o teor do aí requerido se tornar redundante por putativa prova a produzir, e em face dos elementos veiculados pela produção da prova testemunhal e documental constante dos autos, foi suscitada audição adicional de prova testemunhal;
3 - Requereu-se, nos termos dos art.ºs 411º e 526º do C.P.C. ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT, e ao abrigo do princípio da oficiosidade da recolha da prova, que fosse admitida audição do Eng. L… pois iria confirmar ou infirmar a tese da R. E… de que o navio ia somente buscar poitas e boias à ponte de Medas, todavia tal foi considerado impertinente, quando o seu nome foi expressamente referido como tendo razão de ciência, pela testemunha J…;
4 – Por outro lado foi referido por outras testemunhas, N…, agente da Polícia Marítima, com depoimento prestado no dia 28/10/2013, das 10:41:38 às 11:14:48, O…, Engenheiro Naval, com depoimento prestado no dia 28/10/2013, das 15:44:59 às 16:29:52, P…, mergulhador e funcionário da Q…, com depoimento prestado no dia 28/10/2013, das 16:33:39 às 16:59:40, S…, Engenheiro Naval, com depoimento prestado nos dias 14/11/2013, das 11:10:31 às 12:39:58 e entre as 14:17:15 e as 15:34:01, bem como vem indicada a descrição, constante de fls. 38 do doc. n.º 2 junto pela R. D… na sua Contestação, da realização de mergulhos levados a cabo pelo Grupo de Mergulho Forense da Armada, bem como levantamento do leito do rio, efectuado por sonar e por filme, realizados pela Equipa da Divisão de Geologia Marinha do Instituto Hidrográfico da Marinha;
5 – De tais elementos, foi referidos por essas testemunhas, a caracterização do fundo do rio – rochoso/xistoso – a forma como se encontra dispostos no leito a grua que caiu primeiro e o batelão, a existência de um monte de areia com seis metros e o cabo da grua que passa por baixo do mesmo, elementos que, à saciedade, são por demais pertinentes para apurar os factos em causa e decisivos para a descoberta da verdade material;
6 – Por outro lado, aquando da junção aos autos de certidão do processo crime relativa aos mesmos factos, constante de fls. 703 a 1089, foi negada a admissão dos referidos relatórios de mergulho e sonar por se ter entendido que toda a prova aí existente deveria ser reproduzida, mutatis mutandis nos presentes autos (vide despacho de fls., proferido a 20/05/2013 com a Ref.ª 687014);
7 – É o mesmo Tribunal que pretende a renovação dessa prova que agora a impede;
8 - São tais elementos probatórios e os demais esclarecimentos que deles resultarem que, à sombra de evidente saciedade e ressalvado o respeito por melhor opinião, se mostram de particular pertinência e utilidade, já que poderão infirmar ou estribar os factos constantes da base instrutória, designadamente os quesitos 3º, 10º a 13º e como contraprova do quesitos 44º a 47º, atenta a tese das A.A./Recorrentes.;
9 – De resto, entende o douto despacho agora em crise, que nenhuma testemunha até então inquirida ou qualquer outro elemento dos autos permite presumir que aqueles mergulhadores ou o Sr. Comandante tenham conhecimento directo de algum facto relativo ao fundo do rio ou outro com relevo para a decisão da causa (sic) - em face do exposto é flagrante que, ressalvado o devido respeito, que é muito, o que doutamente invoca - e com certeza por mero lapso – contraria a verdade (ver as remissões a este respeito, para as para as expressas declarações das testemunhas referidas pois foram vários os depoimentos a mencionar tais relatório de mergulho, do sonar e filme de fundo de rio);
10 - Todavia, foram tais depoimentos, incompreensivelmente, indeferidos, e diz-se, incompreensivelmente, porque é manifesto o carácter angular, decisivo e pertinente que os mesmos aportam para a boa decisão da causa;
11 - Com a audição do Eng.º AD…, foi dada explicação sobre os cálculos ínsitos nos modelos geométrico-matemáticos que permitiram alcançar o cálculo de simulação de estabilidade do navio, a que se reportam as conclusões constantes do Anexo 2 junto com a Contestação da R. D…, designadamente, aí se percebeu da estabilidade do navio de acordo com algumas variáveis, tendo sido o factor tido por preponderante no desenlace do sinistro, o peso da sua carga;
12 - Todavia, das instâncias resultou que, dentro das variáveis introduzidas no modelo geométrico-matemático, não foi atendida a componente dinâmica do navio, relativa à alegada falha da bomba do leme e consequente guinada juntamente com a alegada deslocação do contrapeso das gruas;
