Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1415/21.6T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
CONEXÃO
Nº do Documento: RP202203211415/21.6T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 03/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A reconvenção é uma ação que o Réu vem cruzar na proposta pelo Autor (sendo este, no seu âmbito, Réu (reconvindo) e aquele autor (reconvinte)).
II - Só é admissível a sua dedução se ocorrer um dos fatores de conexão com a ação inicial, previstos nas alíneas do nº2, do art. 266º, do CPC, que consagra, taxativamente, requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção.
III - Estão preenchidos os fatores de conexão previstos na al. a), do referido preceito, no caso de a causa de pedir da reconvenção ser densificada por factos que componham a mesma relação jurídica da ação (1ª parte) ou que, compondo relação diversa (2ª parte), integrem a defesa, seja por impugnação seja por exceção, apresentada, designadamente, que configurem, como causa justificativa da alegada atuação empreendida, a legitima defesa, o caso.
IV - A prova oferecida na contestação, proposição, também, para a reconvenção nela expressamente identificada e deduzida separadamente (em obediência ao estatuído no nº1, do art. 583º), é admissível e pode, mesmo, ser alterada ao longo do processo, designadamente, em caso de dedução de reconvenção, havendo réplica, nos termos da al. d), do art. 572º, e, ulteriormente, nos termos do disposto no art. 598º, preceitos estes do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1415/21.6T8VFR-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso:Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria José Simões
2º Adjunto: Abílio Costa


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I - RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorridos: BB

AA, Autor, na ação que propôs contra CC e BB, notificado do despacho que admitiu o pedido reconvencional deduzido pela Ré, com o seguinte teor: “Ao contrário do que defende o Autor na Réplica, a reconvenção baseia-se exclusivamente nos factos que servem de fundamento à defesa da Ré reconvinte e que se estriba na alegação de legítima defesa como justificação para o uso da força contra o Autor nos termos do artigo 337º do Código Civil. É da descrição dos factos em que se consubstanciou essa alegada legítima defesa – agressão física e verbal do Autor -, que a Ré retira a sua pretensão ressarcitória.
Admito, assim, a reconvenção por decorrer dos fundamentos da defesa, nos termos do artigo 266º, número 2 a) do Código de Processo Civil”,
dele apresentou recurso de apelação, pugnando por que o recurso seja julgado procedente por provado e, consequentemente, seja revogado o despacho recorrido, considerando não admitida a reconvenção e, caso assim não se entenda, seja a mesma considerada nula, por ser inepta, e, na improcedência das anteriores questões, deve ser considerada a inexistência de meios de prova referentes à reconvenção, com base nas seguintes
CONCLUSÕES:
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A recorrida apresentou-se a responder pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1º- Da inadmissibilidade da reconvenção e, a ser legalmente admissível, da nulidade, por ineptidão da mesma, dada a falta de causa de pedir;
- Da inexistência de meios de prova à matéria da reconvenção.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão, vicissitudes processuais, constam já do relatório que antecede.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º - Da inadmissibilidade e da ineptidão da reconvenção
Insurge-se o Apelante/Autor contra a decisão que admitiu o pedido reconvencional deduzido pela Ré por considerar inadmissível a reconvenção, dada a falta de conexão com a ação, que sempre será inepta, dada a falta de causa de pedir, sustentando, ainda, sequer prova à matéria da mesma ter sido oferecida, posição totalmente refutada pela parte contrária.
Apreciando.
A reconvenção configura uma contra-ação do réu contra o Autor, representando uma ação, distinta, que se vem cruzar na que o Autor intentou. Consiste num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constituindo uma contra-ação que se cruza na proposta pelo autor (sendo este, no seu âmbito, réu (reconvindo), enquanto aquele nela toma a posição de autor (reconvinte)).
Não é razoável, nem lícito, admiti-la independentemente de qualquer conexão com a ação inicial[1], sempre podendo, contudo, o Réu fazer valer o direito que não pode exercer na ação já proposta em nova ação, a propor por si.