13 - Ora, mais foi referido que tais cálculos poderão ser efectuados, pelo que afigurando-se de particular importância para o esclarecimento de quaisquer dúvidas que o tribunal possa ter, os mesmos não poderiam ser, também, indeferidos;
14 - Ora o Tribunal a quo, no seu douto despacho em crise, reconhece que não lhe compete completar ou esclarecer algo que não foi produzido por sua iniciativa, ou seja, assume a sua incompletude. Ora, parece-nos que, ressalvado o devido respeito, que a questão central não é saber quem apresenta o documento ou sob que auspícios o mesmo foi elaborado, se é documento particular ou não: pertinente é saber da sua relevância para o esclarecimento da verdade;
15 –E essa pertinência não foi afastada pelo douto despacho agora em crise, pelo contrário: conformar-nos-íamos com o douto despacho caso do mesmo resultasse que tais esclarecimentos não poderiam concorrer para qualquer tipo de esclarecimento do Tribunal, e apuramento da verdade material, mas tal fundamento não foi convocado – porque não poderia já que é manifesto que o que as Recorrentes pretendem com este requerimento é: afastar qualquer dúvida sobre os cálculos de hidrostática, fazendo constar dos mesmos variáveis cujo não esclarecimento possa suscitar dúvidas sobre o seu alcance; e permitir que sobre o mesmo seja, também, efectuado um juízo por quem seja idóneo, neste caso técnico habilitado do IPTM;
16 - Desta forma, salvo melhor opinião, afigura-se manifesto que os três requerimentos amplamente excedem um carácter, meramente, instrumental, antes assumem-se como essenciais para a descoberta da verdade material, desde já resultando evidência de que a sua averiguação é decisiva para os presentes autos.
17 - Donde, se o pleno escrutínio dos factos se demonstra relevante, mais ressalta a manifesta importância das diligências necessárias ao seu probo apuramento, as quais equivalem ao apuramento da verdade material, fazendo-a verter para os presentes autos, para que assim se possa alicerçar uma boa decisão da causa;
18 – Nesse sentido e porque da prova, in totum, até agora produzida nos presentes autos, resulta a ausência de conhecimento directo de tais factos, afigura-se que o despacho em causa violou os artigos 411º e 526º n.º 1 e 2 do C.P.C. ex vi art.º 1.º n.º 2 do C.P.T. bem como o princípio da oficiosidade na recolha da prova;
19 - Temos, pois que o art. 526º do NCPC, correspondente ao antigo art.º 645 CPC dispõe que «quando no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz que seja notificado para depor».
20 - Diz Lebre de Freitas (C. P. C Anotado Vol. 2, pag. 599) o seguinte: «A inquirição oficiosa deixou de poder ter lugar apenas quando o conhecimento da importância da testemunha chegasse ao juiz através de outros depoimentos…(…) Por fim esclareça-se que o juiz não tem um poder discricionário (…) mas um dever vinculado, devendo tomar a iniciativa da prova quando os requisitos do nº 1 se verifiquem, sob pena de nulidade, nos termos gerais do art. 201»;
21 - No sentido de que a previsão do antigo art.º 645º CPC, correspondente ao agora 526º do NCPC, não contém um poder discricionário, vai a generalidade da jurisprudência conhecida, de que a título de exemplo se cita: Ac TRP de 08.03.2004 (proc. nº 0316725, consultável na internet) ou Ac STJ de 14.11.2006 (proc. nº 06ª3427, relator Azevedo Ramos (consultável na internet).
22 - Aqui chegados, haverá que concluir que a previsão do art. 526º do NCPC, não contém em si um poder discricionário, mas um «poder-dever» e que verificados os pressupostos contidos na mesma previsão, «deve» o juiz ordenar a inquirição da pessoa em causa;
23 - Ressalvado o devido respeito por melhor entendimento, e considerando que estamos perante um poder-dever, o seu não exercício corresponde à omissão de um acto que a lei prescreve e que influi no exame e na decisão da causa, art.º 195º NCPC, pelo que se trata de uma nulidade: o que aqui, expressamente, se invoca, art.º 197º, em tempo, art.º 149º ex vi art.º 199º n.º 1 e 3;
24 - Sendo assim, deverá ser o despacho recorrido revogado por violação dos art.ºs 411º e 526º n.º 1 e 2 do N.C.P.C. ex vi art.º 1.º n.º 2 do C.P.T. e ainda considerado nulo, por omissão da prescrição legal art.ºs 195º, 197º e art.º 149º ex vi art.º 199º n.º 1 e 3 e 77º do CPT.
TERMOS EM QUE deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita as requeridas produções adicionais de prova e, consequentemente, sejam produzidos os depoimentos aí referidos, por ser de Direito e de JUSTIÇA.».