Quanto aos requisitos substantivos da reconvenção rege o disposto no nº2, do art. 266º, do CPC, que define os planos em que se deve situar a conexão entre o pedido do Autor e o pedido reconvencional.
O referido preceito estabelece os fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção que tornam esta admissível. São eles:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas
à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”.
O pedido reconvencional não dispensa uma conexão com a ação, razão pela qual a lei impõe que o pedido do réu tenha de emergir do facto que serve de fundamento à ação ou à defesa (ou outro dos referidos fatores de conexão). Tais limites do pedido reconvencional são uma consequência do princípio da estabilidade da instância, que ocorre com a citação do Réu[2].
A doutrina e a jurisprudência consideram, unanimemente, que dizer-se na referida alínea a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa é o mesmo que referir-se quando a causa de pedir é a mesma.
“Todavia, há duas correntes jurisprudenciais a propósito de causa de pedir, para efeitos de reconvenção. Uma primeira que a define através de um dos factos essenciais, comum às normas fundamento da ação e da reconvenção. Uma segunda que entende que a causa de pedir se define através de todos os factos constitutivos da norma aplicável, isto é, que se define unicamente através dessa norma, ou seja, a fundamentação do pedido reconvencional tanto pode alicerçar-se nos factos jurídicos que servem de fundamento à acção como à defesa, nomeadamente quando esta assumir a modalidade de impugnação indireta ou motivada, a reconvenção pode assentar nos factos que o Réu utiliza para construir a realidade antagónica com a apresentada na petição inicial”[3].
A al. a), deve ser interpretada no sentido de que a reconvenção será admissível não apenas quando o pedido reconvencional se funda no mesmo facto jurídico que serve de suporte ao pedido formulado na ação, mas também quando emerge do acto ou facto jurídico invocado como meio de defesa e que seja susceptível de modificar, reduzir ou extinguir o pedido do Autor (2ª parte). Desde que se verifique uma coincidência parcial entre os factos que o Réu, ao contestar a tese do Autor, invocou para justificar os fundamentos da sua própria defesa, mantendo, todavia, outros que exorbitam estritamente dessa defesa uma conexão entre eles, tanto basta para que a reconvenção seja admissível[4].
Também o será quando não se enquadrarem estritamente na causa de pedir da ação, mas emergem de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indiretamente se impugnam os alegados na petição inicial[5].
Vejamos se entre o pedido da Ré e o pedido do Autor existe a conexão exigida por este preceito, designadamente pela parte final.
Pede o Autor a condenação dos Réus a pagarem-lhe indemnização, no montante de €59.950,00, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Verifica-se que a Ré se defendeu, invocando a sua atuação em legitima defesa, que, especificadamente, descreve, e vem deduzir reconvenção pela atuação do Autor, cujos factos essenciais, concreta e especificadamente, densifica, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 4.500,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros contados desde a data de notificação da reconvenção, alegando, para tanto, que o mesmo a agrediu, designadamente, desferindo golpes, com uma enxada, contra as zonas do seu corpo que menciona e arrastando-a pelos cabelos ao longo de cerca de 6 metros, causando-lhe os ferimentos, mal estar, dores e sofrimento que especifica nos artigos da contestação, sob o título “EM RECONVENÇÃO”, arts 43º e segs.
E bem pode ver-se que foi identificado o objeto do litígio como: a responsabilidade da Ré pelos danos causados ao Autor, em consequência do seu comportamento, e a correlativa responsabilidade do Autor/Reconvindo pelos danos por ele causados à Ré e por ela sofridos em consequência do comportamento do Autor;
e foram enunciados os temas de prova, entre eles:
“... 2.Arremesso pela Ré ao Autor de pedras dirigidas ao seu rosto e cabeça com descrição do momento, local e forma como tal ocorreu;
(…)
19.Comportamento do Autor no momento que antecedeu o referido em 2, com descrição das palavras que dirigiu à Ré e agressões que lhe infligiu.
20.Comportamento do Autor nos momentos que se seguiram ao arremesso de pedras referido em 2 descrição das palavras que dirigiu à Ré e agressões que lhe infligiu.
21.Lesões sofridas pela Ré em consequência do referido em 19 e 20.
22.Dores físicas que a Ré suportou em consequência dessas lesões e tratamentos das mesmas;
23.Sequelas de que a Ré ficou portadora em consequência dessas lesões.
24.Incapacidade temporária da Ré por causa dessas lesões e sequelas.
25.Dano estético da Ré em consequência dessas lesões e sequelas.
26.Padecimentos moras sofridos pela Ré em consequência do referido em 19, 20 e 25”.
Alegou a Ré a atuação do Autor, ilícita, culposa, que lhe causou lesões, bem indicando, especificadamente, os danos que aquele lhe provocou com o seu comportamento e a sua descrita atuação em legitima defesa.
Ora, o pedido da Ré emerge do facto jurídico invocado como meio de defesa, na contestação, sendo, na verdade, nela excecionada e legítima defesa, suscetível de modificar, reduzir ou, mesmo, extinguir o pedido do autor.
E, efetivamente, basta, até, que haja coincidência parcial entre os factos alegados pelo réu para fundamentar o pedido reconvencional e os alegados pelo Autor para fundamentar o pedido que formula na ação ou pelo Réu na contestação, em que se defenda por exceção, invocando factos que modifiquem, impeçam ou extingam o direito do Autor, para que a Reconvenção, sempre facultativa, seja admissível.
Existe, pois, conexão entre o pedido formulado na ação e o pedido reconvencional, não comportando este uma mudança do objeto do processo, proibida pelo art. 264.º.
E nenhuma inconstitucionalidade se desenha, designadamente por violação do nº1, do art. 20º, da CRP, já que as situações legalmente consagradas, de admissibilidade da reconvenção, são precisamente aquelas que, justificando-se pelos fatores de conexão estabelecidos, supra mencionados, asseguram, para além de outros interesses relevantes que se quis acautelar, um processo justo e equitativo.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, Processo n.º 139381/13.2YIPRT.C1, in www.dgsi.pt para que tal mudança seja lícita “é necessária a verificação de determinados requisitos processuais e objetivos ou substantivos, traduzindo-se estes num certo nexo do pedido reconvencional com a ação ou com a defesa (cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 322 a 329; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs 146 a 153; Alberto Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., pág 379; Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol., ed. Da AAFDL 1978/79, págs.292 a 312; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, 1999, pág. 488).
Estes últimos requisitos estão previstos no n.º 2 do art. 274.º do C.P.C. (atualmente nº2, do art. 266º, do novo CPC), onde se distinguem taxativamente três tipos de situações. Aqui importa analisar apenas as situações contempladas na alínea a), por ser demasiado evidente que as restantes não são aplicáveis ao caso em apreço. Nos termos da citada alínea a) a reconvenção é admissível «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa». A primeira parte desta alínea só pode ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da ação, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca; enquanto que a segunda parte tem o sentido de ela ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer ato ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos desta Relação de 16/9/91, na CJ, ano XVI, tomo IV, pág. 247 e do STJ de 5/3/96, no BMJ, 455.º, 389 e de 27/4/2006, proferido no processo n.º 06A945, acessível em www.dgsi.pt). Neste último acórdão escreveu-se: «Tratando-se de uma contraprestação, uma nova ação dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor». E mais adiante: «O pedido reconvencional tem de ter a sua génese…na causa de pedir do autor ou no qual se estriba a defesa. Emergindo da causa de pedir da ação, pode figurar-se a mesma causa de pedir (cf. Prof. Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório” I, 173) nos pedidos principal e cruzado. Se, porém, emerge do facto jurídico em que se estriba a defesa, a situação é buscar uma redução, modificação ou extinção do pedido principal (Cf. Cons. Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, II, 28). Isto é, o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito – regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.”. O acórdão desta Relação de 25/6/2007, proferido no processo n.º 0752896, acessível em www.dgsi.pt, considerou existir suficiente conexão entre os factos invocados na ação e na reconvenção e verificado o aludido requisito substantivo para a admissibilidade desta, quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indiretamente se impugna os alegados na petição inicial. Indubitável é a necessidade da existência de conexão entre o pedido da ação e o pedido reconvencional, a qual se traduz, no caso previsto na citada alínea a), na ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa.” – negrito e sublinhado nossos.