Não consta do expediente que acompanha os recursos em separado que a parte contrária tenha apresentado resposta aos mesmos.

Por despacho de 04-08-2014 os recursos foram admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, tendo ainda sido fixado valor à causa (€ 86.098,46).

No seguimento, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde, ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido do provimento de ambos os recursos.
Entretanto, por despacho de 24-11-2014 do Exmo. Relator a quem os autos foram distribuídos naquele tribunal, foi declarada a incompetência em razão do território do mesmo tribunal para conhecer dos recursos e atribuída a competência a este tribunal.

Transitado em julgado o despacho, foram os autos remetidos a este tribunal.

Preparada a deliberação, cabe, agora, tomá-la.

II. Objecto do recurso e Factos
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Assim, tendo em conta as conclusões apresentadas pelas recorrentes, a questão essencial a decidir centra-se em saber se existe fundamento para a admissão dos meios de prova por aquelas requerido.
Concretamente, em relação ao recurso das Autoras, importa apurar se existe fundamento para:
i) proceder à inquirição como testemunha do Eng. L…;
ii) proceder à inquirição como testemunhas dos Agentes do Grupo de Mergulho da Armada, T…, U…, V…, W…, X… e Y… e dos elementos do Instituto Hidrográfico da Marinha, 2.ª tenente Z…, Subtenente AB… e Cabo AC…;
iii) proceder à audição de alguém que venha a ser indicado pelo IPTM com vista a esclarecer sobre cálculos de hidrostática, fazendo constar dos mesmos diversas variáveis face à posição assumida pelas partes nos articulados.
Já em relação ao recurso da Ré seguradora, e tendo em causa as conclusões das alegações de recurso, importa apurar se existe fundamento para a audição como testemunhas das pessoas referidas em i) e ii), e ainda do Comandante AL…, bem como para a admissão dos documentos cuja junção foi requerida.