É manifesto que o pedido da Ré, ora Apelada, emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, em que vem invocada, e bem concretizada e especificada, a sua atuação em legítima defesa.
Com efeito, estabelece-se no artigo 337.º, do CC, com a epígrafe “Legítima Defesa” que:
“1. Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão atual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
2. O ato considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.”.
Assim, invocando a Ré, na defesa que apresentou a exceção da legítima defesa, como facto justificativo da sua atuação, tem de ser apreciado o pedido reconvencional intimamente ligado ao conhecimento daquela exceção.
Os factos alegados em sede de reconvenção integram, pois, os meios de defesa da Ré contra o Autor, podendo ter a virtualidade de impedir, modificar ou extinguir o direito que é conferido, por lei, a este.
Pela 1ª parte da alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – que o pedido do autor, pela 2ª parte de tal alínea, o pedido reconvencional funda-se nos mesmos factos em que o Réu funda uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial[6]. Ora, como vimos, a ação funda-se em violação dos direitos de personalidade do Autor e na responsabilidade civil extracontratual, que é exercida pelo mesmo na ação, e a Reconvenção na legitima defesa, pelo que o pedido, substancial, da ré, ao contrário do que entende o apelante, emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa (cfr. factos alegados na contestação que densificam a invocada legitima defesa), situação, esta, consagrada na al. a), do nº2, do art. 266º.
Como bem se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/11/2013[7], exemplificando, “não é de admitir a reconvenção quando na ação se invoca o incumprimento de um contrato de mandato, como causa de pedir do pagamento de uma determinada indemnização, pelos danos sofridos, e, na reconvenção, se invoca uma relação jurídica completamente distinta. Nele se considerou estar-se, na ação aí em causa, no âmbito de uma ação de responsabilidade civil (contratual), cuja causa de pedir (complexa) é constituída pelos factos concretos geradores da obrigação de indemnizar os danos decorrentes da actuação dos réus e, por sua vez, a reconvenção tem como fundamento uma relação jurídica completamente distinta, assente na imputação aos autores de uma conduta intencional lesiva do bom nome e reputação profissional dos réus, isto é, no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extra contratual, não existindo dúvidas sobre a inverificação da conexão exigida pela al. a), do nº2, do art. 274º, (equivalente à al. a), do nº2, do art. 266º, do atual CPC) do CPC, razão pela qual não é de admitir a reconvenção deduzida.
Tal situação não é a que se verifica in casu, sendo que a ação se funda em responsabilidade civil extracontratual, por ofensas à integridade física e à honra do Autor, e a reconvenção na atuação em legitima defesa, prendendo-se a relação jurídica reconvencional com a defesa apresentada na ação (defesa por exceção: a legítima defesa), dadas as alegadas agressões que estavam a ser levadas a cabo pelo Autor à Ré.
Na verdade, a referida alínea a) contém o requisito substantivo, fator de conexão com o pedido principal, existência de certa compatibilidade da causa de pedir da reconvenção com a causa de pedir do Autor, ou seja, com o facto jurídico de onde emerge o pedido inicialmente formulado. A admissibilidade do pedido cruzado implica que resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do Autor, ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, a qual tem como escopo regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do Autor[8].
Ora, tal compatibilidade do pedido do Réu com a defesa (legitima defesa) e mesmo com a causa de pedir do Autor, facto jurídico de onde emerge o pedido deste (responsabilidade civil extracontratual, pelos invocados factos ilícitos), existe. O pedido cruzado, contendo-se, mesmo, na causa de pedir do Autor, é a normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa (eventual modificação benigna do pedido a que pode conduzir).
Destarte, estão preenchidos os fatores de conexão previstos na parte final da al. a), do referido preceito, pois que, sendo a causa de pedir da reconvenção densificada por factos que, embora compondo relação jurídica diversa da da ação, tem de comum com aquela tratar-se da matéria de exceção deduzida.
Foi alegada a relação substancial, de questão meramente formal ou adjetiva se não tratando, sendo um direito – direito a indemnização -, fundado em responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos, que está a ser feito valer (art. 483º, do CC).
E de nulidade, por ineptidão, dada a invocada falta de causa de pedir, não padece a reconvenção pois que, como bem resulta do articulado em causa e acima se expôs, bem cumpriu a Ré o ónus de alegação, especificando os factos essenciais – os constitutivos do seu direito - que densificam os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, que a Ré pretende fazer valer.
Cumpriu, pois, o ónus de alegação e, oportunamente, em momento ulterior se aferirá do cumprimento do ónus da prova, para efeitos da definição do caso.
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2º - Da inexistência de prova oferecida à matéria da reconvenção
Tenha ou não sido deduzida reconvenção, o requerimento probatório do Réu deve ser incluído no articulado de contestação, em termos semelhantes ao que a lei estatui para a petição inicial – cfr. al. d), do art. 572º, do CPC.
Acresce que, a haver reconvenção, caso o Autor replique, ao Réu é, ainda, concedida a faculdade de alterar o requerimento probatório que inicialmente apresentou na contestação (no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica) – cfr. a supra referida disposição legal.
Assim, a prova oferecida na contestação, proposição, também, para a reconvenção nela expressamente identificada e deduzida separadamente (em obediência ao estatuído no nº1, do art. 583º, do CPC), e indicada imediatamente a seguir a esta, é admissível e pode, mesmo, ser alterada ao longo do processo, designadamente, em caso de dedução de reconvenção, havendo réplica, nos termos da al. d), do art. 572º, e, ulteriormente, nos termos do disposto no art. 598º, ambos do CPC.
No caso, suscita o Autor a questão de inexistência de especificada prova oferecida à matéria da reconvenção, concluindo que, “Como pede depoimento de parte do autor exclusivamente para factos da contestação, podemos intuir que trata de um requerimento de prova exclusivamente para a contestação. Pelo que não foram especificados quaisquer meios de prova para a reconvenção”.
Infundado é o que o Autor intui, não podendo ser, por nós, partilhada tal intuição.
O facto de ser requerido depoimento de parte a determinada matéria não permite deduzir que a prova testemunhal oferecida, imediatamente após deduzida a reconvenção, se não destina a provar a demais matéria alegada pela Ré e em discussão.
Cumpre deixar claro que, tal como resulta do articulado de contestação apresentado, bem foi oferecida prova que não pode deixar de ser para produção, também, à matéria alegada em sede de reconvenção.
Com efeito, a Ré ofereceu prova, designadamente testemunhal, nada permitindo restringir a matéria a que as testemunhas, que indica, vão depor, bem podendo oferecê-las a toda a matéria em discussão. E bem tendo cumprido o ónus de proposição da prova, bem foi a mesma admitida para ser produzida.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 21 de março de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Maria José Simões
Abílio Costa
______________________
[1] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, Coimbra Editora, página 517 e 520
[2] Ac. do STJ de 9/2/2012, Ver. 1386/09:Sumários, 2012, p.136, in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2017, Ediforum, pág 371
[3] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2017, Ediforum, pág 368
[4] Ac. RP, de 1/7/2010, proc. 1248/09.8TJPRT.P1.dgsi.net.
Cfr., ainda, Ac. RC de 28/1/2009, proc. 546/06, dgsi.net
[5] Ac. RP de 25/6/2007:JTR proc. 00040442. dgsi.net, in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2017, Ediforum, pág 370
[6] Idem, pág 517, 518
[7] Acórdão da Relação de Lisboa de 26/11/2013 Processo 1331.11.0TVLSB-A.L1-7, in dgsi.net
[8] Ac. do STJ de 27/4/2006, processo 06A945.dgsi,net, in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2017, Ediforum, pág 369