Os factos a atender com vista à resolução dos recursos são os que constam do relatório supra, que aqui se dão por reproduzidos.
Para além desses, importa ainda fazer referência a alguns elementos que constam da matéria de facto assente no despacho saneador, bem como da base instrutória.
Assim:
1. Na matéria de facto assente consta, entre o mais, o seguinte:
«C) Depois de se virar, e antes de se afundar, o mesmo batelão ficou com a proa virada no sentido do quadrante sudeste e com o leme para bombordo, vindo a afundar-se na posição GPS Lat=41º03´29.86´´N e Long= 008º19´31.27, ficando assente no fundo do rio virado ao contrário, com a quilha para cima, com a respectiva proa apontada para o quadrante sudeste, a Lat= 41º03´28,7´´ N e Long= 008º19´28,6´´ W, com a quilha, à popa, a uma cota de 27,8 metros, o casario assente no fundo a uma cota de 33 metros (27,8 metros + pontal) e a quilha, à vante, a 13,8 metros.
D) A grua da ré, depois de se afundar, posicionou-se a montante e a norte do navio afundado, a 41º03´30.7 N 008º19´27.8´´W.».
2. Constam da base instrutória, entre outros, os seguintes artigos:
«3) Ficando a embarcação completamente carregada, excedendo o limite máximo da sua tara em valores superiores a 2 mil toneladas?
10) E fez com que a areia caísse e se derramasse?
11) Tendo o sinistrado sido arrastado pela queda das areias, que o impossibilitaram de emergir?
12) Areia esta que formou, no fundo do rio, um monte com cerca de seis metros de altura?
13) Onde o sinistrado ficou soterrado?
25) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), a R. E… exercia a actividade referida em 1), concretamente fazendo a lavagem das areias?
26) E vinha a navegar de montante (nascente) para jusante (foz), com leme a estibordo e a operar com os baldes submersos ao lume de água do lado bombordo?
27) Ao chegar à curva de …, …, Penafiel, onde o rio … tem uma profundidade de cerca de 30 metros, a breca da grua de ré (nº 3) soltou-se, após o que o respectivo balde se afundou e se prendeu no fundo, na margem ou no leito do rio?
28) O que fez o navio guinar sobre o eixo do cabo da grua até atingir proas a dizer para quadrante de sudeste, levando o respectivo mestre meter leme a bombordo?
29) Com o que o cabo da grua de ré, com a tensão nele exercida, partiu a fixação da grua ao convés, e se deslocou transversalmente para bombordo, se separou do navio e depois caiu à água?
30) Fazendo adernar o navio, movimentar toda a sua carga para o mesmo lado, entrar, a água dentro daquele fazendo-o, virar?
31) As restantes duas gruas mantiveram-se fixas à embarcação?
32) O sinistrado foi resgatado das águas e com as roupas e galochas de borracha, de perna completa, vestidas e calçadas, sem qualquer colete salva-vidas?
33) Por força do aviso referido em K) a partir de 10.01.2011 foi suspensa a navegação no rio … entre o km 9.5 (defronte ao…, no Porto) e o km 207 (cais de …)?
34) Aquele aviso e a suspensão de navegação por ele determinadas foram confirmados pelo aviso à navegação nº …/2011-IPTM-DND de 16.03.2011?
35) E só foram revogados pelo aviso à navegação nº …/2011-IPTM-DND de 28.03.2011, que veio permitir, de novo, a navegação no rio?
36) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) o sinistrado calçava galochas de borracha de perna completa que lhe tinham sido entregues pela 2ª ré, ordenando-lhe que as calçasse e usasse em serviço e durante a navegação como equipamento de trabalho?
37) O rol de tripulação e a lotação do navio previam a existência de um maquinista, que assegura as tarefas necessárias à manutenção da segurança da navegação durante a viagem?
38) Na data referida em A) AN…, maquinista prático com a inscrição marítima nº ….. não seguia a bordo?
39) O que era do conhecimento da R. E…?
40) A R. E… deu ordem ao mestre do navio em causa, AO…, e bem assim ao sinistrado G… e demais tripulação daquele navio, para que, na data referida em A), entrassem nele a bordo, navegassem no rio … e fizessem extracção e lavagem de areias, saindo do cais …?
41) O que tudo aqueles cumpriram e fizeram?
42) A R. E… dedica-se à indústria da construção de obras particulares e públicas fluviais, lacustres e marítimas, com recursos a embarcações de diversos tipos e aos equipamentos nelas instalados que permitem trabalhos de dragagens, construção de cais, marinas, colocação de materiais flutuantes, enrocamentos, instalação e reparação de condutas submarinas, colocação de pilares e outras obras auxiliares em pontes e todo o tipo de trabalhos executáveis no plano de água ou a partir do plano de água, como sucede muitas vezes em edificações ou reparações à margem de rios ou na costa de mar?
43) A embarcação referida em A) configura um navio de mar adaptado às exigências dos trabalhos referidos em 42), para execução dos quais foi adquirido, apetrechado e empregue até à ocorrência do naufrágio?
44) Nas circunstâncias referidas em A), a embarcação navegava, sem carga, com destino a …, Gondomar, a fim de aí recolher materiais pertencentes à Ré E…?
45) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), após ter disparado o alarme do leme e o mestre ter desligado a bomba do servo hidráulico e tentado, sem sucesso, ligar a outra bomba, a embarcação ficou sem leme quando descrevia a Curva de …?
46) Iniciando viragem a bombordo à velocidade de 11 nós e com a máquina propulsora a 900 rotações por minuto, e, nessa circunstância, as lanças da gruas da ré e do meio da embarcação rodaram subitamente a bombordo?
47) Tal deslocação fez com que a embarcação adornasse para aquele mesmo lado e tivesse virado?».

III. Fundamentação
1.1. Como decorre do relatório supra, nos autos principais está em causa apurar a responsabilidade pela reparação do acidente que vitimou em 09 de Março de 2011 G….
As partes não parecem questionar que o referido acidente é de qualificar como de trabalho, mas sim as razões de tal acidente: enquanto as Autoras e a 1.ª Ré, aqui recorrentes, sustentam a culpa da 2.ª Ré na produção do acidente – alegando para tanto, ao fim e ao resto, que o acidente se ficou a dever à circunstância de a 2.ª Ré não ter licença para a extracção de inertes no rio e, não obstante, no dia em causa proceder a essa extracção com 3 gruas na embarcação e que encontrando-se esta completamente cheia de areia, ultrapassando a tara máxima, o movimento descoordenado de uma grua provocou o desequilíbrio da embarcação e, enfim, o acidente –, já de acordo com a 2.ª Ré, que era a empregadora da infeliz vítima, não terá havido culpa da sua parte na produção do acidente – uma vez que a embarcação navegava sem carga, a fim de recolher materiais que não eram necessários à realização de uma obra, e por razões desconhecidas adernou e virou, provocando o acidente que vitimou G… –, pela que competirá à 1.ª Ré a reparação do acidente, já que para ela havia transferido a responsabilidade infortunística-laboral.
Impõe-se, por isso, apurar as concretas circunstâncias que provocaram e em que ocorreu o acidente.
E, com vista a apurar essas concretas circunstâncias, ou seja, com vista a apurar a verdade material, na audiência de julgamento realizada em 29-05-2014, ancorando-se no disposto nos artigos 411.º e 526.º do CPC, por remissão do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, as Autoras e a 1.ª Ré requereram a produção de diversos meios de prova, mais concretamente de prova documental e testemunhal.

1.2. No processo do trabalho o poder do juiz é mais amplo que no processo civil, tendo em conta os interesses em presença, com prevalência da justiça material sobre a justiça formal.
Tal prevalência das questões de fundo sobre as questões de forma, ou seja a obtenção de uma solução justa e, por essa via, a preservação da paz social, cujo âmbito de aplicação terá, contudo, como limite a causa de pedir (Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, p. 278), mostra-se presente, designadamente, através da possibilidade do tribunal ampliar a matéria de facto ou da condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação do direito à matéria de facto provada (cfr. artigos 72.º e 74.º).
Porém, no caso a questão não se coloca em termos de ampliação da matéria de facto ou de condenação além do pedido, mas sim do recurso a outros meios de prova, para além dos indicados pelas partes, com vista ao apuramento da verdade material.
Não se localizando no CPT que se encontre regulada especificamente esta matéria haverá então que atentar no que dispõe o CPC, por remissão subsidiária do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), daquele compêndio legal.
Nos termos do artigo 411.º do actual CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), a que corresponde o artigo 265.º, n.º 3, do anterior CPC, no que se refere à produção da prova, “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, quanto aos factos que lhe é licito conhecer”.
Como assinala Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 177, nota 23), embora o juiz não esteja sujeito ao prazo das partes para a proposição da prova, constituindo uma das finalidades da audiência prévia a programação da audiência final, aquele é o momento mais adequado para o juiz determinar as diligências probatórias que entenda realizar ou ordenar.
E mais adiante (pág. 218) acrescenta o mesmo autor:
«O juiz pode a todo o tempo ordenar oficiosamente diligências de prova (art. 411), sendo, porém, aconselhável que o faça na fase da condensação (…), sem prejuízo das diligências que só depois dela entenda serem necessárias».

Estando em causa uma acção especial emergente de acidente de trabalho, o rol de testemunhas pode ser apresentado no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho saneador (artigo 133.º, do CPT).
Porém, de acordo com o artigo 526.º do actual CPC, a que corresponde o n.º 1 do artigo 645.º do anterior Código, “[q]uando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor”.
De tais preceitos se retira, pois, que o juiz pode, ou melhor, deve determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que, como se escreveu no acórdão deste tribunal de 18-11-2013 (Proc. 851/10.8TTVFR-B.P1) “(…) o mesmo tenha aptidão para fazer corresponder a realidade processual à extraprocessual.
(…)
Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (artº 516º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente no processo de instrução da causa».
E mais adiante acrescenta-se no mesmo aresto: «(…) reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário. Condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória.
Como salienta Lopes do Rego : “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.
(…)
Se, como salienta Nuno Lemos Jorge [“Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, na revista “Julgar”, nº 3, pág. 70], a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outro diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse”[].
Significa isto que a investigação oficiosa de que estamos a tratar não deve ser exercida apenas porque foi sugerida ou requerida por uma ou por ambas as partes, mas porque tem mérito em si mesma, em função dos elementos probatórios em que se apoia e dos fins que visa alcançar. O que tem como consequência que essa investigação pode ser exercida sem o concurso da vontade das partes ou até mesmo contra essa vontade.
Por outro lado, também não basta para desencadear essa investigação a mera referência por uma testemunha de que outra pessoa não arrolada conhece ou participou em determinado evento. Como é sabido pelas regras da experiência comum, muitas pessoas podem ter entrado em contacto com um acontecimento concreto, sem que, ainda assim, se encontrem habilitadas a testemunhá-lo em aspetos que não apreenderam.
O que é decisivo, pois, para que os citados poderes de investigação oficiosa sejam exercitados, não é que sejam sugeridos pelas partes ou por outros intervenientes acidentais, mas que tenham uma utilidade presumida, em si mesmos, devido, como dissemos, aos elementos em que se apoiam e aos fins que visam alcançar, que necessariamente devem estar ligados à descoberta da verdade material e à correta decisão da causa.».

No caso em apreciação, como se disse, importa apurar as circunstâncias e o(s) motivos(s) por que ocorreu o acidente.
Na apreciação da relevância ou não dos meios de prova requeridos pelas recorrentes, não poderá deixar de se ponderar, por um lado, que se trata de um processo de acidente de trabalho, em que o princípio do inquisitório se mostra mais acentuado, tendo em conta a necessidade de protecção das vitimas daquele ou dos seus beneficiários legais, e, por outro, tendo em conta as circunstâncias específicas em que o acidente terá ocorrido – em que conforme já consta dos factos assentes no despacho saneador [alíneas A) e F)]o navio adernou e virou, vindo a afundar-se, tendo cerca de dois dias depois, quando a Ré E… procedia a manobras de reflutuação do navio que estava no fundo do rio, sido resgatado das água o corpo do sinistrado G… – apresenta maiores dificuldades o apuramento e esclarecimento dos factos, demandando, porventura, a necessidade de audição de diversos técnicos intervenientes nas operações que culminaram com a recuperação do corpo do sinistrado.
Serve o que se deixa referido para enfatizar que na apreciação dos recursos não poderá deixar de se ter presente não só processo donde os mesmos emergem, como também a concreta especificidade inerente ao caso.
Feita esta prévia advertência, analisemos, então, se os meios de prova requeridos pelas aqui recorrentes na audiência de julgamento de 19-05-2014 podem assumir relevância para a descoberta da verdade material.

2. Quanto aos meios de prova requeridos pelas Autoras
2.1. Quanto à audição do Engenheiro L…
De acordo com a alegação da Ré E…, S.A., o acidente teria ocorrido quando a embarcação navegava, sem carga, com destino a …, Gondomar, a fim de recolher materiais que lhe pertenciam e que já não eram necessários à realização do trabalho que executou por conta da empreiteira geral da obra de construção da nova ponte fluvial.
O que daqui se extrai de relevante para o apuramento dos factos, é determinar se efectivamente a embarcação navegava, sem carga, para recolher materiais pertencentes à Ré E…, S.A.
Esta factualidade consta, basicamente, do n.º 44 da base instrutória.
A testemunha J… ouvido sobre a matéria revelou desconhecimento sobre a mesma, afirmando contudo que o Eng. L…, por estar ligado ao serviço de “Direcção de Produção” da ponte, poderá ter conhecimento de tal factualidade.
Ora, a factualidade em causa assume importância no apuramento das circunstâncias do acidente, maxime na versão factual da Ré E…, S.A..
E sendo afirmado por uma testemunha que outrem, que não foi chamado aos autos, poderá ter conhecimento directo dessa factualidade, entende-se, tendo em conta a natureza e especificidade do processo e, com ele, a necessidade de apuramento da verdade material, que deve proceder-se a audição dessa pessoa, no caso do Eng. L….

2.2. Quanto à audição de Mergulhadores da Armada e do Instituto Hidrográfico da Marinha que realizaram mergulhos no rio no âmbito do sinistro ou que efectuaram o levantamento do leito do mesmo.
Tendo em conta a factualidade controvertida entende-se ser relevante apurar das características do rio, designadamente quanto ao fundo e ao leito, se apresentava inertes no local do sinistro e até da posição à data do navio, matéria que não se mostra completamente esclarecida nas alíneas C) e D) da matéria assente.
Com vista ao esclarecimento de tais factos entende-se que as pessoas que realizaram o mergulho, pertencentes à Armada e/ou Instituto Hidrográfico da Marinha, poderão ter conhecimento directo de factos que esclareçam tal circunstancialismo.
É certo que já foram produzidas provas sobre os factos: contudo, não se afigurando as mesmas inequívocas, e existindo pessoas que desenvolveram diligências no rio relacionadas com o acidente em apreciação é de admitir que tenham conhecimento de factos relevantes para o apuramento daquele.
Por isso, também quanto a este elemento de prova se entende ser de deferir o mesmo.

2.3. Quanto aos cálculos ínsitos nos modelos geométrico-matemáticos que permitam efectuar o cálculo de simulação da estabilidade do navio
Com a contestação, a Ré seguradora juntou, entre outros, um documento particular onde são apresentados cálculos quanto à estabilidade do navio.
Se bem interpretamos o requerimento das Autoras sobre esta matéria, o que pretendem é que o tribunal determine a realização de “cálculos e modelos geométrico-matemáticos” do navio, atendendo às diversas variáveis em discussão nos autos, como, por exemplo, carga ou ausência dela, guinada do leme, deslocação dos contrapesos das gruas, velocidade do navio (11 nós), etc.
Ora, por um lado, não resulta claro dos elementos que acompanham os autos que seja possível a realização de tais “cálculos” (prova pericial, na acepção do artigo 388.º do Código Civil?): aliás, se os mesmos eram possíveis não se detecta o porquê de a(s) parte(s) não ter(em) oportunamente apresentado um documento com tais cálculos; por outro, e mais significativo, não se vislumbra da relevância de serem efectuados “cálculos” tendo em conta as diversas variáveis, ou seja, para situações hipotéticas e não para uma concreta situação.
Se é certo, como se deixou afirmado e resulta da lei, que o juiz pode ordenar oficiosamente as diligências de prova com vista ao apuramento dos factos, tais meios de prova ter-se-ão que revelar aptos a esclarecer os factos; ora, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, não se detecta que os “cálculos” da estabilidade do navio, tendo em conta as mais diversas variáveis, contribuísse de modo relevante para o apuramento dos factos.
É, pois, de indeferir a realização da diligência requerida.

3. Quanto aos meios de prova requeridos pela Ré seguradora nas alínea a) a g) do n.º 5 do requerimento que apresentou em 19-05-2014
3.1. Em relação aos meios de prova referidos em a) a e) do referido n.º 5 do requerimento
Estão em causa, ao fim e ao resto, documentos/relatórios/filmes elaborados por diversas entidades referentes às características do rio e objectos nele encontrados após o acidente.
Tais elementos haviam já sido requeridos no final da contestação apresentada pela Ré seguradora (fls. 208 a 210 dos presentes autos).
No despacho saneador proferido em 16-10-2012 indeferiu-se a junção de tais documentos, sem prejuízo da ampliação da base instrutória e da produção de mais meios de prova (fls. 53 dos presentes autos).
Posteriormente, em 16-01-2013, na sequência de um pedido de esclarecimento da Ré seguradora, o tribunal a quo afirmou que «(…) encontrando-se assentes vicissitudes técnicas relativas ao modo com o navio adernou, virou e afundou, não se afigura necessário dotar os autos de mais elementos na mesma senda, sem prejuízo de, verificando-se a situação prevista no artº 72º do CPT, novos elementos de prova poderem ser requeridos e produzidos».
E quanto aos meios de prova produzidos no processo de inquérito n.º 7/11.02MAPRT, afirmou-se no mesmo despacho que teriam quer ser repetidos no processo, pelo que quanto aos meios de prova constituídos em tal inquérito, mormente a prova documental, as respectivas certidões podiam ser requeridas e juntas pelas partes (fls. 339 do suporte informático do processo).
No seguimento, tendo a Ré/seguradora requerido a junção das certidões em causa, por despacho de 20-05-2013 (fls. 570 e 571 do suporte informático do processo) embora se tenha afirmado que «[q]uanto aos meios de prova constituídos (mormente prova documental) os mesmos poderão permanecer nos autos, desde que não se mostrem repetidos, como acontece com as notícias de jornal contemporâneas ao evento infortunístico», concluiu-se no referido despacho apenas com a admissão de alguns documentos que, ao que se extrai do presente recurso em separado, não incluem os ora em apreciação.
Ora, os documentos em causa – consistentes, essencialmente, em autos de exame directo ao navio e ao leito do rio, filmes e relatórios de levantamento hidrográfico do fundo do rio – assumem importância ao esclarecimento dos factos, tendo em vista apurar as circunstâncias do acidente.
Por isso, tendo presente o disposto no artigo 411.º do CPC, entende-se ser de deferir o requerido.

3.2. Em à prova testemunhal requerida nas alíneas f) e g) do n.º 5 do requerimento de 19-05-2014 apresentado pela Ré seguradora
A recorrente não identifica as concretas testemunhas, com excepção do Comandante AL…, que pretende que sejam ouvidas: limita-se a afirmar que são as pessoas identificadas em 1.a) do mesmo requerimento, «com excepção das já ouvidas nos autos».
Face aos elementos constantes dos presentes autos de recurso em separado, julga-se que a recorrente pretende que sejam ouvidos como testemunhas os Agentes do Grupo de Mergulho Forense da Armada T…, U…, V…, W…, X… e Y… e os elementos do Instituto Hidrográfico da Marinha, 2.ª Tenente Z…, Subtenente AB… e Cabo AC…, identificados pelas Autoras no requerimento apresentado na mesma data.
Em relação à audição das pessoas em causa, vale aqui, mutatis mudandis o que se afirmou em 2.2.: tendo as pessoas em causa efectuado mergulho ou procedido ao levantamento do fundo do rio, por filme ou por sonar, ou, enfim, procedido a diligências com vista a localizar o corpo de G…, o seu depoimento pode assumir relevância com vista ao esclarecimento dos factos, designadamente quanto a apurar quanto às características do fundo do rio, se apresentava inertes no local do sinistro e até da posição à data do navio, pelo que, como já se deixou afirmado a propósito do recurso das Autoras, entende-se ser de admitir os depoimentos em causa.

Assim, e em suma, é de concluir pela procedência parcial das conclusões das alegações de recurso das Autoras e, em consequência, deverá a 1.ª instância proceder à audição das pessoas indicadas em 2.1. e 2.2., improcedendo o recurso no que respeita aos “cálculos geométrico-matemáticos” referente a 2.3.
Procede o recurso da recorrente seguradora quando à admissibilidade dos meios de prova mencionados em 3.1. e 3.2.
Anote-se que em relação à audição das testemunhas residentes fora da Comarca, as mesmas poderão ser ouvidas por teleconferência se o tribunal a quo assim o entender (cfr. artigo 502.º, do CPC).

De acordo com o disposto no artigo 527.º, do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso, está em causa em ambos os recursos a admissibilidade de meios de prova.
Embora as Autoras não tenha obtido total provimento na sua pretensão – já que foi indeferido o recurso quanto “cálculos ínsitos nos modelos geométrico-matemáticos” –, entende-se, no âmbito do recurso versando a produção de meios de prova ao abrigo do princípio do inquisitório, que tal assume escassa relevância e autonomia.
Por tal motivo, as custas de ambos os recursos deverão ser suportadas pela parte vencida a final.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelas Autoras e, em consequência, determina-se a admissibilidade e produção de prova por elas requerida, com excepção dos “cálculos ínsitos nos modelos geométrico-matemáticos”, nos termos que se deixaram supra analisados;
2. Julgar procedente o recurso interposto pela Ré D…, e em consequência, determina-se a admissibilidade e produção da prova por ela requerida, nos termos que se deixaram supra analisados.
Custas de ambos os recursos pela parte vencida a final.
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Porto, 09 de Fevereiro de 2015
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
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Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
i) nos termos da lei processual civil (cfr. artigos 411 e 526.º), o juiz tem o poder-dever de determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa;
ii) estando em causa um processo de acidente de trabalho, o princípio do inquisitório mostra-se acentuado, tendo em conta a necessidade de protecção das vitimas daquele ou dos seus beneficiários legais;
iii) por isso, o juiz deve admitir a produção de prova requerida na audiência de julgamento, na sequência da prova até então produzida, designadamente testemunhal, se da mesma resulta que aquela tem aptidão para a descoberta da verdade material.

João Nunes